Um novo dia surgia sobre a rotina das pessoas. As estrelas e a lua retornavam ao seu negro leito celestial e pouco a pouco a claridade ia preenchendo as ruas de Los Feliz, Califórnia. Meu braço direito estava apoiado no vidro da janela do meu quarto, enquanto minha cabeça repousava sobre ele de modo que eu pudesse observar o pouco movimento presente na rua. Minha respiração passada embaçava o vidro próximo a minha região nasal. Para muitos o nascer do dia era o momento que revitalizava suas esperanças e garantia seus sonhos, mas para mim, hoje, era algo totalmente distinto.
Não pude evitar relembrar o quão jovens éramos quando nos conhecemos. Kristen tinha apenas 18 anos e eu era apenas quatro anos mais velho. Uma garota promissora se escondia embaixo de adoráveis fios chocolate. Essa mesma jovem era dona de um olhar verde oliva extremamente sedutor. Seu passado sempre era um mistério para todos. Pessoas especulavam que ela era dona de uma fama momentânea, mas logo em seguida tornou-se pupila de um rapaz Britânico. Sim, esse rapaz sou eu. E devo confessar que as últimas 48 horas não tem sido das mais agradáveis.
De todos os problemas que brigavam em ocupar um lugar importante em meus pensamentos, um, em especial, martelava repentinamente como se estivesse me acusando de um crime. Como se buscasse uma explicação. “Por quê?” Não era uma expressão muito exótica, mas era daquelas que uma vez impregnada em seus sentimentos, dificilmente o abandona sem deixar rastros.
Desgrudei meu corpo da delimitação oeste do quarto indo em direção ao banheiro. A primeira visão que tive ao sentir meu pé perder uma significável quantia de calor para o gélido piso de mármore fora do suntuoso espelho fixado na parede oposta à porta. Aproximei-me dele mirando meu reflexo. Meus olhos estavam marejados, minhas pálpebras apresentavam uma tonalidade azulada de puro cansaço e meu rosto estava inchado dos longos soluços da noite anterior.
Endireitei minha postura ainda observando meu reflexo vulnerável. Em outros tempos eu estaria mirando minha face como se nada pudesse dar errado. Só que hoje não era o caso. Cocei a parte de trás de minha nuca antes de dar as costas ao espelho. Abri a porta do Box ajustando o chuveiro a uma temperatura ideal antes de livrar-me de minhas roupas e deixa-las jogadas em um canto do banheiro.
O líquido apurado colidiu contra as minhas costas como se buscasse limpar o que houvesse de errado comigo e por um momento eu pensei que fosse possível. Por um momento. Pouco depois a sensação agonizante secou minha garganta, meus olhos voltaram a armazenar o evidente fluído de lágrimas e a dor de algo me rasgando por dentro tomou conta de meu peito. Senti minhas pernas fraquejarem e deixei que estas me levassem ao chão. Ainda sentindo a água percorrendo meu tonificado corpo pálido abracei minhas pernas como uma criança amedrontada por um fantasma de seu passado.
Muitos vão dizer, após verem meu estado, que homem não chora e por isso eu devo ser uma replica barata de um ser masculino, algo como um bonequinho de plástico. Isso não é verdade. Como qualquer um, o sexo masculino tem direito de chorar. Chorar com todos os soluços que necessita. Com todo ar que possui em seus pulmões. Eu mais do que ninguém reconheço que guardar pouco, mesmo que sejam apenas as palavras entaladas em minha garganta, não faz bem. E perante a minha situação, deixar as lágrimas seguirem seu próprio rumo era pouco, mas ainda assim, o mínimo que trazia certo conforto para meu estado de espírito.
Chorei. Chorei como nunca havia feito antes. Como se nada mais tivesse um sentido. E para ser bem sincero, nada mais possuía consenso. Pela primeira vez aos meus 26 anos senti-me desolado. Não fiz esforço para controlar o sentimento que crescia dentro de mim, assim como ignorei o tempo não dando importância para qualquer que fosse o problema. Passaram-se minutos? Horas? Pouco importava. Só levantei e terminei meu banho após sentir o peso da traição mais leve.
