CAPÍTULOS: [Prólogo] [I] [II] [III] [IV] [V] [VI] [VII]





Waiter






Prólogo


Escolhemos 2015 para ser o nosso ano, Julho para ser o nosso mês, 30 para ser o nosso dia e 20 horas para o nosso encontro.
Com o apoio de nossos pais


Rafaela Martins

Clarisse Souza


Luís Martins

Geovan Souza


e Renan


Convidam-lhe para esse momento especial a realizar-se na Catedral São Sebastião no Rio de Janeiro (Centro)




I


Entrei no estabelecimento vagarosamente. Observei com dificuldade um grupo de coroas sentados no centro do bar, gritando, fumando e jogando baralho. Três garçons, sem serviço, conversavam, apoiados numa parede e uma mulher limpava o balcão de granito. Apesar da grande quantidade de fumaça produzida, não era muito difícil perceber a luz fraca e avermelhada, tudo ali fedia a xixi e charutos. Adentrei mais à penumbra do local, procurando uma mesa que me privasse dos gritos dos homens ali presentes. Ultrapassei uma cortina de miçangas, que dava uma estranha sensação de que algo ali deveria me lembrar da África. Sentei-me na última mesa, encostado na parede, ainda conseguia enxergar a entrada e o balcão do local, felizmente uma pilastra impedia a visão dos homens jogando no centro do bar; de qualquer forma ainda ouvia seus berros. Coloquei minha pasta na cadeira ao lado da qual estava sentado, não seria agora que procuraria uma solução para todos aqueles casos que estavam em minhas mãos. Recostei-me no assento desconfortável da cadeira, demorando a perceber o quanto estava tenso, fechei os olhos com força e massageei as têmporas. Não devia estar pensando em , não podia estar pensando em . Ela não estava pensando em mim, ela muito provavelmente estava terminando de se aprontar, para ir ao altar da catedral, dizer ‘sim’ a um babaca, que dentro de algumas horas seria seu marido. Como ela poderia ter sido tão idiota? Passamos por tanto, para terminar assim, com um casamento. Mas não como eu esperava... eu não era o noivo!
Não muito mais do que cinco minutos depois, um dos garçons veio até mim, perguntando, não com muita educação, o que eu desejava. Pedi uma garrafa do que havia de mais forte ali, ele murmurou um ‘Boa escolha’ e saiu pela cortina de miçangas. Rapidamente voltou com uma garrafa que continha um adesivo escrito extermina-górgona, era visível que a bebida não era comprada, e sim feita ali. O garçom deixou ali também um pequeno copo de vidro e saiu. Esperei ter certeza que o homem havia partido para depois pegar a garrafa anteriormente de água que tinha sido colocada na minha frente. Aproximei a garrafa do rosto até encostar-se a ponta do meu nariz, o líquido tinha a cor pior do que a cor da garapa, e quando abri, senti que o cheiro também não era dos melhores. A única coisa que salvava era o nome, não que fosse grandes coisas, longe disso, mas era pelo menos mais original que ‘mata-leão’ ou algo do gênero.
Coloquei três dedos de bebida no copo, aproximei-o da boca e, quando senti seu cheiro, novamente fiquei desencorajado.

Está com medo de novo, ? Não! Espera... Você sempre tem medo! Arregão...

A voz de ressoou na minha cabeça, como uma mosca chata que eu sabia que deveria mandar embora. Contei até três mentalmente e virei o líquido de supetão. Aquela bebida desceu queimando garganta abaixo e, quando chegou ao estômago, senti uma diversidade de coisas, mas a principal delas foi a ânsia de vômito.

Estou orgulhosa de você, , mas não ponha para fora, nenê, minha presença depende disso.

- É POR ESSE MOTIVO QUE EU QUERO VOMITAR, VADIA – berrei, sabendo que ela não iria me ouvir, sabendo que aquilo era tudo fruto da minha imaginação. Relaxei os ombros novamente e massageei as têmporas. – Como eu posso te esquecer, ? Como? – Perguntei e coloquei a cabeça sobre as mãos, agora apoiadas na mesa.

