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Prólogo.


1657 – Em um remoto território francês

- Tens sorte!
Meus sete irmãos e minha mãe não se cansavam de repetir. De alguma maneira torpe, casar com o rapaz barbudo ao lado era a melhor coisa da minha vida.
Obviamente, na cosmovisão dos outros. Na minha, no qual eu iludida e inocente equivoquei-me ao pensar que era mais importante, se tratava de um alto obstáculo para, aí sim, alcançar a melhor coisa da minha vida.
Sem dar nomes aos bois, diria meu pai. Passado é para ser deixado no museu, ele continuaria. Claro, se ele não tivesse subido ao reino dos céus quando eu tinha pouco mais de onze anos.
Aliás, o falecimento abrupto dele pela queda de cavalo era um dos causadores da falta de sorte da família. Ou, talvez, já fosse um indício desse azar.
De fato, o contexto era ruim. Mesmo tendo dois irmãos mais velhos, a pequena posse de terra que detínhamos sofria com os ventos, as chuvas e mesmo o sol intenso. Qualquer era o motivo para a crise da produção e consequente maus bocados no dia a dia.
Por isso, a cada careta minha desde o anúncio do casamento, minha família gruía reclamações em resposta:tu tens sorte!
Sorte, eu retrucava, soltando um bufo. O que é ter sorte? Quem definiu que casar com um nobre arruinado, sem qualquer sentimento de amor ou mesmo reconhecimento, era sinônimo de sorte?
- Ele voltou há poucas semanas do estrangeiro - avisou minha mãe, alguns dias anteriores ao fatídico casamento. - Seu nome é . As más línguas dirão que ele é um mulherengo, minha joia, mas basta você mostrar seu valor e obediência para com o seu marido e ele só terá olhos para ti.
Na hora, revirei os olhos diante das palavras da matriarca. Agora, repito o gesto somente com lembranças.
O homem dispõe de terras, dinheiro, nome e independência. A mulher, com sorte, de um respeitoso marido. Algo, diga-se de passagem, inteiramente não comum. Só eu percebo que tem algo errado com essa sociedade que diz estar em seus anos gloriosos?
O padre começou o sermão e eu olhei disfarçadamente para o meu noivo. Era a primeira vez que eu o via. Minha irmã mais nova, de treze anos, havia sussurrado em meu ouvido, enquanto eu ainda vestia o absurdo e enorme vestido branco, que eu me decepcionaria.
- Ele é feio! - ela exclamara, os olhos grandes por nascença ainda mais esbugalhados - Parece um bode, todo cheio de pelos. – completou, sem esconder seu pavor.
Eu ri enquanto ajeitava os fios rebeldes que voavam do coque dela. Apesar de eu ter somente três anos a mais, Mary e eu éramos tão diferentes que mal parecíamos irmãs. Fisicamente, ela era bastante parecida com o resto dos irmãos. Todos de cabelos pretos como a noite, os olhos mesclando entre um verde água e um azul cor do céu. Era baixa e, embora eu nunca admitisse isso em voz alta, tinha os seios mais cheios que os meus.
De alguma maneira, eu saí com os cabelos ruivos e os olhos pretos de meu pai. Alta, com enormes pernas, atributos que me gerariam o título de esbelta. Segundo os comentários da aldeia, eu era bem apessoada. Mamãe sempre falara, bem individualista, que, se alguém da família pudesse se destacar na vida, seria a minha beleza.
Sim, tratando a beleza, substantivo comum, abstrato e subjetivo, como uma pessoa. Eu bufava sempre pelo comentário, porque simplesmente é absurdo em minha cabeça receber privilégios por algo que está além de você. É injusto, eu murmurava raivosa.
Mas não podia culpar minha mãe pelos pensamentos. Ela era só mais uma das milhares na Europa sem estudo, sem perspectiva, seguindo seus pais e maridos – mesmo os já mortos. E quem era eu para tentar ser diferente? Dê-me dois anos e tudo que terei de valioso em minha vida serão minhas crias. Porque, basicamente, é isso que sobra às mulheres da minha época. As crianças.
Por falar em crianças, voltando a Mary. Que ela não escute meu paralelismo ou ela gritará, aos nervos, que já é moça. Pois bem, como se jorrar sangue de suas entranhas fosse suficiente para definir se você é ou não crescida.
Mary era o contrário de mim para além das aparências. Ela era falante, desinibida e extremamente sonhadora. Segundo ela, o filho do Rei em pessoa cavalgaria até nossa afastada casa no campo, olharia para ela por um milésimo de minuto e declarar-se-ia perdidamente apaixonado. Então, eu viro uma princesa!, ela completava, sorrindo animadamente, os olhos brilhando a esperança.
Eu, a pé no chão, acariciava seus cachos – uma das raras coisas que tínhamos em comum – e lhe dizia que a vida não era como os contos de fada. Para completar, dizia que cavalos eram traiçoeiros e fundamentava minha afirmação usando a morte de papai. Logo, eu parecia uma mãe de meia idade dizendo a sua filha pequena as mazelas da vida.
Sempre fui muito madura. Velha, meu irmão Charles taxava. E, talvez, eu realmente fosse. Claro, eu tinha meus momentos de infância: as brincadeiras com os vizinhos, os esconderijos entre as árvores, o roubo de frutas dos pomares alheios. Mas, de maneira geral, eu sempre fora crescida. Eu sabia o que queria desde os dez anos de idade: estudar, namorar o cocheiro até quando eu quisesse. Eu sabia, todavia, os destinos da minha vida. Você sabe, o tal tens sorte lá de cima. Rebelava-me, é claro, mas eu era só uma mulher, lembra?
Diante de tudo isso, Mary enganou-se: eu não ficara decepcionada. Sim, o meu futuro marido não parecia bonito e tinha cabelo e barba de mais, como um selvagem. Mas essas características tão pouco me decepcionaram, porque eu não tinha qualquer expectativa.
Eu não via o tal , selvagem, marido. Eu via através dele. E lá estava à vida que eu acabara de perder.


I.


