Resiliência






Ela tinha que admitir que era uma boa ideia casar-se na Grécia.
Uma ótima ideia, pra ser sincera, mas clichê. Como se o ato de se casar já não fosse, por si só, absurdamente romântico e fosse necessário fazer a cerimônia em uma ilha paradisíaca. Como se Henry e Elisa já não fossem duas vasilhas cheias de sorvete com marshmallow e chocolate derretido. Extremamente enjoativos.
Ela não era uma pessoa romântica. Nem se casaria na Grécia.
Talvez porque não tivesse escolha quando o assunto fosse amor - ou bons exemplos dele em sua vida. A ausência de amor a fizera amarga. Claro que seus pais a amavam. E seus irmãos também, e provavelmente sua tia e seu avô. Quanto aos seus primos, ela não poderia afirmar, mas devido às circunstâncias, se tal amor fosse fraterno, preferiria que não.
Mas não era desse tipo de amor que ela se referia. Ingênuos são os que acham que amor é um só. Que é uma via de mão dupla, entre sua família e você, e apenas isso. Que viver confortavelmente à sombra do sentimento dos seus pais por você é garantia de uma vida feliz. Essas mesmas pessoas, repletas de ingenuidade, acham que o resto é farsa, é ilusão de ótica. Tira a gente dos eixos e depois nos deixa sozinhos para lidar com as consequências da catástrofe. Ela achava que as pessoas tinham que aprender a ser solitárias; dessa forma, eventuais furacões ou tornados não seriam tão destrutivos.
Era a essas tempestades que ela se referia. Pra ela, era isso. Era aquela linha tênue entre o pânico e o êxtase, que fazia o coração bater mais forte, os níveis de adrenalina subirem, a respiração falhar. Mesmo sem nunca ter visto tamanho desastre, ela sabia que não era algo bonito. Sangrava e nos fazia transpirar e causava dores de cabeça horrorosas. Mas ela aceitaria de bom grado toda aquela hediondez, se durasse pra sempre.
Sonhar era estranho, sendo quem era; soava ridículo. Por isso, acostumara-se com sua solidão. Sua solidão, viajando num jato particular, claro.

Há muitos e muitos anos, usavam vestidos, longos e enormes, e o principal meio de transporte eram os cavalos. Reis governavam suas terras de forma absolutista e apenas reis – pois mulheres não eram boas o suficiente, preparadas o suficiente. Ser rainha era ser uma figurante no governo, no reino, e o requisito mínimo era fazer com que as pessoas fossem com a sua cara. Não existia eletricidade ou aviões, e os navios, grandes e imponentes que desbravavam os mares, eram de madeira e, com isso, frágeis, como o poder daqueles que os comandavam. As viagens eram muito longas, tudo era demasiado longe. Deus era a causa da doença e o remédio. A ignorância e a peste negra eram epidemias.
Com o passar do tempo, esse modelo de governo, a monarquia, foi se extinguindo através do globo. Países proclamavam independência por todo o mundo, se desvinculando de seus colonizadores e instituindo repúblicas e parlamentos – a tão famigerada democracia. Pernas de fora, navios indestrutíveis – com exceção do Titanic, claro -, aviões, trens, carros, eletricidade, internet, smartphones, Netflix. Poucas monarquias sobreviveram, e nascer príncipe ou princesa era sorte de poucos – ou azar.
A monarquia sobrevivente em questão era a Bélgica, com a mesma família real desde 1831.
Para a sorte de , princesa da Bélgica, especificamente em seu país mudou-se a lei que dizia que uma mulher não podia ser declarada Chefe de Estado. Portanto, ela era a próxima na linha de sucessão ao trono. Outras monarquias ainda estavam atrasadas em relação à isso. as chamava de arcaicas e machistas. Sociedades patriarcais e com medo de mudanças. Ela tentava entender; deveria ser assustador para um homem receber ordens de uma mulher – tanto quando era assustador para algumas mulheres receberem ordens de homens.
Ainda faltavam alguns anos para que ela fosse rainha, mas desde pequena fora preparada pra isso. Aulas de francês, de inglês, de alemão, de etiqueta, de balé, de hipismo. Aos 18 anos, ela sabia coisas demais e não arranjava uso para elas. A paciência não nascera com ela nem lhe fora ensinada.
Para o azar de , uma rainha solteira não era uma rainha bem vista. O sistema acompanhava o progresso, mas as pessoas gostavam de tradições. Ela não gostava muito das pessoas. Era por culpa delas, e de suas preferências egoístas, que lhe fora tirado o direito de amar. Eles a transformaram numa mentirosa, sem amor no peito e tendo que dizer e demonstrar o quanto amava sua nação e seus súditos.
Ela iria casar com seu primo de primeiro grau, Le Prince Joachim de Belgique, e não faltaria muito tempo agora. Sabia desde os 14 anos, mas lá, naquela época, a notícia não parecia importante; não era como se fossem casá-la aos 15. Mas, agora, já tinha 18 e entraria na faculdade. O noivado provavelmente seria anunciado no ano seguinte, para que ela terminasse os estudos tranquila, mas com um pesado diamante no dedo lembrando-a constantemente: “Nada de diversão na faculdade para , Duquesa de Brabante”.
Ele era charmoso, Joachim. Ela não o achava exatamente bonito, mas suas feições eram agradáveis. Sua mãe lhe dissera que teriam filhos lindos e isso a encheu de nojo. Ter um vislumbre do futuro que não queria para si era horrível, deixava um gosto amargo na língua. Ela queria, no mínimo, ter podido opinar. Mas ela não era Mia Thermópolis e sua vida não era um filme da Disney. Monarquias não funcionavam da mesma forma que a ficção as mostrava, por isso as meninas queriam tanto ser princesas.
A linhagem precisava continuar e seu pai, por algum motivo que ela não entendia e nem queria entender, queria que o sangue de seu marido fosse azul também. Ela não tinha muitas opções; a família real Belga não era tão grande quanto a Britânica. E todas as outras opções eram velhas demais. Talvez Joachim estivesse contente em tê-la como esposa, mas ela ainda não conversara com ele pra saber. Não conversava com ele já há alguns anos, mas lembrava que ele tinha um sorriso caloroso e roubava vinho da adega quando visitava o Castelo de Laeken.
Era isso que a irritava mais nessa história toda: casaria com um completo estranho e esse estranho era da sua própria família. sabia mais sobre suas empregadas do que sabia sobre seu futuro marido. Era assustador, além de irritante.
Irritante também era estar vendo um mar incrivelmente azul pela janela e não concentrar-se no agora.
Balançando a cabeça, resolveu que deixaria o amanhã para depois, durante aquele fim de semana, em homenagem ao casamento da sua melhor amiga. Pensar em como seu casamento provavelmente não seria feliz, não ajudava em trazer ao seu coração felicidade pelo casamento dos outros.
Talvez ela fosse amarga demais.

