What Lies Beneath

História por Bih



Ouvi os aplausos explodirem e não contive o sorriso que tomou conta do meu rosto. Observei as pessoas na primeira fileira e vi no rosto delas aquela expressão que eu tanto amava, aquele encantamento, a fascinação por aquela arte tão absorvente, tão apaixonante, quase sagrada. E era o que o teatro era para mim: sagrado. A válvula de escape para tudo. A oportunidade de ser outra pessoa, de vez em quando, e viver outra vida quando a sua te sufoca um pouco demais. Um ambiente em que julgar e reprimir são conceitos inexistentes.
Vi as pessoas do público se levantarem, uma a uma, aplaudindo-nos de pé. Senti que meu coração ia explodir no peito de tanto orgulho. Apertei as palmas das mãos, fortalecendo o contato com Candice e Maureen, cujas mãos dadas às minhas formavam a fileira de todo o elenco. Alguém puxou o movimento e todos reverenciamos a plateia mais uma vez. Naquele momento, eu não tinha a menor ideia de que aquela apresentação maravilhosa seria o início de uma noite cheia de reviravoltas.
Então as palmas foram cessando, aos poucos, os estalos morrendo ao redor do auditório. E Keith, sendo o líder que ele sempre é, pigarreou e abriu o discurso com sua voz limpa e forte de barítono:
- Boa noite. Agradecemos a presença de cada um de vocês aqui hoje. Para nós, cada apresentação é uma interpretação diferente, uma energia diferente, um espetáculo diferente. E apresentar esta noite para vocês foi um prazer. Gostaria também de aproveitar a oportunidade pra divulgar outro espetáculo da companhia, do qual muitos de nós fazemos parte. “MalabArtistas” está em cartaz de segunda a quinta, às 19:30. Mais uma vez, muito obrigado e até a próxima.
As pessoas começaram a se dispersar, saindo em fila indiana das respectivas fileiras, e dessa vez nós iniciamos os aplausos em agradecimento à plateia. Aos poucos, todo o elenco se dirigiu às coxias, atravessando-as no caminho de volta ao camarim, e em poucos instantes o caos tinha se instalado por lá novamente em meio a conversas, risos, buquês de flores recebidas, assistentes recolhendo figurinos e acessórios e atores se aprontando para sair. Era uma tradição sairmos todos juntos nas noites de estreia, mas também era comum alguns não irem. Sempre tem um namorado, amigo ou parente a fim de te levar para comemorar na sua “grande noite”. E para meu profundo deleite, esse era o meu caso naquele dia.
Michael havia voltado de Boston há pouco mais de uma semana, e devido à minha dedicação aos ensaios, ainda não havíamos tido tempo de nos ver. Mas combinamos que ele me buscaria no teatro, na noite da estreia, e de lá iríamos juntos para algum lugar.
Olhei meu reflexo no espelho. Puxei as pontas grossas do vestido de noiva simples e rendado e as juntei nas mãos para conseguir me sentar. Detestava minha própria imagem de batom vermelho. Aquela não era eu. Era um tom forte, sensual, vermelho-sangue. Ficava linda na Noiva, mas não em mim. E passado todo aquele furor do palco, eu não era mais a Noiva, era simplesmente a , que não sabe ser sexy e não tem presença suficiente para sustentar um vermelho daqueles. Estiquei o braço para alcançar um lenço umedecido sobre a penteadeira e o passei pelos lábios. A cor foi sumindo pouco a pouco, trazendo-me de volta minha própria personalidade.
Levei as mãos até a raiz dos meus cabelos e soltei os prendedores que seguravam minha franja. Alguém passou correndo atrás de mim e me deu um tapinha nos ombros, gritando algo sobre uma ótima performance. Sorri satisfeita.
Pedi Maureen, ao meu lado, para abrir o zíper nas minhas costas, e enquanto o tecido alvo deslizava pelo meu corpo, ela perguntou:
- Vamos todos no A-Bar. Você vem?
- Hoje não. – respondi, sem conseguir conter a emoção na voz.
Maureen sorriu maliciosa.