1665 – Corte Francesa

Oh, se Mary estivesse aqui para presenciar isso!
O herdeiro do trono, com o qual a menina Mary sonhava se casar desde a mais tenra idade, oferecendo-me uma taça de vinho, estendendo-se a minha frente, me fazendo companhia durante a festa de São Caetano, sorrindo e flertando comigo!
Se oito anos atrás, quando ainda solteira, me dissessem que a corte da França era tão... Suscetível à luxúria como o que eu vira em poucos dias ali, eu nunca acreditaria. Aqui estão os mais ricos e poderosos nobres, com suas lindas e educadas mulheres; aqui estão os amados Rei e Rainha, além dos príncipes. Se existia um local santificado pelo Papa seria, certamente, o castelo real.
Conhecendo, entretanto, constatei que não, definitivamente não era um local regido por Deus. Ao menos, não regido pelas morais e bons costumes tão divulgados e mesmo incentivados pela corte. Hipocrisia inacabável.
Eu era casada com o novo rico Lorde IV. Todos, sem exceção, sabiam disso. Fomos apresentados à corte, como todos que chegam para uma visita ou temporada. Se esse fato impedia os homens de me cortejarem? A coragem deles aparecia assim que meu marido sumia. O príncipe mesmo me cortejava na frente de . Quem, em loucura, confrontaria o herdeiro do país?
Além de emanar sexo, fofocas também faziam parte da rotina daquele cantinho tão diferente – em riqueza, em costumes – do resto da França. Então, qualquer mulher que fosse parada, criada ou senhora, poderia lhe contar minha vida. Algumas, religiosas, inquiririam: a bruxa camponesa? Outras, mais ácidas, me chamariam de puta. Não pelo fato de eu transar com quem eu quero – o que, em antemão, lhes garanto que acontecia – ou fazer poções, mas por minha elevação social.
Você sabe o quão rígida é a sociedade estamental. Uma simples camponesa, componente marginalizada do terceiro estado, tornar-se por casamento, tão rapidamente, nobreza da corte? Como um vinho mal feito, a história não passava pela garganta das senhoras.
Logo, duas suposições foram levantadas. Em um primeiro momento, eu seria uma bruxa pagã que enfeitiçara meu marido para deixá-lo completamente apaixonado por mim. Pouco tempo depois, no entanto, quando surgiram as fofocas sobre a minha– falta de – relação com IV, outra teoria surgiu: eu seria uma puta. Não há muitas explicações satisfatórias para essa, tampouco, somente que eu teria dormido com metade dos homens franceses – e mais um quarto dos ingleses – antes do coitado Lorde cair de amores por mim.
Eu ria das duas divagações. Além de, claro, por serem completas loucuras de mulheres insatisfeitas com a vida e intrometidas, a premissa delas, em ambos os casos, estava errada. Porque, para elas, em algum momento, meu marido teria se apaixonado por mim. E a verdade é que isso nunca aconteceu.
Há dois simples - e raros – motivos que impulsionaram minha elevação social. O primeiro, a beleza, que nesses anos ainda estava presente na minha vida. Por pouco tempo, eu imaginava, mas suficiente ainda para encantar muitos – e muitas. Minha mãe estava errada em muitas situações durante minha infância, mas ela acertou nesse pensamento: a beleza te leva a mais lugares do que a inteligência. Para mulher, não podia ser menos do que a triste verdade.
O outro ponto foi a sorte. A sorte de , que se juntou a minha, já que estávamos atados pelo laço do casamento. A família de meu marido, apesar de ser da nobreza, estava arruinada. Tinha uma casa no campo, alguns empregados e gastava dinheiro que não tinha com viagens ao estrangeiro para os filhos homens e apresentações na sociedade para as filhas mulheres.
Era, sobretudo, nome. Geralmente o que resta das famílias de nobres são somente os títulos. E lá estava , acima de toda essa crise familiar, gastando moedas e moedas de ouro mais com mulheres, bebidas e jogo nas ilhas britânicas.
Seus pais, pessoas as quais nunca fui apresentada, o trouxeram de volta e lhe obrigaram a casar. Até aí, seu irmão mais novo, um simpático garoto de não mais de quatorze anos, me contara. Ele, entretanto, não soube me explicar o porquê de ser eu a escolhida. Deveriam ter jovens mais ricas e mais bonitas para se casar, eu murmurava para o meu recente cunhado, enquanto percorríamos o campo em direção à cidade.
- Mais ricas, certamente. Mais bonitas, entretanto, eu nunca encontrei. – interrompeu meus pensamentos, respondendo.
Eu prendi a respiração e senti minhas bochechas avermelharem. Eu tinha pouco mais de dezesseis anos e um quase vazio no quesito experiências com o sexo masculino. O simples e direto elogio dele tinha atingido o meu íntimo.
Hoje, eu rio da ínfima esperança que surgiu naquele momento. Que talvez se apaixonasse por mim e eu por ele e poderíamos, sim, ser felizes. Mas, na inocência da idade, por aqueles poucos instantes, eu realmente acreditei. E, então, ele continuou, quebrando minha bolha de felicidade:
- Sabe, meus pais foram generosos – eu senti a ironia e a raiva embutida na palavra – e me deixaram escolher a mulher da minha vida. – ele suspirou - Eu não queria uma rica, moça. Eu queria uma pobre, sem renda alguma para ajudar a minha quebrada família, queria deixá-los enfurecidos. E consegui – ele sorriu para mim e eu engoli em seco – Eles se negam a conhecê-la. Eu escolhi bem.
afirmou aquilo convicto e orgulhoso de si. E eu me senti uma marionete mal manipulada, como tantas outras vezes em nosso casamento. Eu quase chorei naquele instante e mesmo meu pequeno cunhado, mal saído da infância, acariciou meu braço em sinal de apoio. Mas ele parecia o único ali a se importar comigo.
Claro que, ao longo dos anos, e eu criamos uma relação de coleguismo. Nos importávamos com o outro, se estávamos nos sentindo bem, se queríamos algo para comer, mas nada muito mais longo que isso. Afastamo-nos o máximo quanto é possível em uma união eterna.
Meu marido tinha qualidades, claro. E uma delas nos levou até a corte e recuperou a riqueza de sua família. Logo depois do fim da cerimônia de nosso casamento, sem uma festa apropriada tampouco, seguimos eu, ele e seu irmão para a cidade. Lá, ele se submeteu a trabalhar, algo que, aos poucos, entendi ser uma barreira para a nobreza.
Sua função era alta, como assistente – embora todos os chamassem de sócio – de um nobre de altíssimo poder e grandes negócios com o Oriente. Pouco a pouco, com o suor da ação, ele ganhou algumas fortunas. Podemos, assim, voltar ao campo e viver alguns bons anos lá, nós três. Os pais dele, (in)felizmente, faleceram algum tempo antes. bancou uma viagem ao estrangeiro para meu cunhado e ele está fora até hoje, se não me engano, nas Ilhas Gregas. Logo, fomos chamados a uma visita à corte. E cá estamos há três meses.
Parece uma vida de boas surpresas. Mas as coisas boas do casamento terminavam por aí. Olhando para tanta comida, tanto luxo e tanta riqueza, às vezes um vazio alcança o fundo do meu peito. Pergunto-me: o que eu tenho nessa vida? E a resposta me entristece.
Me pego em arrependimento pela minha falta de ação logo depois do casamento. Talvez uma fuga naquele instante definisse a mim uma vida melhor. Sim, uma vida fora da corte. Como eu disse, melhor. Porque eu sabia que as coisas não dariam certo entre e eu alguns minutos depois do casório:
- Nós temos que ir. – meu recente marido puxou meu pulso, arrastando-me para longe da bandeja de guloseimas. Eu xinguei-o pelo gesto automaticamente. – Você tem uma boca feia. – ele reclamou, referindo-se ao palavreado anterior. E eu sabia disso, mas mesmo assim joguei:
- É bom, assim você não tem vontade de beijá-la.
Ele bufou e retirou seu toque, notando que eu não fugiria dali. Embora hoje eu veja que era exatamente o que eu deveria ter feito.
- Não tenho grandes aspirações quanto ao nosso casamento, moça. Eu tenho vontade de beijar muitas bocas além da sua e não é um voto divino que me fará desistir.
- Vejo que não é religioso. – comentei, encarando-o. Forcei-me a sorrir.
tem olhos azuis, mas são diferentes. E de olhos azuis, acredite, eu entendia. Quatro dos meus irmãos, além de minha mãe, têm diversos tons dessa cor. Mas, ainda sim, os dele não são como qualquer outro que eu já tenha visto. Pareceu-me interessante na época, como parece maravilhoso para as mulheres hoje em dia.
- Vejo que está querendo me enrolar. Não sorria desse jeito, mulher! E vamos, estou atrasado para um compromisso. – e voltou a segurar meu pulso, puxando-me para fora da casa.
- Meus pés doem! – gruí, mais de teimosia do que de dor propriamente dita.
- Ótimo! – ele respondeu, dando de ombros – Nas próximas trinta e cinco horas, você estará sentada no cavalo mesmo.
Paralisei-me. Na hora, parecia que meu cérebro trabalhava a toda a força, retirando qualquer possibilidade de ação de minhas cordas vocais ou de meus pés – para, você sabe, fugir dali. O máximo que meu corpo fez foi tremer.
Então , com toda a sua distração, mal percebendo meu estado de choque, segurou-me pela cintura e encaixou-me no cavalo. No cavalo. Ainda hoje estremeço somente em relembrar a cena. Meu marido sumiu e se acomodou atrás de mim. Em seguida, eu gritei: me tire daqui!, mas ele me ignorou e o animal começou a cavalgar.
Nas horas que se seguiram, eu mudei para o cavalo de meu cunhado, dividindo com ele o animal mais manso. Além disso, eu discuti durante praticamente metade do caminho com por me colocar naquela situação. Em intervalos de tempo, eu chorava desesperada. Então, gritava enlouquecida. Segurava o cavalo tão fortemente que ele relinchava em reposta. E aquelas trinta e cinco horas pareceram imensos anos, para uma medrosa e traumatizada com cavalos.
Não há muito, um senhor montava em seu animal quando este estava furioso. O cavalo, ensandecido por algum motivo desconhecido, cruzou matas e matas velozmente e, no meio dessa aventura, atirou o pobre homem para frente. Ele bateu a cabeça em uma pedra e sangrou até morrer. Esse homem era meu pai.
Como superar algo desse tipo? Como amar um homem que, poucos instantes depois do primeiro encontro, desrespeita seus medos desse jeito? A ignora? E quando algo começa rachado, como consertar? Há algum jeito? Ou mais vale uma troca de produto?
Durante muito tempo, eu me mantive fiel aquela suposta relação. Eu pensava que era a minha fidelidade à linha tênue que unia a mim e a . Mas, depois de uns bons anos de amargura, solidão e traição, você chega ao seu limite. Se ele pode se aventurar, porque eu não?, a pergunta ecoava em minha cabeça.
Teoricamente, a resposta era simples. Para ele, é normal ter amantes. Faz parte da essência do homem, alguns diziam. Já eu, eu podia ser acusada de adúltera, ser excluída da sociedade, ser ignorada até mesmo pela minha família e, com a sorte que eu tinha, talvez ser condenada à morte pelo Rei. Na prática, o que aconteceria? Eu conhecia e era muito próxima de sua indiferença. Ele não ligaria. Eu sabia.
A primeira traição fora ainda no campo. Quando, para cumprir seus deveres de nobreza, partia para a cidade, eu e o criado da estrebaria rolávamos no lençol. Ele não era nem de longe bonito. Apesar de ter muitos músculos interessantes, sua pele era grossa demais, seu cabelo mal cortado e faltavam alguns dentes em sua boca. Ele me lembrava de casa, da minha classe, do meu povo.
E, eu reconheço, amava a forma que ele me olhava. Toda a vez que eu ficava nua em pelo na frente dele, o rapaz arfava, seus olhos brilhavam. Você é um sonho, ele ficava constantemente repetindo, enquanto entrava e saída de mim. E, talvez, eu realmente fosse isso para ele, esse tal sonho que a gente imagina, mas parece tão longe de acontecer.
Com a entrada na corte, tudo se tornou mais fácil para mim. As indiscrições aqui são tão corriqueiras que desde o cozinheiro até o guarda está acostumado a fechar os olhos e os ouvidos. Às vezes, esses dois só são fechados com uma ajuda especial: moedas de ouro, a expressão-chave para a harmoniosa convivência francesa.
Conclusão, eu dormira com três nobres e o próprio príncipe. Por isso, ao me deparar com as escritas em um diário deixado em cima da minha cama, eu sabia reconhecer quase todos os personagens e, quando não no sentido bíblico, algumas conversas com os servos eram suficientes para identificar os mais misteriosos.
Menos um.
Mas, vamos aos poucos.
Há aproximadamente um mês, um pequeno caderno fora deixado na minha cama. Em um primeiro instante, receei mexê-lo, com medo de que fosse direcionado a . Todavia, alguns minutos depois minha curiosidade vencera e eu folhei por alguns instantes o livreto.
Descobri ser de uma mulher apelidada de Li. Era um diário, começando com aquela típica frase: Querido diário; e dispondo de datas completas e cronológicas. Porém, a semelhança com o resto dos diários que qualquer moçoila tem terminava por aí. As situações ali descritas não eram idas às fazendas, receitas de bolo, fofocas sobre os outros, não. Eram... Experiências sexuais!
Minha curiosidade foi subitamente aumentada. Ler sobre sexo parecia-me mil vezes melhor do que ler sobre hábitos sem graça ou mesmo seguir uma rotina chata na corte. Eu li a primeira experiência avidamente, os olhos esbugalhando-se às revelações ali feitas.
Eu tinha alguma experiência sobre sexo, mas não era algo extremamente vasto. Eu nunca tinha tido um real amante, afinal, que tivesse tido tempo ou ambição a me ensinar novas coisas. Eu sabia o básico: o homem enfiando-se na mulher, os gemidos. O que eu lia ali era totalmente novo para mim:
Ele encaixou-se entre as minhas pernas, segurou minhas coxas e deslizou sua língua pela minha fenda. Puxei seus fios de cabelo com os dedos e gemi, afundando-me na cama.
- O que há de tão interessante nesse livro? Vejo-a lendo todo santo dia – a voz de ecoou no quarto e eu pulei de susto, fechando o livro rapidamente e escondendo-o embaixo do travesseiro. Tentei, inutilmente, não ficar corada. – Oh, não fique vermelha. – ele sussurrou, finalmente encontrando o que procurava e voltando-se a porta de saída. - Tudo bem, desculpe-me por ser intrometido.
Eu soltei um suspiro aliviado ao ver meu marido indo embora. No entanto, agora, livre da adrenalina do momento, vejo o quão estranho somos nós, nossa relação. Um comentário mais íntimo e, pronto, em seguida um pedido de desculpas e um afastamento maior ainda. Vivemos oito anos juntos, mas a cada conversa parecíamos estar pisando em ovos.
Como da vez que ele veio se desculpar de nossa rotina de sexo nos primeiros meses de casado. Eu lutara para não rir ao vê-lo vermelho e envergonhado ao sussurrar aquelas palavras.
- Moça, há algo que quero lhe dizer. Nossas... Vezes. – ele pigarreou, incomodado com o colarinho da blusa – Na cama. Foram um tanto... como direi... afobadas. Eu era um rapaz sem experiências – Lê-se: amantes – e com só poucos anos. Tinha me deitado somente com, desculpe a expressão, mulheres da vida. Eu... não sabia como.
Eu respondi o que qualquer mulher educada responderia, o que minha mãe me ensinou: Não há qualquer problema, você tem suas... Preferências e eu devo obedecê-lo. Uma frase estúpida, mas, infelizmente, muito comum. deveria ter contestado meus dizeres, mas no alto de sua imaturidade, com vinte anos, calara-se. Um dos pilares de nosso casamento rachou-se ali.
Na noite de núpcias, que ocorreu somente dois dias depois do casamento, mal entrara no quarto quando ordenou que eu tirasse a roupa. Eu estava com uma camisola dada pela minha irmã mais velha, em especial para essa noite, e eu hesitei em me mexer.
- Ande logo, fique nua!
Eu estava nervosa, tímida, envergonhada, perdida e, acima de tudo, insegura. Minhas mãos tremiam enquanto eu desamarrava o laço e vê-lo na minha frente, a alguma distância, totalmente vestido, não ajudava em nada.
Quando finalmente mostrei-me a ele, não dissera nada, somente apontara para cama. Hoje, diante de uma experiência construída, eu tinha diante de mim a comparação. Do criado e seus elogios que me faziam sentir poderosa. Do nobre que gostava de brincar ao tirar a roupa. Do outro que beijava cada poro descoberto de meu corpo, em pura adoração.
No momento, eu não tivera mais do que medo. E me deitei na cama. Então, ele tirara suas roupas, sem desviar seu olhar do meu corpo, subira na cama e encaixara-se sobre mim. Deixei minhas mãos sobre a cama, pois não sabia o que fazer com elas. executava os movimentos e eu mantinha meus olhos fechados, sentindo-me mais protegida daquele jeito.
Foi patético e se repetiu durante algumas vezes durante os primeiros meses. Depois, encontrou uma amiga fixa na cidade e eu mal o via chegar antes de ir dormir. No campo, ele também sempre conseguia escapar para algum lugar. Meu marido nunca tivera muitos problemas em arranjar – e encantar – mulheres.
No começo do casamento, foi mais difícil. Com os cabelos e os pelos do rosto deixados para crescer, ele parecia por vezes um monstro e, assim como era desconfortável para eu dormir com ele, também deveria ser para outras.
No entanto, quando ele mudou drasticamente seu visual, deixando seus cabelos curtos e aparando a barba, ficou muito mais charmoso. Transformara o que até então cobria sua beleza, deixando um cavanhaque que lhe tornava sensual.
Mas era para além disso. Meu marido já não era o rapaz recém-adulto, com sede por vingança e aventuras. Ele, assim como eu, havia amadurecido, em muitos aspectos da vida. E isso lhe trouxera outra atmosfera: parecia mais seguro de si, mais sedutor, mesmo mais bonito.
Ele sempre fora, mas até então tudo estava escondido. Quando ele me encontrou no jardim principal da casa de campo, logo depois da mudança, eu arregalei os olhos de surpresa.
- O que fez com meu marido? - arrisquei-me brincar e ele riu em resposta.
Foi a primeira vez que vi, verdadeiramente, seu sorriso, já que não mais coberto. E me abalei. Mesmo hoje, anos depois, os segundos que me pego vendo sorrir são momentos mais felizes. Não é algo só com seu sorriso ou só com seus lindos olhos azuis, que já me encantavam há muito; é a mistura dos dois. É simplesmente especial.
Mais uma vez, naquele instante, eu achei que pudesse amá-lo. É besteira pensar isso agora e faz com que eu me sinta bastante bobinha, mas à época pareceu-me uma ideia concreta. Claro, durante pouco tempo. Para variar, quebrou todas as ilusões:
- Infelizmente para você, seu marido ainda está bem aqui.
É engraçado pensar nisso. , realmente, sempre esteve aqui, próximo a mim, mas somente em dimensão espacial. Quando se trata de sentimentos, emoções e temporalidade, nos encontramos sempre lá um do outro.
Aliás, falando em estar longe, eu fui puxada de volta ao presente com um pequeno toque do príncipe em minha cintura.
- Está tudo bem, madame? – ele inquiriu e eu presumi que meu rosto deveria estar apresentando feições um tanto problemáticas. Então, eu sorri e afaguei seu braço.
- Tudo, Vossa Alteza. – beberiquei um gole de vinho, já que teria que prestar atenção ao que a criança dizia.
Não, ele não era exatamente uma criança. Pelas minhas contas, o herdeiro deveria estar com vinte dois anos ou algo bastante próximo disso. Quase minha idade, portanto. Mas ele era tão mimado e tão absolutamente convencido, além de um barato galanteador, que por vezes assemelhava-se a uma criança.
Sim, eu dormira com ele. Não que eu precise explicar o motivo que tenha me levado a isso – ou que tenha que ter um motivo que seja. Mas ele era bonito. Muito. Extremamente. Tinha cabelos escuros até os ombros, olhos de uma cor brilhante, uma barba mal feita e longos cílios.
Enfim, aquele tipo de homem que te faz esquecer-se de respirar. Ao menos, antes de conhecê-lo. Ou de fazer sexo com ele. Porque, veja bem, a beleza dele era proporcional a sua falta de habilidade na cama. Não que ele fosse inexperiente, não parecia. Ainda sim, talvez por sustentar um alto cargo e ninguém ser suficientemente corajoso para dizer-lhe algumas verdades, ele era rápido demais, sem jeito demais e, sem me estender, uma noite com ele estava longe da altura que ele acredita que esteja.
Por isso, quando o primeiro nobre aproximou-se de nós dois, disposto a conversar sobre uma frota de batatas, eu desculpei-me e pedi licença. Sorri diante da liberdade e retornei para o meu quarto sorrateiramente, ansiosa para voltar ao meu livro preferido. No caso, o diário sexual.
Alguns têm vícios em jogos, outros em álcool, até em sexo, pelo que eu já ouvira falar. Eu tinha me viciado naquele diário. Dos males, o menor. Não gastava todas as moedas do meu marido, não fazia grandes besteiras, não contraía doenças do ato, só aprendia novas formas de me divertir.
E acabou que cada nova experiência da Li também era uma nova experiência para mim.
O chicote estalou na madeira da cama e eu ri, ansiosa. O moreno da vez já estava pelado, deitado na cama, e sorriu ao barulho. Aproximei-me dele, engatinhando, e dei um pequeno tapa em sua coxa, fazendo-o gemer. Amarrei suas mãos no estrado da cama e os pés no lado oposto, o tornando meu prisioneiro.
Às vezes, algumas ações me assustavam. Outras, eu me descabelava de rir. Principalmente se eu conhecesse o homem da vez. De vez em quando, uma característica era ressaltada: o nariz grande, as orelhas de abano, os olhos puxados, os vários anéis; e então facilmente reconhecia quem era quem.
Em outras histórias, não era tão fácil assim descobrir. Então, eu fazia uma lista de quem poderia ser. É alto, é magro, moreno, loiro? E ia riscando os itens – homens – da minha folha, até chegar ao x da questão. Claro, certeza eu nunca teria. Mas eu era boa naquilo e acertara as descrições dos quatro da corte que eu já dormira.
Pouco a pouco, se tornou umhobby. Mas eram poucos os capítulos, vinte e três. Não pouco considerando ser o número de parceiros sexuais de uma mulher casada – sim, descobri que Li era casada em uma das situações -, ainda mais considerando o espaço de um ano no qual o diário datava, mas pouco para saciar minha curiosidade.
Felizmente, havia um que eu não conseguira descobrir. Já havia escutado conversas das mulheres, observado atentamente todos os homens solteiros e casados da corte, mesmo os cozinheiros, guardas e criados, e não havia qualquer indício do homem.
Eu o olhei por inteiro e suspirei. Seu corpo parecia uma estátua bem construída por Michelangelo. Eu já dormira com muitos, mas ele... Ele era de outro mundo! Sua barba roçava em minha pele e eu me arrepiava toda. O tal sabia como fazer uma mulher ir para os ares.
Investiu em meus seios duros e me viu gemer. Mordeu o pescoço, o colo, a barriga, até chegar lá. Tocou-me devagar, com movimentos circulares, alternando a velocidade. Eu revirava os olhos, apertava seus ombros com força e ele continuara, paciente, até eu ficar molhada.
Então, encostou seu corpo ao meu e eu senti seu membro latejar perto de meu íntimo. Ri, ansiosa. E lá estava ele, avançando, mexendo-se e fazendo-me tremer de prazer.
Escrevo desde o momento que ele saiu por aquela porta. Ainda estou trôpega, aérea e feliz. Sua imagem se vestindo volta a minha cabeça. Ele levanta um dos braços e eu vejo sua tatuagem, um pássaro na costela. Suspiro. Quero-o de volta.