Você não pode me esquecer, , eu faço parte de você, sempre farei...

Coloquei mais alguns dedos de bebida no copo, sabendo que em poucos minutos a probabilidade era de que eu estivesse em uma poça de vômito. Mas isso não me importava, a única coisa que eu queria era me esquecer de , mesmo que isso tivesse um curto efeito.

II


Cíntia, a menina da limpeza, já tinha aparecido ali umas três vezes com um esfregão, um pano, um balde e alguns produtos de limpeza para limpar o chão quando o vômito se tornava excessivo em volta dos meus pés, mas eu percebi que, da última vez que ela saiu daqui, ela não estava mais levando a situação de boa. Eu já não conseguia controlar o choro, ou os berros, o que era bem frustrante, pelo fato de, até então, não saber que era um bêbado bem emotivo. O álcool tinha tomado meu sangue, mas, de qualquer forma, eu não perderia minha pose de advogado bem sucedido, considerando tudo, nem poderia. Isso seria uma ótima brecha para caçoar de mim, caso estivesse ali. Não era possível, nem no estado que eu me encontrava; com vômito saindo até pelas entranhas das unhas, uma camisa havaiana que, com certeza, não era minha e sem os sapatos. Eu não conseguia parar de pensar nela. O casamento ocorreria às 20 horas, será que naquele momento já estava oficialmente comprometida? Eu não fazia ideia de quanto tempo estava ali, e muito menos quanto tempo fazia desde a hora que os coroas, que estavam debaixo do mesmo teto que eu, tinham parado de gritar. Eu havia conseguido umas horinhas de folga, saí mais cedo do trabalho, exatamente ás 18h00min, e tinha chegado ali às 18h10min, mas a pergunta era, há quanto tempo eu estava ali? Procurei meu celular em todos os bolsos três vezes, não o encontrava de jeito nenhum, na quarta vez que procurei no bolso frontal direito encontrei-o. Minha vista estava embaçada, tanto que demorei um pouco para entender, eram 18h49min. Então era isso até agora? Tinha bebido muito e vomitado muito somente por 39 minutos? Que dó de mim mesmo...
- GARÇOM – gritei, secando minhas lágrimas. E logo o mesmo garçom, que eu tinha visto durante minha penosa quase uma hora ali dentro, apareceu – Mais uma dose de tequila.
- Senhor – ele apresentou educação – Se me permite um conselho: acho que já bebeu demais, seria melhor ir para casa.
- Eu quero beber, garoto, traga-me minha tequila. – Ordenei.
- Que tal, ao invés de beber, você não me contar o que aconteceu? – Perguntou meio a contragosto, coçando a nuca.
- Hm... – estreitei os olhos para o loiro à minha frente – Tudo bem – aceitei – Mas, se você não for bom ouvinte, eu mesmo irei buscar minha tequila.
- Tudo bem – ele assentiu – Irei pegar um pouco de café – ele saiu, me deixando novamente imerso em pensamentos.
Só para começar, ali tinha café, o que era no mínimo intrigante. E se eu quisesse contar como fui parar ali, devia contar toda a história, de todos os momentos que tive com . Os mais importantes, e depois de pensar, vi que muitos até então eram íntimos. Mas o que isso interessava agora, não é mesmo? Eu e não tínhamos mais nada, não haveria mais nada entre nós. O garoto voltou, na bandeja que ele carregava havia uma coisa de colocar café, que realmente não me importava lembrar o nome, e duas xícaras. Ele se sentou na cadeira à minha frente, colocando a bandeja na mesa.
- É uma longa história, garoto – suspirei.
- Tudo bem, eu tenho tempo – ele respondeu e bebeu um pouco do seu café.
Eu sabia que, se começasse a contar, começaria a chorar, e teria que contar tudo de mais importante que acontecera entre eu e . Pensei em todos os prós e contras e não achei nada que me condenasse.
- Para começo de conversa, meu nome é .
- Sou o Caio – o garoto respondeu, sorrindo.
- Então, Caio, tudo começou há muito tempo. Eu era escoteiro, e ela também.

