Meu Odiado Amiguinho Colorido
História por Lettice Little | Revisão por Letii


Eu estava cansada. Imagine alguém que ama o sol e seu calor natural, a natureza e seus sons, seus cheiros, o jeito como ela é criativa e altiva, feliz e colorida, alegre como nada nem ninguém, controlada e perfeita a seu modo, vivendo num lugar quente, triste e sem paz. Um lugar que cheira e lembra a morte e a desgraça dos mortais, reles mortais que sempre foram vistos como inferiores e submissos.
Detesto que me chamem de proserpina ou que seja considerada rainha dos mortos. Mas o que poderia fazer além de aceitar? Eu viveria sob as condições de Hades agora. E pra falar a verdade, em geral, não tinha do que reclamar. Ele era apaixonado por mim e me tratava como se eu fosse uma Titânide. Me olhava de um jeito que Zeus, meu pai, nunca olhou para minha mãe, Demeter.
Mas eu não o amava do mesmo modo e intimamente estava triste. Os únicos dias em que ficava realmente completa eram quando eu voltava pra ficar com minha mãe, no Olimpo. Aquele era o melhor lugar do mundo pra mim. E eu estaria nele no dia seguinte, para trazer alegria e cor pra natureza a qual eu tanto amava.
- Querido, quer que leve algum aviso ao Olimpo?
- Não, está tudo em ordem por aqui. A não ser, é claro, pela pequena bagunça que os cães fizeram no campo dos cavalos, mas isso não será um problema. Diga a sua mãe que separe os melhores pêssegos para mim. Sabe como gosto deles. – Hades se levantou e me acariciou o rosto – Não vá...
- Amor, já tivemos essa conversa... – Segurei sua mão no meu rosto.
- Eu sei, e só não te prendo aqui, porque fica feliz quando sobe e volta ainda mais radiante e bela. – Ele riu e me beijou.
- Vou sentir saudades. De você. Não... Disso aqui. – Hades olhou pra mim e passou a mão em meu cabelo.
- Quando vai perceber que pode ser feliz aqui, como eu sou? Eu me acostumei, pode fazer isso também. Por mim!
- Você entende que eu já tentei, várias vezes, Hades, mas não é fácil gostar de gritos de sofrimento e dessa atmosfera de morte. Eu detesto a morte.
Ele me olhou e sentou-se no seu trono de crânios com a cabeça baixa.
- Só quero que me ame, Perséfone. Isso é suficiente.
- Eu amo você, querido. – Eu o abracei - Vou sentir saudades.
- Eu também, querida.
Em dois segundos eu estava no Olimpo. Eu sentia o novo ar, a nova atmosfera, a alegria que me invadiu era espetacular.
- Mamãe! Papai!
Eu os vi e eles vieram me abraçar.
- Lindinha, como você está? Parece mais magrinha.
- Estou bem, mãe.
- Hades não tem lhe feito mal, tem? – Meu pai perguntou todo preocupado.
- Não, fique tranquilo. Ele cuida muito bem de mim.
Papai me deu um beijo na testa e foi pra dentro do grande palácio.
- Ele tem estado de olho em Hades nos últimos dias. Seu marido anda muito agitado.
- Ele sempre fica assim quando chega meu período aqui em cima. Ele sabe disso, mãe.
- Todos sabem, mas você conhece Zeus, pra ele todo cuidado é pouquíssimo com o irmão. – Dei um muxoxo de tédio e minha mãe sorriu. – Vamos entrar, você deve estar querendo ver Ártemis. Vai ver como ela está. Nunca esteve mais linda.
Fomos andando. Fazia muito tempo que não via Ártemis e não é legal ficar longe da sua melhor amiga por tanto tempo assim. Ela passava no Mundo Inferior quando tinha um tempinho, mas as coisas estavam um pouco difíceis pra ela.
- Poseidon, Atena! Como é bom vê-los.
- Ah, Perséfone! – Atena veio me abraçar – Finalmente veio trazer um pouco de paz a este mundo.
- Por mim poderia continuar do jeito que estava.
Olhamos para trás e Afrodite estava encostada na coluna do palácio, com um trevo de quatro folhas na mão.
- Pode ir para o Mundo Inferior, Afrodite. Sei que não consegue ficar perto de mim. Vai ofuscar seu brilho, né? Pode ir, mas eu ficarei aqui.
- Vamos, Ditinha, não precisa ficar ouvindo essas baboseiras. Sabes que é mais perfeita.
