História por Ju | Revisão por Gabriella

We don't know where we go
Nós não sabemos para onde ir So I'll just get lost with you
Então eu vou me perder com você We'll never fall apart
Nós nunca desmoronaremos Cause we fit together right
Porque nos encaixamos direito We fit together right
Nos encaixamos direito These dark clouds over me
Estas nuvens escuras sobre mim Rain down and run away
Chovem e correm We'll never fall apart
Nós nunca desmoronaremos Cause we fit together like
Porque nos encaixamos como Two pieces of a broken heart Dois pedaços de um coração partido Two Pieces – Demi Lovato



Saint Barnabe Institute, abril de 1999.

Ele só queria brincar. Ele não entendia muito bem o que acontecia ao seu redor, mas quem entendia? De repente, tudo o que ele conhecia já não condizia com a realidade. Sua cama macia, seus cobertores quentinhos, seus pijamas, suas pantufas e seu urso de pelúcia não faziam mais parte de suas noites. O beijo de boa noite da mamãe fazia falta e, céus, como ele sentia saudade da segurança que os braços dela lhe transmitiam. Seus olhos , antes tão imensamente vivos e felizes, hoje eram tristes, semicerrados, melancólicos. E ele era só uma criança. Aquelas lágrimas não deveriam banhar seu rosto. Seu rosto, tão pequeno e angelical, deveria ser estampado por um sorriso infantil, inocente e feliz. Ele só tinha treze anos, ninguém havia lhe preparado pra tudo isso. Ninguém havia lhe ensinado como lidar com toda essa dor. Estava tudo errado.
- , vá brincar! – uma das freiras responsáveis pelo orfanato disse, afagando seus cabelos cacheados que reluziam, em tons de cobre. Ela sabia que ele era especial. Na verdade, ela sabia que cada criança ali era especial. E, de acordo com sua fé, eles eram abençoados. O garoto franzino e sardento balançou a cabeça negativamente, respondendo em silêncio à senhora. Ele não falava. Desde que o conselho tutelar o deixara ali, foram poucas vezes em que as pessoas puderam ouvir falar. – Por que não, meu anjo? – a irmã Adelaide, então, abaixou-se sobre suas ancas, tentando nivelar seu olhar ao olhar perdido do garoto que usava uma blusa de flanela xadrez, a sua preferida. Em resposta silenciosa, novamente, apenas deu de ombros. – Olha, o banco de areia está vazio. Você gosta de brincar lá, não gosta? Você pode construir um castelo pra mim, , não pode? – ela sabia do peculiar talento do garoto com arquitetura medieval em areia, isso não deixava de ser um dom. – Quando acabar, me chame, sim? Eu adorarei admirar mais uma obra de arte. – a velha senhora sorriu gentilmente ao notar que tinha conseguido, ao menos, tomar um sorriso tímido de . O garoto saiu marchando, às pressas, na direção de seu lugar favorito em todo o perímetro da antiga construção que abrigava um orfanato mantido pela principal paróquia da cidade: um pequeno quadrado recheado com areia fina e fofa locado ao centro do enorme jardim, protegido por uma árvore cuja suas folhas pesavam em seus galhos, fazendo-os se curvarem em direção ao chão, formando uma cúpula sobre o local. Era perfeito.
A construção que abrigava o orfanato lembrava, fielmente, a um castelo medieval. Talvez aquele lugar seja tão velho que, realmente, tenha sido o lar de algum rei. As torres, altas e imponentes, eram alvos certeiros de contos e mitos que as crianças mais velhas usavam para assustar as crianças menores que chegavam constantemente a Saint Barnabe Institute, mas esse não foi o caso de .
Seus olhos eram escuros, mas o de sua íris se tornava extremamente claro quando alguns raios de sol cintilavam em seus orbes que remetiam, vagamente, uma avelã pronta pra ser deliciada. A torre, posicionada ao oeste da construção do instituto, tinha algumas janelas onde os vitrais, decorados com o contorno de alguns desenhos angelicais. Ela tinha apreço, particularmente, por um anjo de cabelos cacheados que segurava um filhote de cachorro em seus pequenos braços. Aquela imagem fazia sorrir instantaneamente. Ela queria ir lá pra fora. Gostava de observar as crianças pela janela suja. Gostava de observar como o vento mexia, lentamente, com a copa das árvores e gostava de imaginar o cheiro que as folhas e flores emanavam diante da carícia que a brisa fornecia. Gostava de imaginar como eram as vozes das outras crianças, quando elas não gritavam com ela ou quando elas não choravam escondidas durante a noite, encolhidas em suas camas próximas a de .
tinha medo. Fora um trabalho árduo para que o conselho tutelar conseguisse fazer com que a pequena criança de sete anos aceitasse e se acostumasse com a ideia de que teria a presença e vigilância constante de senhoras de idade com roupas e chapéus engraçados. Um lampejo sombrio passou por seu pensamento, fazendo com que os pequenos pelos de seu braço se arrepiassem. Por que a mão de seu pai, tão pesada, não fazia carinho como acontecia com todas as outras crianças? Por que ele não a amava como todos os pais dos alunos de sua antiga escola? Os olhos de arderam e ela se afastou um pouco da janela, como se isso fosse protegê-la de algo. Ela continuava observando lá fora, mesmo com a distância que ela mesma havia imposto a si, os movimentos ágeis e hábeis de duas mãos caucasianas e um pouco maiores que as suas. Os cabelos cacheados do garoto sentado na areia, sem se importar nenhum pouco com o fato de que ficaria sujo, caíam-lhe sobre a face e pegou-se questionando a si mesma se não era hora de apará-los. Será que ela podia cortá-los? Seus dedos formigaram e ela queria tocar, pela primeira vez em dois meses, em alguém. E, o mais impressionante, era que ela queria ser tocada. De repente, o pequeno rosto da garota parecia uma peça de porcelana gelada sendo tocada por filetes salgados e quentes, tão conhecidos pela pequena. Ela chorava. Seu coração batia apertado, pequeno, doído. Por que ele a tocaria?