Com essa descrição, eu também o quero, foi o que pensei na primeira vez que eu li, maravilhada pelas sensações do ato da Li. Li, afinal, não era uma moça que se encantava e se deliciava com qualquer coisa. Esse cara deveria ser bom. O melhor.
Já lera aquele capítulo, de dois meses atrás, umas quatro ou cinco vezes. Atentamente, procurava características que me ajudassem a descobrir quem era a misteriosa estátua de Michelangelo. No entanto, era difícil, pois muitos daqueles adjetivos eram opinativos e não me diziam nada fiel sobre o tal.
Além de sua aparente beleza, eu tinha de concreto sua tatuagem de pássaro na costela. Como, no entanto, eu iria ver todos os homens da corte desnudos para procurá-lo?
Uma ideia tinha surgido na minha cabeça uns dias atrás. Uma abordagem clássica para a solução do problema: a sedução. Levar todos os nobres para a cama me parecia um tanto escandaloso e mesmo perigoso, por conta das doenças e de uma possível gravidez bastarda, mas o quão valia descobrir quem era o misterioso?
interrompeu minha linha de reflexões, adentrando ao nosso quarto. Retirou sua capa e deu para seu criado, dispensando-o em seguida. Eu simplesmente me acostumara com o diário e as entradas sem aviso de meu marido. Então, quando ele finalmente olhou para mim, eu sorri para ele, nem um pouco envergonhada pelo livro.
- Ainda vou sequestrar esse livro e descobrir o que tem de tão interessante nele. – ele comentou, animado. – Por acaso é um mapa do tesouro francês?
- Não. – eu respondi-lhe, dando os ombros – Algumas histórias de amor, só isso.
Meu marido riu.
- Quem não te conhece que te compre, querida histórias de amor são entendiantes. – ele citou minha corriqueira frase e eu bufei, ainda que não podendo deixar de rir.
- Ora, essas não. – retruquei, levantando-me da cama. – Vou respirar ar puro. – avisei-lhe, vendo-o assentir. – Com o livro! – adicionei, fazendo o rir.
Era automático. Ele entrava no quarto para trocar de roupa e deitar-se, eu saia para lhe dar privacidade. E vice-versa. Não havia intimidade real entre nós. O que havia entre nós, afinal?, Eu refleti e me vi rindo.
Apoiei-me na sacada da varanda, respirando o ar noturno da França. A festa já havia terminado e agora as conversas eram fracas e dispersas, principalmente naquele corredor afastado. Fechei os olhos, lembrando-me da menina que um dia eu fora. Os sonhos infantis tão adultos. Meus irmãos: desde Charles, o mais velho, que atualmente deveria estar beirando os quarenta anos, passando por Mary, que já era mãe no alto dos seus vinte e um anos, até Mart, o caçula, que já passava dos quinze. Minha mãe, sobrevivendo já senhorinha. Eu não os visitava há anos... Ah, a vida de casada!
- O que a bela dama ruiva faz aqui, escondida, a essa hora da noite? – a voz de galanteio cortou meu devaneio e eu virei o rosto, notando que o dono daquelas palavras era conhecido como o Lorde dos Vinhos. – Por acaso está a esperar o príncipe encantado?
Sorri para ele, gostando verdadeiramente da piada, e deixei-o aproximar. Eu tinha um guarda exclusivo, Ted, sempre presente, que sabia exatamente o limite entre proteção e privacidade. Por isso, enquanto o Lorde dava alguns passos em minha direção, Ted deu outros em direção contrária. Ainda, claro, podendo observar e escutar tudo.
- Já tenho meu príncipe. – respondi-lhe, mexendo vigorosamente no cabelo e abaixando o braço lentamente, acariciando meu próprio corpo.
Ele podia ser a estátua misteriosa. Era bem apessoado, apesar de já aparentar certa idade. Charmoso, bom com as palavras. Uma boa aposta.
- Ah, - ele tocou-me no braço e encostou sua boca em meu ouvido. Lá sussurrou: – mas ele lhe satisfaz?
- Não como o senhor, imagino. – e agarrei-lhe o pescoço, tacando-lhe um beijo no canto dos lábios. – Seu quarto? – inquiri, direta.
Ele riu e apertou minha cintura, colando meu corpo com o dele. Então, deslizou sua atrevida mão pelos meus quadris.
- Aqui mesmo. – ele sussurrou, puxando com a outra mão meus cachos e avançando sua boca contra meu pescoço.
Definitivamente, ele sabia o que estava fazendo. Felizmente, eu também.
Afastei-me brevemente dele, empurrando de leve seu peito. Suas mãos pararam na minha cintura e ele gruiu pelo afastamento. Eu o olhei, falsamente pensando na proposta indecente dele. Em seguida, suspirei, levando uma das minhas mãos para seu pênis e apertando-o.
- Tudo bem. – afirmei, entre seus gemidos. – Mas você tira sua roupa primeiro.
- Isso é algum tipo de fantasia, ruiva? – ele perguntou, confuso – Posso abrir o fecho da calça, levantar seu vestido e... – apertei novamente seu órgão ao escutar sua resposta.
- Tire a roupa. – ordenei, segura. E, só para garantir o sim, o fiz gemer de novo.
Em dois segundos, ele estava como louco desabotoando a camisa e abaixando as calças. Eu sorri. Aproximei-me dele, ajudando-o – ou atrapalhando-o- na tarefa. Passeei minhas mãos pelo seu tronco e não exatamente gostei do que senti. Não parecia nem um pouco uma estátua de Michelangelo.
Beijei-o, alvoroçada para livrá-lo logo daquela blusa que impedia o avanço dos meus planos. Joguei o pescoço para trás, deixando-o beijar o meu corpo. Eu deslizava minha mão pelos seus ombros, tentando tirar aquele maldito pedaço de pano. Então, quando finalmente a flanela branca caiu no chão, eu gemi e o afastei de mim.
- Levante os braços. – sussurrei. Novamente, ele me olhou confuso, mas dessa vez obedeceu de primeira.
Eu observei as costelas, procurando o pássaro. Apesar do escuro, sua pele branca era bem visível e não havia tatuagem alguma lá. Bufei e deixei meus ombros caírem em lamento.
- Procurando onde deixar sua marca, ruiva? – o Lorde perguntou e eu não pude deixar de sorrir. Ele era muito bom com as palavras, afinal.
- A minha marca já está na sua memória. – pisquei, ajeitando o corpete em meus seios e me afastando da sacada. – Ted. – chamei-lhe.
Em um minuto, meu guarda apareceu e eu comecei a caminhar, sentindo sua escolta. Ainda escutei o tal Lorde dos Vinhos gritar em um misto de revolta, angústia e confusão. Mas eu não me importei. Eu tinha concluído minha missão.