- Ainda amarrado a ela, Ares? Parece que conseguiu domá-lo, Afrodite. – Poseidon falou, rindo e vindo beijar minha mão – Bem-vinda. – Eu sorri.
Fui entrando e me instalei. A cama era tão macia lá em cima que eu nem conseguia me lembrar de como era uma lá no Mundo Inferior. Deitei na minha quando uma mão começou a me fazer cócegas com algum tipo de planta.
- Ártemis, que saudade! – Eu abri os olhos e pulei pra abraçar minha amiga sorridente. – Esses humanos tem que dar um tempo nessa coisa de caçar. Você precisa me visitar mais.
- Sabe que detesto deixar você sozinha com aquela criatura de Cronos! Mas o trabalho estava grande e não posso deixar de cumprir minhas obrigações. – Ela me deu um beijo e me abraçou novamente. – Estava morrendo de saudade desse sorriso.
Nós rimos e ela segurou minha mão.
- Tenho uma surpresa.
- Ué, então trate de me dar logo isso.
- Não é pra dar. É um... Amigo seu.
Eu a olhei, semicerrando os olhos, e a lembrança veio a minha cabeça como uma chuva de bons momentos.
- Você é uma deusa muito má, Ártemis.
- Eu sei, mas Apolo queria tanto te ver. E vocês se encontrariam uma hora ou outra.
Eu respirei fundo. Talvez não fosse uma boa ideia vê-lo, mas o que eu poderia fazer para impedir isso? A verdade é que eu realmente amava o Deus Sol e ele me amava, mas contra Hades ninguém ganha. E eu também amo Hades.
Saímos dos meus aposentos e fomos para o pátio.
- Vamos, eu estou morta de fome. Dioniso está por aí?
- Menina, se liberta desse vício. Sempre que vem pro Olimpo bebe vinho o dia inteiro. E mesmo assim, ele não está, foi resolver uns probleminhas nas vinhas de Lárisa. Precisa parar de...
Eu parei de ouvir quando olhei para o lado e o irmão gêmeo da minha melhor amiga entrou no meu campo de visão. Ele estava radiante, banhando pela sua própria glória e olhando seu reino de longe. Ele passava horas olhando o sol e fazendo poesias para ele.
Apolo me viu olhando-o e sorriu. Veio se aproximando e eu congelei.
- Se ficar mais gelada, vou chamar Hefesto.
- Não seja ridícula, Missie. – Eu disse e Ártemis riu.
Ele estava tão lindo...
- Perséfone. – Apolo disse quando chegou a mim. Segurou minha mão e a beijou – Você está ótima.
- O que posso dizer de você? – Não pude evitar morder os lábios. É uma mania idiota quando fico nervosa.
- Maninho, leve Perséfone para dar uma olhada nos campos de Atenas. Ela precisa de uma caminhada. – Ela me mandou um risinho com uma piscadela e saiu andando. Apolo não tirava os olhos de mim.
- Claro, maninha. Vem, Perséfone. Vai adorar ver como estão lindos.
Caminhamos por um bom tempo, mas aquela situação não estava confortável. Eu precisava saber se ele ainda me queria como eu o queria.
- Apolo, espere. Olha, nós tivemos uma história na última vez em que estive aqui. Eu não me esqueci do que sinto por você.
- Mas Hades nunca te deixaria ir, amor!
Eu o abracei e ele acariciou meus cabelos. Queria ficar com Apolo, apesar de Hades. Hades não sabe amar alguém e me prende, me sufoca. Apolo é simples, fácil e me sinto a vontade. Eu posso ser eu com ele. Posso ser a natureza, posso ser a vida.
- Na verdade, querida, há um jeito de tudo isso terminar. – Eu o olhei.
- E que jeito é esse?
Ele me olhou amargurado e triste, mas também cheio de esperança.
- Eu posso propor uma luta a Hades. Quem vencer fica com você.
Eu o olhei, assustada, e me afastei. Como ele poderia fazer isso comigo? Eu o amava e queria vê-lo vivo. Ele não teria chance com Hades e sabia disso. Eu jamais aceitaria que fizesse isso por mim. Nunca!
- Claro que não vou concordar com isso.
- Por favor, amor. Eu não posso ver você nessas condições. Triste a maior parte do tempo.
- Apolo, isso é entre mim e Hades. Não faça bobagens, entendeu? – Eu o beijei e ele encostou a testa na minha. – Não suportaria perder você.
- Tudo bem. Pensaremos em um outro modo.