III


Três de Janeiro de 2001


O ônibus tinha acabado de estacionar, era o primeiro retiro de férias onde os principais grupos de escoteiros de todo o estado iriam, juntos, acampar no Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Os outros dois grupos já estavam lá, ao contrário do nosso uniforme marfim, o uniforme de um dos outros era laranja e o do outro grupo azul. Fizemos um cumprimento, posteriormente combinado, e fomos montar barracas, conhecer o espaço e coisas do gênero. Quando terminamos tudo que era de extrema importância, foram anunciadas algumas atividades de boas-vindas, como uma gincana. Andamos um bom tempo pelo meio das árvores até chegarmos numa clareira, longe de tudo que tínhamos montado. O diretor das atividades falava sobre todas as provas e tudo o que cada atividade tinha a ver com o meio ambiente. Eu cruzei meus braços, esperando que ele falasse tudo rápido, mas não. Então aconteceu o pior...
- Tia, - cutuquei a mulher próxima a mim – eu preciso ir ao banheiro – juntei as pernas na intenção de dar mais realidade à fala.
Ela me olhou, incrédula, e respondeu friamente:
- Eu perguntei para todos se precisavam de algo, antes de sairmos, aguarde um pouco, senhor – ela virou as costas para mim e voltou a prestar atenção no homem, que continuava falando.
A cada momento, a minha vontade de utilizar o banheiro era maior, mas o homem falava desenfreadamente sobre como o meio-ambiente era importante e como aquelas atividades nos ajudariam a entender isso. Devagar, eu fui me afastando do meu grupo e fui entrando no emaranhado de árvores, era muito mato, eu sabia que não podia ir muito longe, a não ser que quisesse me perder. Mas, de qualquer forma, eu corri, corri por alguns segundos, abaixando as calças e a cueca.


- Você não era escoteiro? Escoteiros não defendem a preservação ambiental?
- Eu era um garoto de doze anos com problemas nos andares baixos, você esperava o quê? Agora me deixe continuar – eu não sabia quantos garçons iguais estavam na minha frente, agora, sim, o álcool estava realmente mexendo comigo.

Parei e fui procurar uma árvore ruim o suficiente para fazer xixi, até escutar um pigarro... Olhei para baixo e, a poucos metros de mim, sentada no chão, estava uma garota, uniforme azul Royal, cabelos negros, olhos safira, boca entreaberta e testa franzida.
“Aaaahhh” Meu grito saiu mais esganiçado que o normal e eu fui para trás de uma mangueira, tentando me esconder.
- Eu juro que não quero saber o que você pretende fazer – ela abriu um sorriso de canto e me olhou, tirando os fones de ouvido.
- Eu tenho uma boa explicação – agora que eu perdi a vontade de fazer xixi, completei mentalmente e puxei a cueca e as calças para cima, logo saindo de trás da árvore e me recostando nela – Eu precisava urgentemente fazer xixi.
- Já ouviu falar em banheiro? E você não faz xix, você mija. – Ela gargalhou, jogando a cabeça para trás. E eu juro que tentei não rir, mas foi impossível.
- Meu nome é , e o seu? – Perguntei quando paramos de rir.
- – ela sorriu.
Eu me sentei e comecei a conversar com , depois tomamos um sermão de quase uma hora, mas nenhum de nós ligou. Alguns dias depois, eu e nos falávamos sempre que dava, mas na noite de véspera de despedida, tivemos um tempinho além do script.
- Psiu! – escutei enquanto rolava na cama. Virei para o outro lado – Psiu! ! – alguém cochichou. Olhei para a entrada da barraca e vi uma sombra – ! – Sussurrou de novo.
- Deus? – Perguntei, assustado.
- Que Deus o quê, sou eu, .
- Agora parece óbvio – murmurei e fui abrir o fecho da barraca – O que você quer?
- Quero te mostrar uma coisa, vem rápido. – Ela saiu correndo em meio às barracas, sendo seguida por mim. Fomos correndo em meio à mata, o barulho dos animais noturnos era ótimo, uma pena que não nos fora apresentado durante o retiro. Continuei correndo atrás de , que dizia coisas como ‘Anda asno’ e ‘o máximo que pode fazer é isso?’. Quando parou de correr, acabei trombando na mesma, que quase caiu.
- Desculpa – pedi, tentando olhar por cima de seu ombro, já que era mais alta que eu.
- Sem problemas – ela deu alguns passos à frente, fazendo um sinal para que eu a seguisse.
A vista chinesa estava ali. Iluminada e vazia. Fazia frio, mas eu não me importava, puxei as mangas do meu pijama para baixo e segui até o parapeito de bambu, me apoiando nele. Observei a cidade toda lá em baixo, o cristo lá no morro do Corcovado, e mais uma rajada de vento bateu no meu rosto.
- Que horas são? – Perguntei, me virando para , que estava sentada na escadinha com as pernas esticadas e com as costas apoiadas em um dos bambus.
- Hora de tomar vergonha na cara e comprar um relógio – ela riu – Eu não sei.
- Para que exatamente você me trouxe aqui? – Sentei-me da mesma forma que ela, encostando nossos pés.
- , eu moro em Del Castilho e você mora em Caxias. Não tem como nos vermos de forma nenhuma. Merecemos só alguns minutos a mais, juntos.
- Está certa, mas vamos nos ver no ano que vem, não?
- Claro que vamos, .
Cerca de meia hora depois, nós voltamos para as barracas e dormimos como pedras.


