The Begin - A Garota Francesa
Autora: Jess Gonçalves | Beta-reader: Giovana


Acordar sempre no mesmo lugar é algo extremamente normal depois de muito tempo, e ninguém pode discordar disso. Mas, em determinadas situações – como depois da leitura de um livro de fantasia muito bom –, o sentimento de “extremamente normal” poder evoluir para o “extremamente tedioso” sem que a pessoa escolha: o céu agora não é tão encantador como aquele céu límpido; as folhas verdes das árvores não tem o perfume daquelas árvores que você podia sentir a quilômetros de distância; a gravidade da Terra fazia seu corpo ser pesado demais; e a sensação de estar em casa não era mais aconchegante.
Depois de um bom livro, o seu olhar a tudo se torna diferente – podendo ser incrivelmente fantástico ou indescritivelmente comum. Um excelente livro pode ser tão espetacular que, quando você é obrigado a voltar para casa, seus olhos se tornam inumes a qualquer tipo de beleza que se possa encontrar, e sua mente não deseja outro lugar que não seja aquele universo encantador.
, apesar de tudo, não era o leitor. Ela era o livro.
Um livro repleto de histórias dos mais diversos temas, desde os mistérios mais empolgantes aos romances mais emocionantes. Um livro sem classificação de idade, onde qualquer pessoa podia se aventurar por suas palavras, encantar-se com os mais diversos sentimentos. era um livro que ainda não fora terminado, um livro que não pertencia a lugar nenhum que não fosse o próprio Tempo, um livro sem origem e sem destino. Mas, como todo livro, ela tinha um autor:
O Doutor.
“A última vez que fora obrigada a usar uma venda foi quando seu irmão a obrigou brinca de Cabra Cega – e não fazia tanto tempo assim –, mas ela não esperava ter que voltar a usá-la em uma situação como aquela. Ou melhor: não esperava uma situação como aquela. Era algo que sua imaginação nunca ousara imaginar, nem mesmo em seus sonhos.
Seus pés caminhavam com dificuldade sobre o chão desigual daquele planeta que ela não conhecia e talvez ela devesse se sentir assustada, mas a mão quente do Doutor em seu ombro transmitia uma confiança que ela não sabia ser possível sentir. Era apenas natural deixar-se ser guiada por aquele homem estranho sem questionar – coisa que sua mãe não aprovaria, se algum dia isso fosse de seu conhecimento.
Mas não era isso que habitava os pensamentos de : mesmo que não estivesse usando um pedaço de pano para cobrir os olhos, a excitação pelo desconhecido estava a deixando cega. Tudo e nada era o que ela desejava.
Poder conhecer toda a extensão do tempo e espaço, mesmo que não conseguisse compreender sua complexidade.”