Os passos dele eram apressados, como se ele precisasse correr pra salvar alguma coisa. Em sua imaginação, ele precisava. As nuvens, cinzentas, pesavam em cima de toda a cidade. se perguntava o que haviam feito para que alguém no céu estivesse zangado a ponto de mandar uma tempestade daquele tamanho logo para o Institute. E seu castelo de areia que, desde a tarde anterior, permanecia intacto? Aquela construção, tão pequena diante do real tamanho do castelo que abrigava o orfanato, lhe enchia de orgulho. Era um orgulho solitário, sim, mas ainda o fazia feliz. E, em poucos minutos, as gotas grossas de chuva desmanchariam. Os ponteiros do grande relógio de pêndulo locado no refeitório apontavam, respectivamente, o três e o seis. Eram três e meia da tarde.
- Aonde vai com tanta pressa, ? – uma das freiras perguntou, fazendo com que sua voz ecoasse por cima dos ombros do garoto. Ele parou e girou em seus calcanhares. É claro que ninguém o entenderia.
- Eu... Érm... Estou indo brincar, irmã! – ele mexia em seus dedos nervosamente e sua gagueira momentânea o denunciava: estava mentindo. Irmã Zulaid sabia muito bem que era uma das poucas crianças ali que não brincavam (ele sequer falava!) e, com isso, lançou lhe um olhar repreensivo, o que fez os ombros de desabar pesadamente. – Meu castelo. Ficou tão bonito... Vai desmanchar todo, irmã.
- Ah, . – a freira, finalmente, entendeu a preocupação do garoto. – Amanhã será um dia de sol. Depois da tempestade, vem o sol, lembra? Você poderá construir outro.
- Mas...
- A vida é assim, pequeno . Sempre somos obrigados a recomeçar, huh? – a voz dela era materna e ele compreendeu que ela já não falava mais do seu castelo de areia. resumiu-se em apenas assentir e engolir seco. Não deixariam que ele fosse até lá fora e ficasse na chuva, segurando um plástico ou um guarda chuva que protegesse sua pequena obra arquitetônica.
- Ah, tudo bem... – ele sorriu fraco em direção a senhora e saiu do refeitório, cruzando o grande arco que servia como portal divisório entre o salão para refeições e a sala da televisão. Algumas crianças estavam amontoadas sobre as outras, assistindo qualquer coisa que passava no aparelho de transmissão. não se importava de ser tão solitário, em alguns momentos ele até preferia isso. As crianças perguntavam, sempre, porque fora deixado lá mesmo depois de grande. Ele não sabia como responder que o amor de sua mãe por ele, acabou; ele sequer entendia isso ainda.
Estava perdido. As gotas de chuva começaram a ser despejadas contra toda a cidade, de forma grossa e violenta e não havia um lugar em todo o orfanato que fazia com que se sentisse bem, exceto sua cama, mas ele não queria dormir. Caminhou, então, em passos apertados e ligeiros na direção sul do lugar. Gostava de ver a chuva e sabia, muito bem, qual era o melhor lugar pra isso. Ele se sentia bem vendo os anjos desenhados, delicadamente, nos vitrais das torres sendo emoldurados pelas gotas de chuva. Parecia que os anjos choravam diante dos destinos tristes que cruzavam as vidas de tantas crianças.
Ele subiu as escadas iluminadas apenas por uma luz amarelada com os passos apressados. Seus pés pulavam, involuntariamente, alguns degraus. Sua respiração já estava irregular, seus pulmões ofegavam ao expirar e inspirar o ar – era um esforço que seu corpo franzino não estava acostumado a fazer. Conforme subia, mais escuro o ambiente ficava e suas mãozinhas precisavam procurar respaldo nas pedras geladas que faziam parte da construção antiga para que ele não tropeçasse. Depois de algum tempo, chegou até um pequeno hall, onde os vitrais ficavam.
Sentou-se no chão, apoiando suas costas na parede. Algumas pedras mais salientes o incomodavam, mas ele não se importava com aquilo. Cruzou suas pernas como índio e apoiou seus cotovelos sobre suas coxas, perto de seus joelhos. Em suas mãos, apoiou sua cabeça e deixou com que ela pesasse sobre seus braços. Gostava de ficar sozinho, pois assim se sentia melhor e, até mesmo, mais seguro. Não estava entediado, mas, também, não conseguia se sentir cem por cento confortável ali. Talvez fosse a escuridão, ou o barulho da chuva, mas algo o inquietava seu coraçãozinho.
As gotas de chuva deslizavam preguiçosamente pelo lado externo da grande janela e, mentalmente, o garoto apostava qual das gotas chegaria até a borda primeiro. Ele não se sentia bem para observar o castelo de areia se desmanchando em minutos, levando embora o trabalho que ele teve por horas. Será que a irmã Adelaid, aquela que tinha lhe indicado o banco de areia no dia anterior, ficaria muito decepcionada? Ela sequer chegou a ver como ele conseguiu erguer dois andares de pura areia.
- Não se preocupe, - uma voz soou, fazendo com que despertasse de seus devaneios. - Amanhã você faz outro. - Delicada. Essa foi a primeira palavra que vagou pela mente de enquanto alguém lhe dirigia a palavra de um jeito doce, como ninguém costumava fazer no Institute. Os olhos, extremamente , do garoto desviaram da janela e ele procurou, pelo hall escuro qual era o interlocutor daquelas palavras. Era curioso que alguém ousasse lhe dirigir a palavra mesmo depois de tanto tempo. Seus orbes passearam pelo pequeno cômodo e ele, finalmente, encontrou a figura que, pela primeira vez em meses, não tinha lhe proferido xingamento algum. - Eu ‘tô falando sério. - a menina, que usava um vestido branco e rendado, cujo comprimento ia até, mais ou menos, dois palmos abaixo de seus joelhos. Ele possuía mangas compridas e um laço, também branco, marcando sua cintura. Seu rosto estava encoberto pela leve penumbra que rondava, delicadamente, as duas crianças. se policiou ao fitar, por mais de dois segundos, os lábios da garota. Sim! Era uma garota. Uma garota estava com ! Talvez a chuva e sua razão de cair tão violentamente estava explicada. - Você não fala? - ela tentou mais uma vez, dando dois passos na direção do garoto sentado no chão. - Como você se chama? - ela tentou, mais uma vez, mexendo em seus cabelos lisos e de cor achocolatada. O silêncio, cortado apenas pelo barulho da chuva, reinou. - Ahn... Tudo bem, então... Eu acho que essa não é minha torre. Pode ficar aqui. Eu... Eu vou pra outro lugar. - não conseguiu esconder o desapontamento em sua voz. É claro que ele não falaria com ele. A garota girou em seus calcanhares, respirando fundo e segurando a intensa vontade de chorar que de repente tinha abarcado seu pequeno ser. Ele não era o primeiro que rejeitara uma conversa com ela. E parecia que não seria o último. Por que ninguém falava com ela? O que tinha de errado?
- Espera! - se apressou em dizer, esticando suas perninhas na indecisão de levantar e correr atrás da intrusa ou não. A menina parou, fitando o vazio escuro do lance de escadas que ligava a torre ao resto do Saint Barnabe. - Eu sou o , mas você pode me chamar de ... - a voz dele ainda era tímida e baixa. não conseguiu conter um sorriso largo. Virou-se novamente para o garoto, dando dois pequenos passos em sua direção.
- Oi, . - sua voz saiu acompanhada de um suspiro. levantou seu olhar para a garota, fitando-a por baixo de sua franja cacheada que já cobria seus olhos.
- O que você quis dizer com "sua torre"? - ele prendeu-se na parte da fala da garota que mais lhe tinha chamado à atenção. Não era possível que alguém, exceto ele, pudesse gostar de ficar na torre.