- Ouço sinos de Michael Lomholt?
Sorri para ela.
- Ele está de volta a Londres.
- Então aproveite. – ela disse. Maureen piscou um olho, provocadora, e apertou de leve meu ombro antes de pegar seu casaco sobre uma das cadeiras e sair.
A esta altura o camarim estava quase vazio e eu, quase pronta. Eu podia ouvir algumas vozes nas salas e corredor ao lado, mas elas se afastavam cada vez mais. Coloquei um pé de cada vez sobre o assento da cadeira e calcei as sandálias. Levantei-me, dei uma última olhada no espelho e joguei meu casaco sobre o antebraço.
E me sobressaltei quando me virei. Logo à minha frente estava , parado, também já sem o figurino e sorrindo grande para mim. Ainda tinha no rosto alguns resquícios da maquiagem de palco, deixando sua pele levemente multicor. Balancei a cabeça para os lados e ri. sempre fora péssimo com isso. Da vez que fomos a uma creche apresentar uma peça vestidos de palhaços, fui acordá-lo no dia seguinte e seu rosto ainda estava meio branco.
- Vamos? – perguntou, meneando a cabeça em direção à porta.
Puxei um lenço de cima da penteadeira e esfreguei os cantos de seu rosto, limpando a maquiagem que ele tinha deixado para trás. virou um pouco a cara no primeiro movimento, mas logo parou de resistir, eu sempre acabava tendo que fazer aquilo por ele.
- Eu não vou. – respondi, concentrada no que estava fazendo.
- Por que não? – ele indagou surpreso, sua expressão murchando um pouco.
- Vou sair com Mike. – expliquei, e assim que as palavras saíram da minha boca, o desânimo no rosto dele se transformou em profunda insatisfação.
- Você tá falando sério? – perguntou e eu assenti, enquanto jogava o lenço na lixeira. – Pensei que você tivesse terminado com aquele imbecil.
- Nós não terminamos. – esclareci, fazendo questão de ignorar o comentário desagradável. Detestava quando falava assim de Michael. – Nós só demos um tempo.
Ele contorceu o rosto numa careta de impaciência.
- Ah, ! – ralhou. – Por favor. Isso não existe.
- É claro que existe. – insisti, já pegando meu casaco e minha bolsa novamente. – Estávamos em uma fase ruim, estávamos nos desgastando e precisávamos de um tempo. Mas isso não quer dizer que deixamos de nos gostar. – expliquei.
Enquanto caminhava pelo corredor com em meu encalço, vesti o casaco e passei a mão pela nuca para tirar o cabelo que ficou preso por baixo dos fios grossos.
- “Uma fase ruim”? – repetiu incrédulo. – O que é que você tá chamando de fase ruim? O Michael te traindo ou te rejeitando? Ou, pior, você fingindo que é cega o suficiente para não ver nada disso?
Bufei, segurando-me para não explodir com ele. nunca gostara de Michael, mas às vezes passava dos limites. Sim, meu namorado dava suas escapadas, tinha seus momentos de deslize, mas nada que não conseguíssemos resolver. Afinal, acho que o amor é isso, não é? Saber perdoar os erros do outro.
Respirei fundo e tentei de novo.
- Era um momento ruim para nós dois, então essa viagem para Boston veio no momento certo. Conversei com os meninos enquanto estavam lá, parece que estavam se divertindo e as coisas estavam caminhando bem com a gravadora. O que quer dizer que ele deve ter voltado de bom humor, e nós temos tudo pra nos acertar agora de uma vez por todas.
Saímos pelas portas do teatro e eu senti uma rajada de vento frio me envolver. ainda me seguia, e eu podia ouvir sua respiração ruidosa. Então ele parou à minha frente, bloqueando minha vista da rua, e seus olhos tinham uma vivacidade diferente, uma ira que eu nunca antes tinha visto neles.