- E vocês continuaram se vendo? – O garoto me perguntou.
- Nos dois anos seguintes, ela não apareceu. No terceiro ano, eu saí do grupo.
- E como vocês voltaram a se ver? – Indagou.
- Pegue mais umas bebidas, vamos demorar um pouco para sair daqui – respondi.
- Ma...
- Nem pense – interrompi-o – Se quiser o resto da história, busque tudo de uma vez – Ele levantou, contrariado, mas logo voltou com as bebidas.
- E aí? Quando vocês se reencontraram? – Ele perguntou, enquanto eu virava uma dose de uísque no copo.
- Cinco anos depois do retiro.

IV


Nove de Maio de 2006


Fazia duas semanas desde que eu havia me mudado para Del Castilho, e aquela era a primeira caminhada que eu estava fazendo. Já estava na volta quando uma garota de cabelos roxos num skate bateu em mim. Os livros que a garota carregava voaram; a mesma, juntamente comigo, ficou esticada no meio-fio, e seu skate continuou a andar sem ela. A garota se levantou, bateu a poeira dos shorts e começou a pegar os livros, que agora estavam um pouco amassados.
- Me desculpe – me levantei – Sou um desastrado – tirei os fones de ouvido, bati a poeira da bermuda e ajudei a garota a pegar os livros.
- Tudo bem – respondeu.
- Qual é o seu nome? – rntreguei os últimos dois livros para ela.
- , Camila Ramirez. – Não podia ser – Tenha um bom dia – acenou com a cabeça e saiu andando na mesma direção que seu skate.
- Ei, . – Segui-a – Você era escoteira há cinco anos?
- Por que isso seria da sua conta? – Ela parou e se virou para mim.
- Eu sou o . Do retiro dos escoteiros de 2001 – sorri.
- Você acha que por algum acaso sou idiota? O morava em...
- Nós passamos a última noite do retiro na vista chinesa, e quando você me chamou, eu achei que era Deus – dei minhas provas.
- Caraça, , a quanto tempo, ‘véio’ – ela me abraçou.
- Senti saudade – a garota riu – E que cabelos são esses, menina?
- Vamos andando – acenou, e eu segui-a – Naquele ano, meus pais se separaram e minha mãe que ficou com minha guarda, não sei por que, a mulher sempre me odiou. Fiz isso para chamar a atenção dela – foi direta.
- Se continuarmos falando, te darei 101% de atenção, só terá motivos para pedir que eu largue do seu pé.
- Temos muita coisa para conversar, – ela disse e me entregou parte dos livros que carregava.