- Essa é a minha torre, oras. - deu de ombros, se dirigindo até a janela. Um pensamento reflexivo sobre como o mundo parecia estar sendo submetido a outro dilúvio atravessou sua mente. Pensou, também, que pela torre sul ela podia enxergar, com extrema perfeição, o banco de areia e seu pequeno artista. Fazia dias que ela estava presa naquela rotina de, logo depois do almoço, subir a torre e observar o garoto, absorto em sua solidão, concretizar magníficas e frágeis construções de areia. - Daqui eu consigo ver seus castelos. - ela sorriu, espontânea. Será que muita gente o elogiava?
arregalou os olhos. Alguém se preocupava em subir até a torre para vê-lo brincar com areia? Ele queria sorrir. Fazia tanto tempo que nao sorria voluntariamente, até tinha se esquecido o quão boa era aquele leve aquecer de seu peito.- Meus castelos? - ele crispou seu cenho, franzindo sua testa e unindo sua sobrancelha.
- É. Eu gosto deles.
Foi a deixa que precisava. Seus lábios, automaticamente, curvaram-se pra cima, acompanhando o leve repuxar de seus cantos. Sentia-se, pela primeira vez em tanto tempo, aquecido.
- . - a voz da garota soou novamente.
- Ahn? - o garoto deixou uma interjeição transpor e expor sua dúvida diante da fala aleatória da menina.
- Meu nome é . Na verdade, é , mas me chame de . - ela falou, sem dificuldade alguma. achava aquilo extremamente engraçado. Ela era tão espontânea. E seu nome era tão bonito. apenas assentiu. Queria falar, mas não conseguia encontrar as palavras.
- Por que a torre, ? - ele perguntou uma de suas inquietações.
- Combina comigo.
- Escura e úmida? - ele perguntou quase que de imediato.
- Nah. Sozinha e esquecida. - ela disse com um leve pesar em sua voz, que de repente havia ficado baixa e trêmula. , automaticamente, se arrependeu daquela espontaneidade momentânea.
- Então combina comigo também. - ele disse, firme. Sabia que se ela estava no Saint Barnabe, seus motivos de estar lá deveriam ser parecidos com os seus. continuava em silêncio, com os olhos fixos em algum ponto. Ele sabia que os pensamentos dela já nao estavam mais ali na torre. - Eu sempre quis que alguém brincasse comigo. Por que você não foi até o banco de areia, ? - na verdade, sempre repulsou a companhia de qualquer outra criança (ainda mais quando eram garotas), mas ele gostaria muito de compartilhar a companhia de .
- As pessoas me evitam. Não importa com quem eu tente puxar assunto, ou quantas vezes eu faça isso... Elas simplesmente não querem a minha presença, você também pode fazer isso, ... Me repugnar, sabe? Eu não me importo.- Não se importa? - aquilo o pegou de surpresa, deixando-o boquiaberto. Ele não tinha falado com ninguém do Institute que tinha a sua idade. era a primeira. Em geral, ele não se importava.
- Eu me importo, - notou o tom de voz esganiçado que usara em sua pergunta. - mas eu já tô acostumada. Tentei tantas vezes fazer amizade, mas sempre fui rejeitada. Talvez tenha sido por isso que eu vim parar na torre. - ela riu sem humor, dando de ombros.
- Não deveria se acostumar, . – a voz de estava em um tom compreensível. Um relâmpago foi claro o bastante para produzir um clarão momentâneo o que fez com que o garoto, pela primeira vez, notasse as feições de . Ela parecia ter sido baseada, caprichosamente, num anjo que havia pintado sobre o vidro cristalino, já sujo, da torre leste. Ele sentiu a necessidade de atravessar todo o instituto e ir até a tal torre constatar isso, mas ele não o faria agora, afinal, o anjo não sairia dali. O estrondo típico que sempre sucedia os raios e relâmpagos fez com que a garota desse um pulo à frente, deixando escapar de sua garganta um grito agudo e estridente; seu corpinho tremia dos pés a cabeça e suas mãos, trêmulas, foram até seu peito, no exato lado acima de seu coração que, agora, palpitava de forma irregular e inconstante. Suas lembranças mais sombrias vieram à tona. Ela quase podia sentir a mão gigante de seu pai pesando, de forma errônea, em suas costas, em cima das cicatrizes recém feitas com a ponta do cigarro aceso. percebeu o silêncio repentino da garota que, durante todo o tempo em que estava em sua companhia, havia sido espontânea. Ele se levantou, passando suas mãozinhas sobre o bolso traseiro de sua bermuda cáqui. - ? O que foi? - perguntou, com seu tom de voz preocupado.
- Na-nada. - ela balançou a cabeça, tentando afastar as lágrimas teimosas que insistiam em fazer seus olhos arderem. Em vão, pois suas bochechas já queimavam sob os filetes de água salgada que escorriam de seus olhos.
- Me diz, ... Você não tem medo de trovões, tem? - ele esboçou um sorriso. Quem tinha medo de trovões?
queria sair correndo. É claro que ela não tinha medo de trovões. Ela não gostava nenhum pouco das lembranças que esses traziam à sua mente. Era tudo tão real. Ela quase sentia suas costas arderem. Ela quase sentia a fivela do cinto de seu pai queimando sua pele, machucando-a e marcando-a. Ela soluçou. Não queria chorar na frente de , mas ela não tinha pra onde ir; sabia muito bem que toda vez que era pega chorando teria de encontrar a médica ruiva na sala branca - a psicóloga. A doutora Schmidt era uma mulher boa, carinhosa e tratava bem, mas fazia perguntas que a menina não conseguia responder. Seu choro, então, se tornou intenso. As lágrimas grossas escapuliam pelas bordas de seus olhos, chegando até seus lábios após tracejar todo seu rosto. Seu diafragma involuntariamente se sobrecarregou, fazendo com que seu tórax subisse e descesse rápida e ruidosamente. Suas mãozinhas pequenas cobriram seu rosto, esfregando-o em uma tentativa falha de conter seu pranto. estava atônito. Sua audição estava aguçada e, apesar do barulho forte da chuva lá fora, ele ouvia perfeitamente bem o choro da garota. Seu coração, então, diminuiu seu ritmo, batendo pequeno e doído. "É claro que ela tem medo de trovões", pensou, batendo em sua testa em seguida. Em um ato impensado e espontâneo, ele deu alguns passos curtos na direção da garota. Por que ela não parava de chorar? Era tão horrível vê-la chorando.
- Ei, ... Não... Não chora, p-por favor. - sua voz era trêmula. Não só a voz, como todo o resto de seu corpo. Ninguém sequer havia chorado em sua frente antes, exceto sua mãe no dia em que se despediram na porta do orfanato. Em um impulso, ele projetou seu corpo na direção da garota. Ela era alguns centímetros menor que ele, por conta de sua idade, e parecia tão pequena e frágil. Seus braços, recebendo algum comando automático de seu cérebro, envolveram os ombros de , que pareceu congelar por alguns segundos diante daquela atitude. Ninguém a embalara em um abraço assim antes. Ele a puxou para mais perto de si, sentindo o cheiro doce e suave de pêssego que os fios de seu cabelo emanavam. Ela o abraçou pela cintura e os dois, de repente, estavam envoltos em uma atmosfera diferente. O rosto de estava afundado na camisa de flanela de e ela se sentia confortável aspirando o cheiro do amaciante que estava penetrado na blusa. - Não chora, . E-eu... - ele não conseguia vê-la chorando. De alguma forma, era como se aquilo doesse nele e ele tivesse que compartilhar daquele pranto. - Eu tô aqui... Não vou deixar você chorar mais... Nunca mais! - antes que pudesse perceber, essas palavras saltaram de seus lábios, assustando-o, mas ele se sentia verdadeiro diante daquela confissão: não poderia a deixar chorar mais. Nunca mais.
Oxford University, 27 de novembro de 2008, 07:59 a.m

