Periscleiton Nazaré Pinto, um rapaz de aproximadamente vinte e quatro anos de idade, com estatura mediana e olhos extremamente escuros. Muito educado, trabalhador e perseverante, o pobre homem não possui sorte alguma. Desde seu nascimento, ele apanha da vida, passando pelas mais diversas bizarrices. Vamos, caro leitor, permita-me contar-lhe esta história.
Periscleiton nasceu em janeiro do ano de 1987, na grande São Paulo. Na sala de parto, o médico que o pegou no colo se assustou com o espirro de uma das enfermeiras ajudantes e acabou derrubando o indefeso Periscleiton, até então sem nome, no chão. O menino não sofreu nenhum trauma visível, mas sua sorte acabou ficando no chão do hospital, junto do salário do médico naquele mês. Quando a mãe saiu do hospital com o garoto no colo, seu pai os colocou no carro da família: uma Kombi velha e fedida, que antes era usada por um fazendeiro amigo da família para transportar cabras. Já imaginou o estado em que a Kombi se encontrava, não é mesmo? Pois é. Ao chegarem ao cartório, seus pais não se entendiam. Não sabiam decidir que nome colocar. Seu Francisco, o pai, queria Péricles e a mãe, Dona Felismirna, queria Cleiton. Numa disputa de gostos, o tabelião conseguiu ouvir apenas o início do nome que o pai queria quando a mãe começou a falar. Deduzindo aquilo que ouvira, o próprio funcionário do cartório deu o nome à criança: Periscleiton. Com a certidão de nascimento feita, não havia mais o que fazer – era isso mesmo.
Aos seis anos de idade, Periscleiton, já apelidado de Pepi pelos pais e amigos, ganhou um novo apelido: Melequinha. Um de seus coleguinhas de creche o viu coçando o nariz e, do ângulo em que estava, deduziu que o menino estivesse “limpando o salão”. Não deu outra, o apelido pegou rapidinho e até mesmo as tias do lugar o chamavam assim. Que dó! Que dó! O apelido foi usado até a sexta série, quando o apelidaram de cuecão. Necessita explicações?
Aos dezesseis, já mais maduro e acostumado com seu azar, Pepi conheceu aquela que jurava ser a garota dos seus sonhos. Ou pesadelos, já que ela sempre aparecia em suas alucinações noturnas como garota-vampira e o puxava pelo pé, levando-o para um lugar escuro e sombrio, mas preferiu ignorar esse fato. Carolina, ou Carol, como era conhecida, nunca nem soube do amor platônico de Periscleiton por ela, enquanto o mesmo fazia-lhe juras de amor e poemas apaixonados. Tudo se perdeu quando ele tentava escrever enquanto usava o banheiro e, ao se levantar, todas as folhas, inexplicavelmente, foram parar dentro do vaso sanitário. Estava sujo e usado, o que impossibilitou a salvação dos textos. O pobre chorou por horas com o rosto afundado no travesseiro – não havia solução para aquela perda. Depois de muita conversa com seus pais, Periscleiton acabou se conformando com sua falta de sorte e jurou para si mesmo que a enfrentaria de cabeça erguida. Duas horas depois, ao chutar uma pedra bem com seu dedinho machucado, ele quebrou a promessa e voltou chorando pra casa.
Finalmente Periscleiton se conformou com a vida que tinha. Aos dezoito anos, como a maioria dos jovens, ele ganhou um carro de presente do pai. Qual não foi sua surpresa?! Presente de grego. Era a Kombi velha e fedida de cabras. Ninguém merece isso, convenhamos. Porém, como era o único meio de transporte que ele tinha, usava a Kombi para tudo.
Lá para os seus vinte e dois anos, já no término de sua faculdade, ele conheceu outra garota que lhe disparou o coração. O nome dela era Beatriz. Um dia, Pepi sentiu que deveria ir falar com ela. Tomou toda a coragem que mantinha guardada em seu peito e foi falar com a moça, pra convidá-la para ir ao cinema. Assim que tentou dirigir-lhe a palavra, um rapaz, que parecia ter mais de dois metros de altura, apareceu por trás e se apresentou como namorado dela. Pobre Periscleiton... Aquela tarde ele tomou a maior surra de sua vida. O rapaz ficou desolado. Não havia remédio que curasse aquela dor. Por que tanto azar?
Mais dois anos se passaram e então cá estamos nós, nos dias de hoje. Desde o dia da surra que levou do namorado de Beatriz, Pepi já não mais se conformava com a sua má sorte. Ele queria agora uma resposta, uma razão! No dia de seu vigésimo quarto aniversário, decidiu perguntar para seus pais o porquê de tudo isso. Sem ver motivo aparente para a falta de sorte do filho, Seu Francisco e dona Felismirna começaram a lhe contar como foi o dia de seu nascimento, para ver se conseguiam acalmar os ânimos do rapaz. Ah... Quando Pepi ouviu sobre sua queda do colo do médico, pensou que poderia ter afetado algo em seu cérebro e, mesmo sabendo que isso não fazia o menor sentido, decidiu procurar por aquele que ajudou a lhe colocar nesse mundo mau.