- Sabe o quê, ? – perguntou, apertando os olhos. - Se é isso que você quer, ótimo. Você sabe o que eu penso dele, mas se é com ele que você quer ficar, eu vou calar a minha boca e torcer para que dê certo. Eu vou respirar fundo todas as vezes que você sair para encontrá-lo, sabendo que você provavelmente vai voltar chorando mais uma vez. E saber de mais uma história dele vai me matar de raiva, mas eu vou me segurar para não sair e quebrar a cara dele, – fez uma pausa e seu rosto se contorceu involuntariamente pela simples menção daquilo – porque eu sei que você não quer que eu faça isso. Então eu vou te abraçar, te consolar e te colocar para dormir torcendo para ser a última vez, mesmo que nós dois saibamos que não vai ser. Mas tá tudo bem. Se é ele que você quer, eu espero que ele seja o melhor para você. Mas então deixa eu te fazer um pedido? Só um? – pediu, e sua vez repentinamente soou tão reverente, que minha guarda baixou. - Se você quer mesmo ficar com ele, a única coisa que eu te peço é que você não deixe o Michael te fazer pensar que o problema é você. Quando ele fizer as merdas dele, começar com as mentiras ou te trair, só não pense que tem algo de errado com você. Porque não tem. Promete? Promete que sempre vai saber o quanto você é incrível e errado é ele, que é o maior idiota da face dessa Terra, que tem nas mãos a melhor garota que ele jamais vai ter e não percebe isso?
Ele falava gesticulando, e quando terminou seu discurso, ainda estava levemente ofegante, parecia ter corrido uma maratona e ter a mais potente onda de adrenalina pelo corpo.
- ... – murmurei, sem saber muito o que dizer. Ele era sempre tão protetor. – O Michael não vai...
- . – censurou num tom sério. – Eu não quero ouvir o que você tem a falar sobre esse filho da puta. Eu te fiz uma pergunta, só quero que você responda. – disse seco, extremamente grosseiro.
E todo o esforço que eu tinha feito para não brigar com ele foi por água abaixo quando eu ouvi aquele tom rude para cima de mim. Fechei a cara, cruzei os braços e dei a volta no corpo dele, de modo a encarar a rua novamente, e decretei:
- Mike deve estar chegando a qualquer momento. Então, se você puder ir... – deixei a frase morrer. – As pessoas devem estar te esperando. Não queremos que você perca toda a diversão, não é? – perguntei sem expressão.
ficou quieto por um segundo, e eu pude ver pela visão periférica que ele também não olhava para mim, mas encarava a rua também. Então ele assentiu lentamente com a cabeça e soltou o ar com força, ruidosamente. Quando passou por mim, disse, seco, ainda sem se dar o trabalho de olhar para mim:
- Se chegar primeiro, lembre-se de tirar a chave da porta.
E foi embora.
- Vou passar a noite fora. – tive tempo de dizer, cheia de veneno, mas não acho que ele tenha escutado.
e eu nos conhecemos dois anos antes, quando ambos fomos para Londres para participar da audição de “A Comédia dos Erros”. Nenhum de nós foi aprovado, mas uma antiga professora da faculdade me ligou para oferecer um teste para uma montagem independente que precisava desesperadamente de um homem e uma mulher para substituir dois atores que se afastaram em cima da hora. Dessa vez, passamos os dois e precisamos ficar em Londres definitivamente.
Alugamos um apartamento que dividíamos com mais uma menina, estudante da Brunel, que saiu da casa dos pais porque queria brincar de ser rebelde. Mas Ida logo se mudou de volta para casa, quando percebeu que morar na mansão dos pais e ter cartões de crédito ilimitados era muito mais legal do que trabalhar para pagar o próprio aluguel e lavar suas próprias roupas.
Então precisamos nos mudar novamente e achar um apartamento menor, porque não encontramos ninguém que pudesse pagar a parte de Ida no aluguel. A mudança foi tranquila, o novo apartamento não era grande, mas soubemos deixá-lo com a nossa cara. E nossa relação só melhorou depois que entramos em cartaz com a peça para a qual minha professora havia nos indicado. Dividir o palco com uma pessoa cria um vínculo que só quem já experimentou sabe o que é. A cumplicidade e parceria que nascem sob as luzes do palco, diante de uma plateia cheia, são incomparáveis a qualquer outro laço.