O sobretudo pesado mal conseguia proteger a pele alva de do frio que fazia em Londres. As pontas de seus dedos estavam aquecidas, apenas, pelo calor que o copo de isopor com chocolate quente dentro emanava. Em seus ombros, uma mochila pasta de carteiro estava pendurada, cheia de livros e com alguns cadernos. As aulas daquela quinta feira lhe livravam dos Alguns fios de cabelo escapavam pela touca cinza que protegia sua cabeça e suas orelhas e Bruce Springsteen tocava, a todos os pulmões, através dos fones de ouvido. Seus lábios estavam desgastados pela ação do clima cruel da cidade e ele caminhava em passos curtos por todo o perímetro do campus, querendo chegar o mais rápido possível até a biblioteca da faculdade – a monitoria daquele setor lhe garantia algum dinheiro para que pudesse arcar com as despesas de sua vida universitária. Odiava depender dos outros, principalmente quando os outros eram seus pais adotivos, eles já tinham lhe dado alguma oportunidade na vida e agora ele sentia-se na obrigação de retribuir tudo aquilo. Alguns flocos de neve começaram a cair, pousando nos ombros de seu sobretudo, contrastando com o negro impecável do tecido pesado. Adentrou, finalmente, no prédio principal do campus, tomando um gole de seu chocolate em seguida. Sua boca e sua garganta aqueceram-se com o contato imediato com o líquido quente. Um dos seguranças lhe cumprimentou com um aceno gentil de cabeça. Subiu dois lances de degraus e chegou até a biblioteca, cuja estrutura ele considerava uma raridade da arquitetura. O relógio ainda não marcava sete horas da manhã – faltavam alguns minutos para que isso acontecesse – então, o compartimento repleto de livros estava vazio, exceto por alguns funcionários que ali trabalhavam.
- Bom dia, ! – Ruth, uma senhora com seus sessenta e tantos anos levantou seu olhar por cima dos óculos de leitura, cumprimentando o garoto com um sorriso sincero.
- Bom dia, Ruth. Como está? – ele respondeu gentil, retirando sua mochila e colocando-a em seu armário, trancando-o em seguida.
- Estou bem e você, ?
- Preocupado com a prova de projetos arquitetônicos. – ele deu de ombros, passando o cordão de seu crachá por seu pescoço, pendurando-o em seu peito.
- Não sei por que você sempre fica assim... Você é um dos melhores alunos da turma. E vai ser um ótimo arquiteto, . – a senhora disse com a voz doce. Ela não mentira em nenhum momento. era dedicado aos estudos, sendo considerado por muitos professores o melhor aluno da turma e estava cada vez mais perto de se tornar um ótimo arquiteto. O rapaz apenas entortou os lábios, tomando mais um gole de seu chocolate quente.
- O que temos pra hoje, Ruth? – ele perguntou, enquanto se ajeitava na cadeira atrás do balcão de atendimento. Tirou o gorro cinza e passou a mãos pelos seus fios de cabelo cacheados, bagunçando-os e, ao mesmo tempo, arrumando-os.
- Uma visita de alguma escola de ensino médio. Está programada há algum tempo. – a senhora disse, anotando qualquer coisa no computador a sua frente. – A monitoria é minha, mas se você quiser vir...
- Não é uma boa ideia... – ele disse, sentindo suas bochechas esquentarem.
- Você já deveria ter se acostumado com isso, , se até as meninas da faculdade jogam telefones no seu armário, porque high school girls não fariam isso? – Ruth pousou uma mão no ombro do rapaz, apertando-o em seguida. não conseguiu conter um riso. Passou a mão por seus cabelos, mais uma vez, tentando deixa-los de um jeito que o agradasse. – Por falar nisso, , não acha que passou da hora de cortar seu cabelo? – ela disse com a voz materna e o garoto sorriu abertamente; a fala de Ruth trouxe à tona uma memória que, certamente, havia guardado com carinho.
Saint Barnabe Institute, 10 de dezembro de 2000, 02:43 p.m