Periscleiton saiu imediatamente da casa de seus pais e foi para o hospital onde nasceu. Chegando lá, falou com as atendentes, que o encaminharam para o médico que ajudou a realizar seu nascimento, o Dr. Clóvis Pereira. Ao se encontrarem, o médico o convidou para acompanhá-lo até seu consultório. Lá eles conversaram sobre o que aconteceu naquela tarde de janeiro de 1987. O papo com o médico não ajudou muito na busca de Periscleiton por respostas. Ele decidiu então procurar uma cartomante. Ah, sim, uma cartomante saberia exatamente o que fazer!
E lá foi ele atrás de uma cartomante. Após andar por horas e horas pelas calçadas do centro de São Paulo, Pepi se deparou com uma mulher sentada num banquinho na Praça da Sé, jogando migalhas aos pombos, espantando qualquer um que ousasse passar por perto. Parecia cena de filme mesmo. A mulher aparentava ser muito pobre, pois suas vestes lembravam sacos de batatas vindos da Idade Média e seu cabelo grisalho e completamente embaraçado, preso de forma muito mal feita, também não ajudava em nada sua situação. Cansado e com os pés a ponto de criar calos, optou por se sentar ao lado da velha senhora. Porém ela não era simplesmente uma velha, feia e fedida senhora que alimentava pombos em plena Praça da Sé, ela era mais do que isso. Era louca. E Periscleiton fez essa descoberta assim que se sentou ao lado da mulher. Quando se sentou e ousou repousar um instante as pernas, a mulher parou instantaneamente de jogar as migalhas presentes no saco de pão que carregava e se voltou para o rapaz. O pânico tomou conta dele. “Onde fui me meter dessa vez?”, perguntava ele aos céus, desesperado por ter se metido em mais uma de suas enrascadas. A mulher olhava fixamente para ele e, de repente, soltou um cacarejo. A feição de Periscleiton não poderia expressar mais pavor do que já sentir. A velha começou a cacarejar mais e mais e logo estava correndo atrás dele. Enquanto isso, o rapaz corria como um louco, chamando a atenção de quem quer que fosse que passasse por ali naquele momento. Com certeza seria algo noticiado pelos jornais. Sua vida estaria acabada.
Antes que a velha dos pombos o alcançasse, alguns policiais que estavam à paisana interferiram e levaram a louca de lá, acalmando o assustado Periscleiton. Atordoado com tudo aquilo e já tendo desistido da péssima ideia que foi procurar uma cartomante, quis ir embora a pé mesmo. Começou a caminhar em direção à rua, porém, em todo seu estado de choque, não prestou atenção no tráfego. Consequência: Pepi foi atropelado por cerca de três a cinco bicicletas. Os veículos pertenciam a um grupo de ciclistas, que praticavam para uma competição de ciclismo, até Periscleiton aparecer na frente do primeiro. E todos eles caíram como peças de dominó enfileiradas. Resultado disso tudo: Pepi foi parar no hospital – no mesmo hospital que estivera horas atrás, com o mesmo médico de horas atrás e também de seu nascimento, na mesma sala de cirurgia de vinte e quatro anos atrás.
Por que Periscleiton foi parar na mesma sala de cirurgia em que nasceu, com o mesmo médico que ajudou sua mãe a dar-lhe à luz, o Dr. Clóvis Pereira? Porque, quando houve o choque entre as bicicletas, uma delas teve um parafuso que se desprendeu, acertando em cheio a cabeça de Periscleiton, que precisou ser levado para o hospital com urgência. Levaram-no para o Hospital das Clínicas, famoso HC. Quando chegou, ele conseguiu murmurar algo como “Cló-Clóv...”, que pareceu Clóvis para os atendentes, portanto foi para exatamente este médico que ele foi encaminhado. Na sala de cirurgia, Dr. Clóvis Pereira estava até que indo bem na retirada do parafuso, quando a anestesia que ele dera em Periscleiton deixou – misteriosamente – de fazer efeito. O rapaz começou a se debater, perguntando onde estava e, antes que alguém pudesse fazer qualquer coisa que fosse para ajudar, Periscleiton foi para o chão. Outra vez.
O doutor ficou apavorado. Já viu até seu salário sendo cortado esse mês por causa do mesmo paciente que cortou seu salário de janeiro de 1987. Sem saber que reação deveria ter, o Dr. Clóvis Pereira colocou Pepi na mesa de cirurgia novamente. Para espanto do médico, o parafuso já não está mais na cabeça do homem, mas sim no chão. Pepi, que apagou com a queda, parecia são e salvo. Nunca parecera tão bem àquele médico. Entusiasmado, o Dr. Clóvis Pereira contata os pais de Periscleiton, que correm para o hospital, com medo de que o azar do filho o colocasse em mais uma encrenca.