II.




- Por um acaso, Ted - virei-me para o guarda, que me acompanhava descendo as escadas até o jardim – você não tem uma tatuagem de pássaro nas costelas, tem?
- Não, senhora. – respondeu ele, sucinto.
Eu sorri de puro alívio. Seria desanimador descobrir, depois de tanto empenho e dedicação na procura pela estátua, que seria a pessoa sempre ao meu lado a detentora do título de misterioso.
Caminhei em direção à mata mais densa, onde existiam alguns carvalhos. A primavera propiciava o desabrochamento das folhas e, consequentemente, somavam à beleza da paisagem. Além disso, tratava-se de um ótimo espaço para encontros furtivos, como o que eu tinha agora.
Levantando os panos do meu vestido acima do meu tornozelo para não sujar, andei por entre as flores amarelas e rosas, até chegar embaixo da árvore do encontro, esperando o jovem Lorde. Desde minha última tentativa com o Lorde dos Vinhos, mais de uma semana atrás, um novo Lorde vinha, sucessivamente, mandando-me olhadelas, piscadas e elogios.
Eu mal sabia o nome dele. Era praticamente impronunciável, com ascendência escocesa. Segundo as línguas afiadas da corte, ele era descendente da melhor amiga de Mary Stuart, a rainha católica da Escócia e da França, por casamento com Francis Valois. Diziam, também, que quando a dinastia Bourbon assumiu o reino, sua família só foi poupada por conta de seus navios piratas destinados a América Espanhola.
Verdades ou invenções, pouco me importava. Estava inteirada do que interessava à minha missão: o nobre era um rapaz novo, tendo uma idade aproximada à do príncipe e sendo, portanto, amigo íntimo desse. Era bastante bonito e praticava caçadas constantemente, o que possivelmente lhe permitiam um bom corpo. Ainda era famoso por suas aventuras mil, desde as ajudantes de cozinha às próprias irmãs do amigo real.
Como se lendo aos meus pensamentos, senti sua mão segurar meu pulso antes de me dar um puxão. Fui parar atrás da árvore, presa entre o corpo velho de madeira e o jovem pulsante. Logo, sua língua avançou contra a minha boca, decidida e afobada, enquanto seu tronco e pernas acabavam com qualquer distância física entre nós.
Eu arfei. Meu Deus, será que todos os homens da corte sabiam como fazer aquilo? Era como uma aula obrigatória à nobreza? Desde crianças eles aprendem a escrever, a fazer contas e a dormir com uma mulher?
Estava disposta a tomar conta da situação, a virar aquele jogo e deixá-lo em minhas mãos, mas antes eu precisava me recuperar daqueles apertões, daquela falta de ar depois do beijo. E então, sem eu ao menos perceber como e em que momento, o corpete de meu vestido tinha sido abaixo e meus seios estavam à mostra.
Eu observei Ted, meu fiel escudeiro, dar um passo a frente, preparado para acabar com aquela situação no instante em que eu mandasse. Mas eu não fiz qualquer demanda para o guarda. Uma parte porque o rapaz sabia exatamente o que estava fazendo e eu merecia aqueles carinhos. E, bem, eu tinha minhas dúvidas de que eu conseguiria fazer qualquer coisa a não ser fechar os olhos e deliciar-me com os prazeres de sua boca em meus bicos.
Eu gemi. Gemi por dois motivos complementares: estava muito bom e, infelizmente, era hora de acabar com aquelas sensações. Puxei seu cabelo longo para trás, forçando de leve um afastamento por parte dele. O Lorde se reergueu, mas tampouco afastou o resto do corpo de mim.
Então, disfarçadamente, acenei para Ted com o olhar. Ele se aproximou e segurou os dois ombros do rapaz, fazendo-o retroceder vários passos de mim com sua força. Aqueles olhos de cores indecifráveis me encararam, provavelmente pela primeira vez. Não o corpo ou a beleza, um ser que lhe daria prazer, mas como uma pessoa como ele. Uma mulher, sim, mas que podia jogar contra ele e, quem sabe, vencer.
Mil coisas horríveis deveriam estar passando na cabeça dele nesse momento. Talvez meu marido tivesse descoberto sobre as intenções dele, talvez o príncipe ouvira que o amigo estava se aproveitando da mulher com quem ele se encantara. Vá saber. O fato era a sua cara plácida, as vermelhidões da ação anterior e da quentura do ambiente sendo ultrapassadas pela brancura do pavor do desconhecido, do perigoso.
Sorri maleficamente. Era engraçado observar, por alguns segundos, um nobre com medo das consequências de seus atos. Eles sempre pareciam tão seguros, tão firmes em suas maldades, indecências e imoralidades, que ver aquele sentimento espelhado em um deles era satisfatório. Eles eram como qualquer camponês, afinal. Suscetível à sorte, a outros, à vida.
- A camisa, por favor. – pedi-lhe. Vendo que ele não se mexera, continuei, apontando para meu guarda: - Ou você vai precisar da ajuda de Ted?
O Lorde deu uma olhada para o lado, observando Ted e seus músculos. Então, começou a desabotoar a blusa, não sem antes engolir em seco. Tirou o manto que o cobria e, poucos segundos depois, estava com o tronco nu.
- Você é uma ladra? – ele inquiriu, começando a tirar suas próprias conclusões. Seu rosto voltou a ficar vermelho e ele aumentou em 7/8 sua voz antes de me ameaçar: - Pois se prepare, sua vadia. Sou muito amigo do filho do Rei e posso em um minuto ter sua cabeça em minhas mãos.
- Oh, claro. Aproveite e diga ao seu querido amigo o que eu lhe neguei. Ele adorará saber o quanto você desejou-me. – rebati, vitoriosa. – Agora, levante os braços, por gentileza.
Ele limpou a garganta, desconfortável. Então, fez o que eu pedi, embora demonstrando o quanto estava enfurecido com aquilo. Graças aos céus, não havia mais do que alguns cicatrizes de espadas em sua pele. Também, eu não acreditava que a estátua de Michelangelo poderia ser, apesar de tão bonito e sedutor, também tão mal-humorado.
- Se vista, por favor. – apontei para suas roupas – Não quero ser acusada de nenhum ataque de desgosto por sua aparição desnuda na corte.
Ele colocou de volta seus trajes, soltando alguns xingamentos contra mim de tempos em tempos. Ted, todas às vezes, rosnava em resposta. Quando ele estava recomposto, virou-se pra mim e abriu os braços.
- Satisfeita?
- Ah, - fiz uma careta – acho que você não é capaz de me proporcionar satisfação. – joguei, sorrindo. Ele bufou e vi seu rosto avermelhando-se num misto de raiva e vergonha. – Vá.
Quando ele hesitou, meu escudeiro resmungou e lá foi o Lorde se afastando rapidamente, pisando nas lindas flores no caminho.
- Nossa hora também, não, Ted? – inquiri, tentando dar um jeito nos meus desgrenhados e rebeldes cachos.
- Senhora. – o guarda abaixou levemente o olhar e ficou rubro.
E eu notei. Não tinha alinhado o corpete de meu vestido e, portanto, ainda estava com os seios amostra. Ri pela situação. Diante da troca de ameaças e de ordens com o Lorde, não me lembrei de cobrir-me.
- Ah, obrigada Ted. – puxei o tecido, ajeitando-o no colo - Foi tão divertido que eu me esqueci desse detalhe.



III.