- , não tá na hora de cortar o cabelo? – a voz doce de soou, enquanto ele dava o máximo de sua atenção em uma torre que complementava mais uma de suas construções arenosas. A mãozinha delicada de foi até o topo de sua testa e alisou sua cabeça, jogando os fios de cabelo pra trás, fazendo com que a atmosfera fosse, rapidamente, preenchida pelo cheiro cítrico de seu xampu. suspirou. Ela amava aquele cheiro. ergueu o olhar até a sua amiga – única amiga, diga-se de passagem – e sorriu, dando de ombros.
- Tá? – ele perguntou, finalizando seu castelo de areia.
- A-hum. ‘Cê já acabou? – ela perguntou, afagando mais uma vez os cabelos de e voltando à sua posição inicial.
- Já. – ele respondeu, batendo suas mãos e tirando o excesso de areia das mesmas.
- Então, vem cá. – ela segurou na mão dele, sentindo, mais uma vez, o contraste de tamanho que havia. Afinal, ele tinha quatorze anos e ela apenas oito.
Atravessaram o enorme jardim que rodeava o orfanato, onde algumas crianças brincavam. puxava , guiando-o por dentro da construção antiga. O solado de sua sapatilha delicada batia contra o piso do orfanato, produzindo um baque delicado; adorava atentar para esses pequenos detalhes. Chegaram até a ala feminina, onde ficavam os dormitórios que, àquela hora, estavam vazios. A cama de era a última, próxima à janela. Era rodeada por duas camas vazias, camas pertencentes a duas irmãs gêmeas que tinham sido adotadas dois meses antes. Continuou puxando pela mão, ambos sorrindo diante daquilo.
- Senta aí, . – ela disse, apontando para sua cama. Ele obedeceu-a, tomando em suas mãos um pequeno urso de pelúcia que ela mantinha por ali. abaixou-se e puxou uma caixa de madeira que estava guardada embaixo de sua cama.
- Desde quando você tem isso, ? – ele soltou uma risada nasalada.
- São coisas inúteis que se tornam úteis. – ela alargou o sorriso, revirando a caixinha. O garoto esticou seu pescoço, tentando enxergar através da tampa da mesma, em vão.
- Que tipo de coisas? – ele franziu o cenho
- Para de ser curioso, . – ela riu, mais uma vez, erguendo-se e empurrando a caixa para debaixo da cama. Sentou na cama, cruzando suas perninhas, virando-se de frente para o garoto, que fez o mesmo. Ele pôde ver, em suas mãozinhas, uma pequena tesoura dourada.
- Você não vai me matar, não é? – ele riu
- Larga de ser bobo, . Vou só cortar seu cabelo. – ela ajoelhou-se na cama, ficando da altura do garoto a sua frente. Segurou a parte frontal do cabelo do garoto entre seus dedos, sentindo o cheiro de seu xampu adentrar suas narinas mais uma vez. Cortou-o com o máximo de precisão que sabia usar. Torcia, internamente, para que acertasse no corte de cabelo do garoto.
Uma mexa.
Duas mexas.
Três mexas.
Quatro mexas.
- Já acabou? – ele disse, com os olhos fechados, sentindo pequenos pelinhos de seu cabelo pousarem sobre seu nariz.
- Já. – ela sorriu, sentando-se sobre suas pernas, segurando as mexas cortadas do cabelo de em suas mãos. Ele abriu os olhos e sorriu. Sentia-se mais leve com apenas um corte de cabelo.
- Fiquei bonito? – ele perguntou, balançando sua cabeça.
- Você é bonito, . – as palavras escapuliram da boca de sem que ela pudesse reprimi-las. Suas bochechas coraram instantaneamente, fazendo seu rosto queimar.
- Eu sou? – ele alargou o sorriso.
- Cala a boca, . Agora sai daqui antes que uma das irmãs te pegue por aqui. Eu vou arrumar as coisas e te encontro na torre, tá? – ela falou sem manter algum contato visual com o garoto. Estava demasiadamente envergonhada.
- Tá. – ele disse, se levantando. – ?
- Hm? – ela perguntou, juntando as mexas de cabelo dele em suas mãos. Ao levantar seu rosto, sentiu os lábios de sobre suas bochechas.
- ‘Brigado. – ele sorriu, fazendo-a sorrir.
Saint Barnabe Institute, 15 janeiro de 2001, 05:38 p.m