As história de eram, na verdade, moldadas pelo Doutor, em um nível em que ninguém poderia alterar. Os melhores momentos que a garota poderia narrar eram os que ela passava ao seu lado. Suas páginas em branco esperavam pacientemente daquele homem estranho, apenas imaginando que palavras seriam registradas em sua memória, que lugares incríveis ela teria o prazer de conhecer.
Quando começaram a viajar juntos, um trato foi feito para que ninguém saísse prejudicado de toda essa história: nem ela nem o Doutor nem a família frágil de . Suas viagens seriam intercaladas por visitas na Terra, sempre segundos depois de terem partido para que ninguém percebesse um sumiço da garota, e ela sempre teria que obedecê-lo, já que muito dos lugares que eles visitariam seriam perigosos – mas digamos que apenas a primeira parte foi cumprida.
“Parecia que aquele corredor não teria fim, apenas seguindo em frente sem qualquer forma de saída ou desvio. O teto era tão alto que, graças a pouca iluminação, não pareia não ter fim e causava uma sensação de confinamento que deixava ofegantes, embora o Doutor estive alguns passos a sua frente, tagarelando como se tudo estivesse normal e ela não estivesse a ponto de começar a chorar de desespero.
Aquele era um ótimo momento para descobrir que era claustrofóbica.
Em um determinado ponto do corredor, prateleiras com objetos estranhos começaram a aparecer, deixando o espaço ainda menor do que já era. “Não toque em nada”, disse o Doutor antes de saírem da TARDIS. “Alguns podem ser extremamente ciumentos com objetos e não querermos ninguém desejando a nossa morte por termos encostado em um vaso, certo”. Mas os objetos nas prateleiras eram muito tentadores, como se sussurrassem em uma altura que apenas seus dedos pudessem ouvir e não serem capazes de recusar um convite tão singular. Armas brilhavam como se tivessem sido fabricadas para serem mostradas, não para ferir e matar. Quadros tinham um relevo tão real que duvidava que eles tivessem feitos apenas com tinta, e sim com uma parte do cenário que eles mostravam. Copos e vidraria eram tão finos e tão cheios de curvas que pareciam ser feitos de bolhas de sabão, se modelando às mãos de quem ousassem tocá-los. E não resistiu.
A ponta de seus dedos tocou uma das vidraria de leve, e ela até chegou a sorrir ao sentir o material mais quente do que ela esperava, mas o som de algo como um rugido às suas costas não a deixou muito animada.
- Você tocou em algo, não foi? – perguntou o Doutor, de costas para ela.”Talvez”, ela sussurrou, temendo que sua voz piorasse mais a sua situação já ruim. “O que vai acontecer?” – Nada demais, talvez ele apenas te capture para fazer com que você se torne uma de suas peças de exposição.
Os olhos de se arregalaram como nunca tinham feito antes e o silêncio temeroso da garota fez com que o Doutor se virasse. Ele não queria assustá-la, mas não mentiria para confortá-la.
- Por isso é uma boa ideia correr – completou ele, antes que outro rugido, e mais perto, soasse pelo corredor estreito – Sério, correr é uma excelente ideia.”
Mesmo com todo perigo e incerteza de voltar inteira para casa, não conseguia se ver sem seu homem estranho, não conseguia imaginar seguir com uma vida sem viajar pelas estrelas. Não, aquela era sua vida agora: passar um tempo na TARDIS e voltar depois para sua família, assim com a cabeça mais leve para lidar com os assuntos pesados que seus parentes traziam. Todo sua família estava fragilizada com a morte do pai de , e ela era a responsável para fazer com que todos voltassem o mais próximo possível do que era antes. Alguns até estranhavam o sorriso fácil da garota que acabara de perder o pai, mas decidiam ignorar. Afinal, se ela estava lidando tão bem com a situação, para que fazê-la regredir?
Mal sabiam eles que todo o seu bom humor era vindo do Doutor, que sem querer, a ajudara quando ele precisava de ajuda.
“- Onde estamos, Doutor? – perguntou ela, perdida entre os corredores gigantes e as prateleiras cheias de livro que não pareciam ter fim.
- Essa é a maior biblioteca do Universo – respondeu ele, como se não fosse grande coisa, puxando um grande livro e analisando sem muita atenção suas folhas amareladas.
deixou se perder entre tantos livros, como se cada um tivesse uma voz que sussurrava por ela, implorando para que fossem lidos, mas ela apenas podia ler um por vez e sequer sabia qual pegar.Alguns livros pareciam ser mais novos – isso a vez lembrar que não perguntara em que anos estava –, já outros deixavam a vista que já tinham muitos anos pelas suas páginas amareladas, ou quantas vezes já haviam sido lidos pela grossura que se encontravam.
- Nunca tinha me perguntado se você gostava de ler... – comentou o Doutor, parando alguns passos às suas costas.
- Livros podem contar a sua história... Porque cada leitor o torna diferente para ele mesmo... – respondeu ela, com um sorriso discreto, deixando seus dedos passearem por diversas capas - Um pouco de nós fica em nossos livros favoritos.Então, sim, eu gosto de ler.
O Doutor passou longos segundos apenas observando os traços leves de , deixando que aquelas palavras trabalhassem em sua mente, absorvendo cada significado possível e ficando cada vez mais por aquela garota francesa.
- Podemos nos conhecer pelos nossos livros favoritos – sussurrou ele por fim,deixando-a sozinha no corredor para que ela pudesse escolher um livro em paz, mas não antes de depositar um beijo em sua testa”.