Enxuguei-me antes de ir ao quarto e vestir as peças mais confortáveis que lá se encontraram. Aproveitei o momento para pegar a mala preta no quarto de visitas, que nunca havia sido usado, para deixar aquele ambiente repleto de lembranças que me massacrava. Correr pode até ser covardia, confesso. Mas eu nunca disse que bravura era uma de minhas características. Eu só não queria continuar pensando nela. Não estava disposto a recordar o seu olhar límpido refletindo os meus quando estávamos sozinhos naquele quarto.
Fechei os olhos como se fosse acalmar a sensação parasita, mas não foi o meu passo mais sábio, devo confessar. Tendo minha visão tomada pela escuridão foi o modo mais rápido para deixar as lembranças inextinguíveis ultrapassarem o espaço permitido. Era quase como se eu pudesse toca-la mais uma vez e nada seria diferente. Como se tudo não passasse de um pesadelo que em poucos minutos daria lugar um sorriso sincero. Esse era eu, caindo na armadilha de minha própria mente.
A imagem de Kristen era quase que real para mim. Sim, eu quase conseguia vê-la parada ao lado do armário exibindo seus dentes brancos e lançando-me seu olhar luxuoso. Suspirei, abrindo os olhos, sabendo que permanecer ali apenas aumentaria o vazio em mim. O vazio que estava tentando ser curado de algum modo. O vazio que jamais seria preenchido novamente. Levei minha mão ao meu peito apertando-a contra meu coração buscando acalmar a dor, o que fora inútil. Aquela sensação não iria deixar-me tão cedo, eu duvidava que fosse algum dia.
Sem me demorar muito mais abri os armários pegando as peças necessárias. Meus pertences. Eu pretendia voltar para Londres. Não sei ao certo por quanto tempo, mas voltar para a minha pátria parecia ser uma boa forma de esquecer... Ou ao menos tentar. Após fechar a mala mirei a porta do guarda roupa que pertencia a Stewart. Aproximei-me do closet mais uma vez, por mais que minha mente estivesse relutante, este por sua vez ainda tomava conta da maior parte do aposento. Acariciando a porta de modo incerto, abri-o sem saber o que esperar. O seu cheiro esvairiu do armário, onde de algum modo havia se mantido preservado. Novamente a lembrança veio atormentar-me. Observei suas vestes penduradas, intactas, antes de passar minha mão por elas fazendo com que o odor se espalhasse.
O cheiro trouxe novas sensações. Amor, ódio, pena, dor... Tudo misturado como a fragrância do odor de sua pele. Explorei a primeira gaveta achando uma de suas camisetas preferidas. Pegando-a delicadamente, trouxe-a para perto, sentindo meus olhos sendo preenchido por lágrimas. Pressionando o pedaço de pano de forma intensa em meu rosto eu de certo modo a via sentada em nossa cama, rindo enquanto acusava-me de algo estúpido. Sorri com a lembrança, mas era difícil aceitar o fato de que a maior parte das últimas horas a mulher que havia me feito rir como nunca tivesse conseguido me consumir internamente com uma única atitude infiel.
Fechei a gaveta e logo em seguida a porta do armário. Mantive aquela peça presa ao meu corpo e já acostumado com as lágrimas, não me importei em limpa-las até porque elas já haviam tornado-se parte de mim. Uma parte de mim que eu esperava que ficassem para trás enquanto estivesse chegando em casa.
Por fim deixei a peça sobre a cama e limpei meu rosto. Levei a mala até a sala e coloquei-a sobre o sofá. Estava reunindo os últimos pertences quando um barulho vindo da porta da frente despertou minha atenção. Vagarosamente o pedaço de madeira foi aberto e uma figura pequena e suntuosa entrou na sala parando por alguns segundo para encontrar o meu olhar acusador e logo em seguida fechar a porta atrás de si sem se dar o luxo de trancá-la.
- Robert... – A voz dela vacilou, mas seu corpo permaneceu estático.
Sim, eu costumava sentir arrepios quando sua voz chamava-me pelo nome. Algo que de alguma forma só ocorria com o timbre de sua voz. Fechei os olhos não querendo manter contato com os seus olhos. Eles já não refletiam com tanta intensidade coo antes.
