Fazia uma hora que estava no aeroporto esperando a chegada da . Ainda era meio surreal pensar que ela finalmente tinha criado coragem de enfrentar catorze horas de viagem, sentada em uma mesma posição e se preparando psicologicamente para o calor brasileiro. Mesmo ainda estando no inverno, o Brasil era bem mais quente que a Europa. E, tudo isso, porque ela se rendeu, e admitiu que não aguentava mais ficar longe de mim.
Minha mãe quase teve um colapso quando disse que receberíamos uma visita em casa e surtou quando disse que era minha melhor amiga inglesa. Temi profundamente que ela decidisse me expulsar de casa - como ela já havia ameaçado várias vezes desde que voltei para o Brasil - mas meu pai, como sempre, contornou a situação e a convenceu a deixar. Ele alegou que eu passei muito tempo na companhia da quando morei em Londres, e que, sem dúvida nenhuma ela tinha me ajudado muito enquanto vivemos praticamente juntas, não sendo nada mais justo que retribuir a gentileza.
Na tela de embarque/desembarque, pude ver as letras piscando, informando que o pouso do voo em que a estava tinha sido efetuado. Peguei minha bolsa e o cartaz ridículo que eu havia feito e me aproximei da porta por onde ela sairia. Levantei o cartaz sem me importar que provavelmente todas aquelas pessoas do aeroporto me achariam uma maluca total. Eu era mesmo maluca e não fazia diferença nenhuma que todo mundo soubesse.
No cartaz, eu tinha escrito: "Come to me, !". Eu não ia fazer nada, mas pensei que eu tinha de fazer alguma coisa. não era alguém que merecia uma recepção comum e precisava daquele toque de "esquizitisse" que só eu tinha. Quando a porta se abriu, muita gente começou a sair. Estava com medo de perder a de vista, mas logo ela apareceu. Ela segurava apenas uma mala pequena na mão e a soltou assim que me viu. Nós meio que fizemos uma cena saindo correndo uma atrás da outra e nos abraçando.
- Eu senti tanto a sua falta, ! - ela disse ainda grudada em mim e falando com voz de choro.
- Eu também! - falei enquanto nos soltávamos daquele abraço - Está pronta para o Brasil?
- Mal posso esperar! - ela falou dando pulinhos de alegria e tirando o casaco que estava vestindo, o que era o mínimo para o clima inglês - Já posso sentir o que você queria dizer quando falava que no Brasil as pessoas são bem mais, hm, calorosas do que na minha terra.
- Isso porque estamos no fim do inverno - ri abraçando novamente - Mal posso esperar pra te mostrar meu país.
- Idem.
Capítulo único
- Amiga, quando você me disse que esse Rodrigo era um gato, eu não imaginei que fosse tanto! - abanou as mãos no rosto em uma tentativa de se refrescar daquele calor de pessoa que era o meu colega.
- Aquieta a periquita, . Você é uma garota comprometida. - bati minhas mãos de leve no rosto dela para "acordá-la". Ela se virou pra mim e começou a me olhar de um jeito esquisito.
- Ah é... - ela colocou as mãos na cintura, me encarando - Você, "tecnicamente", - ela fez aspas com as mãos - É solteira, não vai me dizer que...
- Ah, pelo amor de Deus! - bufei - Não é “tecnicamente”. - imitei o gesto dela com as mãos - Eu realmente não tenho namorado. - cruzei os braços com impaciência.
- Nós duas sabemos que não é bem por aí que eu quero chegar. - ela riu sarcástica.
- Não estou namorando o Rodrigo, ele é só um amigo.
- Muuuuito amigo. - cantarolou - Acho linda essa amizade em que ele pega na sua mão de cinco em cinco minutos e te trata como se você estivesse no céu e nós, na Terra.
- Ah, por favor, você nem entendeu o que ele falou.
-Eu não preciso saber falar português pra imaginar o tipo de coisa que ele te fala! - riu escandalosamente, o que era bem típico dela, devo dizer.
- Agora chega! - arfei fazendo com que a minha franja se levantasse - Eu devia saber que não era uma boa ideia ter te apresentado pra ele.