Jesse Rutherford era um cara sortudo.
Algumas revistas diziam que ele fora abençoado com um olhar expressivo, um sorriso canalha, que era um charme, e uma grande sensibilidade para poesia. Ele concordava com a parte gay da descrição sobre si mesmo, mas achava seus olhos caídos como os de um buldogue e seu sorriso sem graça. Quantas calcinhas ele conseguia tirar com seus atributos genéricos era outra história.
Mas não era sobre seus atributos físicos ou seu perfil na mídia a que ele se referia.
Fazer o que amava lhe proporcionou experiências além do esperado. Cada lugar novo que conhecia parecia como um ano a mais de vida acrescentado à sua sina, que diminuía drasticamente pelo consumo de álcool, cafeína e nicotina. Ele era um reservatório de veneno com gosto de vinho envelhecido em carvalho por quase um século.
A banda fazia uma mini turnê pela Europa, quando ele e os meninos foram informados de que muito em breve teriam férias. Uma semana ou duas, no máximo, então eles não deveriam se empolgar tanto, de acordo com o agente. Quatro dias haviam se passado, dois deles na França e os outros dois na Itália, quando eles ouviram que uma das meninas do staff tinha um casamento para ir na Grécia. Pensaram “por que não?”, já que a água do mar parecia ser mais azul e a música era divertida. Jesse também estava de olho nela já há algum tempo, então utilizou seu sorriso canalha e seu olhar expressivo e perguntou se ela não gostaria que ele a acompanhasse.
Então, no quinto dia de férias, lá estava ele e o resto da banda num avião de Florença em direção a Atenas.
A vida não era maravilhosa?