Ao contrário da expectativa de todos, Pepi acordou bem. Lúcido e muito sadio, o que parecia lhe faltar agora era azar e não sorte. O médico disse a seus pais que, de acordo com a maneira como ele caiu, era certo que teria entrado em coma. Mas nada aconteceu. “Será mesmo esse o nosso Periscleiton?”, pensaram Seu Francisco e Dona Felismirna. Eles decidiram fazer o teste. Assim que Pepi recebeu alta, seus pais pediram que ele desse sinal para o táxi, mesmo sabendo que, de acordo com a sorte do antigo Periscleiton, isso poderia significar a morte. Pepi topou. Foram para a rua e, assim que ele fez menção de estender a mão, seus pais fecharam os olhos, já esperando por algo ruim, mas bem a tempo de não ver os três carros que pararam. Notando que nada de ruim acontecera, os dois olharam e puderam ver seu filho arrumando a pequena mala com mudas de roupas dentro de um dos carros, pela primeira vez realmente feliz em ser uma pessoa normal. “Sua sorte voltou, meu amor! Ela está de volta!”, gritava a mãe, feliz, indo de encontro ao filho. Periscleiton só sabia sorrir. Sim, sua sorte voltara.
Depois do incidente na sala de cirurgia, sua vida nunca mais foi a mesma, pois, daquele dia em diante, Periscleiton ficou conhecido como sinônimo de prosperidade e sorte. Hoje ele trabalha numa multinacional, ganhando muito bem. Ele também se casou. Não foi com a Carolina nem com a Beatriz, mas sim com a Úrsula. Eles se conheceram porque, durante um dia de compras normal no supermercado, Pepi esbarrou em Úrsula e acabou estourando uma caixinha de extrato de tomate numa blusa branca novinha que ela usava. Ela também era meio azarada – pelo menos até conhecer o Pepizinho lindo dela, como ela mesma diz.
Certo dia, Úrsula descobriu que a família de azarados seria um pouquinho maior. Bem, talvez não tão pouquinho. Ela estava grávida – e de quadrigêmeos! Periscleiton ficou muito feliz, claro, mas com muito receio de que sua má sorte de nascença afetasse seus quatro lindos nenês. Pois é, tem coisas na vida que é melhor nem comentar. No momento em que Pepi chegou com Úrsula no HC, mesmo hospital onde ele nasceu, a enfermeira chefe os recebeu e alguns rapazes vieram e colocaram a moça numa cadeira de rodas, pois a barriga era gigantesca. Só que, quando foram andar com ela, a mulher caiu de frente e de barriga. Foi o suficiente para arrancar a sorte dos filhos de Periscleiton e Úrsula. E para melhorar a situação, era uma sexta-feira 13. Já estando acostumado com a nova sorte, Pepi não ligou de ter quebrado o espelho de sua esposa na hora que saiu do carro, nem se importou de um gato preto ter cruzado o seu caminho e muito menos de ter pisado na rachadura que tinha no chão embaixo da escada, que ele também atravessou. Antes tivesse ligado pra tudo isso. Ao seus filhos nascerem, Pepi pegou cada uma das crianças no colo e deu um nome para elas, para que o erro do passado não acontecesse mais uma vez.
Assim que toda a família de Periscleiton teve alta, todos foram para o cartório registrar os novos membros da família Nazaré Pinto. O tabelião começou com o nome dos pais das crianças. Quando Pepi falou seu nome completo, o tabelião se lembrou da confusão de vinte e quatro anos antes e se emocionou, pois a criança com o nome mais bizarro que ele já tinha dado estava viva. O homem deixou cair algumas lágrimas, mas só. Logo se recompôs, deu um forte abraço em seu menino, como ele o chamou, e voltou ao seu trabalho. Úrsula deu seus dados também. Na hora de escolher o nome da primeira filha, foi tudo bem. Da segunda filha e do primeiro menino a ser registrado também. Porém, quando chegou ao último garoto, a confusão começou. Periscleiton queria Joel e Úrsula queria Serafim. O tabelião, revivendo a cena da briga dos pais de Pepi, só conseguiu dizer uma única frase antes de criar mais um nome bizarro para uma criança daquela família:
“Aqui vamos nós outra vez...”
FIM!
Nota da autora: E aí? Gostaram? Deixem um comentário para eu saber! Hahaha. Se quiserem falar comigo, é só me chamar no tumblr, no twitter, no ask ou no meu email (esse é o de autora). Beijão, gatchenhos. Até a próxima!
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