- Você vai me esquecer, ? – a voz de era baixa e transmitia, com clareza, toda sua insegurança.
Tinha sido difícil para os dois se adaptarem à rotina do Saint Barnabe. Nenhum dos dois tinha conseguido, por meses, depositar a confiança em nenhuma das pessoas que os rodeava, mas eles confiavam um no outro, de forma mútua e recíproca. e haviam encontrado no olhar do outro o que era necessário para se sentirem seguros. A garota, mesmo sendo menor e mais nova que o garoto, conseguia fazer com que ele se sentisse querido, seguro e amado. Ele sentia que cuidando e protegendo-a, ele protegia a si mesmo.
- Claro que não. Você faz parte de mim, . Eu não queria ir embora...
- Você esperou por isso por tanto tempo, ... Finalmente você foi escolhido. – sabia que ela tinha um largo sorriso estampado em seu rosto, mesmo não podendo vê-lo.
- Sua vez também vai chegar, . – ele beijou o topo da cabeça dela, aspirando dos fios de seu cabelo o perfume tão conhecido. Suas mãos acercaram-se da cintura da menina, puxando-a, fazendo com que as costas dela viessem de encontro ao seu peito. O calor que emanava do corpo dela fazia com que seu coração se sentisse aquecido. Ele sentiria sua falta.
- Eu vou te encontrar, ? – a voz dela era fraca, ele sabia pelo simples tremular das palavras que ela segurava, com todas suas forças, as lágrimas que já deviam embaçar sua vista.
- Você sempre vai me encontrar, ...
- Como eu vou saber? – ela já chorava
- Você sempre vai reconhecer o seu namorado. – ele disse, apertando-a.
- Namorado? – ela perguntou, virando o rosto na direção. Não sabia se sorria diante daquilo.
- Claro, . Quando, daqui um tempo, a gente se reencontrar, eu serei seu namorado. E você a minha namorada. Eu não vou te esquecer, pequena. E eu vou te encontrar.
Um casal havia ido ao Saint Barnabe naquele dia. Encantaram-se, a primeira vista, por . Talvez fosse o sorriso dele. Ou seus olhos. Ou suas sardas. Ou seu jeito. Talvez o conjunto de tudo isso fez com que , depois de alguns meses, fosse escolhido pra adoção. Ganharia uma família nova, tinha direito a um novo recomeço. tinha assistido tudo aquilo de longe, observando-o conhecer sua nova família de sua torre. Estava feliz por ele, mas não conseguia evitar que seu pequeno coraçãozinho batesse dolorido. Para vê-lo feliz, ela teria que deixa-lo ir.
Saint Barnabe Institute, 16 de janeiro de 2001, 04:06 a.m


A noite tinha caído e fazia frio, muito frio. Era a última noite de no Institute e chovia. estava deitada em sua cama, na ala feminina do orfanato, encolhida embaixo de seu edredom. Sua audição mal funcionava direito, tudo que ela conseguia ouvir era o zunido alto que as batidas de seu coração provocavam ao fazer seu sangue correr rapidamente por entre suas artérias. Ela abraçava seu urso de pelúcia, forçando-o contra seu peito. Estava doendo tanto. Como ela iria ficar sem ele? As lágrimas escorriam, gordas, pelo seu rosto. Ela tentava abafar os soluços, afundando seu rostinho em seu travesseiro. Não queria ser descoberta chorando. Não queria o quarto branco. Não queria uma conversa com a Madre. Só queria seu por perto, só isso.
ouviu o ranger da porta do dormitório e tratou de engolir um soluço, cobrindo sua cabeça com o edredom. Alguns passos fizeram-se presentes no ambiente e ela repetiu um mantra interno para que eles ficassem longe de sua caminha. Em vão. Eles pararam, justamente, ao lado de seu leito. Uma mão tocou-lhe, na região da cintura, cutucando-a.
- ? – a voz de era um sussurro. A garota congelou, tendo seus pensamentos ligeiramente estáticos. Ele estava lá! Em sua última noite no orfanato, ele tinha ido até ela.
- Hm... – ela soltou um muxoxo, fazendo-se audível. Não se mexeu, não limpou seus olhos, não fez nada.
- , você tá chorando? – ele perguntou, sentando-se na cama. Finalmente, a garota se mexeu, tirando o edredom de seu rosto, virando seu corpo para cima. Podia ver a silhueta de no escuro do quarto. As mãos do garoto foram até suas bochechas, acariciando-as. – Oh, , não chora. – seus olhos voltaram a expulsar as lágrimas que ela tentava não derramar. Em um movimento inesperado, ela ergueu seu tronco, sentando-se na cama, nivelando-se a . O ar saía e entrava por seus pulmões de uma forma ilógica e desesperada. Desesperada. Essa era a palavra que definia naquele momento. Sem que nenhuma palavra fosse dita, ela se jogou nos braços de , como um encaixe perfeito. Seu rosto afundou-se no peito do menino, que enlaçou suas costas com delicadeza, abraçando-a. – Isso não é um adeus, anjinho. É um até logo. Eu vou te encontrar, eu prometo.
Saint Barnabe Institute, 16 de janeiro de 2001, 02:26 p.m

Ela não tinha coragem de ir até o saguão. Vê-lo partir era demais para seu pobre coraçãozinho. Ele fazia tão bem a ela. Ela até esquecia de que estava sozinha no mundo quando o tinha por perto. Quando estava com ele, ela não se sentia sozinha. estava na torre que compartilhava com . A luz do sol, fraca, banhava ligeiramente o local, fazendo seu cabelo reluzir em seus raios fracamente. E, mais uma vez, ela estava chorando. Ele faria tanta falta. Estava feliz por ele ter encontrado uma família, um lar – ele merecia aquilo mais que tudo. Apoiou sua testa na grande janela de vidro, deixando com que um soluço fosse o ponto de partida para um choro silencioso e doído.
nem percebeu que faltava uma peça do enorme vitral.