Ele estava certo quando brincou sobre a água ser mais azul.
Parado na piscina do hotel, seu queixo ameaçava cair, tamanha beleza. O sol estava a pino e a luz fazia a água brilhar, como se estivesse cheia de lantejoulas boiando no lugar das algas e plânctons microscópicos da superfície. Toda a claridade fazia seus olhos doerem, mas era um sacrifício que ele aceitava de bom grado. Era o lugar mais bonito onde já estivera.
A câmera já estava focada e a foto seria maravilhosa. Ele olhou para todo aquele azul e todo aquele branco e achou que, acrescidas do preto, poderiam ser as únicas cores do mundo – já lhe disseram algumas vezes que era minimalista; talvez apenas uma pessoa simples. Virou a cabeça querendo ter certeza de que escolhera a melhor parte do cenário. À sua direita era, talvez, alguém mais bonito que a paisagem e seus diferentes e vivos tons de azul.
Os cabelos claros daquela estranha faziam um bom contraste com a sua pele, um meio termo entre muito pálida e entre um bronzeamento artificial óbvio. Daquele ângulo, ele não conseguia ver seus olhos, mas achava que eram verdes – esperava que fosse, pois dessa forma todo o conjunto, incluindo o corpo tipicamente europeu e as unhas grandes e bem-feitas pintadas de branco, seria algo muito perto do harmônico.
Ele não era do tipo que se impressionava fácil, mas estava impressionado.
Sendo assim, ao invés de tirar uma foto da vista da piscina do Katikies no sol de meio-dia, considerando que talvez o pôr do sol fosse mais bonito, ele virou a câmera e tirou uma foto da menina estranha que fotografava a paisagem.
“Eu ia tirar uma foto do mar e do sol, mas te achei mais bonita que ambos, mesmo em conjunto. Espero que não se importe” – se atreveu a dizer, não segurando a própria língua.
Demorou um pouco para que a garota se situasse e percebesse que o comentário insolente fora direcionado a ela. Com divertimento, ele a assistiu virar o pescoço e tirar os olhos da câmera – uma bela e cara câmera, por sinal. Seus olhos eram . Chateou-se um pouquinho pelo olhar não ser de reconhecimento ou de agrado – nem ao menos de lisonjeio. Mas era um bom olhar. Conseguia ver desdém nele, e conhecia um ditado muito interessante sobre desdém.
“Quem você pensa que é pra sair tirando fotos de estranhos sem suas devidas autorizações prévias?”
Jesse gostara do tom que ela usou, porque insinuava um desafio e desafios eram coisas pelas quais ele nutria um forte apreço. Um belo desafio era reconhecido de longe e nunca, jamais deveria ser subestimado. Ele conhecia as regras do jogo, mas a parte divertida era vê-las sendo postas em prática. Talvez, pela forma como ela formara a frase usando palavras extremamente adequadas e um tom muito formal, ela fosse um daqueles desafios bem trabalhosos. Ele gostava mais desses.
“Se eu te dissesse que sou um fotógrafo, você acreditaria nas minhas palavras?”
Ele a viu apertar os olhos só um pouco e trocar o peso da perna esquerda para a direita. Achou ter visto um sorriso também, mas não teve certeza sobre isso. Se estivesse de fato jogando, considerou os movimentos reveladores como um ponto a menos em seu placar. “Cuidado, Jesse. Alguma música já lhe disse: play your cards right.
“Não cabe a mim acreditar ou não em você. Se você diz que é um fotógrafo, eu devo acreditar que você está sendo honesto, mesmo que não esteja. E se você estiver mentindo, por algum motivo que só cabe a você, devo respeitar este fato. Mas ainda devo pedir para que apague a foto. Foi uma grande falta de educação da sua parte.”
Foi comichão o que ele sentiu quando a ouviu falar. Tinha algo no tom que ela usava e na forma como parecia ser tão superior a ele, sem nem ao menos se esforçar pra isso. Ela o fazia se interessar um pouco mais a cada instante sem o mínimo esforço.
“Farei isso” – foi a única coisa que ele conseguiu dizer sem soar estúpido.
Ela ficou esperando que ele o fizesse, parada em frente a ele, com a câmera nas mãos e a sobrancelha esquerda erguida. Se fosse mesmo esperta, esperta além do normal, teria percebido que ele mentira quanto a ser um fotógrafo e estava mentindo de novo ao dizer que apagaria a foto.
Não durou dois minutos sua espera, ela bufou e seguiu caminho. Dois caras de terno foram atrás, como dois cachorros treinados, e Jesse ficou se perguntando, parado no sol ao lado de uma piscina daquele hotel incrível em Santorini, quem diabos era aquela garota.
Se ao menos o Google tivesse um método de busca baseado em atributos físicos...

, entretanto, não era do tipo de pessoa que achava que branco, preto e azul poderiam ser as únicas cores do mundo. Ela não era simples, provavelmente por natureza. Não nascera para ter o básico de nada e sim o melhor de tudo. Então gostava de muitas cores, incluindo o branco de seus lençóis, o preto do piso de mármore do banheiro e o azul de sua futura coroa, mas não apenas delas. Achara um atrevimento da parte daquele estranho a foto tirada sem consentimento. Um lindo estranho, mas ainda assim um estranho.
“Não que me apavore, mas não me agrada muito a perspectiva de ter uma foto minha na câmera de um cara estranho. Papai também não ia gostar nada disso.”
Algumas horas depois do ocorrido, mas ainda antes do pôr do sol, ela e Elisa, a noiva do casamento do ano, estavam deitadas na enorme cama do quarto de , conversando trivialidades. Óbvio que o principal tópico era o estranho acontecimento que ocorrera à mais cedo.
“Ele não é estranho, . Talvez você não o conheça como conhece a mim, mas ao menos sabe quem ele é.”
Já era de se esperar que Elisa lhe mostrasse o lado bom da coisa – não totalmente bom, mas o menos negativo dela. Ela era assim, otimista, e mesmo que fosse o oposto, gostava de ter alguém que via a vida de modo tão positivo ao seu lado. A fazia ser menos vaca.
“Além disso, eu duvido que ele vá vender as fotos para algum site, de qualquer jeito. Você disse que ele não a reconheceu.”
“Eu acho que não me reconheceu, ele pode mentir muito bem. Mas a julgar pela mentira sobre ser fotógrafo, eu duvido muito disso.”
Ela não gostava de fotógrafos e isso era algo que tinha quase certeza de que não mudaria com o passar dos anos. Os via como pessoas inconvenientes que, por algum motivo que ela desconhecia, achavam interessante persegui-la até pelos momentos mais chatos, como suas idas mensais ao dentista e sua caminhada semanal no Jubelpark.
Se Jesse Rutherford fosse de fato só mais um fotógrafo, ela com certeza teria sido muito mal-educada com ele, não ligando para a futura matéria sobre sua falta de modos que apareceria em alguma revista fútil da própria Bélgica ou de outro país da Europa.
Mas ela o conhecia. Não bem o suficiente para julgar se sua índole iria a favor de guardar a foto por algum motivo particular, mas o bastante para despertar sua curiosidade. Astros do rock em ascensão, principalmente os californianos, não deveriam estar à toa em um hotel da Grécia.
“Você está cheia de dúvidas, então não vejo razão pra continuar se preocupando com isso” – Elisa se levantou da cama, esticando a coluna – “Eu tenho um monte de coisas chatas de casamento para me preocupar e quero minha amiga lá. Concentre seus esforços em mim.
riu com todo aquele egoísmo, mas levantou da cama e seguiu a amiga em direção à porta. Ela tinha razão, todo aquele fim de semana era sobre ela e o resto de sua vida. Deveria guardar seus dilemas sobre californianos charmosos e intrometidos para si mesma.