- Depois disso, não nos desgrudamos – comentei e virei um shot de vodca – Ela fez parte de todas as minhas primeiras experiências, se é que você me entende – ele gargalhou, fazendo minha cabeça latejar.
- Conte mais algumas coisas – ele parecia uma criança prestes a desembrulhar seu presente de natal.

V


Vinte e um de Fevereiro de 2007
Não demorou nem um ano para que eu e começássemos a namorar, e o nosso primeiro jantar como casal oficial não deu muito certo.
Às 20:30h em ponto, buzinei na frente da casa de . Em fração de segundos a garota dos cabelos roxos abriu a porta. Como sempre, estava deslumbrante, vestido branco, rendado, cabelos presos em uma trança lateral e uma sapatilha roxa. Ela sabia que se fosse de salto ficaria da minha altura (ou maior), e eu não poderia chamá-la de baixinha ou algo do gênero.
- Boa Noite! – Ela entrou no carro e me deu um selinho – Está bonito! – Disse e ajeitou minha gravata borboleta.
- Eu faço o que posso – ela riu – Você está deslumbrante, mais linda do que a própria Gioconda.
- Um. Quem é Gioconda? Dois. É um elogio?
- Sim, , é um elogio.

***


- Esse lugar é maravilhoso, . Não é seu aniversário, mas você está de parabéns – nós rimos.
- Boa noite! – Um garçom disse, chegando ao nosso lado – Já sabem o que vão pedir?
- Acho que o especial do chefe – passei os olhos no cardápio – O que você acha? – Perguntei, e assentiu – O especial do chefe, por favor – pedi e o garçom logo se retirou.
Não trocamos nem dois minutos de conversa, e logo outro garçom chegou oferecendo o nosso vinho. Ele colocou o líquido em minha taça e virou rapidamente para , derrubando vinho na mesma.
- CARA, POR ALGUM ACASO VOCÊ É DOENTE? – Explodiu, chamando a atenção de outras pessoas que estavam ali – SEU ANIMAL, FILHO DE UMA...
- Ei, , calma – cortei-a e ela respirou fundo.
- Vou ao banheiro – saiu pisando firme.
- S-senhor, desculpe, olhe...
- Tudo bem – cortei-o da mesma forma que havia feito com – Ela é estourada assim mesmo. Ponha o vinho na taça dela e saia daqui antes que ela volte – ele fez o que eu disse e saiu dali mais rápido que um tiro. Minutos depois, voltou. Seu tronco e busto estavam marcados por uma grande mancha roxa. Não pude deixar de pensar que 1. Combinava com seu cabelo. 2. Se fosse mais avermelhado, pensaria que ela tinha levado um tiro – Tudo bem? – Perguntei quando ela se sentou, com a cara fechada. Ela não fez questão de responder.
Dezoito minutos exatos se passaram até que o nosso especial chegou. Um risoto de frutos do mar divino. Lembro-me de tentar puxar papo com minha namorada, mas ela ignorou e nem tocou na comida. Comi tudo que tinha no meu prato e logo depois fiz o mesmo com a sobremesa, enquanto mantinha a carranca e nem se mexia. Levantei, paguei a conta, chamei-a, ela se levantou, a contragosto, e eu a levei para casa. Quando chegamos, tentei beijá-la, mas a mesma se esquivou e saiu do fusquinha, que eu gostava de chamar de meu.
- Sabe que não pode me ignorar para sempre, não é? – Mas, mesmo assim, ela o fez e entrou em casa sem olhar para trás.