E desde então sempre havia sido muito protetor. E era legal, às vezes. Era legal quando algum homem me encarava demais ou fazia algum comentário, e se postava atrás de mim, como se pronto para me defender. Era legal quando íamos atravessar a rua e ele automaticamente pousava as mãos em minha cintura para me segurar ou me empurrar levemente, como se eu não pudesse prestar atenção ao semáforo sozinha. Ou quando eu exagerava na bebida e ele me ajudava a chegar em casa, trocar de roupa e tomar um copo d’água antes de dormir para não acordar com a cabeça explodindo no dia seguinte.
Mas definitivamente não era agradável quando ele tentava insistentemente me convencer de que Michael não era bom o suficiente e criticava tudo que ele fazia. Eu tentava ser paciente, mas é o tipo de pessoa que tem opiniões fortes. E ele não poupava dessa força quando se referia a Mike e isso me machucava, pois, querendo ele ou não, Mike era meu namorado e eu gostava dele. Mesmo quando ele cometia seus erros.
E agora eu estava ali, sozinha, no frio, com raiva do meu melhor amigo e esperando pelo meu namorado. Que, aliás, estava já uns vinte minutos atrasado. Ele morava a algumas poucas quadras do Haymarket Theatre, não podia demorar muito a chegar. Na verdade, não me lembrava de ter combinado nenhum horário específico com ele, então talvez ele nem soubesse que a peça já havia terminado.
A rua estava completamente deserta e isso me deixava levemente apreensiva. Olhei para os lados antes de atravessar as grandes colunas gregas que sustentavam a fachada frontal do teatro e caminhei pela calçada em direção à casa de Michael. Puxei o celular do bolso e disquei o número dele, na esperança de que pudéssemos nos encontrar na metade do caminho. Mas ele não atendeu.
Quando parei em frente ao prédio cinza de cimento queimado, toquei o interfone do 3A. Mais uma vez, não obtive resposta. Dei alguns passos para trás, até estar mais ou menos na metade da rua, e estiquei o pescoço, jogando a cabeça para trás para olhar para a janela que eu sabia ser do quarto de Michael. A luz estava apagada.
Então eu ouvi algo que me fez olhar à frente novamente. Alguém abrira o portão. E antes que eu pudesse ver quem, ele já estava fechado novamente. Reconheci a silhueta da velhinha do 2º andar, que sempre me sorria tão simpática. Mesmo quando me via brigando com Michael no portão ou quando nos flagrava nos amassando pelo corredor a caminho do apartamento dele.
- Boa noite, Sra. Abbot! – chamei, apressando-me até ela. – Tudo bem? – perguntei, sorrindo.
- Boa noite, querida. – ela apertou os olhinhos enrugados num sorriso afável.
- Sabe o que é? – disse, afobada. – O Mike não tá atendendo o interfone, deve estar cochilando... – ri fraco. – A senhora se importa de abrir o portão de novo? Pra mim?
- É claro. – respondeu prontamente, virando-se de volta para o metal preto. Ela encaixou a chave na fechadura antiga, que rangeu ao ceder.
- Muito obrigada. – disse grata de verdade, atravessando o portão aberto.
- Por nada, . Divirtam-se. – recomendou e continuou seu caminho.
Dirigi-me às escadas e comecei a subir em direção ao último andar. No caminho, liguei para Michael mais uma vez.
Ele vivia fazendo aquilo. Meu namorado tinha um problema sério com sono, porque o dele chegava nas horas mais importunas. Ele dormia a qualquer hora, em qualquer lugar, bastava que estivesse cansado. E enquanto não tivesse descansado durante tempo suficiente, não acordaria se o prédio caísse aos pedaços. Uma vez, de fato, seus amigos decidiram arrombar a porta, e Michael só acordou depois que os meninos o puxaram pelos pés até que desabasse no chão. E ele não acordava exatamente de bom humor. Mas eu tinha que correr o risco, já que esta seria a noite em que finalmente nos reconciliaríamos de vez.
