Era uma manhã fria e chuvosa, e, como sempre, o céu de Londres estava cinza. Na noite passada, os primeiros flocos de neve haviam caído, e por isso o chão começava a denotar um branco, destacando cada árvore com seus galhos secos. Como de costume, assim que acordei, fui até a cafeteria mais próxima para o meu café da manhã. Como as festividades de fim de ano se aproximavam, eu já não tinha que me preocupar com as lições da faculdade, e essa seria a minha última noite em Londres.
Eu tinha prometido para mim mesma que, assim que pudesse, iria até aquela cidade, que sempre parecera mágica ao meu ver. Fazia uma semana que havia chegado e, até então, nada de fato mágico havia me acontecido.
Assim que saí do hotel, o primeiro visco da manhã caiu por sobre a minha cabeça, então saquei o gorro vermelho de dentro da bolsa e vesti-o. Caminhei lentamente até a Starbucks mais próxima, e, incrivelmente, pareceu que todos na cidade tiveram a mesma ideia. A lanchonete estava completamente cheia, os enfeites natalinos se destacavam com seu vermelho vívido misturado ao tão comum dourado. Fui até o balcão, e, depois de esperar cerca de meia hora, finalmente meu latte chegou. Encaminhei-me para a parte das mesas. Entretanto, estavam todas absolutamente entupidas, e, quando resolvi sair daquele lugar em busca de ar, esbarrei com alguém. Obviamente meu rosto tomou a mesma coloração do meu gorro e dos enfeites. Eu pedi desculpas sem levantar o olhar, porque estava envergonhada demais para isso e ouvi uma risada nasalada e divertida. Permiti-me levantar a cabeça e encarar minha vítima, e então me perdi em seu olhar. Grandes olhos verdes me fizeram hipnotizar e ele sorriu, revelando duas covinhas lindamente combinadas em cada canto de suas bochechas.
– Desculpa! – ousei dizer, ainda presa naqueles olhos.
– Sem problemas.
Ah, sua voz! Um rouco notoriamente divertido.
Mais algum tempo parados e então me dei conta de que se ele estava ali era porque gostaria de um café, pisquei os olhos e saí de sua frente. Encaminhei-me até a porta da saída, sem me esquecer de suas feições meigas e angelicais. Quando pus os pés do lado de fora, senti toda a voracidade do inverno bater contra o meu rosto. Andei poucos passos até ouvir alguém gritando na tentativa de chamar minha atenção, e meu corpo perdeu toda a ação ao perceber que era ele. Sorrimos um ao outro quando estávamos lado a lado. Caminhamos por alguns minutos sem que nenhuma palavra fosse mencionada, nem mesmo nossos nomes foram ditos, mas eu me sentia segura sabendo que ele estava ali. No entanto, sua garganta rasgou e eu o olhei defensivamente. Ele me retribuiu o olhar e abriu mais uma vez aquele sorriso de covinhas, e eu me derreti. Ele abaixou a cabeça e deixou que uma gargalhada contagiante explodisse por seus lábios.
– Me chamo Harry, e você?
Ah! Sua voz! Meu coração bateu num compasso mais rápido ao ouvir aquele som.
– – disse sem ação e podia jurar que minha voz era um guincho terrível.
– Está aqui para o Natal?
Ele parecia inquisidor.
– Estou voltando para casa hoje – lamentei mentalmente – Esse era o plano: uma semana e ponto.
– Então, se você não é daqui, da onde vem?
– Brighton.
– A princesinha das praias – sorriu calorosamente – Se você é uma turista, o que vai fazer em seu último dia aqui?
– Bom, não sei... Acho que já fiz tudo, já fui à London Eye, Palácio de Buckingham, Madam Tussaunds... Tudo!
– Pode vir comigo, se quiser.
Ele ofereceu a mão aberta para mim, e, enquanto ponderava sobre aceitar ou não o convite, percebi-o estudando meu rosto e minha expressão. Pensei na magia que eu tanto queria encontrar naquele lugar, inspirei e pousei minha mão sobre a sua. Ele a segurou e sorriu.
Caminhamos sem rumo por um tempo, a neve abaixo de nossos pés afundavam a cada novo passo, e isso era engraçado. Conversamos por um momento, mas o silêncio entre nós foi maior e acabamos cedendo espaço para ele. Depois de alguns minutos, nos aproximamos de algumas barraquinhas concentradas. Mais a frente, uma banda tocava algumas músicas natalinas, e inúmeras pessoas passavam por nós. Harry sorria como uma criança e isso me deixava a cada momento mais encantada.