Oxford University, 27 de novembro de 2008, 08:14 a.m

passeava pelos cantos da biblioteca mal iluminada da faculdade, averiguando se estava tudo em ordem com os livros, se não havia nada fora do lugar – ele e essa mania de ter tudo alinhado – seu olhar esbarrou em uma das portas de saída do lugar e ele pôde perceber o céu tipicamente londrino. Estava um dia nublado, parecia que iria cair um daqueles temporais de fim de tarde.
Os dedos finos e pálidos perambulavam pelas inúmeras prateleiras de madeira do local, em busca de algo que saciasse sua inigualável fome por livros. A prateleira referente aos cursos de música era a sua preferida, mesmo que ele amasse igualmente explorar a prateleira de arquitetura. Era como se ali ele pudesse ter o melhor dos dois mundos. não era lá a pessoa mais sociável e popular da faculdade, gastava grande parte de seu tempo livre lendo, vendo filmes, vezes ou outras sendo arrastado por algum colega da faculdade para alguma festa, mas nada demais.
Finalmente, seus olhos se depararam com algum livro naquele local que aparentasse ser interessante e com algum conteúdo: Bruce Springsteen Easy Guitar Songbook. Ah, até que enfim estavam falando sua língua. Bruce sem dúvida era um gênio da música e sempre defenderia sua tese, caso alguém ousasse dizer o contrário, como se tivesse em frente à uma bancada de doutorado. Enquanto caminhava até a recepção da biblioteca, o lugar onde ele ficava a maior parte do dia, a letra de My Beautiful Reward lampejou em sua mente. Ele se sentia tão descrito naqueles simples acordes de guitarra e na voz rouca de seu maior ídolo. Como podia uma música descrevê-lo tão bem? Como podiam alguns versos, que certamente foram rabiscados dezenas de vezes em pedaços de papeis como guardanapos, ou até mesmo em uma folha de classificados de semanas atrás, fazê-lo tão bem? A música sempre fora uma faca de dois gumes para ; tinha a missão de fazer com que ele se sentisse tão bem e, ao mesmo tempo, tão mal. Seu coração estava incompleto e partido desde quando o casal havia adotado o garoto franzino em Saint Barnabe há alguns anos atrás.
Pegou o livro com cuidado, analisou-o e seguiu até o guichê com a bibliotecária de meia idade que sempre lhe trazia balas de canela. Ele nunca lembrava seu nome, pois raramente ela ficava no mesmo turno que ele. Talvez Nancy. Talvez Nana. Ela parecia estar absorta em etiquetar todos os livros com o logo da universidade e ele não foi notado assim que colocou o livro sobre o balcão. Por isso pigarreou até que ela ergueu seu olhar miúdo até ele.
- Bruce Springsteen? - ela perguntou e ele assentiu com a cabeça. - Devolução para daqui duas semanas, sem atrasos, .
- Entendido.
Tratou de logo pegar o livro da mão da velha, colocá-lo na mala e seguir para o corredor. Odiava as monitorias de high schools, mas naquele dia, inacreditavelmente, sentia vontade de ajudar Ruth com aquela. Talvez fosse um bom humor causado pelo livro de Bruce. Caminhou pelos corredores mal iluminados da faculdade, guiando-se até o pátio principal, onde sempre ocorria a recepção dos alunos. Encontrou a senhora parada em frente a um segurança que guardava aquela parte da faculdade, provavelmente perguntando sobre o horário em que o ônibus escolar deixaria as crianças ali, recebendo a resposta de que eles haviam acabado de chegar e que, a qualquer momento, o silêncio dos corredores universitários do recinto seria rompido com uma explosão de vozes falando ao mesmo tempo. A senhora notou a aproximação de – talvez por seus passos pesados, ou por sua respiração ruidosa. Um sorriso bobo estampava o rosto do rapaz, enquanto seu olhar estava fixo em algum ponto nulo. Ruth sabia dos momentos que tinha sempre que algo muito bom – ou muito ruim – vinha lhe à mente.
- Vamos receber os alunos, ? – a senhora disse, retirando seus óculos de leitura.
- Não tenho escapatória? – ele bufou, fingindo sua melhor voz chorosa.
- Dessa vez não, venha... – ela puxou-o.
Caminharam, em silêncio, até a porta. A acústica silenciosa daquela parte do campus fazia com que o burburinho provocado pelos estudantes visitantes fosse perfeitamente audível. Ruth apressou-se em direção ao grupo, enquanto apenas se apoiou na parede, cruzando os braços sobre seu peito.
Como sempre, os grandes portões foram abertos e uma professora, sozinha, tentava controlar seis dezenas de estudantes inquietos, falantes e barulhentos. Algumas meninas carregavam mochilas. Os mais aplicados tinham bloco de notas em suas mãos. Alguns estavam apenas absortos em pensamentos, mergulhados em seus próprios mundos, tendo como trilha sonora qualquer música que tocava, em algum volume inapropriado, nos fones de ouvido.
- Bem vindos à Oxford. – Ruth disse, dois tons do que normalmente usava pra falar com , fazendo com que o burburinho cessasse parcialmente. Ela começou o discurso de “como é bom conhecer uma faculdade quando se está na última fase do ensino secundário” e todo aquele blá blá blá sobre como conhecer uma boa faculdade ajuda a delimitar melhor qual curso seguir e onde fazê-lo. - ...Hoje, nossa monitoria receberá a ajuda de um dos melhores estudantes de arquitetura da turma de 2010, . – Ruth apontou para o rapaz, que recebeu cerca de cento e vinte olhos atenciosos sobre si. Odiava ter toda aquela atenção. Seu rosto enrubesceu e ele acenou, tímido, na direção dos alunos.
Então, como um imã é atraído por um pedaço maciço de metal, seus olhos encontraram o profundo de uma garota que parecia atenta a tudo o que Ruth falava. Seu olhar desceu, incrédulo, por toda a figura da garota. Não podia ser! Usava uma calça jeans escura e um sobretudo pesado, também escuro, cobrindo qualquer camiseta interior. Em seus pés, um par de all star surrado demonstrava toda a simplicidade de seu ser. Simplicidade que ele jamais seria capaz de esquecer. Simplicidade que garota alguma poderia substituir ou chegar perto. Era ela! Seu coração batia em um ritmo alucinado; ele sequer sabia que o órgão cardíaco podia bater tão rápido daquele jeito. Seus pulmões ardiam, tentando corresponder à demanda provocada pela circulação de seu sangue por entre suas veias. Sua boca, de repente, ficou seca. Ele não respirava. Suas mãos tinham adquirido certa umidade repentina, ele estava suando frio. Era como se um holofote queimasse suas vistas e todo o resto tivesse, simplesmente, desaparecido. Ela estava ali. Ele a tinha encontrado.
- E agora, se vocês vierem por aqui... - o professor da turma dela chamou, guiando-os para um novo ponto. Quanto tempo tinha ficado estático? Ele precisava fazer algo. Precisava falar com ela, uma palavra, uma frase, qualquer coisa!
- ! Ei, ! - gritou com toda a força que seus pulmões lhe permitiam, erguendo os braços acima de sua cabeça.
A garota virou o rosto, procurando quem havia dito seu nome daquele jeito tão alto, mas quando seus olhos se depararam com , parecia não ter encontrado o que queria. E então, fechou a cara e seguiu a turma, sumindo de vista.
- ... - repetiu, com a voz baixa, sentindo as bochechas queimando. Mil hipóteses e questionamentos rondavam sua mente naquele instante. E se não fosse ela? E se ela tinha se esquecido dele? E se ela não o reconheceu? E se...
Seus olhos estavam fixos no ponto exato de onde tinha estado há alguns minutos atrás. Ela estava ali. Tão perto e tão longe. Era estranho como a distância adquiria diferentes aspectos se analisada por diferentes pontos de vistas. Ela estava ali. Alguns passos, talvez seis, talvez oito, e ela estaria dentro de seus braços, embrulhada no melhor abraço que ele poderia dar na vida dele: o abraço em sua pequena .
passou as mãos por seu cabelo, percebendo que tremia de nervoso. O que ele faria? Inalou o ar, enchendo seus pulmões com uma lufada generosa de oxigênio, expirando e devolvendo à atmosfera o gás carbônico que em seu corpo não era útil. Resolveu seguir os alunos, totalmente absorto em seus pensamentos. Uma sinfonia de cheiros diferentes abarcava o salão principal de Oxford e tentava decodificar qual deles era o de . O mais doce? O mais amadeirado? O cheiro de frutas delicadas? De repente, ele sentiu o mundo sobre seus ombros. Não sabia desse detalhe sobre sua pequena. Sobre o que mais não sabia? Será que era o suficiente para que ambos se tornassem dois desconhecidos? Ruth explicava sobre os laboratórios e as tecnologias que havia dentro de cada um deles – das mais diferentes áreas; havia o laboratório de informática, de gastronomia, de química, de estética – e poucos alunos não prestavam atenção na explicação da senhora. A maioria, incluindo , prestava atenção em todas as explicações técnicas que a companheira de dava. Ele socou suas mãos dentro do bolso de seu sobretudo, aquecendo-as. O que diabos ele ia fazer?
- Oh, , você voltou! – a voz de Ruth soou, tirando o garoto de seus devaneios e fazendo com que todas as pessoas virassem o rosto em sua direção. Ele sorriu tímido, sendo atraído novamente pelo dos olhos de . – Conte-nos como está sendo estudar em Oxford!
Ele pigarreou, tentando diluir o bolo que se formava em sua garganta. Estaria no centro das atenções, de novo. Não que não estivesse acostumado a isso, mas uma atenção em particular estava voltada a ele.
- Bem... Meu nome é , estou no segundo ano de Arquitetura. – ele pigarreou mais uma vez, na mesma tentativa de dissolver o nó que estava travado em sua traqueia. – Oxford sempre foi o meu sonho, desde quando eu montava pequenos castelos de areia em um parque no orfanato que eu vivi por anos. Quem diria, não é? – ele sorriu, sem humor – Um garoto que foi deixado em um orfanato sem algum motivo aparente conseguiu entrar em Oxford. Eu sempre me esforcei tanto, desde quando fui adotado. Meu objetivo sempre foi aprender aqui, onde grandes mestres se formaram e... Cá estou eu. – ele passou a mão pela nuca, nervoso. Que merda ele tinha falado? Ruth sorriu ao final do discurso dele, e voltou a falar qualquer coisa sobre Oxford. não conseguia decodificar as feições de . Será que ela não se lembrava? Ele desistiu, balançando sua cabeça em uma negativa e desabando seus ombros. Continuou acompanhando o grupo em silêncio, com a cabeça baixa.
O resto da monitoria ocorreu do jeito de sempre. No final, a cantina da universidade oferecera um lanche aos alunos, que discutiam entusiasmados sobre as novas descobertas no refeitório principal. estava sentado em uma mesa, afastado do aglomerado dos alunos, próximo a uma das janelas. Ele observava o céu pesado, as nuvens cinzentas e como as copas das árvores se moviam de forma violenta, enquanto os galhos tentavam resistir a violência com que o vento os atingia. fechou os olhos, respirando cansado. Enquanto pensava em qualquer coisa, sentiu um cheiro de frutas fazer com que toda atmosfera se rendesse a tal sensação olfativa. Naquele momento, não só a atmosfera estava rendida a tal cheiro, mas o olfato de encontrava-se rendida a tal cheiro, mas o olfato de encontrava-se completamente extasiado, inebriado e anestesiado por aquela sinfonia harmônica de cheiros. Ele estava sonhando, não é? Por alguns instantes, rendeu-se a uma batalha interna. Não sabia se abria os olhos e saciava a curiosidade que insistia em atormentá-lo ou se mantinha seus olhos fechados na doce ilusão de que talvez aquele fosse o cheiro.
Ele abriu os olhos. E seus orbes encontraram-se com o rosto de ali, na sua frente. Seu coração palpitou ao mesmo tempo em que seus lábios envergaram-se em um sorriso bobo. Um sentimento preencheu seu ser por
- Qual orfanato? - ela apoiou seu braço sobre a mesa, inclinando-se uma meia dúzia de graus na direção do garoto. Ele deixou com que sua audição, aguçada, deleitasse com o som da voz, agora um pouco mais grave, de . Sua pele tinha o mesmo tom caucasiano, suas bochechas eram levemente rosadas e seus olhos eram detalhados com uma leve maquiagem esfumada. Suas feições eram, obviamente, mais maduras, mas algo nela ainda conservava o ar infantil e angelical que se lembrava com tanta clareza. Ela se levantou, acordando de seus pensamentos, nos quais esteve absorto por alguns segundos. Ele sacudiu a cabeça, como se isso o ajudasse a despertar de algum transe.
- , eu...
- Qual orfanato? - interrompeu qualquer tentativa de . Tinha pressa em ouvir a resposta, seu coração parecia que escapuliria por seus lábios. Ela precisava saber. - Eu não tenho tempo. Me diz: qual orfanato? - ela olhou para trás, observando o grupo de alunos se aglomerarem diante da professora, preparando-se para ir embora. Ela se levantou, ficando em pé em frente a ele. Como ela tinha crescido!
Ele a fitou por alguns segundos. A mão dela, tão pequena e delicada, segurava um celular. Como ele a encontraria novamente?
- Saint Barnabe. - ele respondeu em um sopro de voz, observando um sorriso espontâneo - e lindo, em sua opinião - nascer nos lábios da menina. Uma enxurrada de memórias invadiu a mente de ambos, talvez eles estivessem compartilhando as mesmas lembranças naquele momento.
- Callaghan Highschool, Kensington. – ela disse, se afastando do garoto e indo encontrar os outros alunos, que já cruzavam a porta de saída do refeitório. O olhar atencioso de a seguiu e ele não conseguiu prender um riso nasalado ao ver os olhares sugestivos que as amigas de a lançavam. Se ele a conhecia bem, suas bochechas estavam queimando e adquiriam, naquele exato momento, um tom avermelhado.
Kensington, 28 de novembro de 2008

