Sleep Tight
Autora: Gio Lautenschlager | Beta-reader: Brunna



- Puta que pariu. – aquele deveria ser o milionésimo palavrão que ele soltava naquela noite. Deu mais um trago no charuto e bebeu mais um gole de uísque, enquanto tirava o vestido preto e a máscara do armário e estendia-o para a mulher de penhoar deitada na cama. – Veste isso logo, . Se vista, nós vamos para essa festa, nós vamos cumprir o plano, e você vai parar de fricotes. Simples.
- Não vou. – ela respondeu, afundando-se ainda mais nos travesseiros. Ela parecia muito mais vulnerável sem a costumeira maquiagem e as roupas elegantes da companheira de um chefão da máfia, mas se sentia infinitamente mais forte sem todos os diamantes pesando sobre ela, ou sem o lápis delineando suas sobrancelhas. Talvez estar como realmente era fosse o que a fortalecia para negar o pedido, ou melhor, a ordem de . – Cansei de ser sua mulherzinha bonita, , cansei de ser a distração para todos os seus planos. Não me levantarei dessa cama. E não quero ver você aqui amanhã.
verteu outro gole de sua bebida, coçando os cabelos enquanto afrouxava a gravata. Mulher inútil. Cara e inútil. A vida de todos eles – não só dele e da garota, como a de todos os seus companheiros – dependiam daquela maldita festa de Halloween. Ela parecia concordar perfeitamente com tudo o que eles haviam combinado há mais de um mês e, agora, subitamente, queria ficar deitada no colchão confortável de penas de cisnes do hotel.
- Você tem consciência de que sou eu que pago essa espelunca? – perguntou, apontando o charuto aceso para . – Você está presa a mim. – continuou, entre um trago e outro, observando a companheira levantar uma das sobrancelhas.
- Não. – ela disse, finalmente levantando-se do leito e deslocando-se pelo quarto até que seu rosto ficasse próximo o suficiente do dele. Tomou o charuto da mão do homem, tragou lentamente de olhos fechados e soprou a fumaça no rosto dele, sorrindo satisfeita. suspirou, fechando os olhos com força e apertando os lábios até estes formarem uma fina linha contraída.
- Tudo bem. – ele finalmente consentiu, ainda de olhos fechados. – Fique. Mas este será seu último capricho, . Pense bem na sua decisão.
Ela revirou os olhos e jogou-se na cama de novo. Tinha na palma de suas mãos. Ele podia ser o chefe enquanto estava eliminando inimigos, queimando casas, roubando alguma coisa, participando de emboscadas, mas quem realmente comandava tudo era ela, pensou, enquanto brincava com um pequeno brinco de esmeraldas que ganhara de presente dele.
colocou um terno preto que cobria todas as tatuagens e cicatrizes que o tornavam reconhecível. A máscara preta que todos os membros do bando vestiriam cobria a metade esquerda do rosto, tornando a discrição maior ainda. O motivo da Isa à festa era bem simples: o dono da casa, Anthony Ray Fascioni, era um candidato a vereador com propostas um pouco... Contrárias aos interesses deles. E estava se tornando popular demais. Não precisava viver mais nenhum segundo. Não deveria viver mais nenhum segundo.
terminava o charuto começado pelo homem, que ajeitava os últimos detalhes de sua roupa, nervoso. Ela era parte essencial do plano. Fascioni precisava acreditar que aquela mulher maravilhosa estava querendo alguma coisa com ele, levá-lo ao escritório, onde os homens de estariam escondidos, prendê-lo lá dentro e deixar o resto com eles. Ele tinha que ter... Não conseguia dizer nem em pensamento. Não era paixão. Era atração física.
Sexo. Era por isso que estavam juntos. Ela, pelos diamantes, pelas roupas, pelos presentinhos. Ele, pelo sexo. Uma simples troca de favores. Nada de amor, nada de paixão.

“And in this lonely hour
When you rest your weary head
Well, I will be watching you...”


cantarolava com sua voz suave, enquanto se afundava cada vez mais nos travesseiros. Ele não conseguia pensar direito. Poderia pedir desculpas por ter pensado que ela era inútil, mas desculpas não era uma palavra existente no dicionário dele. Ele iria para a maldita festa de Halloween, faria o que deveria fazer, e sua relação com sua mulher voltaria ao normal. Mas era impossível se concentrar ouvindo o cantarolar doce ao fundo.