Não era a primeira vez de na Grécia.
Fora lá ainda muito pequena, quando seu pai ainda não era rei e seu avô vivia estressado. Os médicos diziam que ele precisava de férias se não quisesse enfartar antes de viver os 80 anos previstos na expectativa de vida da Bélgica. Ele dissera, na época, que um rei não tirava férias de seu próprio país. A declaração saiu na capa do Het Nieuwsblad e a população em peso fez campanha para que ele tirasse férias. E lá se foi toda a família para a ilha de Creta.
As recordações que possuía se resumiam a fotos e a uma enorme mancha desbotada de vinho em um vestido branco que já não dava nela há um bom tempo. As lembranças familiares não eram algo que ela tinha preocupação em manter. Queria guardar espaço em sua mente para lembranças melhores.
Entretanto, era a primeira vez que ia a Santorini, e tinha que admitir que aquela ilha era muito mais encantadora do que a outra.
Talvez fossem as casinhas brancas todas empilhadas e dando impressão de instabilidade; existia muita beleza na instabilidade. Ou talvez fosse só como o sol parecia brilhar mais sobre aquele pedaço de terra, enchendo as pessoas de sorrisos e peles bronzeadas. Talvez, por todos os motivos anteriores, fosse a impressão de que aquele lugar, especificamente a vila de Oia, estivesse parado no tempo. Lhe agradava a ideia de pausar sua vida caótica e poder esquecer que tinha uma posição e deveres a cumprir.
Deixando sua vida de lado, concentrava toda sua atenção para os preparativos do casamento.
O casamento de Henry e Elisa seria no restaurante do hotel, que tinha três portas duplas para a piscina. O salão seria completamente esvaziado antes de ser decorado com muitos metros de organza e hortênsias azuis e roxas. O evento fora todo organizado por uma promoter inglesa em conjunto com os funcionários do hotel responsáveis pelos casamentos que sempre aconteciam por ali. Como dissera, uma ótima ideia, mas deveras clichê.
Antes de embarcarem para o local do casamento, Elisa já escolhera o vestido, os sapatos, as joias, o bolo e os doces. estava lá em cada momento; provando bolos e chocolates e se cansando de ver tantos sapatos. Quando a mãe de Elisa a dera um pente de prata com safiras em cada extremidade, que era de sua tia-avó, para não sair da tradição “algo velho, algo azul, algo emprestado”; quando Elisa experimentou o vestido Elie Saab feito sob medida e as lágrimas mancharam todo seu rosto. Ela ficou muito feliz pela amiga, e também a achou linda no modelo frente única com uma faixa de cristais marcando a cintura. A invejou um pouquinho, pois sabia que nunca poderia usar algo tão simples e belo em seu próprio casamento. Os eventos da realeza eram cheios de pompa e sinônimo de ostentação, ainda mais o casamento da futura rainha.
Agora faltava um dia para a cerimônia e estava voltando para o seu quarto depois de inspecionar a chegada das flores e dos doces, que vieram do continente. Dava trabalho organizar um casamento. Se achava sortuda por ainda ter alguns anos até o seu e mais sortuda ainda por ter pessoas para fazerem tudo aquilo por ela. Não aguentaria organizar o próprio casamento nas condições em que ele seria realizado.
Não era a primeira vez de nem na Grécia, nem em casamentos. Mas ela tinha impressão de que aquela viagem e aquele casamento entrariam para os espaços em branco da sua mente, destinados às memórias que ela queria guardar.

Jesse não gostava muito de casamentos.
Talvez porque cantava sua impaciência para com o amor e a inevitabilidade da destruição causada por ele. Talvez porque ele preferisse a falta de atribulações de uma one night stand ao invés da complexidade dos relacionamentos. Exatamente para evitar problemas, ele sempre deixava isso bem claro pra quem quer fosse. Não usava desculpas clichês, como a idade ou a profissão inconstante. Ele não queria um relacionamento, e se a pessoa não soubesse lidar com isso, bem... Problema dela.
Esquecera, entretanto, de ser assim tão transparente para Jane – a menina do staff, que sorria ao seu lado em um vestido amarelo de gosto duvidoso, só por ser amarelo, enquanto cumprimentava os noivos – e agora receava de que ela pensasse que ele estivesse disposto a ser mais do que apenas o seu acompanhante no evento. Ela poderia interpretar o lenço, que ele a estendeu no meio da cerimônia, e o fato de estar sendo muito solícito, como sentimentalismo.
Como não ficava com nenhuma fã – apesar de ter tido muitas opções e muita variedade -, sua simpatia exacerbada era apenas um esforço maior para que ele conseguisse um orgasmo no fim da noite.
Pobre Jane. Pena que ele não era exatamente uma boa pessoa.