Já fazia uma semana que ela estava comigo. Eu sabia que uma hora ou outra, ela iria implorar para que eu a levasse para conhecer o lugar onde eu passava a maior parte do meu dia, pois, quando eu ia trabalhar, eu tinha que deixá-la na companhia da minha mãe. Para minha sorte, ela estava tratando a super bem, e até estava começando a falar uma coisinha ou outra em inglês que eu ensinava pra ela. A me disse várias vezes que era pra eu começar a pegar leve com a minha mãe, que às vezes ela saía um pouco dos limites, mas não era por mal. O mais complicado ainda era concordar com ela.
- Tá com fome? - perguntei quebrando o silêncio do momento.
- Tô. - ela disse passando a mão na barriga.
- Já acabou minha hora aqui mesmo, podemos ir pro shopping e jantar por lá. - falei tirando a câmera do meu pescoço e indo guardá-la.
- Nossa, amiga, não sei como você aguenta tanta criança. - ela disse enquanto uma fila de crianças saíam com as mães do estúdio - E ainda conviver com um cara gato sem agarrá-lo, você merecia um troféu.
- ! - olhei pra ela, brava.
- Já sei. Vou calar. - ela fingiu que estava trancando os lábios - Mas você sabe que eu não falei nenhuma mentira. - bati minha bolsa com força nela.
- Ouch.
- ? - ai, droga.
- Oi, Miriam. - falei ajeitando meu cabelo e minha blusa - Err, essa é minha amiga inglesa, . - a cumprimentou com um aperto de mão e murmurou um "nice to meet you" quase inaudível - Algum problema?
- Não, querida. - ela sorriu - Só queria conhecer a sua amiga, ela estudava com você em Londres?
- Aham - gaguejei.
- Quanto tempo você pretende passar aqui, querida? - ela perguntou parecendo um pouco mais empolgada do que pareceria se não tivesse algo em mente. olhava para mim, querendo saber o que ela estava falando. Ela não tinha percebido que minha amiga não sabia nada da nossa língua.
- Três semanas. - respondi por ela, traduzindo logo em seguida para a o que estávamos falando.
- Oh, meu Deus, me desculpe. - Miriam disse em um inglês invejável - Pensei que soubesse falar algo em português.
- Tudo bem. - respondeu se sentindo mais confortável por estar entendo do que se tratava - Eu não sei nada mesmo, mas bem que minha amiguinha podia me ensinar algumas coisas. O problema é que ela parece estar meio sem paciência... - ela me lançou uma piscadinha e eu ri sem humor, ainda preocupada com o fim dessa conversa estranha.
- Parece ser muito simpática. - Miriam sorriu gentilmente para a .
Eu suspirei aliviada. Pensei que estaria perto de levar uma bronca por ter levado alguém sem pedir permissão, mas pelo jeito a Miriam já tinha se deixado levar pelo carisma da . Ela nem ao menos estava se preocupando com o fato de eu poder ou não estar errada.
- Er, Miriam, ela só veio porque... - comecei a falar, mas fui interrompida.
- Por favor, . Você tem total liberdade, querida. - ela riu gentilmente - Pode vir quando quiser, . Você tem alguma experiência com fotografia infantil?
- Não muito. - riu e eu fiquei com vontade de fazer o mesmo. Só eu sei o quanto ela detesta fotografar qualquer pessoa com menos de 12 anos de idade.
- Bem, de qualquer forma, se sentir vontade de "pôr a mão na massa", não tem problema. Agora, garotas, eu preciso ir, tenho uma festa de casamento pra fotografar e agora já são... - ela checou seu relógio de pulso - Sete horas! Tô mais atrasada do que imaginava - ela colocou a bolsa no ombro já se dirigindo à saída – Beijos. - ela estalou dois beijinhos sem se virar.
- Essa é a sua chefe? - perguntou, incrédula.
- A própria.
- Caramba, ela é mais legal do que eu pensava.
Senti meu estômago roncar e percebi que aquela tarde movimentada tinha, no mínimo, me deixado com fome.