Dez dias atrás, enquanto sucumbida perante beijos e sensações com o bonito e irritante jovem Lorde, eu formulara na minha cabeça uma hipótese. Hoje, diante dos esforços intragáveis de Lorde Durand, eu retiro aqueles pensamentos: não há lições para a nobreza sobre o ato sexual.
Ou, ainda, se porventura houver, este que agora apertava meu braço dolorosamente certamente cabulara muitos desses ensinamentos. Porque, acredite, ele absolutamente não sabia o que estava fazendo nesse quarto. Isso vindo de uma mulher cuja experiência sexual é praticamente um conjunto vazio.
- Ah! – arfei. Não porque era maravilhoso o contato de sua boca com minha pele, mas porque o sacana havia acabado de enfiar os dentes em minha tez. – Sem morder! – gritei, repreendendo, já irritada.
- Desculpe. – ele pediu, antes de avançar para minha boca.
Eca. Minha língua provavelmente estava se sentindo uma nadadora profissional, com toda aquela baba a sua volta. Li não podia estar se referindo a isso como o melhor homem da vida dela. Por favor, pedi aos céus.
O tal Lorde decidiu se afastar e, enquanto eu agradecia internamente pelo gesto, me deu um susto ao me jogar na cama. - E, sim, eventualmente eu faço essas coisas na cama. Não satisfeito, ele se jogou em cima de mim, sem qualquer pudor.
Naquele instante, eu pensei: é chegada a minha hora. No dia seguinte, já estariam todos na corte comentando sobre como a mulher de IV morreu durante o insano sexo com o amante. Então, minha mãe, no alto de sua velhice, escutaria meu marido passar a notícia, esbugalharia os olhos e nunca me perdoaria pela insensatez. Que ótima maneira de morrer!
Felizmente, o gemido silencioso e a impossibilidade de se respirar foram interrompidos pela intrépida abertura da porta. Durand pulou da cama, postando-se de pé em um instante e ajeitando suas vestimentas no corpo. Ele era tão ruim que nem a blusa conseguira tirar, ou seja, meus esforços de nada adiantaram.
- E...eu... Lor... – o homem gaguejava, nervoso, tentando reverter a situação. Depois de quinze segundos de silêncio, ele continuou: - Estava conversando com Lady , pedia-me...
- Cale-se, homem. – Exclamei, revirando os olhos.
- Senhora. – o visitante encarou-me, mexendo a cabeça levemente em um cumprimento.
Era , o IV. Quem mais poderia entrar no quarto sem qualquer aviso, afinal? Seu semblante estava lívido e seu olhar focado em mim, analisando-me, estudando-me. Era uma característica bem marcante de meu marido e, na maioria das vezes, extremamente irritante. Ele mal abria a boca e, depois de um tempo, a maneira como ele lhe encarava incomodava, chegando a dar arrepios.
Eu sofreria disso, com toda a certeza, se não tivesse ao seu lado por oito anos. Eu estava suficientemente acostumada e precavida sobre seu comportamento. Por isso, somente ergui as sobrancelhas em uma resposta dividida entre: porque me interrompeu e te desafio a fazer qualquer coisa a respeito disso.
E, de fato, eu adoraria que ele fizesse algo. Nem que fosse assustar um pouco o pobre coitado que deixava transparecer, ainda que bastante afastado de mim, sua tremedeira.
Entretanto, ele só continuava a me direcionar aquele olhar. Admito, quase arrancou minha pele. Mas, paradoxalmente, fortaleceu minha segurança quanto a qualquer atitude a seguir.
- Lorde, tire a blusa, por favor. – dirigi-me a Durand.
Seus olhos esbugalharam e ele desviou os dois glóbulos para , desesperado por uma saída. Só que... Estamos falando de . Então, ele alternou os olhares entre mim e meu marido, cada vez mais confuso.
- Eu não sei o que vocês estão pensando. – ele começou, remexendo no colarinho – Mas não vou participar dessas sandices de vocês, não. – ele negou com a cabeça, fortificando sua mensagem – Mulher, eu gosto. Com homem, homem não.
Não pude deixar de ri. Ele achava mesmo que eu estava lhe propondo um sexo a três? Logo com ele? A modéstia falta mesmo aos nobres.
- Por favor. – ainda murmurei, entre sorrisos – Você mal sabe o clássico. – retruquei.
- Sua... – ele ficou rubro e, de repente, furioso – Sua meretriz!
- Não fale assim da minha mulher! – brandeou , parecendo notar o Lorde pela primeira vez.
- Você é mesmo um otário. – o nobre respondeu, rindo – Eu ia arrombar sua mulher na sua cama. Que parte disso não entendeu?
avançou em sua direção, pegando-o em um instante pela gola da camisa. Então, levantou-o do chão, enquanto o rapaz debatia-se no ar. Eu dei boas risadas da cena, jogando-me na cama para apreciar.
- Não ouse falar mal dela! – meu marido ameaçou, sacudindo-o – Ou você estará morto até o pôr-do-sol de amanhã.
Antes de jogá-lo no chão, ele ainda rasgou a blusa do Lorde, deixando o peito dele nu. Sorri. Que orgulho desse meu marido!
- Levante os braços. – ordenei, enquanto eu mesma erguia-me da cama.
- Faça o que a dama manda. – completou , assegurando-se do cumprimento do pedido.
Caminhei para frente do judiado, observando atentamente sua pele, embora eu tivesse plena certeza que ele não era a estátua de Michelangelo. Suspirei e dei de ombros, cruzando o braço. Desviei meu olhar para meu marido.
- Ted! – gritou ele.
Logo, meu guarda entrou no quarto, inclinando-se em respeito e em seguida encarando à espera de uma ordem.
- Leve-o daqui – apontou para Durand - Faça-o esquecer das aventuras dessa tarde.
Ted assentiu com a cabeça, andou até o Lorde e pegou-lhe pelo braço sem dificuldade alguma. Aqueles músculos serviam para muito, afinal. Antes de sair à porta, no entanto, ele virou seus olhos para mim, em um pedido discreto de desculpas.
Eu assenti brevemente, transmitindo a ele que tudo estava bem. A intromissão não fora nem de longe ruim. Já os minutos com lorde Durand, meu Deus, esses sim foram horríveis. Este, não satisfeito com a humilhação, recitou uma despedida a mim:
- Queime no inferno! – proferiu.
- Melhor do que dormir com você! – rebati, sorrindo.
E ele sumiu por entre as paredes de pedra.




IV.




Alívio.
Joguei-me na cama despretensiosamente, suspirando. Aliviada por ter aquele Lorde longe e por não ser ele o homem misterioso. Aliviada porque interrompeu a intimidade que me causava enjoos. Aliviada porque, por causa dele, eu podia respirar.
- Obrigado, você salvou minha vida. – exclamei, olhando para o ouro que revestia o teto. Quando me falaram que na corte tudo tinha um toque de ouro, realmente não estavam exagerando.
- Engraçado você falar isso, sendo que eu acabo de ganhar o direito de tirá-la. – exclamou sério, me fazendo desviar o olhar para ele.
Eu revirei os olhos e bufei. Ele faria mesmo esse joguinho? Sim, segundo as leis reais, maridos poderiam matar suas mulheres adulteras. Mas ? Ele não era hipócrita. E se ele me traía, eu estava em meu direito de fazer o mesmo – pelo menos de acordo com as leis da minha cabeça.
- Eu quase morri mesmo. – dei de ombros. – Olha essas marcas roxas. – levantei meus braços e o pano do vestido, para que ambos víssemos os roxos em minha pele.
- Sexo selvagem? – retrucou, fazendo-me olhá-lo enviesada.
- Ele era tão ruim, meu Deus. – murmurei, lembrando-me - Ele se mexia tão estranhamente e tenho a impressão...
- Não quero ouvir suas descrições sobre você e ele, por Deus! – meu marido interrompeu, afobado.
Dei de ombros, afogando brevemente minha cabeça no travesseiro em uma vã tentativa de esvaziar minha mente. Obviamente, não deu certo. Então, virei o rosto para meu marido e sentei-me na cama.
- Você entrou no tempo perfeito. – comentei.
Ele me encarou e pude sentir que ele estava entre a surpresa e o divertimento.
- Você é estranha. – afirmou, fazendo-me rir.
- Nunca neguei. – forcei uma voz grossa e arregalei os olhos, reforçando seu pensamento. Ele riu. - Você também é estranho. Com aquele olhar glacial, a falta de reação e tudo mais. E, acredite, isso é um elogio.
Ele sorriu pra mim e eu devolvi, apoiando minhas mãos na cama e jogando os cabelos para trás. Era impressão minha ou acontecia aqui, nesse horário, nesse quarto, um momento histórico?
Nunca havíamos conversado por tanto tempo, muito menos com tanta sinceridade e descontração. Deus, será que dá para parar o tempo aqui, pela eternidade? Nós sorrindo um para o outro. E aquele conjunto que não dá para um ser humano normal se sustentar: o sorriso bobo e os olhos brilhantes.
Sorte que eu estava bem acomodada na cama, porque minhas pernas ficaram moles em um segundo. E eu já havia, sim, ficado daquele jeito com outros homens. Com o jovem de descendência escocesa, por exemplo, eu quase pude tocar o prazer que ele me proporcionava.
Mas, ... Para essa sensação com jovem Lorde explodir, ele explorou meu corpo. Tocou-me, sentiu-me. E o corpo respondeu. Com meu marido... Ele estava só sorrindo para mim, com aqueles olhos e boca! E eu estava derretida. E como isso se explica?
O homem jogou-se na cadeira mais próxima e encheu uma taça de vinho. Ainda me ofereceu, mas eu recusei com a cabeça. Levantar dali naquele momento não seria a atitude mais sensata.
O silêncio inundou o ambiente e eu perdi-me nos detalhes de meu vestido. A renda transpassada, os desenhos. O tédio me alcançou em menos de dois minutos e eu ergui a cabeça.
Inevitavelmente, olhei-o. Ele estava derramando o vinho goela abaixo e batia o pé no chão ao ritmo de uma canção. Sorri, melancólica. Tão próximos, tão distantes. A vida prega-lhe mesmo peças.
- Por que ele? – inquiriu pensativo e eu suspirei.
- Estou... pesquisando.
- Alguém pra ser seu amante?
Meneei a cabeça, indecisa. Nem eu sabia o que realmente estava fazendo. Procurando a estátua de Michelangelo, claro, mas para que? Quando o tal aparecesse, o que aconteceria? Eu dormiria com ele e só? Eu torná-lo-ia meu amante? Parecia uma boa ideia.
- Pode se dizer que sim.
Ele encarou o vinho e respirou profundamente.
- Seja discreta da próxima vez. – avisou-me.
- Oh, acho que nunca fui tão discreta. – fiz uma pequena careta - Ou você acha que a varanda e o jardim são considerados lugares discretos?
- Moça! – repreendeu-me. Eu ri. – O que você procurava? Marca de doenças? – mudou de assunto, referindo-se ao meu pedido para retirada da camisa.
- Moço! – retruquei, brincando com ele. – Isso é segredo! – e sorri.




V.