Quando parei em frente ao apartamento dele, ouvi vozes leves vindo de lá e uma luz fraca piscava por baixo da porta, indicando provavelmente uma televisão ligada. Fiquei aliviada. Pelo menos não precisaria acordá-lo.
Toquei a campainha uma vez apenas, e depois de alguns segundos a porta se abriu.
Porém, a não ser que a viagem a Boston tivesse incluído algumas transformações das quais eu não havia sido notificada, aquele não era Michael. A começar pelos seios avantajados escondidos por um sutiã meia taça vermelho. Apesar de eu reconhecer as calças que Mike costumava usar para dormir, aqueles cabelos loiros até a cintura não eram dele.
- Uh... – hesitei por um momento. – Quem é você?
A mulher não me respondeu. Apenas continuou me olhando sem expressão, como se não visse motivo para ter que dizer quem era. Então eu continuei:
- O Michael tá aí?
Ela virou o rosto em direção aos fundos do apartamento e chamou:
- Mike. Tem uma garota aí chamando por você.
Uma garota aí. Isso mesmo. Uma garota aí chamando por você. Foi isso que ela disse. Quis perguntar quem a bonitinha achava que era para falar daquele jeito. Porque eu, pelo menos, não era uma “garota aí”. Eu era, por acaso, a namorada dele.
Ouvi barulhos vindo daquela direção, mas para minha surpresa quem apareceu não foi Michael. Foi outra mulher, morena, de cabelos mais curtos e olhos bem grandes. Esta não vestia calças, estava apenas de calcinha. Eu acho. Porque uma camisa larga dos Bee Gees que eu já conhecia bem tampava a maior parte do seu corpo. Respirei fundo, tentando me acalmar antes de tirar qualquer conclusão. Tudo que eu queria era ver Mike.
Então eu me peguei pensando: se tem duas mulheres à minha frente vestindo as roupas do meu namorado, onde está ele e o que é que ele está vestindo?
Mas não precisei pensar por muito tempo, pois logo ele apareceu, finalmente. Michael entrou pela sala, com nada além de uma toalha em volta da cintura e uma mulher em seu encalço. Sim, uma garota pequena e magra seguia seus passos bem de perto, pisando macio. Esta tinha outra toalha enrolada em volta do tronco e seus cabelos molhados pingavam pelos ombros.
- Michael. – chamei, minha voz tremendo.
- ! – ele respondeu, parecendo momentaneamente desnorteado. Ele parou onde estava, ainda a alguns passos de mim, e perguntou: - Eu... Pensei que você ensaiasse às sextas à noite.
- Eu ensaio. – respondi. – Quando não estou em cartaz.
Eu não podia acreditar naquilo. Uma sensação quente foi subindo pelo meu esôfago, como que bloqueando minha garganta.
- Ah! – exclamou, levando as mãos à testa. – Mas já? Você disse que era sexta que vem.
- Sim. E eu te disse isso sexta passada, Michael. – respondi, erguendo as sobrancelhas, sarcástica.
Ele caminhou até a porta e se encostou à lateral dela. Apesar de eu geralmente adorar uma plateia, aquelas três vagabundas nos observando estavam me dando nos nervos.
- O que é isto? – sibilei, minha respiração forte, segurando um grito.
- Hum... – ele enrolou. – Eu não fazia ideia que você ia vir.
Pior desculpa do universo. Eu te traí porque pensei que você não fosse descobrir.
Michael, pelo visto, havia interpretado nosso “tempo” no relacionamento de forma bem diferente de mim.
- Ah, Mike... – murmurei, balançando a cabeça para os lados em negação. Virei-me e segui pelo corredor, refazendo meu caminho em direção às escadas.
- , espera! – ele chamou, seguindo-me por alguns passos.
Continuei descendo com pressa, pulando muitos degraus no caminho. Quando cheguei ao primeiro andar, Michael me alcançou. Ele segurou meu braço, mas eu me desvencilhei.
- Você não consegue manter as calças no corpo nem pra sair de casa? – perguntei irritada, olhando-o de cima a baixo, detendo-me na toalha em volta de sua cintura.
Então voltei a andar e ele ficou para trás.