Quando começou a tocar Love Me Tender e os noivos monopolizaram a pista de dança, Jesse se permitiu sentar e beber o quanto pudesse para que aguentasse a noite até seu objetivo final. Não que estivesse assim tão insuportável; tudo era muito bonito e bem feito e a comida estava deliciosa, mas ele não tinha muito saco pra todos aqueles sorrisos e aquele casal perfeito rodopiando no meio do salão. Não os conhecia e nem sabia nada sobre sua história, mas sua intuição lhe dizia que, se o relacionamento já não fosse tão longo, tampouco seria o casamento.
As pessoas tinham essa pressa quando se tratava de achar o amor. Então acabavam errando muito no processo, se iludindo de diversas formas e sempre achando que dessa vez seria diferente. Certo mesmo estava ele, que seguia o fluxo e aproveitava as oportunidades que apareciam.
Jane não estava entediada, muito pelo contrário. Estava feliz pelo primo, por estar na Grécia e por estar ao lado dele. Não parava de falar o quanto estava feliz com a companhia, e aquilo fazia Jesse sorrir sem graça e virar um copo atrás do outro do que quer que estivesse sendo servido. Mantinha a conversa constante para que ela não perdesse o interesse e ele não perdesse a transa, mas não estava se esforçando demais.
Era 22:38 quando ele beijou a bochecha dela, a fazendo corar, e disse que ia lá fora fumar um cigarro. Ela sorriu e disse que o esperaria exatamente ali e que queria dançar quando ele voltasse. Jesse até dançava bem, mas estava realmente sem saco. Balançou a cabeça mesmo assim.
Caminhou devagar pelo salão até uma das portas duplas, escancaradas para o mar de Santorini. A lua conseguia iluminar parcialmente as águas do mar e da piscina do hotel. E um pouco depois da margem, sentada de lado na sacada, estava a garota que mais cedo roubara sua atenção, em um lindo vestido prateado que realçava sua silhueta esguia. Ele deu uma tragada no cigarro e sorriu. Talvez aquela fosse uma oportunidade.

“Olá.”
saíra do salão fazia quase uma hora, sua única companhia sendo uma taça de champanhe já vazia. Não que não estivesse feliz pela amiga ou por tudo ter dado certo no fim das contas. Pelo contrário; ao entrar no salão antes do início da cerimônia, ficou encantada pelo trabalho impecável dos organizadores. Mas enquanto estava no altar, montado do lado de fora num canto à direita da piscina, o buquê em suas mãos, ela percebeu o que era tudo aquilo. Sorriu muito, sem saber se seus sorrisos eram verdadeiros e assistiu a maior parte dos convidados chorar sem derramar uma lágrima. Sua felicidade era genuína, mas era interna.
Enquanto olhava as pessoas sentadas nas cadeiras acolchoadas, viu Jesse Rutherford sentado ao lado da prima do noivo, que ninguém entendia muito bem como conseguira aparecer, a cabeça abaixada, provavelmente mexendo no celular.
Por isso não ficara muito surpresa ao ouvir sua voz rouca expressar a interjeição.
“Ora, o estranho de ontem” – ela virou o pescoço para o olhar, percebendo a fumaça ao seu redor e o cigarro aceso entre os dedos – “Não espere que eu esteja feliz em vê-lo.”
“Não esperava” – ele respondeu, sorrindo.
Entediada, aproveitou para analisá-lo. Jesse usava um terno totalmente apropriado, mas para ele, formal demais. Mas a formalidade era quebrada pelas tatuagens escapando do colarinho e colorindo a pele de seu pescoço. Se houvesse uma forma de escondê-las, talvez ele perdesse seu charme. Seu cabelo estava penteado meio para o lado meio para trás e ele sorria com os olhos pra ela, a desafiando a ser uma vaca com alguém que lhe era tão cortês.
“Eu não gosto de cigarro, você poderia apagar?”
“Não gosta de cigarro, não fume” – ela o achou um pouco hostil, mas ele apertou o cigarro no cimento da sacada mesmo assim. Ela resolveu ser hostil também.
“Não seja um imbecil, Jesse Rutherford.”
Ela percebeu que ele ficara um pouco chocado e riu. A olhou com a sobrancelha erguida e ela percebeu que ele se perguntava por que diabos ela não revelara que o conhecia antes. Depois de quase dois minutos de silêncio, sorriu.
“Fiquei ofendido pela demora em admitir que me conhece! Você é fã?”
“Não fique. É culpa de vocês mesmos que não mostram essas carinhas lindas o suficiente. Vocês são bons, mas a responsabilidade pelo pouco reconhecimento da banda é de vocês. E não, não sou fã.”
“Por favor, nós aparecemos no Letterman!”
“E o que te faz pensar que toda pessoa assiste Letterman?”
“Você é tão simpática quanto achei que fosse.”
Sua intenção não era magoá-lo, era afastá-lo. Não estava no clima de fazer novas amizades e muito menos responder cantadas. Ficou desapontada quando percebeu, pelo sorriso no rosto dele, que não conseguiria nenhum dos dois. Suspirou, trocando o peso do corpo da perna direita pra esquerda. Passou os olhos pelo terno caindo perfeitamente nele, pela tatuagem meio Iluminati em seu pescoço e os olhos castanhos, brilhando. Ela analisou todo o conjunto, incluindo o jeito confiante com que ele falava e as atitudes que pareciam pensadas. Concluiu que poderia tirar alguma diversão daquilo.
“Não esqueça do sincera.”
“Primeiro da lista!”
“Existe uma lista?” – ela ergueu a sobrancelha, descrente.
“Evidente que sim, chama-se Lista das Coisas que Penso Sobre a Menina Bonita que Atrapalhou Minha Foto.”
“Eu não atrapalhei sua foto, quem virou a câmera pra mim foi você!”
“Não tenho culpa se você é mais bonita que Santorini inteira.”
Ela tentou não sorrir, mas era gostoso ouvir da boca de alguém, que não a conhecia, que seu cabelo em um penteado ordinário e sua maquiagem simples eram mais atraentes do que uma obra da natureza. Não é algo que se ouve todo dia. Mas ela não agradeceu, mesmo assim.
“Tampouco é minha culpa! Coloque essa responsabilidade sobre a genética, então.”
“Abençoada seja”.
riu e voltou a encará-lo. Queria beber, pois sua boca estava seca, mas sua taça estava vazia e Jesse nem ao menos levara uma. Na realidade, não era de bom tom que uma princesa fosse vista com bebidas alcoólicas por aí, mas ela tinha certeza de que ninguém se importaria com ela naquela noite. Eram raros os momentos em que ela não era o centro das atenções e ela os apreciava enormemente. Por esse motivo – e porque Jesse era mesmo bonito demais a seu próprio modo para que ela desviasse o olhar -, continuaria ali pelo resto da festa, se pudesse.
“O que foi?”
“Eu sempre te vi em preto e branco e através de uma tela. Ao vivo e a cores é... diferente.” “Diferente bom ou diferente ruim?”
“Só... diferente.”
Jesse sorriu, meio confuso, provavelmente tentando entender o que se passava na cabeça daquela estranha, e sentiu-se bem por ser um enigma. De dentro do salão, ela ouviu a introdução da música dele, a mesma que tocara inúmeras vezes em seu fone de ouvido enquanto o jatinho a levava para Grécia, sua favorita entre as quatro que conhecia. Sorriu.
“Acho que é um sinal do destino dizendo pra você dançar comigo.”
“Você se ouviu? Isso foi ridículo” – ela falou, rindo, o que o fez acreditar que apesar de ridículo, ela achara engraçado. O suficiente para aceitar seu convite.
“Mas você vai dançar comigo.”
Ele estendeu a mão, não sabendo da queda dela por cavalheirismo e confiando inteiramente em seu charme e na sua cantada barata. Pelo primeiro motivo, ela aceitou.