- Dez. Talvez até quinze. – ele balançou a cabeça, pensativo.
- Minha aposta inicial é vinte. – retruquei, enrolando meu braço no seu. – Engordamos vinte quilos. E eu mal posso andar de cavalo. Isso é tão injusto!
riu. Desde a conversa, eu e meu marido tínhamos nos aproximado sensivelmente. Falávamos mais um com o outro, estávamos mais íntimos e elogiávamos a comida gordurosa e pesada da corte juntos. Como na ocasião.
Alguns dos nobres tinham acabado de voltar de uma caçada e um grande jantar foi organizado para consumo das carnes. Porcos, javalis, veados e outros que sequer conhecia. Era tanta comida, tão deliciosamente suculenta e cheirosa, que até levantar da cadeira acolchoada fora uma questão delicada.
- Lady , tão injustiçada! – ele caçoou, me fazendo revirar os olhos.
Meu marido brincava, usando seu tom para evidenciar isso. Mas, de maneira geral, não era uma brincadeira. Obviamente, não era somente eu a injustiçada, mas todas as nascidas mulheres. Não era só a questão de não poder cavalgar por puro prazer, algo tão escandaloso para a sociedade, e sim mais demasiados assuntos: andar desacompanhada, ficar a sós com homens que não sejam da família, ter um trabalho.
Não que, de fato, essas regras fossem seguidas. Ainda mais quando falamos da corte francesa. Continuavam, entretanto, sendo as leis do reino e de Deus e, portanto, passíveis, segundo alguns, de punição infernal. Para os mais céticos, existiam os enforcamentos e as guilhotinas.
Suas consequências pareciam tão absurdas quanto às próprias. E, acredite, elas preenchiam uma lista interminável. Dentre elas, o não direito à terra, ao dinheiro ou à independência e controle individual, que dirigiam o mundo europeu e colonial, eram o que mais me machucavam.
Estar atada a alguém, seja pai ou marido, está longe de ser agradável. Não jogo aqui minhas mágoas pela morte prematura de meu pai ou pelo inegável conturbado casamento. Não. Mesmo a quem teve sorte de ter bons homens ao seu lado, ser mulher, ser dependente, não é bom. A quantidade de amor tampouco muda isso.
Portanto, ao responder , minha raiva não se passou sútil:
- Faça o seguinte, maridinho – exclamei, ácida – aperte-se em um corpete antes de um jantar e nós podemos debater sobre justiça. – ergui as sobrancelhas, irritada, vendo-o sorrir.
Aquele sorriso duplo.
Desviei o olhar estrategicamente. Tinha a impressão de que mais uma olhadela de um segundo e todas as minhas convicções seriam momentaneamente arrastadas para debaixo do tapete.
Em momentos desse me pergunto: para que o homem precisa de facas, espadas, lanças? Cada um já nasce com uma arma capaz de deixar até o mais perspicaz inimigo em estado de ambivalência.
O problema, eu ousaria dizer, é que poucos sabiam qual era a tal arma. Eu, por exemplo, desconhecia em que espaço de meu ser estaria escondido meu poder. Todavia, certamente sabia que o sorriso era o sua. O jeito que ele jogava-o nas mais apropriadas horas era prova de sua sabedoria.
- Você seria uma ótima juíza, sabia? – confessou, interrompendo meus devaneios, mas não seu sorriso.
- Se eu pudesse trabalhar. – rebati rapidamente.
Sim, era um elogio, eu sabia. Mas no século XVII, sendo uma mulher casada e em ócio, depois de pensamentos sobre as injustiças, me pareceu mais uma afronta. Eu tinha capacidade e potencial para exercer aquela função, mas não podia. E jogar-me aquilo na cara desconfortou-me.
E meu marido não ajudava com aquele contínuo e derrubador sorriso.
- Pare de sorrir, Deus! – ordenei-lhe, quase como em um grito. Mas o desgraçado somente soltou uma gargalhada, encarando-me. – Oh, . Ao menos finja! Finja que não sabe que seu sorriso é sua arma, finja-se de sonso!
Ele juntou as sobrancelhas, fazendo sua careta de surpresa. Agarrou-me os pulsos e puxou-me para um canto tão velozmente que mal pisquei os olhos e já estava escorada em uma parede de pedras, afastada do corredor principal.
- Arma? Não sei do que você está falando, moça. – embutiu confusão em sua voz.
Não pude negar que ele tentara. A voz, as expressões na face, a própria reação. Mas, estamos falando de . Meu marido por oito anos. Podemos não ser exatamente próximos sexualmente falando, mas a convivência de dia a dia é suficiente para conhecê-lo muito bem. Inclusive reconhecer que tudo aquilo não passava de uma cena. Das muito bem representadas.
- Já tentou ser ator? Certamente seria um sucesso! – exclamei, erguendo as sobrancelhas em desafio.
Como resposta, ele suspirou e ergueu os braços, até que eles tornassem-se grades de minha improvisada e divertida prisão. Dobrou os cotovelos, aproximando seu corpo de mim e prendendo-me. Então, sorriu.
Quando tentei desviar o olhar, riu e moveu uma das mãos, segurando meu pescoço e me obrigando a olhar seu rosto. Ah, que bastardo! Bastaram algumas dezenas de segundos e eu tinha me esquecido das mazelas femininas, do uso por meu marido de sua arma, do peso dos quilos a mais do banquete, da movimentada corte francesa, do jovem nobre, do nobre que quase me matou, do príncipe, de Mary, de meu pai, de minha família. De tudo. De todos.
De repente, só existíamos eu e .
Eu, respirando forçadamente, o peito subindo e descendo, trabalhando em máxima potência, o ar faltando aos pulmões, o desejo tomando cada veia e poro de meu corpo.
, seus olhos brilhantes azuis, seus poucos pêlos no rosto que arranhavam deliciosamente a ponta de meu nariz, seu sorriso magnífico, sua mão macia acariciando meu pescoço, seu corpo envolvendo o meu, seu calor consumindo-me.
Seu rosto roçou no meu, com seus lábios percorrendo minha face, seu cavanhaque cortando minha pele. Gemi. Avancei minhas mãos para seu pescoço, puxando-o para mim. Eu queria sua boca grudada na minha!
Mas, ele, apesar dos puxões, se manteve alguns centímetros afastado, aproximando-se lentamente de mim. Ainda fazia carinho com a mão em meu pescoço e eu fechei os olhos, somente esperando.
A ansiedade batia forte em meu estômago. Eu mal sabia que esperava tanto por aquela junção. E, agora, não podia segurar-me para esperar alguns segundos. Era angustiante.
Então, eu sabia que chegara a hora. Mesmo com os olhos fechados, eu sentia a respiração dele sobrepondo-se a minha, sentia seu coração acelerado e sentia meu corpo queimar. Enfim, sentia.
E aí tudo fora bastante rápido. Com sua mão ágil em mim, ele virou meu rosto para o lado ligeiramente e plantou um beijo sútil e plácido.
Na minha bochecha!




VI.




Mas...
Bufei de raiva, notando a falta da respiração, dos batimentos e do calor dele. Nos primeiros segundos, mantive-me paralisada, escorada nas pedras. Estava respirando pesadamente, tentando oxigenar o cérebro e retomar meus pensamentos.
Até então, eu não pensava em mais do que os lábios de . Mas, pouco a pouco, as peças conectaram-se em minha cabeça. O desgraçado havia brincado comigo! Seduziu-me e, ao fim, deu-me um beijo na bochecha, porque sabia que eu esperava muito mais que aquilo. Depois, covarde, sumiu dali.
Revirei os olhos, ajeitei rapidamente o vestido e segui para o nosso quarto, onde ele certamente estaria. Corri por entre os corredores, sentindo em consequência o coque do cabelo se desfazer. Sorri por entre as tomadas de fôlego, feliz por conseguir quebrar duas regras sociais somente de uma vez.
Finalmente, cheguei à porta, avistando Ted de guarda. Fiz somente um gesto com a cabeça e ele assentiu, respondendo a minha pergunta sobre a presença de meu marido. Eu adorava Ted por isso. Ele, de alguma maneira, conseguia ler minhas dúvidas em meu olhar e nossas conversas silenciosas eram longas. Em um local em que as paredes tinham olhos e ouvidos, era uma habilidade extraordinária.
Abri a porta, avistando meu marido na janela, bebericando uma taça de vinho e observando interessado algo lá fora. Fechei a porta e me aproximei. Antes que eu pudesse agarrá-lo por trás, no entanto, ele se virou:
- Acho que encontraram um baú de ouro pelo caminho. Ao menos, pelos gritos de euforia, parece-me. – ele deu de ombros – Você não quer ir lá tentar se apossar de algo?
Encarei-o, cerrando o olhar. Peguei a taça de sua mão e joguei seu líquido em minha goela. Então, em uma atitude ousada, atirei o cristal na parede com força, vendo-o quebrar ao cair no chão.
- Talvez seja melhor assim. – ele assentiu e eu duvidei do que ele estivesse falando. –É possível que tenha sido roubado. – completou, fazendo-me entender que ainda estava falando do baú e que a cena que eu fizera seria totalmente ignorada por ele.
- Realmente. – concordei, levando um de meus braços para seu ombro e deslizando minha mão por seu corpo. – Há outra coisa que quero roubar, no entanto.
- O que seria, moça?
Ele inquiriu, abraçando minha cintura rapidamente e puxando-me para seu corpo. Suspirei, sentindo seu peito grudado no meu. Agarrei-lhe a blusa, tentando tomar controle daquela situação e acabar com a distância entre nossas bocas.
Mas, aparentemente, ele não queria o mesmo. Empurrou-me levemente para trás, segurando-me pelos ombros para manter o afastamento. Bufei.
- Pare com esses jogos, IV. – pedi - Eu quero, você quer. Tire logo a roupa e vamos com isso.
Ele observou-me um instante, parecendo ponderar minhas palavras. Então, assentiu, apontando para a cama em seguida. Segui até ela de costas, mantendo-me de frente para ele. Somente sua menção em tirar as calças me fez sorrir de orelha a orelha.
Joguei-me na cama, ficando de barriga para cima e notando meu marido se aproximar. Ri, ansiosa. Ele sumiu na cama, ficando em cima de mim, mas afastado. Ousada, puxei-o pelo cós da calça e escutei sua risada, enquanto nossos corpos roçavam um no outro.
De repente, ele se afastou. Não um pouco, para me deixar respirar - algo que os cientistas que critiquem, mas eu duvidava precisar no momento. Afastou-se de verdade, rolando na cama e sentando na mesma.
Suspirou alto e olhou-me sereno. Como se nada tivesse acontecido. Como se os toques, as respirações, as quenturas, nada tivesse acontecido.
- Não vai ser tão fácil assim. – ele exclamou, me fazendo encará-lo, confusa.
Olhei para o meio de suas pernas, notando que, sim, algo havia acontecido.
- Tem certeza? – respondi, deixando que ele notasse meu olhar.
pegou uma das almofadas ali dispostas e cobriu seu íntimo.
- Sua tarada. – ele acusou, divertido. – Falando sério, moça. Não vai rolar nada entre nós. Ao menos, não hoje.
Esbugalhei os olhos e esperei que ele justificasse.
- Sabe, você está acostumada com a facilidade. – continuou – Um pouquinho de charme, uma mexida no cabelo e os homens babam por você. Mas eu sou diferente.
- Não é não. – interrompi-o, discordando. – Você pode até ter bastante autocontrole, mas não pode negar que eu te estremeço.
- Vamos dizer verdades um do outro? – retrucou ele, levantando as sobrancelhas. – Pois bem, você também suspira por mim, moça. – falou, rouco, lentamente aproximando seu rosto do meu - Cada pêlo seu se arrepia quando me aproximo, cada osso seu racha de tesão quando eu sorrio, cada olhar seu me implora para te fazer minha. Minha moça.
Fechei os olhos, respirando profundamente. Oh, era verdade. Tudo. E meu marido, observador como si só, usando minha fraqueza contra mim, mordeu o lóbulo da minha orelha. Soltei um gemido.
Sem pensar por mais um instante, agarrei seu pescoço, tentando desesperadamente juntar nossas bocas. Quase obtive êxito, seus lábios tocando o canto da minha boca.
- Faça-me sua. – sussurrei lentamente, amassando meus seios contra o corpo de meu marido. – Possua-me.
Ele pulou, se afastando até longe da cama em uma velocidade exorbitante. Soltei o ar pesadamente, jogando-me na cama desgostosa. estava mesmo se demonstrando arisco.
- Você é mesmo uma bruxa, moça. – ele exclamou, enchendo uma nova taça de vinho.
- Ah, por favor, não desmereça as bruxas. Elas são muito poderosas e eu – dei de ombros – só sei usar o que eu tenho.
- E, definitivamente, o usa muito bem. – ele tomou um gole rápido - O que você tem, acredite, é tão poderoso quanto qualquer bruxa.
- Se você diz. – afirmei, não ligando muito. – Vamos mesmo ficar só na conversa?
- Parece um homem falando. – ele riu. – Deixe-me continuar o que você interrompeu. – ele suspirou antes de continuar – Você aceitando ou não o fato, eu sou diferente. Você tem todos os homens muito facilmente. Não a mim. Eu vou ser mais difícil.
Eu ri, encarando-o.
- Está de brincadeira? – inquiri, descrente – Eu sou a mulher. Eu sou a difícil. Quem deve cortejar-me é você.
- Já somos casados, já cumpri minhas obrigações de corte – deu de ombros. Eu quase lhe interrompi para dizer que na verdade, não, ele não tinha cumprido. Se, afinal, ele tivesse agido como hoje há oito anos, nosso casamento seria completamente diferente. Mas ele tão logo continuou: - Além disso, não ligo para regras sociais.
- Percebo. – esbugalhei os olhos diante das ideias que surgiram em minha cabeça – Entretanto, eu me importo com as regras. – brinquei. Por favor, é óbvio que é uma mentira deslavada – Então, talvez eu deva chamar a senhorita para um passeio de carruagem. – joguei – Ou seria inapropriado você sair comigo desacompanhada, moça?




VII.