“You’re my scarlet rose
I will never let you go
You will always know
I will be yours to have and hold
Don’t forget me, don’t regret
Scarlet rose, scarlet rose, scarlet rose”


- DÁ PRA CALAR A BOCA? – gritou, perdendo a paciência. arregalou os olhos, assustada. – PORRA, EU PRECISO ME CONCENTRAR!
- C-calma, . – sussurrou a mulher, assustada.
- NÃO TÔ CALMO!- ele se aproximou da cama e jogou o charuto e a pedra preciosa com a qual ela brincava para o lado, segurando os pulsos delicados com força. – Você só estraga tudo, mulher... – uma lágrima saía quente e silenciosa dos olhos fechados dela, que tentava não ceder à dor causada pelo aperto das mãos fortes.
- Me desculpe... – o som saiu ainda mais baixo e mais agudo dos lábios delicados e femininos. – Eu não queria... Eu não...
Os olhos dele também se fecharam, como se não quisessem mais encarar aquela cena, ou como se pretendessem aumentar a força aplicada. Por fim, soltou brutamente a garota, fazendo-a cair como um boneco de pano no colchão. Ela continuava chorando, de pálpebras cerradas, o peito ondulante com os soluços que saíam.
Maldito..., pensava a mulher, apertando com cada vez mais intensidade os olhos, fincando suas compridas unhas bem feitas nos travesseiros. Eu prometi que não ia te deixar nunca, ... E eu nunca vou. Não adianta você me machucar. Ela jurava, como se rogasse uma praga, enquanto as plumas das almofadas se desfaziam em suas mãos. A raiva ia esvaindo-se de seu corpo pouco a pouco, no mesmo ritmo em que ela voltava a olhar o cômodo. estava colocando sua máscara e fazendo os últimos ajustes no terno e na camisa, ou ajeitando o nó da gravata borboleta. Colocou a chave na porta, mandou um adeus com o olhar e saiu pronto para fazer qualquer coisa que precisasse.
estava cada vez mais impaciente. Tinha se desentendido com a própria mulher, tinha chegado ao ponto de agredi-la e o sangue lhe subia à cabeça. Era muito, muito perigoso executar qualquer trabalho estressado, especialmente no ramo dele. Subiu no Pontiac preto que o esperava na porta do hotel, dirigido por um de seus comparsas, já instruído a deixá-lo no local da festa. O caminho foi pontilhado por algumas palavras de repasse do plano, nada além do necessário.
Quando desceu e encontrou seus subordinados, ele já estava mais calmo. Colocar a máscara no lugar havia se transformado em um tique, para onde ele transferia todo o nervosismo.
- O escritório é no segundo andar, terceira sala à esquerda. – informou um dos homens, discretamente.
e mais um comparsa subiram disfarçadamente, enquanto os outros bebiam um pouco de champagne e batiam papo com alguém desinteressante. De dois em dois, eles subiam as escadas e iam ocupando o escritório do político, fuçando gavetas e arquivos e preparando a emboscada. O último dos homens deveria subir com o motivo da presença deles: o vereador. Afinal, eles não iriam a uma estúpida festa de Dia das Bruxas por nada. Matariam o homem e, com ele, tudo o que ele sabia seria enterrado.
- Ora, candidato Fascioni... – era o sinal. O alvo já estava a caminho. Quando a porta se abriu, a boca do dono da casa se abriu em um estranho “o” de surpresa fingida, que se transformou em um leve sorriso divertido enquanto a porta era trancada.
- ! – ele saudou o chefe da quadrilha de braços abertos. – Devo dizer que não estou surpreso ao vê-lo em minha casa esta noite.
- Fui convidado, não fui? – respondeu , entrando no jogo.
Anthony coçou a barriga proeminente, coberta por uma camisa roxa berrante de gosto duvidoso, e deu mais um sorriso.
- Não fui bem específico, acho... Não estou surpreso ao ver vocês aqui, no meu escritório.
Foi a vez da gangue toda se mostrar surpreendida e de perder o rebolado. O plano era estritamente secreto, e ninguém além deles e de sabiam. Alguém o havia traído.
- Antes que você comece a se perguntar, nenhum dos presentes me contou o plano. Nem mesmo aquela linda mulher que você chama de sua, . Ela nunca me deu sequer a mínima atenção. Sempre a achei... Demais para você, meu caro, mas ela parecia se contentar com pouco. Seus fiéis companheiros não te desertaram. Eles se mantiveram sigilosos até o fim. Não vou contar como descobri que estava correndo perigo.
- Pare de blefar, Anthony. Isso só vai lhe dar mais alguns minutos de vida. – um dos gângsteres interrompeu, nervoso. A operação estava demorando muito mais do que o esperado. Precisavam sair de lá.
- Não, me deixem continuar, eu imploro. Como já falei, sabia que minha vida não iria durar muito mais. Nada do que procuram está aqui. Nenhum documento, nada. Niente. Já estou pronto para morrer. Meu testamento está nas mãos de meu advogado, e cada um que amei em vida receberá uma quantia generosa. Meu filho assumirá meu lugar na campanha. Matem-me. Mas você tinha razão, ... Aquele era realmente o último capricho de .
A mente do mafioso funcionou como uma máquina, controlando seu corpo como se ele fosse algum tipo de robô autômato. Tirou a pistola do bolso, atirou na cabeça de Anthony, que caiu sem terminar seu discurso derradeiro. Empurrou os próprios amigos para fora do caminho, correndo desenfreado, raciocinando em pânico.
"Aquele era realmente o último capricho de ...”
Suas pernas davam verdadeiros saltos quando ele alcançou a rua, tentando cobrir uma distância maior e chegar ao hotel a tempo.
Deveria ter pedido desculpas. Deveria ter dito que a amava. Poderia muito bem ter insistido e levado-a para a festa. Fora grosseiro, orgulhoso, prepotente. Agora, suas próprias frases e ações vinham em flashbacks, tomando cada músculo que o impulsionava para frente.
A fachada chique do hotel tornou-se visível. Uma lufada de ar invadiu seu peito, e seu dedo indicador esquerdo apertava o botão do elevador insistentemente. Chegou a seu andar, mas não diminuiu a velocidade. Destrancou a porta sem delicadeza nenhuma, com as mãos tremendo. Não havia sangue, objetos quebrados ou sinais de luta. O quarto estava exatamente do jeito que ele deixara, com a mulher deitada esparramada na cama. Mas ela... O brilho que havia nos olhos dela sumira. A vitalidade de seu sorriso, a maciez de sua pele, tudo o que fazia dela única, fugira.
Ela não respirava. Morta. Nunca mais teria nenhum capricho.