Senhoras e senhores, este era meu namorado. Ele não se contenta em me trair. Não. Ele precisa fazer uma porra de uma orgia. Podemos aplaudi-lo de pé? Uma performance e tanto.
Caminhei rua abaixo novamente, mas dessa vez eu não me importei com o frio. Nem pensei nele, para falar a verdade. Meus pés me levaram pela calçada, sem destino, e antes que eu percebesse, eu já tinha passado do Haymarket Theatre. Parei e olhei para trás, observando o teatro a três quarteirões de distância. Olhei à minha volta, pensando sobre o que fazer.
Alguns metros à frente havia um bar que Mike e os amigos gostavam de frequentar. Eram amigos do dono. Cogitei ir até lá, mas não quis ir sozinha. Não parece muito solitário? Uma garota entrando em um bar, numa sexta feira à noite, completamente sozinha? Eu nunca havia ido até lá sem Michael. No entanto, me pareceu a oportunidade perfeita de provar para mim mesma que eu não precisava dele para nada. Uma mulher solteira, desapegada e independente procurando diversão numa sexta feira à noite. Qual o problema nisso?
A princípio, problema nenhum. Mas infelizmente eu não era uma mulher solteira, desapegada e independente procurando diversão numa sexta-feira à noite. Porém, no momento em que eu constatei isso, já tinha aberto a porta do bar, fazendo o sininho acima dele tocar, e já tinha sido abraçada pela atmosfera quente e barulhenta do lugar. Caminhei até o balcão e me sentei com os braços apoiados sobre a mesa. Do outro lado dele, vi Irv caminhar de um lado para o outro, atendendo aos pedidos. Irv era o dono do bar, era muito jovial e animado, tinha uma postura que não combinava em nada com os cabelos já ralos e a barba branca. Sempre que eu ia lá com Mike e os amigos dele, Irv oferecia rodadas de cerveja por conta da casa e se sentava conosco quando o movimento não estava tão intenso. Ele costumava nos dizer que se eu um dia me cansasse de Mike, as portas do seu velho iate estariam sempre abertas para mim, porque eu era “encantadora demais para namorar um pseudo-músico que usa calças apertadas demais para um homem de verdade”.
Irv veio caminhando até mim e eu sorri, esperando ouvir um dos seus comentários lisonjeadores. Então ele parou à minha frente, passou os olhos pelo meu rosto e perguntou em palavras rápidas:
- O que vai ser? – e se virou um pouco para a esquerda para estender uma cerveja para alguém do meu lado.
Fiquei alguns segundos quieta, surpresa pelo tratamento seco dele. Irv atendeu mais alguém, então olhou para mim de novo, sem entender por que eu ainda não tinha respondido.
- Então? – incentivou. Não havia no semblante dele qualquer indício de que já havia me visto antes. Ainda atordoada, pisquei algumas vezes.
- Qualquer coisa. – murmurei tímida e lentamente, enquanto eu aos poucos assimilava que Irv não me reconhecia sem Mike. Fui tomada por um sentimento avassalador de insignificância. Eu não era ninguém sem Michael.
O homem me olhou com uma cara esquisita, provavelmente sem saber muito bem o que fazer. Então deu de ombros e virou as costas por um instante. Ele voltou e pôs um copo à minha frente. Mas eu não me movi. Ainda me sentia bloqueada pelo impacto da prova concreta da minha dependência de Michael, oculta até o momento. O reconhecimento disso doeu, porque eu me senti irrelevante. Eu era uma pessoa nula? Era isso... Apenas uma lacuna.
Pensei imediatamente na promessa que pediu que eu fizesse. “Só não pense que tem algo de errado com você. Promete?” Por sorte, eu não me lembrava de ter prometido. Se tivesse, naquele momento eu estaria descumprindo descaradamente minha promessa. Afinal, como não achar que o problema era eu? Vinte e quatro anos nas costas e o único namorado sério que eu tive na vida, na realidade, nunca me levou a sério.