Eu não me pronunciei. Permaneci em silêncio e de olhos fechados. O barulho de algo sendo colocado sobre a mesa da sala junto com a chave de casa ecoou com mais intensidade do que o normal. Eu quase podia ouvir meu coração batendo e aos poucos conclusões foram se formando cabeça. Certamente eu não fui feito para amar. Tão pouco para ser amado. E talvez, quem sabe, se eu tivesse a sorte de ter um coração de pedra em minha caixa torácica as coisas seriam bem mais fácies. Sou um azarado.
- Rob... – Voltou a falar com um ar atordoado. – Eu... Deixe-me explicar o qu...
- Não. – minha voz seca ecoou sobre o ambiente. – Não quero ouvir nada que você possa me dizer. Nada.
Sua expressão facial contorceu-se deixando com um ar dolorido estampado em seu rosto. Seus olhos marejaram vagarosamente enquanto mordia seu lábio inferior de forma chorosa. Sim, eu amo aquela mulher. Quer dizer, perante a situação atual, não sei se utilizar um verbo tão forte quanto esse no presente seja a forma mais correta de expressar minha estabilidade emocional.
Kristen manteve-se em silêncio. Eu tinha tanta coisa para dizer a ela, para desvendar, mas as palavras estavam entaladas em minha garganta. Exatamente como aconteceu quando nos conhecemos melhor. Lembro-me como se fosse ontem, no remanso do aposento do quarto andar de um hotel barato em Los Angeles, o processo de composição de uma melodia que veio em minha cabeça graças a uma musa inspiradora. Uma melodia que logo ganharia vida e então tocada pela banda de minha irmã mais nova. Fechei os olhos. Pela primeira vez senti remorso de uma de minhas criações.
Foi essa música. Foi a letra de “Falling Love for the Last Time” que a conquistou. Sim, aquela melodia conquistou a garota dos meus sonhos e fez com que ela deixasse seu ex para finalmente pertencer exclusivamente a mim. Como foi que não percebi isso antes? Como?
- Não quero me iludir com você, Stewart.– Falei voltando a encarar seu corpo esguio. - Você deixou Michael Aranganode para ficarmos juntos. Não sei por que pensei que fosse ser diferente comigo.
- Rob. – Um filete transparente e úmido correu pela lateral de sua bochecha e então foi à vez dela fechar seus olhos foscos. – Vou explicar o que aconteceu é só que...
- Que o que, Stewart? Vai explicar o quê? O quão idiota fui de ter confiado em você? De ter te dado o meu melhor para que na primeira oportunidade ter o prazer me destruir? É isso que você deseja explicar?
- Por favor, Rob, ouça o que eu tenho para falar. É só isso que eu lhe peço.
- Você não tem o direito de pedir nada. – Minha mãe direita gesticulava freneticamente dando ênfase em certas palavras. - A única coisa que lhe pedi foi sua confiança, seu amor, e você não foi capaz de honrar com as suas próprias juras de amor. – Fechei os olhos novamente em uma tentativa frustrada de me acalmar. – Eu quero ouvir de você. Kristen, você teve um caso com o Rupert?
- Robert...
- SIM ou Não? – E aqueles milésimos foram os mais longos de minha vida. Era uma mistura de incertezas e insegurança que me consumiam de maneira doentia.
- Eu... Eu... Sim. Eu e Rupert nos beijamos dentro daquele carro. – Meu mundo desabou como nunca pensei que fosse possível. Desde o principio eu sabia que aquelas fotos eram verdadeiras, mas ouvir de seus próprios lábios era doloroso. Percebi seu pranto agravado. – Robert, eu não o amo. Nunca amei.
Meus olhos já apresentavam uma camada notável de lágrimas em seu canal ocular, mas o choro estava entalado no nó em minha garganta. Não importava o que a morena pudesse me dizer, eu jamais havia me sentido tão humilhado. A dor de perder uma pessoa de sua confiança é indescritível. Perde-la nunca esteve em meus planos e o medo de crescer não ajudava. Mas eu não podia ficar quieto. Eu não ia ficar em silêncio.