Jesse tinha total consciência de Jane soltando raios laser pelos olhos, enquanto ele dançava com outra garota. Sabia também que ela não era a única, que mais pessoas do que o que poderia ser considerado normal encaravam os dois, algumas bastante surpresas, inclusive. Mas sua concentração estava toda na garota em seus braços, na cabeça dela apoiada em seu peito e em como ela se mexia com graciosidade.
“Você é filha de alguém?” - ergueu a cabeça e o olhou, sorrindo, parecendo se divertir com a pergunta.
“Somos todos filhos de alguém, Jesse.”
“Eu sei que somos, mas você é filha do presidente, ou algo assim?”
Ela riu abertamente e Jesse se sentiu envergonhado. Estava em plena desvantagem por ela saber mais sobre ele, devido a sua vida pública, e ele não saber nem ao menos seu nome ou de onde ela vinha, porque não achava que ela fosse grega. Europeia com certeza, mas não grega.
“Algo assim.”
Seu aparente deboche fez Jesse afastá-la um pouco de seu corpo. Era a segunda música que dançavam, depois que ele ficou repetindo o refrão da primeira no ouvido dela, e, na verdade, ele não queria parar, mas queria saber quem ela era. E com tanto mistério, talvez fosse melhor fazê-lo com menos plateia.
“Não acha que eu mereço saber com quem danço já há uns oito minutos?”
“Ou com quem flerta há mais de vinte e quatro horas...”
Jesse não se abalou pelo comentário e franziu a testa para ela. Agora estava realmente curioso, impulsionado pelos olhares que recebia de muitos outros desconhecidos pelo salão, incluindo os noivos. Lhe ocorreu, no dia anterior, perguntar seu nome, mas ela agiu de forma hostil e ele achou ainda muito cedo. Deu sorte de ela não estar fazendo check-out e mais sorte ainda de encontrá-la sozinha no meio da festa e de ela ter sido o mais receptiva que sua intromissão permitira. Agora já era hora de saber.
“Eu posso ser uma serial killer. Ou uma traficante de armas. Nessas circunstâncias, você ainda gostaria de saber quem eu sou?”
“Você tem cães de guarda e serial killers não têm cães de guarda. Traficante de armas... talvez” – Jesse apertou sua cintura e a girou no salão, enquanto alguma música do The XX tocava – “Mas todas as suas tentativas de se esquivar só me deixam ainda mais curioso.”
Foi algo no tom dele, intenso e sussurrado ao pé do ouvido de , que a fez enxergar um bom fim para sua noite, uma boa lembrança à vista. Veio de repente e também se foi depressa. Não podia se dar ao luxo de se divertir daquela forma. Maldita monarquia, malditos protocolos! Seria a primeira rainha da Bélgica, por que não poderia ser a primeira rainha solteira também? Não era justo não ter chance de escolha.
“Tudo bem, Jesse Rutherford, meu nome é .”
Ele sorriu, feliz por ter conseguido arrancar algo dela. Ela tinha mesmo cara de , com aquele loiro natural e os olhos claros.
“É um prazer conhecê-la, . E de quem você é filha?”
“Do rei da Bélgica.”
Ela percebeu que ele não acreditou, de início – é normal pessoas comuns estranharem quando alguém diz que é princesa. Mas ela sustentou o olhar, calma, com as mãos nos ombros dele, mas sem mover os pés. Ele pareceu vasculhar sua mente, procurando indícios de que ela mentia, e quando não achou, sorriu, balançou a cabeça e voltou a se movimentar com as mãos na cintura dela.
“Nada de tráfico de armas, então?”
“Nada de tráfico de armas.”
“Sabe” – percebeu antes que ele falasse, que suas próximas palavras seriam imprudentes – “eu nunca beijei uma princesa.”
Sua primeira reação foi rir, uma risada alta e gostosa, porque de fato era aquilo que imaginava ouvir de um cara quando contasse “seu segredo” pra ele. Mas logo depois a seriedade tomou conta de suas feições, quando ela percebeu que gostaria muito de beijá-lo, mas não devia fazê-lo. Assim como não devia consumir álcool em público ou ser mal-educada com seus avós. Ela podia, mas não devia. Então, talvez... Talvez, se ninguém a visse, de fato, fazendo algo que não devia, ela podia fazer e guardar esse segredo consigo como se nada tivesse acontecido.
Mas daria a chance a si mesma de sair daquela situação sem segredos ou (talvez) arrependimentos. Piscou algumas vezes e repassou as palavras na mente antes de dizê-las.
“Eu gostaria de ser a primeira, mas não sei se devo.”
“Porque eu sou um rockstar galinha?” – ela riu.
“Talvez você ser um rockstar galinha seja uma boa coisa” – ele não entendeu seu ponto de vista, e olhou pra ela com cara de dúvida – “Ser quem eu sou, apesar das muitas vantagens, tem seu lado ruim” – a cada palavra que saía da boca dela, inexplicavelmente, seu interesse crescia. Não só porque ela dizia coisas que ele não entendia, o prendendo na conversa, mas porque ela se tornava mais interessante a cada sílaba, a cada refrão da música que tocava e os movia – “Não há muito de mim que você possa tomar.”
Jesse ficou olhando pra ela, não prestando muita atenção nos arredores nem para onde seus pés se moviam. Seus lábios estavam secos, mas suas glândulas produziam saliva como nunca. Umedeceu os lábios com a ponta da língua e percebeu os olhos dela acompanhando o movimento. Não importava o quão pouco fosse, ele estava disposto a aceitar o que ela tivesse para lhe oferecer.