- Por Deus, mantenha os olhos fechados! – pedi, impaciente, em menção a ordem desobedecida. Pela sexta vez.
- Estou curioso. – ele deu de ombros, justificando-se, mas fechou os olhos. – E sem a visão, me sinto frágil e inseguro.
- Como a falsa representação de uma mulher que você tanto almeja ser. – interrompi-lhe, jogando na cara de meu marido que, se estávamos ali, entre tropeços, era por sua brilhante ideia de ter que ser conquistado.
- É uma pena você ter me proibido de usar aquele vestido verde. – começou ele, abrindo um sorriso pela brincadeira – Meus seios ficam valorizados naquele decote.
Não pude conter a risada. Naqueles dias tinha descoberto um oculto, bastante divertido, cheio de humor, disposto sempre a me fazer rir. E, definitivamente, seus esforços funcionavam. Eu nunca mostrara tanto meus dentes amarelados.
- Chegamos, menina. Pode abrir os olhinhos. – disse, vendo-o sua reação ao notar onde seria nosso encontro romântico.
Em um primeiro momento, ele escancarou os olhos azuis, surpreendendo-se pelo ambiente escolhido. Depois, abriu a bocarra para rir. Encarou-me, então, levantando as sobrancelhas e mantendo seu sorriso matador.
- Cozinha, é? Não posso negar a originalidade.
- Agradeça-me por não obrigá-lo a usar um dos meus corpetes. – observei. – Ademais, que garota resiste a uma boa e gordurosa refeição?
- Você acha que me conquistará com comida, moça? – meu marido inquiriu, colocando as mãos na cintura em falsa indignação.
- Almôndegas de fígado. – revelei somente, sabendo ser seu prato favorito.
- É. Você acabou de me deixar completamente apaixonado por você. – abraçou-me, dando-me um beijo no pescoço e arrepiando-me.
- Para quem se diz tão difícil, você se entregou muito fácil a mim. – comentei, enrolando meus braços em seu pescoço.
- Não, se confunde você em pensar que me entreguei. – falou, enquanto desenhava carinhos em minhas costas. – Me apaixonei por você. É fácil: rapaz bem apessoado, almôndegas de promessa. Mas não será tão fácil ter meu corpo e minha joia sagrada...
- Oh, pare, . – supliquei, já rindo em seu peito. – Duvido – sussurrei, em seu ouvido - que depois de saborear seu prato você não entregue toda sua pureza para mim.
E meu marido, duvidando do poder da comida, resolveu experimentar. Nós almoçamos, continuando a pequena brincadeira de inversão de papeis na mesa. Rimos um bocado e, ao fim, até seu olhar mostrava-se apaixonado. Resta saber se era por mim ou pela refeição maravilhosa.
Nós subimos as escadas minutos depois, voltando aos corredores principais do palácio. Por vezes, nossos braços se tocavam enquanto andávamos, de tão próximos um do outro.
As sensações, em consequência desses toques ligeiros e inesperados, eram maravilhosas, mas não se comparavam a como me sentir quando IV decidiu entrelaçar seus dedos nos meus. Não era o entrelaçar de braços, tão formal e contínuo nos bons modos da corte francesa, mas de dedos, tão informal, intimo e novo para nós dois.
Entramos em nossos aposentos rindo de um nobre que cruzara conosco, completamente bêbado, gritando aos quatro cantos que seu instrumento não estava mais funcionando.
- Essa corte francesa me surpreende a cada dia. – comentei, logo que me recuperei do ataque de risos. – Você também tem me surpreendido ultimamente, marido. – acrescentei, sorrindo de lado para ele. – Portanto, eu tenho mais uma surpresa para você. Fique confortável.
Ele deu seu sorriso de sempre e jogou-se na cama, simplesmente esperando. Eu comecei a desabotoar os botões do vestido e sorri. Por sorte, eu estava sem anáguas, somente com uma pele, um espartilho e o vestido roxo que já deslizava por minhas pernas.
- Você não desiste de me seduzir, sereia? – perguntou ele, observando-me por completo.
- Um dia meu encantamento funcionará. – brinquei, focando-me em alargar as cordas do espartilho.
- Oh, minha moça. – soltou, levantando-se da cama e devagar caminhando até mim. – Minha inocente moça.
Deslizou uma de suas mãos por minhas bochechas até meus lábios, que se entreabriram em expectativa. A outra foi pelo meu braço, passou pelas costas e chegou ao quadril. Seu corpo se aproximou do meu e sua barba roçou em minha pele.
- Seu encantamento já funcionou.
Então, ele me beijou. Nosso primeiro beijo de verdade. Nosso primeiro beijo com significado. Nosso primeiro beijo daqueles desesperados, loucos, insanos, completos de desejo.
Nossas línguas brincam, brigam e tudo que posso pensar é em meu marido. Em seu corpo, nas sensações que me trazem. Agarrei-o pela cintura, tentando arrastá-lo até a cama. Suas mãos envolveram todo meu corpo, seus lábios fizeram meu pescoço formigar e ele deixou-se ser levado por mim.
Mas nunca chegamos a nos jogar na cama, porque simplesmente parou. Eu ainda tentei inspirá-lo a continuar, beijando seu pescoço e, ousada, apertando sua bunda, mas ele segurou meus pulsos delicadamente e me afastou dele.
Eu soltei um gemido de frustração e procurei seu olhar.
- Largue à procura pelos amantes.
- O quê? – soltei, sem reação para organizar qualquer outra frase.
- Pare o que você está fazendo, seja lá o que for, com aqueles homens. Pare suas pesquisas, pare de beijar e se deitar com outros.
- Eu... não posso. – sussurrei baixinho, anestesiada pelas palavras de .
Eu gosto de meu marido. Eu o quero. Deus, como o quero! Mas ele me pede muito. Estou próxima dele há alguns dias, depois de oito anos como meros conhecidos. E, então, porque ele pede, eu vou simplesmente desistir de uma pesquisa pela Estátua de Michelangelo? Sem saber quem é o misterioso? E se essa loucura entre nós dois não der certo? E se tudo piorar?
Que confusão!
- Se vamos viver efetivamente como marido e mulher, eu quero você por completo. – ele continuou, interrompendo meus pensamentos – E serei seu por completo também.
Ele me encarou e eu, pela primeira vez, não consegui olhar aqueles azuis bonitos. Não consegui encarar o ultimato. Abaixei a cabeça, suspirando profundamente. Fechei os olhos e torci para aquilo ser somente um sonho.
Mas não é. Eu senti meu marido bufar. A porta de madeira bateu fortemente, deixando-me sozinha em meus devaneios loucos e confusos.




VIII.




Contrariando o pedido de meu marido, eu continuei minha busca pela estátua de Michelangelo. Alguns momentos me martirizo, perguntando-me porque simplesmente não larguei tudo para ficar com . Mas então lembro que não é tão simples.
Afinal, porque, de repente, depois de oito anos eu e minha vida sexual se tornavam importante para ele? Minha vontade de ficar com era tão grande a ponto de eu desistir de algo que fora minha aventura por meses? E, principal, largar tudo para dormir com meu próprio marido mudaria essencialmente minha vida?
Mas eu preferia simplesmente não me questionar. A indecisão no fundo do peito doía, então eu não pensava nisso. Foquei-me na missão e fiz mais três entre nobres e empregados tirarem a camisa. Nenhum deles era o tal.
E eu nem poderia dizer que estava triste por isso, porque, se eu de fato encontrasse o homem, não saberia como reagir. O que fazer a partir daquele ponto: Terminar de tirar as roupas? Descobrir se a estátua fazia jus aos elogios de Li? Torná-lo cotidiano? E ignorar os dias com ?
Dias esses que estavam novamente escassos. Depois de meu silêncio significativo, toda nossa conversa voltara a ser nos cumprimentar respeitosamente de tempos em tempos. Dessa vez, todavia, havia um ar pesado nos contornando, uma tensão e, ainda inegável, um desejo latente.
Desejo que eu vislumbrava nos olhos do ourives a minha frente, assim que eu levemente dobrara-me para frente, deixando meu decote à mostra. Minutos antes, o rapaz mostrara-se constrangido, tentando afastar-me, dizendo que eu não receberia joias por isso. Mas, agora, suas mãos em minha cintura deixava claro que ele tinha mudado de ideia.
Mãos grossas, ásperas, que me arrepiaram de um modo ruim. Eu engoli em seco, a pergunta vindo a minha mente sem permissão: porque me sujeito a isso? Vale a pena todo esforço?
Mas ele me beijou ferozmente, seus dentes mordendo minha boca no processo, e percebi que ele era bom naquilo. Apesar das mãos, que deviam ser castigadas pelo ofício, ele era muito bom com a língua e sabia fazer os carinhos nos lugares certos.
Gostava de usar palavreados um tanto chulos, me xingando, e me incomodei por isso. No entanto, foquei-me na parte boa. E essa era realmente boa. Ele enchia meu pescoço e colo de beijos, enquanto, por cima do vestido, acariciava meus seios. Eu gemi.
Desviei da minha missão por alguns minutos, deixando-me receber um pouco de prazer. Mas, entre beijos e carícias, me perdi. Meu corpo estava lá, com o ourives, mas meu espírito estava longe, em .
Lembrei-me de nossas bocas coladas, nossas línguas entrelaçadas. Lembrei-me de seu sorriso, sua arma, de minhas pernas derretidas por isso. Lembrei-me de sua pele tocando a minha, dos suspiros e arrepios. Mas não foi só das sensações, da física de nossa relação que lembrei.
Lembrei-me de suas palavras, de suas atitudes engraçadas, de seus risos. De como grudou seus dedos nos meus, de como me prendeu com seus braços na parede, e de como me senti viva por isso. Protegida, amada.
- Ei, boneca. – o ourives interrompeu meus pensamentos. – Tire sua roupa. – ordenou ele, já tentando rasgar meu vestido.
Por sorte, o tecido era grosso e de primeira linha, sobrevivendo às mãos pesadas e rudes do homem. Eu bufei, sem aguentar mais aquele homem em cima de mim. De repente, ele não era capaz de me satisfazer, de me deixar feliz. E não era por falta de habilidade ou dom, porque ele não era ruim. Só não era o certo.
E isso me bateu como nunca. Eu já tinha alguém, a pessoa, que era além de uma boa diversão. Para as noites e os dias. Para as alegrias e as tristezas. Eu já tinha o certo para mim e, por ironia do destino, era meu próprio marido.
Eu estava apaixonada por . E isso fazia toda a diferença. Se eu o queria mais do que simplesmente seu corpo, se eu o queria por completo e pelo resto de nossas vidas, bem, não tinha mais sentido o que eu fazia.
Empurrei o ouvires e me afastei dele. Ted se aproximou, meu fiel guarda, pronto para mandar o homem retirar a blusa e levantar os braços, para a inspeção rotineira. Mas eu levantei uma das mãos, o impedindo.
- Vamos. – afirmei para ele, deixando o outro confuso pela parada repentina.
Não me importei. Eu tinha de voltar para meus aposentos urgentemente.




IX.