Uma vontade assustadora de chorar tomou conta de mim, e eu levei rapidamente o copo à boca para mais um gole. Assim ao menos poderia fingir que o motivo dos olhos marejados era o gosto amargo do líquido pela minha garganta. E eu nem ao menos sabia o que era aquilo. Percebi que foi o último gole.
Mas a quem eu estava enganando? Eu não era o tipo de garota que saía para beber, afogava as mágoas na vodca e voltava para casa com um desconhecido com sorriso bonito e abdome definido, que me faria revirar os olhos na cama por alguns minutos antes de se esgueirar para fora sem pegar meu número de telefone. Não. Eu era o tipo de garota que volta para casa sozinha e reclama dos cabelos, do tamanho da bunda e da falta de habilidades extraordinárias. Olha-se no espelho e lamenta não ter nascido Megan Fox. Lamenta ter nascido .
Levantei-me e estendi o dinheiro para o Irv antes de me dirigir até a porta. Não estava bêbada, mas podia começar a sentir que tinha bebido. Parei no meio fio e não precisei esperar muito tempo antes que passasse um taxi. Depois que falei o endereço, ele começou a falar descontroladamente. Não ficou quieto um segundo sequer, e pareceu perfeitamente satisfeito com o movimento da minha cabeça e alguns “aham” aleatórios. Talvez fosse até bom. Sentir-se descartável acompanhada dói menos do que se sentir descartável e sozinha. E ainda que eu não soubesse repetir uma única palavra do que ele disse nem sob pena de morte, a voz alta e constante falando sem parar me lembrava que tinha alguém ali além de mim. Ou além da minha casca.
Desci do táxi e subi os poucos degraus até a portaria do prédio. Parei para procurar a chave na minha bolsa, mas demorou um pouco. Aquilo me irritou. Detestava quando as coisas sumiam. Minha mão continuou passeando pela bolsa por alguns segundos, enquanto eu apenas apreciava, pela primeira vez na noite, o vento frio. Ele soprava forte contra meu rosto, fazendo-me esquecer um pouco de tudo. Respirei fundo. Finalmente encontrei o molho de chaves, mas continuei parada, porque o ar fresco estava me fazendo bem.
Então ouvi uma voz atrás de mim e me surpreendi por não ter percebido sua chegada.
- Pensei que não fosse dormir em casa.
Uma parte de mim quis dar uma resposta mal educada, mas eu estava cansada demais para isso.
- Eu também pensei. – murmurei. Não sei se para mim ou para ele.
Quando percebeu que eu não pretendia abrir o portão, se inclinou e esgueirou a mão pela frente do meu corpo, alcançando a fechadura com sua própria chave. O portão se abriu e ele esperou que eu passasse primeiro. Eu passei e caminhei à sua frente até o primeiro andar. Decidi usar as minhas chaves dessa vez, não queria me sentir uma inválida.
Assim que pisei dentro do apartamento, caminhei até o meu quarto e fechei a porta. Optei por não parar na frente do espelho, já que a imagem refletida nele com certeza não seria diferente da que eu via todos os dias. Talvez tivesse uma expressão mais deprimida, mas isso com certamente não era um aspecto positivo.
Soltei a bolsa em cima de uma escrivaninha antes de me sentar na cama e tirar os sapatos. Com o movimento, meu celular caiu da bolsa para o chão, mas eu não me importei muito. Percebi que tinha me esquecido de tirar o casaco, mas também não dei importância a isso. Finalmente, permiti-me libertar o choro que eu estivera prendendo desde o meu momento de reflexão no bar.
E as lágrimas rolaram, grossas, salgadas. Cheias de significado – diferente de mim. Senti a respiração oscilar, fazendo meus lábios ressecados tremerem e se esbarrarem, quando mais um fluxo de lágrimas escorreu pelas minhas bochechas. Deitei-me de lado, assistindo uma lágrima solitária cruzar a ponte do meu nariz, alcançando o outro olho. Minhas bochechas estavam molhadas e aquilo me incomodava, mas não levantei a mão para secá-las.
Batidas na porta me arrancaram dos meus pensamentos vazios. O som oco da madeira foi seguido pela única voz que eu suportaria naquele momento.
- . – ele chamou. – O que houve?