Nunca tendo contado a ninguém quem era e as implicações de sua posição, entendia que fosse difícil para Jesse assimilar tudo aquilo. Era a terceira vez que ele perguntava como ela podia não ter escolha e ela bufou, impaciente. Sentia-se como se estivesse explicando monarquia para uma criança.
Dissera que estava, já a algum tempo, prometida a alguém, como se sua vida fosse um new adult de época, e agora só faltasse conhecer seu futuro marido e se apaixonar por ele. Por isso se retesava, por isso evitava joguinhos e flertes. Era muito mais fácil evitar danos do que sofrer de abstinência por gostar da experiência e não poder tê-la de novo.
“Mas você não está noiva ainda, está?” – sutilmente, ela o percebeu diminuindo a distância entre eles no sofá branco do corredor mal iluminado do hotel – “Não que eu me importe, sendo um rockstar galinha, mas acho que seria exigir demais de você.”
Ela achou que se retesaria com a proximidade e a ousadia dele, mas sorriu quando sentiu os braços rodearem firmemente sua cintura. Colocou as mãos nos ombros dele e congelou. Era sempre tenso o momento antes do beijo. É aquela fração de segundos em que se pode decidir dar pra trás ou seguir um caminho geralmente sem volta. gostava da sensação, mas era injusto, porque se ela pegasse a estrada, totalmente guiada por suas vontades egoístas, sempre corria o risco de virar uma pessoa incompleta para o resto da vida.
“Não é justo, sabe” – na luz amarelada de uma lâmpada distante, ela via os olhos dele brilhando de vontade, quanto mais perto ele chegava, quanto mais ela sentia o intenso cheiro de álcool saindo dos lábios dele – “Me seduzir e me fazer prová-lo hoje e sumir da minha vida amanhã.”
Jesse se aproximou um pouco mais, mas ela recuou. Não estava exatamente sofrendo com dúvidas. Queria passar as mãos pelo pescoço dele, as unhas pintadas de nude arranhando sua nuca, os dedos bagunçando os cabelos arrumados com gel. Queria jogar a sanidade junto com o seu vestido e suas inibições em um canto qualquer do cômodo. Tudo isso eram verdades que ela segurava um pouco mais dentro de si, mas percebia que, aos poucos, elas vazavam, como areia entre os dedos. Transbordariam, e ela não tinha como impedir.
“O que eu posso oferecer para te fazer mudar de ideia?” – internamente, sorriu, porque Jesse não percebera que ela já estava inteiramente convencida.
“Deixe-me como me encontrou.”
Sem assentir, sem fazer promessas, Jesse tocou seus lábios com a ponta da língua e bagunçou seu cabelo, perfeitamente arrumado com laquê, ao fazê-la sentir o gosto do cigarro de mais cedo e de todas as bebidas que misturara.