- Tá bom, vamos logo comer alguma coisa porque eu não aguento.
- Nossa, você tá realmente mudada. - falou, colocando a mão na minha testa como se estivesse checando minha temperatura - Em pensar que eu já tive que te obrigar a comer alguma coisa...
- Cala a boca, .
Fomos para o shopping mais próximo e jantamos McDonald's, porque nem eu e nem a estávamos com pique para algo mais sofisticado. Demos uma volta pelas lojas, olhamos algumas vitrines e ficamos por lá até dez horas da noite, quando fomos para casa. Agora já estávamos de volta ao meu quarto, quase dormindo.
- , se eu te pedir uma coisa você promete não jogar nada que possa me machucar em mim?
- Eu quase estava dormindo e se você tiver me acordado por uma coisa boba... - falei com voz de sono.
- Então deixa pra lá...
- !
-Tá bom, já que você insiste... - ela riu - Vou mandar a real. - ela se sentou na cama e nesse momento eu gelei, porque percebi que devia ser coisa séria - Eu sei que você ama o e que ele também te ama, mas, vamos encarar a realidade, vocês estão a um oceano de distância um do outro e...
- Aonde quer chegar? - perguntei me sentando também, percebi que minha pressão tinha caído ao ouvir o nome de . Eu estava tentando evitar falar sobre ele desde quando a tinha chegado, mas de alguma forma, eu sabia que em algum momento isso iria acontecer.
- E eu acho que você deve conhecer pessoas novas e não se sentir mal se estiver a fim de alguém. Você não é mais a namorada do , foi por isso que eu brinquei com você e o Rodrigo mais cedo. Porque, sei lá, ele é gatinho e tá na cara que ele gosta de você. - ela suspirou - Se for recíproco, só queria te dizer que você deve ir em frente porque ele é alguém legal.
Quando dei por mim, eu estava chorando. Aquele tempo todo distante de quem eu mais gostava tinha me deixado sensível. Eu sentia muito a falta do e ouvir o que a me dizia só provava que eu ainda estava bem longe de esquecê-lo. Na minha mente, nós ainda estávamos juntos e isso era só um pesadelo. Mas não era, isso era a realidade.
- . - falou vindo pra minha cama, ela me abraçava e enxugava as minhas lágrimas ao mesmo tempo - Me desculpa, tá? É o seu tempo que conta e não o meu. O seu tempo pra digerir tudo isso ainda não deve ter passado, mas vai passar logo. - ela brincava com uma mecha do meu cabelo.
- Ele tem outra? - perguntei com medo da resposta.
- Quem?
- O .
- Claro que não. - ela riu - Se ele não estiver na mesma, não duvido que esteja até pior que você. É claro, a imprensa diz que ele tem a Lauren, mas é bem óbvio que é mentira. Ela é insuportável e até as fãs andam tweetando que preferiam o com você.
- Acho que passei tempo demais longe da internet nos últimos meses...
- Percebe-se, amiga. - ela me abraçou mais forte - Esses dias peguei uma fã dizendo que a Lauren era fútil demais para o e que a única coisa que ela devia ter na cabeça era o número de roupas que ainda não tinha no armário, e que o apreciava muito mais garotas inteligentes como você. Acho que elas não se esqueceram do dia que ele te chamou de gênio no twitter.
- Você não tá ajudando muito me falando dessas coisas.
- Eu sei - ela mostrou a língua - Estava te testando.
- , você tá muito estranha, o que foi? - praticamente gritei, e em seguida coloquei a mão na minha boca com medo dos meus pais ouvirem alguma coisa.
- Vou mandar a real de novo, mas deixa vez de longe porque eu tenho certeza que você vai jogar alguma coisa em mim agora. - ela foi correndo para a própria cama - O me obrigou a te falar essas coisas para eu ver se você ainda gostava dele. Ele até me fez te falar sobre algum outro cara aí e ver se você tinha algo com ele. - ela falou tudo de uma vez e se enfiou em baixo do edredom a fim de se proteger dos meus "ataques" que viriam a seguir.