XX


- Senhor , vamos para o pátio? Todos os outros pacientes estão na festa de Dia das Bruxas! – disse, alegremente, a enfermeira magrinha ruiva e sardenta que batia na porta.
- Preciso de ajuda para sair da cama. – respondeu o velho, mal humorado, com a voz rouca de um pulmão que fumou por mais de 70 anos ininterruptos.
A funcionária tirou o que sobrara do chefe de uma das maiores quadrilhas da máfia nos anos 50 da cama padrão da casa de repouso, colocando-o na cadeira de rodas. Quem olhasse com mais atenção poderia encontrar, talvez, no brilho do olhar - talvez no modo sarcástico de falar - um resto do homem poderoso e sedutor que um dia fora. Mas a estrutura robusta dera lugar à magreza, o terno fora substituído por um pijama azul listrado, a agilidade estava confinada em uma cama, e o Pontiac fora trocado por uma cadeira de rodas.
Ele se deixava levar, fechando os olhos à medida que o vento batia em seu rosto. Todo ano, naquela mesma data, as memórias que estavam adormecidas nas profundezas de seu ser voltavam à tona. Uma música que ele não conseguia identificar saía das caixas de som, enquanto os outros idosos se divertiam. Os que ainda podiam, dançavam. Alguns eram empurrados por parceiros ou parceiras.
- Deixe a minha cadeira ali. – ele pediu, apontando para um canto isolado. Sempre solitário. Fora tão rude com todos quando chegara ali, que conseguira fazê-los evitar sua presença. Era melhor assim.
A ruivinha raquítica saiu, deixando totalmente só, enquanto ele roubava alguns salgadinhos da mesa de comidas. Ele sabia que a hora chegaria. Sempre chegava. Todo ano, sem falta. Isso fez com que alguns achassem que ele estava louco. Mas ele sabia o quão real aquilo era.
- Eu disse que nunca ia te deixar, não disse? – uma voz suave, saindo de lábios joviais pintados de vermelho, cantarolou no ouvido dele.
- Eu nunca duvidei de suas promessas, meu amor. – ele respondeu, baixo o suficiente para que só ela pudesse escutar.
- Oh, ... – a mão dela acariciava os poucos cabelos restantes na careca de .
- Você nunca foi embora de verdade, . Eu sei. – disse o homem, com a convicção de quem afirma que o céu é azul.

FIM


N/A: Hey, everybody! Essa é minha primeira fic aqui, então, espero que tenham gostado. E se tiverem gostado, me deixem saber!Falem comigo no meu twitter @4nneboleyn ou mandem um e-mail! É muito importante, mesmo.



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Qualquer erro nessa fanfic é meu, então me avisem por e-mail caso encontrem algum.