Foi o sol que o acordara.
Um raio que escapara da proteção da cortina e atingiu seu rosto bem em cima do olho esquerdo. Acreditava ainda ser cedo, mas não importava muito a hora porque só deveriam ir embora na segunda ou terça. Importava que ele fechara os olhos às três da manhã e se sentia muito cansado. Ainda estava com a calça social, mas sem o cinto, e com a camisa, mas sem o paletó e a gravata. Também estava com um perfume, que não era seu, monopolizando seu olfato, mas sem ninguém ao seu lado para justificar sua presença. Abriu os olhos. Era seu quarto.
Nas poucas horas em que ela o permitiu entrar em sua mente e em seus poros, ele aproveitou cada minuto. Beijou cada pedaço de pele que encontrava, mordeu seus lábios até ficarem vermelhos, se controlou para não deixar marcas visíveis. Se controlou de muitas formas diferentes, principalmente quando a fez rir ao beijar sua barriga e passou os cinco minutos seguintes quieto e sério, olhando dentro dos olhos que brilhavam no escuro como dois faróis.
Parando para pensar no assunto, mesmo ainda meio sonolento, ele agora entendia toda a hesitação dela. Não seria exatamente doloroso ou impossível, mas era desalentador imaginar nunca ter aquela conexão outra vez.
Por isso, Jesse levantara da cama disposto a encontrá-la, antes que ela fosse embora de volta para seus compromissos reais e ele voltasse para o trabalho. Um papel dobrado, abandonado na mesinha de cabeceira, o impedira de firmar os pés no chão.
Sua mente trabalhou na possibilidade de ser um horário ou um lugar, ou qualquer coisa que o levasse a ela de novo. Mas desdobrou o papel, surpreendentemente empolgado e só encontrou quatro palavras, que lhe diziam muito, mas não diziam nada.
“Tentaremos não nos esquecer.”


Da janela do jatinho da família real Belga, se despedia da Grécia e consequentemente de Jesse, ouvindo Sweather Weather pela quarta vez e não tendo intenção de trocá-la.
Fora covarde e não se orgulhava disso. Saíra de fininho ás cinco e meia da manhã, sem conseguir pregar os olhos, com os sapatos na mão e o coração apertado no peito. O encarou, quase sem piscar, enquanto vestia o vestido com cuidado para não acordá-lo. Não queria ser pega no flagra e precisava ir embora. Respirou fundo ao fechar a porta e não olhara para trás.
Um bilhete confuso não era uma despedida adequada, porque eles tiveram de fato algo na noite passada, e ela provavelmente se lembraria de tudo, mesmo dali a alguns anos quando seu marido só a procurasse para produzir herdeiros e o conceito de prazer em sua vida fosse perto do inexistente. Mas ela não queria ter que dizer adeus; se veria obrigada a mentir, fingindo que estava tudo bem, e fora muito franca com ele sobre muitas coisas. Não era justo.
Fugir do jeito que fugira – porque foi isso o que fez -, não era digno, tampouco. Mas a dignidade acabava uma vez que alguém tirava a roupa.

X


Era uma sexta-feira quando Jesse Rutherford se viu entediado e sentou no sofá da sala de estar da gravadora e ligou a TV. Ligara, na verdade, só para ter um som de fundo enquanto respondia alguns fãs pelo twitter, já que sua veia musical não gostava de silêncio.
Largou o celular ao ouvir um nome conhecido.
, herdeira do trono Belga, casou-se, na tarde de ontem, com o Príncipe Joachim, seu primo em primeiro grau. A cerimônia foi na Catedral de St. Michael, em Bruxelas, capital do país, e foram convidadas para o evento cerca de 400 pessoas, incluindo a Rainha da Inglaterra, Elizabeth II e algumas celebridades europeias. A noiva usou um vestido assinado pela estilista Monique Lhuillier, avaliado em cerca de quinze mil euros. Os noivos passarão a lua de mel em...”
Jesse olhou bem para a TV e para a imagem da herdeira do trono Belga acenando com um buquê perfeitamente redondo, na saída da igreja, o braço entrelaçado ao de seu marido, um loiro alto com cara de esnobe. A repórter continuou falando sobre o casamento, ressaltando como a noiva estava radiante, mas Jesse olhou bem pros olhos dela e viu que o sorriso não chegava até eles.
Desligou a TV, levantou-se e foi fumar um cigarro.

Fim.



Nota da autora: (20/06/2015)




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