Mal conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir, e, honestamente, não sabia se achava aquilo bom ou ruim. Só sabia que tinha que bater na , o quanto antes. Joguei meu chinelo nela, e depois minhas almofadas, e depois meu livro que estava na escrivaninha e tudo mais que encontrava pela frente.
- Acho que você já me torturou bastante. - ela riu – Melhor você parar porque daqui a pouco sua mãe vai chegar aqui pra saber o que está acontecendo e irá nos expulsar de casa.
- Não era você que estava bancando a espertinha?
- O me mandou te falar isso, mas se você preferir saber, eu realmente acho que você devia dar uma chance pro Rodrigo e pra qualquer outro gatinho que demonstrar interesse... Vai na fé colega.
- De novo não... - murmurei - Eu odeio vocês, mesmo de longe.
- Aham.
- Quer que eu te bata de novo?
- Bons sonhos, .
A não demorou muito para dormir, mas eu sim. Fiquei rolando na cama por um bom tempo pensando em tudo o que eu tinha deixado para trás. O tempo tinha passado tão rápido e tudo ainda era muito recente, mas eu ainda ria ao perceber que era o mesmo e ainda fazia coisas para me fazer rir. E, o melhor: ainda se preocupava comigo e não queria me imaginar com outra pessoa.
Por várias vezes, eu me peguei pensando que, quando ele voltasse para Londres, logo arrumaria alguma outra. Afinal, estávamos falando de e qualquer garota no mundo daria uma chance para ele. Mas, pelo visto, o que tivemos ainda demoraria muito tempo para cicatrizar. A cada dia que passava, torcia para que um dia pudéssemos ficar juntos, sem nada para atrapalhar.
Mas, enquanto isso não acontecia, eu tinha que dar razão para a e admitir que realmente, não vai me fazer mal algum conhecer gente nova ou "me encantar" com outra pessoa, eu devia isso a mim mesma. E era exatamente isso o que eu iria fazer de agora em diante.
No dia seguinte
Home is where the heart is
(O lar é onde está o coração)
It's where we started
(É onde começamos)
Where we belong, singing
(Aonde nós pertencemos, cantando)
Home is where the heart is
(O lar é onde está o coração)
It's where we started
(É onde começamos)
Where we belong
(Aonde pertencemos)
In these troubled days of anger
(Nesses dias problemáticos de raiva)
We're afraid of every stranger
(Nós temos medo de qualquer estranho)
But today we're changing history
(Mas hoje estamos mudando a história)
It's OK to sing it with me
(Está tudo bem cantar isso comigo)
Epílogo
- Tem certeza que não esqueceu nada?
- , me recuso a responder essa pergunta novamente. - disse enquanto caminhávamos pelo longo corredor que levava até a fila de embarque - E se eu tiver esquecido algo, você leva pra mim quando for para Londres em dezembro.
- Acho que eu queria arranjar alguma desculpa para você ficar aqui comigo até lá. - ri sem humor.
- Três meses passam rápido! - ela disse me abraçando, enquanto nós duas nos esforçávamos para não chorar, e eu não sei qual de nós era mais babaca.
Ouvimos a primeira chamada do voo para Londres. Meus pais choraram para se despedir da , e até agora eu não consigo acreditar que ela tinha conseguido comover até mesmo minha mãe, convencendo-a de que eu merecia uma visitinha em Londres de vez em quando. Minha mãe ainda não parecia contente, mas a conseguiu amolecer pelo menos um pouco o coração dela.
- Fica bem. - ela me abraçou e dessa vez o choro foi inevitável - Vou mandar um abraço pro ...
- Mas eu nem pedi.
- Mas eu sei que você quer. - ela riu - Ele sente sua falta, . Mas eu sei que um dia vocês vão ficar juntos novamente, eu sei que é brega, clichê e Nicholas Sparks feels demais dizer isso, mas vocês foram feitos um para o outro e um dia acharão o caminho de volta.
- Tomara.
- Até a formatura, . - ela me abraçou uma última vez antes de finalmente ir - Amo você!
- Também te amo, besta! - ri mesmo essa sendo a última coisa que eu sentia vontade de fazer - Até a formatura.
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