compreendia muitas coisas, mas algumas dúvidas não abandonavam sua mente, por mais que ela tentasse.
Algumas perguntas podem perseguir uma pessoa por toda a uma vida e, talvez, ela nunca saberá a resposta – porque algumas respostas são escorregadias como peixes. Quando você pensa que finalmente a encontra, a vê apenas se afastar mais e mais.
A dúvida de era até considerada boba, mas era de fato algo que ela não entendia. Por que o Doutor sempre a encontrava em tempos diferentes?
As visitas do Doutor não eram programadas, mas conseguia ver uma espécie de padrão: sempre um Doutor mais jovem, depois um mais velho, um mais jovem de novo, e assim seguia. Às vezes ela diferenciava pelos seus rostos, que mudava algumas vezes – e nem todos ela presenciara a mudança –, mas, em alguns momentos, ela apenas o diferenciava pelo modo de agir, pela escolha de palavras e até mesmo os temas de suas conversas e viagens. conhecia o Doutor profundamente bem e conseguia diferenciar um Doutor mais jovem de um Doutor mais velho principalmente pelos olhares. Um Doutor mais velho tinha um brilho triste nos olhos mesmo quando estava sorrindo, coisa que os Doutores mais novos não tinham – pelo menos não com a mesma intensidade, não direcionados especialmente para ela. Um dia ela não viu outra alternativa a não ser se abrir com um Doutor mais velho, que percebera que algo a atormentava, e por fim fez a tão estranha pergunta.
- Você vem me ver em tempos diferentes... Com idades diferentes, com rostos diferentes... Algumas vezes mais velho, outras mais novo – começou em um sussurro – Por quê?
O Doutor deu um sorriso satisfeito, mas sem conseguir tirar o brilho triste dos olhos.
- Você é meu livro favorito, – respondeu ele simplesmente, puxando-a para um abraço rápido e depositando um beijo em sua testa enquanto ela ainda mostrava uma expressão confusa, puxando-a para a TARDIS e deixando o assunto morrer por aquele dia.
Várias vezes seguidas ela repetira a pergunta, sempre obtendo a mesma resposta. “Você é meu livro favorito”, era algo que sabia que apenas faria sentindo quando estivesse perto de seu fim. Porque sempre é assim: você entende sua vida quando ela está prestes a acabar. E essa era a : O livro favorito do Doutor.
Isso era algo que ela não comentava com o Doutor mais jovem, porque sabia que apenas o deixaria confuso e curioso – coisas extremamente perigosas quando se diz respeito àquele Homem Estranho. O assunto do livro era uma espécie de segredo seu e dos Doutores mais velhos. Bom, cada Doutor tinha seus segredos com e segredos que não contavam a ela.
Um dia, depois de encontrar um de seus livros favoritos que há muito ela não via, se deparou com um comum parágrafo que a fez sorrir por longos minutos e encarar aquelas folhas amareladas pelo tempo com os olhos marejados.
Aquele livro ela lera pela primeira vez quando muito pequena, com o auxílio de seu irmão mais velho. Depois o lera diversas vezes, sempre encontrando um novo significado – o que não fora diferente dessa vez.
- ?! – gritou o Doutor, entrando em seu quarto sem se dar o trabalho de bater. Seu sorriso largo e exagerado suavizou ao vê-la com aquele grosso livro de capa verde descansando em seu colo – Você gosta desse livro, certo?
- Por que a pergunta?
- Ele está grosso... – riu ele – Um livro fica grosso quando você o lê várias vezes... Lemos um livro várias vezes quando gostamos dele...
de princípio sorriu – aquela era uma citação distorcida daquele livro que ela tanto gostava –, mas seu sorriso desapareceu na mesma velocidade que apareceu: porque ela finalmente entendera.
Seus olhos se ergueram na procura dos olhos dele, percebendo que ambos estavam marejados. Nenhuma palavra foi trocada.
Aquele era o Doutor mais velho que iria conhecer.
Eles não precisavam de palavras. Ambos já haviam ouvido o suficiente de cada um e palavras de despedida não eram necessárias – porque despedida é a mesma coisa que colocar um “Fim” na última página de um livro.
E “final” era tudo que aquele momento não era.
Depois de algum tempo o Doutor partiu, mas não demorou muito para que o Doutor mais jovem passasse por aquela mesma porta, gritando o nome de com a mesma intensidade, dizendo que iriam visitar um planeta que ela nunca estivera.
- Eu digo que irei te levar para um planeta fantástico e você quer levar um livro? –debochou ele e apenas o apertou mais contra o corpo – Acha que eu não sei escolher lugares legais?
- Apenas duas palavras: anjos chorões – riu ela, correndo para dentro da TARDIS, ouvindo o Doutor às suas costas dizer que aquela viagem fora uma das melhores, mesmo sabendo que fora um completo desastre.
Enquanto ele discutia com a TARDIS e os levava para o novo destino surpresa, escolheu com cuidado um local bem a vista e seguro para que o livro não caísse, o deixando lá depois de hesitar algumas vezes. Ela não temia o que estava por vir, mas sim a reação do homem estranho que ainda discutia com uma máquina. Temia talvez o destino daquele livro depois que ela se fosse, mas o pensamento de que ele ficaria na biblioteca da nave a acalmou. Era um lugar lindo para passar a eternidade.
Antes que pudesse começar a ficar sentimental demais ou que lágrimas aparecessem, o Doutor a puxou pelo braço, arrastando-a para um novo planeta onde o desconhecido mais uma vez espera aquela dupla. A última viagem de ao lado do Doutor, que não viu aquele livro aberto, que estava apenas o esperando voltar sozinho daquela viagem.
E o livro permaneceu ali, esperando que mais um leitor chegasse para ler não o livro todo, mas apenas um trecho que a última leitora escolhera cuidadosamente.
“Não é estranho como um livro fica mais grosso depois de ser lido várias vezes? Como se a cada vez ficasse algo grudado entre suas páginas. Sensações, pensamentos, ruídos, cheiros... E então quando folheia novamente o livro depois de muitos anos, você descobre a si mesmo – um pouco mais novo, um pouco diferente, como se o livro tivesse guardado você, como uma flor prensada: estranha e familiar ao mesmo tempo”.

- Sangue de Tinta.

Fim


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25 de agosto


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