- Quando vocês voltaram a se falar? – o garoto à minha frente perguntou.
- No amanhã ele apareceu se desculpando – embaralhei.
- Você está mal – Caio murmurou.
Abri uma garrafa de Absinto e virei um gole direto do gargalo. Meu corpo bambeou na cadeira, e era boa a sensação de não sentir mais a bebida queimando a sua garganta – ou era somente meu cérebro que já estava desligado.
- Meio ano depois, peguei ela me traindo.
- Que péssimo – o garçom arqueou as sobrancelhas.
- Não gosto de lembrar direito, foi uma das piores coisas da minha vida, porque foi a primeira traição. A partir da segunda, fingi não ver mais... Eu sabia que a não era mulher de um homem só – suspirei, frustrado, e logo caí no choro.
- Chore, – Caio bateu amigavelmente nas minhas costas – Colocar para fora é sempre o melhor.
- Era aniversário dela – disse, embargado – Peguei-a saindo das preliminares com meu primo de primeiro grau. Foi horrível – solucei – Para você ter uma noção, ela já foi para a cama, durante nosso namoro, com dois dos meus melhores amigos.
- Se me permite a pergunta, se ela te fez sofrer tanto assim, por que ainda a quer? – Indagou.
- Nem eu sei garoto. Nem sei se a quero – MENTIRA!
- Você ainda está em condições de contar algo?
- Claro, com o álcool eu posso contar até como foi nossa primeira vez em detalhes – ele arregalou os olhos – Mentira, garoto – ri, e minha própria risada me causou dores. Massageei as têmporas e voltei para a realidade. – Uma semana depois da primeira traição, eu havia parado de atendê-la e respondê-la. Mas então a maldita apareceu na minha casa, entregando uma carta da minha mãe, que entregaram por engano na casa dela. Eu me humilhei para ela, pedindo desculpas, não sei por qual motivo, e pedindo, pelo amor de Deus, para que ela voltasse para mim. Ela deu de ombros e foi embora. Mas no final, foi um sim – o garçom fez um gesto de desaprovação.
- Na moral, isso é gostar de sofrer – rolou os olhos, enquanto eu virava mais um gole de uísque, que escorria pela boca e se misturava com as lágrimas.

VI


Trinta de Março de 2010


Quase três anos de namoro. Eu fingia que não me traía, ela fingia que eu não sabia, e nós nos dávamos super bem, apesar de tudo. Minha faculdade de direito estava indo muito bem, e a indecisão de para escolher entre fotografia, moda e medicina, a deixava em sua zona de conforto, mas ela não se incomodava.
Havia levado minha namorada para um piquenique na praia, com direito a toalha quadriculada de vermelho e branco, cesta e tudo mais. Sentamos-nos à beira-mar, a água batia em nossos pés. E meus dotes culinários impressionaram até mesmo , aquelas empadinhas estavam maravilhosas. Uma pena que havia achado algo mais maravilhoso que a minha empada. Um vendedor de picolé (?), quase dois metros de altura, músculo puro (aposto que era bomba), cabelos loiros, compridos, presos em um rabo de cavalo, olhos azuis e a bermuda bem embaixo, mostrando mais do que meio centímetro de entradas. Rolei os olhos.
- ? – Chamei, mas ela somente abriu mais a boca quando o sujeito veio até nós.
- Aceita um picolé, gatinha? – Sorriu de lado e mediu-o de cima a baixo.
- E-eu estou sem dinheiro – gaguejou.
- Sem problemas – ele mexeu no carrinho que empurrava, tirando de lá um picolé e, logo em seguida, entregou para ela – Mini-saia, o mesmo que você está usando.
- Ela tem namorado, sabia? – Cerrei os olhos e os dois me ignoraram.
- Como posso te pagar esse favor? – A menina dos cabelos roxos perguntou, sorrindo. O loiro sussurrou algo no ouvido dela, a mesma sorriu e assentiu, e o outro saiu logo em seguida.
- O. Que. Foi. Isso? – Perguntei pausadamente.
- , quer saber? Acho melhor irmos embora, na verdade, você ir embora – apontou o dedo no meu peito.
- Quer saber você, cansei, estamos terminando – cuspi as palavras.
- Que bom saber, , você tirou um peso das minhas costas – suspirou e sorriu, sincera – Passar bem – colocou o resto da empada na toalha, pegou a bolsa e saiu na mesma direção que o bombado, enquanto comia seu picolé e ajeitava a mini-saia.