– Poucas pessoas sabem sobre isso aqui – começou ele – É uma feira anual, você sabe, coisas natalinas, comidas, bandas... O sentimento do Natal.
– Não me parece que poucas pessoas saibam disso.
Olhei ao redor e percebi a quantidade de pessoas que se empilhavam ao redor das barracas, a música havia mudado e agora era tocado uma espécie de Jingle Bell adaptada para o rock britânico. Avistei uma pequena guirlanda de flores ao longe e aproximei-me. Era engraçado como tudo aquilo tinha uma conotação diferente em Londres, pareceu-me que a mágica estava próxima. Sorri ao me lembrar dela e absorvi o cheiro das flores a minha frente.
– Feliz Natal!
Harry estendeu minha mão e pousou sobre ela um trigo pequenino.
– Não é nada demais, só pra você se lembrar do cara que te trouxe até aqui sem nem ao menos te conhecer.
– Certamente não vou me esquecer – fechei o punho em forma de gratidão – Obrigada!
O dia foi passando e, a cada minuto, me sentia mais próxima dele. Caminhamos por entre as barraquinhas, compramos bobagens, falamos mais sobre nós. Paramos para tomar chocolate quente e desastrosamente derrubei um pouco do meu. Harry estendeu sua caneca para mim e trocamos de bebida. O crepúsculo chegou e nós assistimos os mínimos raios de sol do dia irem embora. Depois disso, o céu ganhou uma negritude, acentuando cada lâmpada da cidade. Os viscos voltaram a cair, fazendo com que as pessoas procurassem um lugar para se abrigarem contra eles, mas eu me dirigi até o centro e deixei que cada pequenino pedaço de gelo caísse por sobre meu corpo. De braços abertos, girei à medida que aumentam sua frequência, e ao meu lado estava Harry. Por todo tempo, gargalhamos animadamente enquanto as pessoas voltavam aos seus postos. Uma música romântica ecoava por entre o lugar, ele me abraçou delicadamente e começamos a dar passos pequenos para o lado, dançávamos como se de fato houvesse um significado daquela melodia para nós dois.
Afaguei os meus braços por conta do frio, e ele me estendeu seu casaco, colocando-o sobre meus ombros. Assim que sua mão me tocou, senti uma corrente elétrica percorrer meu corpo. O antigo relógio londrino badalou sua vigésima segunda hora, e eu percebi que já era tempo de ir. Não queria ter de dar tchau ao Harry, nem a Londres, e muito menos àquele lugar específico, mas eu não tinha escolha.
– Preciso ir, pego o trem amanhã cedo – o desânimo e a tristeza tomaram conta da minha voz.
– Não quero que você vá, mas não posso te impedir – seus olhos estavam tão tristes quanto os meus – Posso ao menos te levar em casa?
Assenti e nós partimos. Voltamos por todo o nosso percurso do dia, sem conversa. Enquanto andávamos, ele se encorajou e tomou minha mão na sua, cruzando nossos dedos e nos aproximando mais um pouco. Chegamos, infelizmente, ao hotel antigo ao qual eu estava hospedada. Ficamos cara a cara para dizer adeus.
– Obrigada por hoje – eu disse, olhando para os nós dos nossos dedos cruzados – Foi o meu melhor dia – sorri.
Ele sorriu.
– O melhor dia – repetiu ele.
– Preciso ir...
Afastei-me e entrei no hotel. Não olhei para trás por covardia, mas os meus olhos se fizeram corajosos e derramaram lágrimas quentes, deixando que meu coração se libertasse. Alguns passos depois, percebi que a magia ainda não tinha acontecido. Voltei por todo o meu caminho, saí pela porta e o notei adiante, caminhando lentamente. Corri porque estava com pressa, ou simplesmente porque eu queria estar ao seu lado. Corri mais rápido para alcançá-lo, chamei seu nome e o vi se virar para mim. Corri até estar em seus braços, então olhei seriamente em seus olhos brilhantes, e o beijei.
Finalmente a magia havia chegado. Londres era mágica. E eu estava perdidamente apaixonada.
Fim
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