- Estou com mais raiva de mim do que de vocês. Como eu pude ser tão cego? Não dá pra acreditar. – Tudo que estava sufocando nas últimas horas estava finalmente saindo. De uma maneira nada amigável, devo confessar, mas eu estava à beira de dispensar as formalidades e boas maneiras depois do ocorrido - Você destruiu qualquer resquício de amizade que eu sentia por você. Eu nunca mantive segredo do carinho esmero que tinha com você. Você acabou com os nossos planos de núpcias. Destruiu a atração que sentia por você. Infelizmente, o único sentimento que resta relacionado a você é pena. Estou devastado. – Suspirei pesadamente enquanto ela garantia a sonoridade de um choro aluído. – Você me humilhou completamente. Toda a confiança se foi.
Quando se ama não se mede obstáculos para estar junto ao seu parceiro. Não se mede os riscos ou consequências, pois esses são os que menos importam. Mas se há uma coisa que é capaz de dar forças e ao mesmo instante quebrar suas pernas é a confiança. Se um não tem credibilidade no outro é facilmente notável que não existe afeto.
Nesse momento eu só queria que o mundo soubesse que não fiz nada de errado e que o erro havia sido da mulher aos prantos parada a poucos metros de mim. Eu não queria pensar nela. Não queria manter sua imagem rondando minha cabeça vinte e quatro horas por dia. Não. Eu não queria continuar sentindo aquele olhar ameno que me fazia passar mal. Almejava que o tempo pudesse levar com ele qualquer resquício do nosso envolvimento. Eu queria... Mas no fundo sabia que não era isso que iria acontecer.
Sem disposição para manter a discussão peguei minha mala e notei pela primeira vez que os olhos da mulher pareciam perdidos.
- Você vai embora? – acenei com a cabeça antes de dar a cartada final.
- Kristen, quero que você tire todos os seus pertences do meu apartamento. Tudo. E assim que trancar essa porta, deixe a chave na portaria.
- O QUÊ? – O desespero era aparente, mas a dor havia consumido qualquer migalha de humanidade presente em meu corpo.
- Eu não quero te ver. – Controlei a dor e desfiz o nó de minha garganta enquanto passava ao seu lado e abria a porta da sala. – Eu quero esquecer que algum dia estive envolvido nesse relacionamento.
- Robert. – a voz bem próxima atrás de mim se pronunciou. – Eu não queria ter te magoado. Não queria que fosse assim. Eu o amo. Por favor, me perdoa.
Fechei mão esquerda em um punho controlando o resto do meu coração que ainda batia por aquela mulher. Minha garganta secou e nada parecia ser racional. Minha mão repousava sobre a maçaneta e sem ao menos olhar para trás deixei as minhas últimas palavras tocarem os ouvidos da mulher que um dia foi à razão do meu sorriso.
- Infelizmente, nem todo erro pode ser consertado com um pedido de desculpas. Adeus, Stewart. – E assim fechei a porta atrás de mim sem ter coragem de mirar os olhos que iriam sempre ser parte de mim. Uma parte que algum dia eu pretendia esquecer.
FIM
Nota da autora: Em primeiro lugar vou dedicar e agradecer a Priscilla, responsável pela Request. Obrigada! Espero que goste. Como novata no FFOBS, sinto-me honrada em ter tido a oportunidade de escrever a primeira Request. – Todos comemoram! (Só que não).
Essa é a minha primeira ‘Short Fiction’ no FFOBS. Na verdade é a primeira ‘Short Fiction’ escrita por mim que realmente presta. Particularmente estou satisfeita com o resultado e plenamente ciente de que daqui a dois anos vou reler e achar um lixo, mas tudo bem. Pode ser que alguns de vocês leiam e achem confusa ou extremamente reflexiva, mas foi o meu ‘escape’. Estava precisando desabafar e vou confessar que meus olhos marejaram uma ou duas vezes durante o processo de criação. – Tragam os violinos. Agora chega dessa frescura toda e vamos ao que interessa. Comentários & críticas são mais do que bem vindos! Obrigada por ler.
- Thamy