- Que término péssimo – O garoto a minha frente suspirou.
- Dois – disse com a voz embargada de choro e bebida, e fiz o número com os dedos – anos depois, nos vimos em uma balada. Ela estava noivo do cara da praia e...
- Noiva – me corrigiu.
- Isso. E você não vai acreditar, ela não ficou comigo – rolei os olhos – Eu mudei, , eu encontrei alguém de quem eu realmente gosto - tentei imitar a voz dela, e o garoto riu – Idiota, devia achar que ele não toma bomba – disse e minhas lágrimas começaram a rolar em quantidades maiores enquanto as lembranças mais recentes voltavam. – Na semana retrasada, recebi o convite do casamento dela – olhei em volta e vi a imagem do bombado idiota encostado na parede, apontando para mim e rindo, entrou e se juntou a ele. Ignorei – Apesar de tudo, ela é literalmente o meu grande amor. Ela vai se casar hoje. Mandou somente o convite, como se fossemos amigos desde sempre, somente amigos, desde sempre. Ela deixou meu coração em pedaços. Por isso estou aqui, tentando matar a maldita tristeza, nesse maldito bar, nessa maldita mesa. – Bufei – Por isso tomei todas. Por isso estou te enchendo o saco, mas já viu um bêbum que não é chato, garoto?! – Ele riu – Mas o pior é que também estou carente – foi minha vez de rir – Minha vontade é chorar, chorar e chorar – solucei antes de virar o resto de Absinto, enquanto o garçom gritava.
- ISSO É MUITO FORTE, VOCÊ VAI MORRER, PARA COM ISSO – Ele tentava puxar a garrafa das minhas mãos, sem sucesso.
- Vu paga – Pisquei.
A última coisa que eu vi, antes de apagar, foi uma noiva frustrada entrando no bar.

VII


Acordei com bipes de uma máquina de hospital. Observei o teto branco, minhas roupas brancas, tudo branco. Escutei um movimento perto da maca e nem precisei me virar para ver quem era.
- Você por algum acaso quer me matar do coração, José da Silva Júnior? – , a noiva dos cabelos roxos, me olhou de cara feia, mas logo substituiu a carranca por um sorriso – Achei que você fosse morrer – suspirou.
- O que aconteceu? Eu lembro que estava em um bar e...
- Você bebeu demais, entrou em coma alcoólico, tá apagado aí faz um tempão.
- E meu emprego? Eu estou aqui há quantos dias? E o garçom? E o seu casamento? O que está acontecendo? – Despejei.
- Se acalma. Seu emprego está ótimo, sua secretária já adiou suas reuniões. Sou dramática, você só está aqui há três dias? – Só? Perguntei mentalmente – O Caio estava revezando comigo para ficar aqui, ele foi comer. Nos quarenta e cinco do segundo tempo, descobri que era corna e fugi na hora do sim.
- Então quer dizer que o feitiço virou contra o feiticeiro? – Alfinetei.
- Estava preocupada demais para me estressar – ela me deu um selinho inesperado – Eu vou ir para minha lua de mel, sozinha – sorriu – Mandarei fotos de Boston para você – ela abriu a porta, Caio entrou e ela saiu.
- Por que ela ainda estava de noiva? – Perguntei.
- Ela não saiu daqui, fiquei esperando todas as horas livres durante esses três dias – deu de ombros, e eu me espantei.
- Ela não se casou e vai para Boston – Suspirei.
- Você acha que ela vai voltar?
- Acho que esse foi nosso adeus definitivo...

Fim.



Nota da autora: (21/07/2015) Minha primeira fic de especiais/ficstapes/challenges \o/ A você que leu, meu muito obrigada. Quando eu idealizei eu imaginei ela maior e com um final mais romântico, mas no geral eu gostei.
Até a próxima!




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