**

Os dias que se seguiram foram calmos e perfeitos. Tudo estava indo as mil maravilhas. Até que numa tarde, Hades esteve conversando com papai. Não quiseram me contar o assunto da conversa, mas pela cara de Ártemis, não era boa coisa.

- Me fale, Missie.Você sabe.
- Juro, amiga, melhor saber na hora certa.
- Como assim?
Então houve uma trovoada e Hades saiu furioso, gritando por Apolo, falando ameaças e ofensas.
- Você vai para o tártaro como Cronos, seu moleque! Eu não pouparei esforços para lhe descabeçar. Perséfone será minha!
Eu fiquei parada. Espantada com tudo o que acabara de ouvir. Então Apolo tinha ido falar com Zeus para enfrentar Hades? Por mim?
- NÃÃÃÃÃÃO! – Eu gritei e houve mais uma trovoada.
Eu fui caminhando pela entrada do Olimpo até encontrar ele sentando num banco. As flores que tinham por onde passei murcharam-se todas.
- Querida, acalme-se. Está acabando com a flora de toda a Grécia.
- Não quero me acalmar! Como foi capaz de falar com Zeus depois de eu dizer que não queria que fizesse isso?
- Eu quero você pra mim. Fala como se não quisesse isso! – Eu respirei fundo e me sentei ao seu lado.
- É claro que quero. Mas não quero ser nenhum tipo de Helena para vocês dois. Sabe que Hades não vai medir esforços pra acabar com você.
- Ele sabe. Por isso propôs uma briga apenas de espada. – Eu ouvi a voz de Hades e ele veio se postar a nossa frente. Nós nos levantamos e Apolo me abraçou, protegendo-me.
- Não vê que ela fica triste com você? Que não gosta de ser a Rainha do Mundo Inferior?
- Você não tem nada a ver com isso, menino. E não pense que vou lutar contigo porque tenho medo que ela fique com você. Vou lutar por você ter me afrontado. Só para provar que não pode contra mim e, assim, ela será mais minha do que nunca. – Ele me olhou e estendeu sua mão para mim – Vá, diga a ele que me ama...
Eu nada falei e Hades só ficou ainda mais furioso. A terra se abriu atrás dele e ele foi na direção da cratera.
- Nos vemos amanhã, ao pôr do sol, filho de Zeus. - E desapareceu.
- Perséfone, como não quer se livrar dele? Ele não a respeita. Não lhe agrada que esteja feliz.
Eu pensei por um momento e era verdade. Quem sabe essa era a única maneira de eu me livrar do meu marido. Eu não perderia essa chance, por mais que me doesse. E também, não estava obrigando ninguém a nada.
- Está certo.