, entretanto, não estava lá e eu cai sentada na cama, bufando. Com o nervosismo percorrendo meu corpo e minhas pernas tremendo, além de meu coração acelerado, decidi esperar ali mesmo por meu marido, enquanto revirava minha cabeça em busca da melhor maneira de me declarar.
Quando ele finalmente entrou pela porta, algumas horas depois, eu não tinha nenhuma frase meramente boa para lhe falar. Minha mente estava confusa e vê-lo com seu traje de montaria, andando casualmente ali, em nada ajudara.
Ele me cumprimentou respeitosamente, mas também friamente. Eu congelei, as palavras desesperadas perdendo-se ao chegar a garganta. Precisava falar, mas meu coração batia tão rápido que eu nem conseguia pensar.
- . – o chamei, minha voz falhando. – Preciso falar com você.
Ele em encarou somente. Observando-o, eu notei que seu rosto estava sério e sua boca estava fechada, sem nenhum sorriso. Aquilo me doeu. Sim, por vezes eu reclamava de sua arma e de como ele a usava espertamente, mas não vê-la ali era pior. Parecia que ele simplesmente não... se importava mais.
- Eu parei de procurar... – com a problemática de explicar toda a história do diário sexual e da estátua de Michelangelo, eu resolvi simplificar - um amante.
- Bom, - ele assentiu – me entristeço por saber que não achou ninguém a altura de suas necessidades.
Suas palavras fizeram meus olhos se inundarem d’ água. Meu marido entendera errado. Eu não desisti porque me chateou a demasiada busca ou por que ninguém parecia bom o suficiente. Era por ele.
- Não, não por isso. – engoli em seco, receosa – É exatamente o oposto. Eu já encontrei alguém que é... perfeito para mim. E ninguém pode ser melhor que ele, entende? – ele já ia me cortar, mas eu, com medo de mais uma frase cortante, continuei – Por favor, deixe-me terminar. – suspirei – É você. Eu quero você.
- Já falamos sobre isso, moça.
- Não, não falamos. Eu falei que desejava você, mas é mais do que isso, . É muito mais do que desejo. É carinho, é amizade, é amor. – respirei fundo, antes de soltar a frase final – Eu estou apaixonada pelo meu marido.
Ele me olhou por um momento, totalmente sem reação. As lágrimas que enchiam meus olhos finalmente caíram em meu rosto e eu me apressei para limpá-las, enquanto já abria a boca novamente:
- Está tudo bem se você não se sente assim por mim. – não, não estava. Pensar naquilo doía, rasgava meu coração – Me desculpe por falar isso. Eu te coloquei em uma enrascada. – fechei os olhos, porque se tornara muito árduo encará-lo - Sei que sou sua mulher e isso faz com que seja mais difícil você se livrar de mim, dessa idiota que lhe enche a paciência declarando amor. Mas posso ir embora, posso voltar para o campo e nunca mais voltarmos a nos ver...
- Não fale asneiras. – disse, muito mais próximo de mim. Então, me sacudiu levemente pelos ombros. – Não repita essas coisas nunca mais, moça. E abra os olhos.
Obedeci, voltando a olhá-lo. Ele estava a minha frente, muito perto de mim, nossos rostos quase colados. Suas mãos foram para meu pescoço e seus olhos brilharam daquele jeito. Finalmente, seu sorriso abriu. Instantaneamente, me senti melhor. De alguma maneira, tudo parecia ficar bem quando ele usava sua arma.
- Primeiro, eu amo que você seja minha mulher. – ele continuou, enquanto fazia carinho em mim - Você é incrível, bonita, inteligente, engraçada e, como descobri somente um tempo atrás, perfeita para mim. Nunca se ache inconveniente ou insuficiente, porque não é. Segundo, fico imensuravelmente feliz que você tenha terminado sua busca. Eu me segurava e tentava manter um semblante ameno, mas meu estômago se revirava. Odiava ver a mão de outros homens te tocando, outros olhos a desejando e me matava tentar ser racional. Eu só queria tirá-la desses caras, te jogar na parede e te fazer minha, mas eram pensamentos tolos que nunca seriam profetizados. Porque sou civilizado, e você me ensinou isso. Porque sei que mulheres são muito mais do que brinquedos masculinos, e você também me deu essa lição. Sou um homem melhor desde que te conheci e tudo que eu desejo é retribuir, fazendo de você a mulher mais feliz de toda a França, de todo o mundo. Terceiro, moça: eu estou completamente, loucamente, irremediavelmente apaixonado por você.
As lágrimas ainda caiam, mas agora de felicidade. Eu o abracei pelo pescoço e colei nossas bocas. Ele levantou-se, agarrando-me pela cintura e me girando no ar, enquanto nos beijávamos calorosamente.
- Não seria muito ruim se você me jogasse na parede agora. – murmurei em seu ouvido, mordendo seu lóbulo em seguida.
A loucura nos inundou. Um sedento apareceu, realizando meu pedido. Apoiada na parede, com as pernas cruzadas na cintura do meu marido e o vestido nas minhas coxas, eu sentia seus beijos molhados por toda minha pele descoberta. Suas mãos avançaram para meus seios e logo eles estavam visíveis, os bicos sedentos por mais um toque.
Nossos corpos roçaram um no outro, sua ereção passando em minha virilha e suspiramos juntos. O beijei novamente, agarrando seus cabelos e arranhando seu pescoço, enquanto ele abria com dificuldade a calça.
Logo, ele abaixou-a até os joelhos, junto a minha anágua, e ajeitei meu vestido, subindo até minha cintura. Não havia tempo para retirar todas as roupas. Nossos corpos latejavam, ansiosos para concretizar o desejo. Eu assenti, o permitindo, e cuidadosamente ele entrou em mim.
Os movimentos se aceleraram, nossas respirações, suspiros e gemidos ficando mais fortes com o tempo. Então, o êxtase!
Abraçamo-nos e nos levou até a cama, onde adormecemos um nos braços do outro.




X.




O sol de fim de tarde invadiu o quarto por entre as janelas abertas e, pela súbita claridade, suspirei. Abri os olhos lentamente, sentindo os braços de a minha volta, seu corpo colado no meu. Logo, me deparei com seu rosto, que me encarava sorrindo. Daquele jeito.
- Bom dia, moça. – sussurrou ele, baixinho, acariciando meus bagunçados cabelos.
- Sua arma. – minha voz saiu rouca e eu toquei-o nos lábios – Por favor, nunca a desfaça.
- Engraçado. Você estava suplicando-me o contrário dias atrás. – afirmou ele, risonho. Eu somente encostei minha testa em seu pescoço, afundando-me ali e sentindo o cheiro dele. Ficamos alguns segundos em silêncio, mas ele logo voltar a falar: - Sabe, moça, você também tem uma arma.
O carinho que ele fazia em meu cabelo era muito bom e ficar ali grudada em sua pele também era, mas quando ele soltou que eu também tinha uma arma, eu sai da posição, ansiosa por encarar seus olhos e escutá-lo. Eu sabia que tinha, pois todos tinham, mas nunca descobri qual era. E era legal saber que tinha notado, era maravilhoso pensar que ele também era afetado por mim.
- Qual é a minha arma? – inquiri, quando vi que meu marido não voltou a falar.
- Ah, são muitas. – ele deu-me um leve beijo na bochecha antes de continuar. – Seu revirar de olhos ao discordar de alguém. Sua careta ao entediar-se com uma conversa. Seu arrumar despretensioso dos cachos. Seu sorriso de lado quando se acha tão certa de algo. – suspirou – Mas não sou capaz de ser imparcial.
- Muitos anos em tédio pela minha companhia? – perguntei, brincalhona.
- Alguns dias intensamente apaixonado por ti. – retrucou.
Nos beijamos. Dessa vez, levemente, aproveitando o gosto um do outro, nos descobrindo, notando as maravilhosas sensações. E eu tive certeza de que fiz o certo ao abandonar as buscas pelo misterioso de Li. Porque, ao fim, o diário sexual tratava de sexo somente. E aquele homem podia ser maravilhoso na cama, mas viver de lembranças e noites boas não é suficiente.
, não. era completo. Podia ser o melhor dos amantes: sedutor, amoroso, sedento, louco. Mas também era o melhor dos homens: carinhoso, atencioso, gentil, divertido. E, no fim, até os mais ousados e desapegados procuram pelo pacote completo, que os farão felizes pelo conjunto.
Meu coração pulava cada vez que meu próprio marido me tocava. Ou sorria. Minha pele formigava, minha mente se confundia, minhas pernas tremiam. Não era só desejo, era amor. Era tudo que eu poderia querer.
Suas mãos deslizaram pelo meu braço, enquanto continuávamos a nos beijar. Eu direcionei minhas mãos para o vestido, para tirá-lo de uma vez por todas, enquanto pousara suas mãos na blusa e a ergueu.
Já desnudos, sorrimos um para o outro. Eu beijei-o todo, começando pelo rosto e descendo toda sua pele descoberta. Suas mãos seguravam meu pescoço e, de tempos em tempos, ele me puxara para um beijo caloroso. Quando cheguei às costelas, no entanto, eu observei uma tinta preta em meio a sua pele clara.
Parei, aprumando-me para entender o que era. Desenhei as formas com o dedo delicadamente, até que entendi. Um pássaro. Um pássaro na costela! Não pude conter a risada.
- Não se ri depois de um homem tirar as roupas. – exclamou, mas eu estava tão perplexa com a descoberta que nem prestei atenção.
Meu marido.
Meu marido era o misterioso.
- Você é a estátua de Michelangelo. – ri novamente, a felicidade me transbordando. Ele me encarou, confuso, mas ignorei sua expressão e encostei nossos lábios com força. - Você é a estátua de Michelangelo. E é meu.
Loucura.
Pois gastara meses procurando quem estava oito anos a meu lado. Mal podia acreditar, mas era o tal. Logo ele, a pessoa com quem eu estava ligada até a eternidade. Pelas leis de Deus, dos homens e do coração.




Fim.



Nota da autora: (16/12/2015) Um minuto de silêncio para respirar. Mais outro pra aceitar que é o fim. Mas se alegrem, também, porque é só o começo pra esse casal, que depois de tanto tempo de casados descobriram-se apaixonados <3
Bom, provavelmente muita gente já sabia, desde o começo, quem era o tal misterioso. Não havia como fazer muito mistério do quase óbvio. Mas a minha intenção foi exatamente trabalhar isso e o que eu queria mostrar é que ela não escolheu a estátua eternizada por Li (aliás, vamos esquecer que o pp dormiu com ela, porque bleeer), mas que ela escolheu o marido dela, independente de qualquer coisa. E o fato dele ser o misterioso só juntou o útil ao agradável HAHAHAH
Essa fic foi baseada em uma cena da série Reign, que nem acompanho mais, e foi uma cena tão boba, mas era sobre um um diário, que descrevia um amante por sua tatuagem misteriosa. A partir daí, SD inteira surgiu em minha cabeça.
Eu espero que vocês tenham curtido, porque foi maravilhoso para mim escrevê-la. Eu sempre amei histórias de época e apesar de ter uma ideia bem guardada na gaveta, eu nunca tinha conseguido postar nada. E SD foi um começo e eu tive uma recepção maravilhosa. Cada comentário que eu li, até a ultima att - e tenho certeza que virão mais nessa, por favor, façam hahaha - me fizeram sorrir estupidamente. Então, muito obrigada! Obrigada por me deixar compartilhar isso com vocês, por lerem, por comentarem <3 Tenho outra história de época maravilhosa, longa e complicada em minha cabeça há mais de 4 anos e espero que consiga um dia postá-la para vocês!
De resto, eu realmente agradeço muito a cada uma, a cada comentário e tempo perdido com a fic. Obrigada, mesmo! Particularmente, agradeço à That, por aceitar betar SD, muito obrigada! Cintia e Priscila, que gentilmente leram Sexual Diary antes, quando eu precisava de opinião, valeu! À Mari Pedra, por sempre indicar minhas fics e ser uma fofura; À Lu Katto por lê-las todas também e por escrever maravilhas; e a Fê - que escreve Barefoot comigo, aliás, vão ler! hahaha - por sempre ler cada frase que eu escrevo e apoiar cada besteira minha <3 Vocês são maravilhosas!
É isso. É o fim! Só para não gerar falsas esperanças: não teremos parte 2 de Sexual Diary =( MAAAAS, Vocês podem matar saudade de mim (oi!?) em minhas outras fics. Segue a listinha:
Em andamento: Barefoot (Outros); Factory Girl 2 (restrita)
Finalizadas:
Longas: Factory Girl (restrita); Two Sides of The Law (restrita)
Shorts: Prazer, Primavera (especial equinócio de primavera); Quebrando os Meus Princípios (restritas); 02. Untouchable (ficstape #025); 06. Mean (ficstape #026); Immortal (especial mitologia); O Bêbado e a Equilibrista (challenge #15); One Night, Two Years (especial fim de ano?); Uma Linda Mulher (outros); The Angel from my nightmare (outros)

Beijos, Bruh Fernandes.




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