Era próximo do meio dia. Londres parecia a mesma Londres de sempre: cinzenta. passava, com certa frequência, a língua por seus lábios, tentando mantê-los úmidos. Estava sentado em um dos mais populares cafés da High Street Kensington, tamborilando seus dedos na madeira das mesas. Em sua mão esquerda, segurava a correia de seu cachorro, Bruce, um cachorro que tinha ganhado de seus pais adotivo no dia em que se completou um ano desde que ele havia sido retirado do Saint Barnabe. O cachorro, claro, tinha o nome de um de seus maiores heróis, que sempre o salvava em todos os momentos: Bruce Springsteen. Ele havia passado a noite em claro. Boa parte da madrugada ele caçou a tal Callaghan Highschool na internet. Em outra parte, ele ficou a fitar o teto de seu quarto, recebendo flashes de sua . Sua . Quando conseguiu adormecer, por cinco minutos, sua mente fora bombardeada pelos olhos encantadores de e ele sonhou, mais uma vez, com ela. Parecia que ela sempre fora presença garantida em seus sonhos.
Alguns flocos de neve voavam com o vento, formando uma leve cortina branca no ar. O coração de batia acelerado, feliz. Ele ainda não acreditava que eles tinham se encontrado. Ele havia encontrado sua pequena. Ele fitava o colégio ao longe, praticamente do outro lado da rua do café onde ele se encontrava. Seus pensamentos divagaram sobre como ela deveria ser na escola. Sobre as coisas que ela gostava.
Coisas que ele não sabia mais.
O garçom, ágil, veio e anotou o pedido de , que em pouco tempo estava saciando sua fome com um café e alguns croassaints de queijo. Estavam quentinhos e macios na medida certa. Dava algumas mordiscadas no croassaint e se voltava para a rua. Estava tão calma, tão vazia... Parecia refletir a paz interior que havia se apoderado de seu ser. Ele havia encontrado seu caminho nela. E isso acontecera de novo!
O vento cortou a rua em uma única rajada violenta. Dois segundos depois, a rua já se encontrava respingada pelas gotas de chuva que caíam misturadas a neve. Um minuto depois e tudo estava molhado. O vento jogava alguns respingos de chuva na direção de e Bruce. Era uma ótima hora pra chover, não? De repente, a silhueta de uma garota vinha correndo em sua direção, tentando proteger-se da chuva com sua mochila. Ao atravessar a rua, sem olhar para os lados – ato descuidado, segundo -, ela já se encontrava completamente molhada.
- Droga! – ela parou perto de , tentando secar sua mochila. – Droga de chuva, droga, droga, droga! – ela dizia pra si mesma, amaldiçoando o fenômeno da natureza.
Os olhos de eram curiosos, tão quanto os de Bruce. Levantou-se e tirou seu sobretudo, ficando apenas com um suéter de lã da cor do vinho.
- Aqui, . – ele disse com a voz rouca, colocando o casaco pesado sobre os ombros da garota, chegando perto dela. Ele percebeu o queixo da garota batendo, de frio e a diferença de tamanho que havia entre os dois; ela era tão pequena, tão delicada. Ela estremeceu ao sentir o cheiro do rapaz.
- Obrigada. – ela disse com a voz baixa, fazendo-o sorrir. Era tão bom ouvi-la falando, sua voz soava como música a seus ouvidos. – Ainda bem que você veio.
- Lógico que eu viria. – ele disse, apertando suas mãos sobre os ombros dela. Onde as palavras tinham se enfiado? O que ele falaria pra ela?
Em um ato planejado durante anos, virou-se de frente para , que manteve as mãos apoiadas em seus ombros. Seu cabelo, molhado, grudava em seu rosto. Ele achou a cena preciosa. Será que ele poderia guardar aquele momento pra sempre? O olhar dela era minucioso, atento; detalhava cada pequena parte do rosto de . Ele estava tão bonito. Mais bonito, até, do que ela se lembrava. Seus olhos continuavam os mesmos. Tão , tão vívidos, tão brilhantes. Será que eles a tragariam praquela imensidão?
- Eu senti tanto a sua falta, . – a voz dela era baixa. Um nó estava entalado em sua garganta, ela choraria a qualquer momento, mas não de tristeza, não de saudade. Choraria de emoção, de felicidade. Ele estava em sua vida novamente. Como sonhou por anos, passou suas mãos pela da cintura do garoto, puxando-o para perto de si. Precisava daquela proximidade. Ele, automaticamente e de forma sincronizada com ela, enlaçou-a, passando seus braços masculinos em volta de seu corpo. Ela afundou o rosto no peito de , sendo dopada por todas as sensações que aquele abraço trazia a tona. Sentia-se completa de novo. Eram como duas crianças que procuravam seu caminho. Antes estavam perdidas, mas agora estavam juntas, encontraram seus caminhos e, no final de tudo, o caminho de ambos guiava um ao outro.
O coração de batia acelerado em seu peito e, para , aquela era a sinfonia perfeita. Nada se podia comparar a batida daquele órgão. A respiração calma dele fazia com que ela reparasse no movimento que sua caixa torácica fazia; sempre tão calmo. Uma lágrima escapou de seus olhos, juntando-se as gotas de chuva que ainda permaneciam sobre si.
- Eu nem acredito que te tenho aqui, dentro do meu abraço, . – ele disse, beijando o topo da cabeça dela, fazendo-a sorrir.
- Eu quero te mostrar uma coisa. – ela disse com a voz manhosa. Separou-se do abraço de com certa relutância. Enfiou seus braços no casaco, vestindo-o, notando que ele ficava demasiadamente grande e sorrindo de modo infantil diante disso. Ele amava aquele sorriso! Ela abriu sua mochila, procurando algo por entre os livros. Retirou algo de forma quadrada que estava coberto por um pedaço de pano grosso, protegendo o que quer que fosse aquilo. Bruce estava esparramado na calçada, alheio das sensações que seu dono sentia. Enquanto isso, observava os movimentos delicados da menina a sua frente. Era incrível como algumas coisas, mesmo com o passar de severos anos, nunca mudam e os trejeitos de eram algumas dessas coisas. Ela estendeu o pequeno embrulho pra , que franziu o cenho. – Olha.
Ele segurou o objeto em suas mãos. Os olhos atentos de estavam sobre ele, analisando-o. As mãos dele pareciam maiores e mais másculas, pareciam o encaixe perfeito com as suas. Ele desembrulhou e sorriu, sentindo seus olhos arderem, ao perceber que era um pedaço do vitral da torre em que eles se conheceram. O mesmo vitral que tinha o menino anjo com o cabelo cacheado segurando um cachorro.
- E-eu... – ele tentava procurar alguma coisa pra dizer, mas de repente sentiu-se mudo. As lágrimas que ele segurava desde o dia anterior escaparam diante daquela cena. Ela tinha feito mesmo aquilo? Ele não podia acreditar.
- Depois que te levaram, eu subia a torre para observar. O banco de areia não era mais o mesmo sem você. Eu não era mais a mesma sem você. Eu senti sua falta todos os dias. Senti sua falta até ontem. Sua ausência me fazia companhia. Mas nada se comparava a sua companhia, ao seu cuidado. Então, eu percebi a semelhança que havia entre o anjinho desenhado no vidro e você. O cabelo, as mãos, o jeito dos olhos. Pode parecer loucura, mas...
Ele não deixou que ela continuasse. Colocou o pedaço de vidro sobre a mesa e puxou-a, com certa urgência, para seus braços, chocando seus lábios contra os dela. Ela fechou os olhos, espalmando suas mãos sobre o peito dele. Os braços dele enlaçaram-na e a respiração de ambos era pesada. Ela era inacreditável. As duas bocas abriram-se ao mesmo tempo, era assustador como eles eram sincronizados. Uma corrente elétrica correu, em dezenas de voltas, o corpo dos dois quando suas línguas se tocaram. Para , nada se comparava como beijá-la. A delicadeza com que os músculos dela se mexiam, o cuidado com que a língua dela o explorava, mesmo parecendo urgente, mesmo sendo urgente. Não poderia ser melhor. Os dois, depois de compartilhar aquele momento resumido em um beijo, mantiveram as testas unidas. As mãos dele desceram pelos braços de , procurando suas mãos. Ao encontra-las, entrelaçou seus dedos, confirmando as expectativas da menina: era o encaixe perfeito.
- Eu não vou falar, porque você não vai acreditar. – ele disse, fazendo-a sentir sua respiração quente ir de encontro com seu rosto gelado. – Então, eu vou te mostrar. – sorriu sapeca, beijando a ponta do nariz de .
Ele separou-se da garota e procurou sua mochila. aproveitou pra prestar atenção em Bruce. Ele tinha um cachorro, igual o menino do vidro! Ela abaixou-se, fazendo um leve cafuné na cabeça do cachorro.
- Qual o nome dele? – perguntou, enquanto revirava sua mochila.
- Bruce. – ele sorriu – Igual ao Springsteen.
- I'm flyin' high over gray fields my feathers long and black, down along the river's silent edge I soar, searching for my beautiful reward – ela cantarolou. Aquela música sempre fizera tão sentido pra ela. E, enfim, ela tinha encontrado sua linda recompensa. era sua linda recompensa. O garoto sorriu ao ouvi-la cantar. Ele passaria a vida toda a ouvindo cantar e, certamente, ele faria de tudo para isso acontecer.
- Achei! – ele disse, alargando seu sorriso. levantou-se, ajeitando sua postura.
- O que? – ela perguntou, curiosa.
Ele retirou de sua mochila um pedaço de vidro, do mesmo tamanho do que o que tinha estendido a ele um pouco antes. Colocou a peça, com cuidado, ao lado do anjo que chamava de . Era engraçado como as peças tinham se encaixado. Era engraçado como o anjo- – o anjo que tinha encontrado na torre leste de Saint Barnabe e jurava que a garota havia sido baseada perante aquele desenho – olhava para o anjo-. Era engraçado como os cenários e os desenhos se completavam, tal qual a vida dos dois.
- We will never fall apart cause we fit together like two pieces of a broken heart. – ele disse, sorrindo, puxando-a para seu abraço pela terceira vez. Na presença um do outro, estavam em casa, estavam em seus caminhos. Dali em diante, não estavam mais perdidos.

FIM

Nota da Autora: Finalmente eu consegui terminar algo na minha vida! E, sim, estou feliz que eu tenha conseguido, ao menos, terminar uma short! Eu, apesar de achar simples, gosto tanto dessa história e simplesmente amei o jeito tão simples de como ela se desenrolou na minha mente enquanto eu escutava Two Pieces da Demi Lovato. Eu demorei mais do que o previsto pra terminá-la, mas eu me sentia na obrigação de dar uma conclusão à história e gostei tanto que cá estou eu postando e compartilhando pra vocês. Eu realmente espero ter passado pra vocês a mensagem que eu imaginei. Enfim, vou ficando por aqui. Qualquer coisa, me xinguem no @poxajones e comentem, sim? <3

Nota da Beta: Caso encontre algum erro, não use a caixa de comentários, entre em contato comigo pelo twitter ou por e-mail.

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