**

A hora tinha chegado. Hades estava do outro lado da arena, cuidando de sua armadura. Apolo estava ao meu lado, colocando o capacete.
- Ártemis, venha cá. – Apolo chamou. Ela se aproximou de nós dois e ele colocou a mão no ombro da irmã gêmea. – Se nada sair como planejado hoje, cuide de Perséfone pra mim. E não deixe nada acontecer a ela. – Ele olhou para mim e voltou a olhar para a irmã, que agora chorava.
- Jamais deixarei que façam nada com ela. E prometo te fazer uma linda constelação.
- Só não me coloque junto de Orion, por favor. – Apolo disse e eu ri. Ártemis semicerrou os olhos.
- Tem sorte de eu gostar dela, garoto – Ela disse e eles riram e se abraçaram forte. – Fique vivo. - Ela disse e se afastou correndo, com dois lobos surgindo ao seu lado. Ela estava se sentindo ameaçada.
- Me dói vê-la assim, sentindo-se desprotegida.
- Apolo, por favor, não perca. Preste atenção, sabe como Hades é traiçoeiro.
- Fizemos um pacto na frente de Zeus. Ele não seria imbecil de trapacear. – Ele me beijou – Eu a amo. Pra sempre.
- Também amo você. – Lágrimas caíram dos meus olhos e Apolo desapareceu e reapareceu no meio da arena, de frente para Hades.
- Vamos, filha. Fique aqui comigo. – Mamãe me disse, levando-me pra seu trono, que tinha o meu logo ao lado.
- Pronto para perder a vida e a garota, Apolozinho? – Hades disse e riu da própria piadinha.
- Estou pronto para conquistar enquanto você vai voltar para reinar lá embaixo, onde é seu lugar. Não merece a honra que temos. Não merece ser chamado de deus.
Com isso Hades investiu a primeira vez contra Apolo, que estendeu o escudo em proteção. A espada quicou e levou Hades uns centímetros para trás. Apolo pegou sua espada e atacou por baixo, cortando a perna de Hades, que com um grito de dor fez Apolo recuar, impressionado.
E a luta continuou assim, um atacava, o outro defendia. Hades, com a perna machucada, já não era tão rápido, mas ainda era mais forte que Apolo, e eu ficava aflita a cada segundo que passava. E então Hades subiu numa pedra e pulou, acertando o braço de Apolo. Eu suspirei, mas sabia que aquilo não seria nada para ele. Apolo bateu na cabeça dele com o cabo da espada e ele caiu no chão, amaldiçoando a dor.
Apolo estava cansado. Correu muito rápido, sem deixar que Hades se recuperasse do último golpe. Bateu seu escudo contra o peito do deus caído e pisou em sua perna ferida. Hades deu um grito e Apolo o acompanhou, cheio de ódio.
Foi então que o quadro todo mudou. Hades começou a rir descontroladamente, o que só despertou mais a raiva do outro, que ao mesmo tempo ficou confuso. Hades aproveitou para atacá-lo com o escudo e Apolo caiu no chão, gemendo de dor, com as mãos na cabeça. Eu apertei o braço da minha mãe, que apenas sussurrou: Prepare-se.
Hades não deixou que ele se colocasse de pé, pegou-o pelo pescoço e o levantou, deixando-o sem ar e tentando se livrar das mãos dele.
- Eu disse que ela seria minha! Espero que façam uma linda cerimônia pra você, deusinho do sol. – Ele o levantou ainda mais e ajeitou sua espada na mão – Vejam! – Hades gritou – Vejam, deuses. Ele tentou me desafiar e agora será o seu fim. – Hades levantou a espada e gritou. Colocou a espada no pescoço dele e eu não pude me controlar.
Me levantei e corri para perto deles.
- PARE!
Hades me olhou com ódio nos olhos.
- Não o mate. Eu vou com você. Não precisa matá-lo.
- Já disse que não é por você. Sei que viria comigo de qualquer forma. Não vou deixar este – E olhou para Apolo, que lutava com as mãos de Hades – patife me desafiar e sair vivo. – Ele disse e apertou mais a espada no pescoço de Apolo.
- Hades, um dia você me disse que faria o que eu quisesse se eu fosse com você. Agora eu quero que o deixe vivo e eu irei com você. Não o mate, por favor. – Agora eu já chorava e gritava, ajoelhada no chão da arena. – Não o mate, por favor.
Hades olhou para mim, ajoelhada no chão, e depois para Apolo. Ele o jogou no chão, se aproximou e cuspiu em seu rosto.
- Que tipo de deus precisa que uma deusa implore ao seu oponente para que o deixe vivo? Depois não digam que eu não sou bom.
Hades foi caminhando, saindo da arena, indo em direção ao palácio.
- Perséfone – Hades me chamou e eu me virei, ainda ajoelhada, para olhá-lo. – Te vejo em casa em meia hora. Vou deixar você se despedir. – E foi embora, entrando em sua cratera no chão.
Eu me levantei e corri para perto de Apolo, que agora já conseguia respirar normalmente, mas ainda estava com dores e deitado no chão.
- Meu amado! – Eu disse me deitando em seu peito. Ele me acariciou os cabelo com uma mão e, com a outra, afagou meu braço.
- Me desculpe, Perséfone.
- Pare! Você fez o possível. Eu prefiro você longe de mim e vivo do que morto. Não suportaria. – Eu o beijei e ele retribuiu. Tudo ali tinha clima de fim, de separação.
- Então esse é o fim para nós! – Ele disse e eu chorei – Não chore, meu amor. Seremos sempre nós dois em nossas lembranças. Agora vá e faça o que tem que fazer.
Eu o olhei e assenti, dando um último abraço e então ele brilhou como o sol e desapareceu.
Eu me levantei, olhei para a grande plateia de deuses que tinham nos visto em nossa despedida e corri. A cratera ainda estava lá, aberta, esperando por mim. Olhei uma última vez para Ártemis, Demeter e Zeus e pulei. A cratera se fechou e eu estava em pé, na frente do palácio de Hades, no Mundo Inferior.
- Bem-vinda ao lar, meu amor! – Eu o ouvi dizer lá de dentro e respirei fundo. Seria assim pra sempre e eu já deveria estar acostumada. Era minha sina. Mas eu tinha esperança de que alguém vencesse Hades e me levasse embora daquele inferno.
Um dia, talvez...

FIM


Nota da Beta: Hey, pessoa! Só pra avisar que se você encontrar qualquer erro na fic pode entrar em contato comigo por e-mail ou pelo twitter. E não custa nada deixar um comentário pra fazer uma autora feliz, porque ela merece.
Letii

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