Não respondi. Primeiro porque “meu namorado me traiu” não é uma frase feita para ser gritada através de uma porta. Segundo porque eu não queria dizer aquelas palavras. Terceiro porque aquele não era o motivo do choro, era apenas uma consequência do motivo. O motivo era eu mesma. O motivo era eu não aceitar os conselhos que oferecia com a melhor das intenções; era eu aceitar, em contrapartida, as incontáveis traições de Michael; era eu ser tão sem graça. Afinal, como eu podia culpá-lo por tudo? Eu tinha de assumir a minha parcela. Era um relacionamento, e eu não vinha interpretando muito bem o meu papel de mantê-lo interessado. Mas eu tentava. Por Deus, eu tentava...
abriu a porta.
- Ei! – exclamei. – Eu podia estar sem roupa.
Ele sorriu pequeno e rolou os olhos.
- Mas não está.
Então caminhou até a minha cama e se sentou ao meu lado. Eu queria ser grosseira, gritar com ele e lhe ofender, porque uma parte de mim ainda estava brava pela maneira como ele falara comigo mais cedo. Mas, uma vez mais: a quem eu estava enganando? era a única pessoa com quem eu jamais me abriria num momento daqueles. E pior: ele tinha razão sobre tudo que falara mais cedo.
- O que ele fez? – tentou mais uma vez. Balancei a cabeça para os lados e sequei as bochechas.
- A culpa é minha.
- O que você fez? – perguntou suave, antes de se precipitar: - Terminou com ele? – pude ouvir a esperança em sua voz. Sei que ele até tentou esconder, mas não teve muito sucesso.
- Não. Bem... Sim. – corrigi. – Mas não é isso. Eu errei também.
- Do que você tá falando?
- Michael e eu não damos certo. – dei de ombros. – E eu não posso deixar a culpa toda para ele. É uma troca, não é? Eu não fui suficiente.
- . – ralhou comigo. Ele sempre reagia meio impetuoso quando eu demonstrava minhas inseguranças. – Eu já te falei isso um milhão de vezes. Não é sua obrigação mantê-lo entretido. Você não é uma televisão. Esse imbecil é que é o problema.
- Eu fui até lá e ele estava com três mulheres. – murmurei. Sentei-me na cama e tirei o casaco, porque o excesso de roupas tinha começado a me incomodar. Caminhei até a porta para pendurá-lo atrás dela. – Mas tudo bem. Você recebe o que merece. – tentei soar confiante, mas minha voz ainda tremia.
- Não. – me corrigiu e se levantou da cama, parecendo agitado. – Você aceita o que pensa que merece, . Porque esse cara não merece você. Não merece as noites que você passa acordada, não merece ter o poder de te fazer pensar que você não é boa suficiente. Você! – repetiu, com os olhos levemente arregalados, como se jamais tivesse ouvido absurdo maior. – Esse babaca não merece te ter e te tocar, nunca mereceu... – sua voz ficou mais baixa, angustiada. – Ele não merece nem te olhar.
Sorri enternecida. era sempre tão atencioso, tão empenhado em me consolar. É certo que dessa vez ele parecia mais afetado do que de costume. Mas era compreensível. Paciência tem limite, e Deus sabe quantas vezes meu pobre amigo precisou fazer esse tipo de discurso pra mim. Virei-me e olhei para ele, agradecida pela intenção. Suas palavras raramente conseguiam, de fato, curar meus problemas, mas o fato de ele tentar sempre me aquecia o coração.
Entretanto, o sorriso que lhe lancei pareceu ter o efeito contrário nele.
- Não! – exclamou, levando as mãos ao rosto, visivelmente frustrado. – Não me olha com essa cara, ! Eu não tô falando nada disso pra te consolar. Tô falando porque é verdade. – insistiu, exasperado.
- Obrigada. – sussurrei. – Você tem razão. – disse mais por não saber o que dizer. Eu sei que era isso que queria ouvir, e também sabia que a parte racional de mim concordava. Mas às vezes demora um pouco até os lados do seu cérebro chegarem a um acordo.
- Desiste desse cara, ... – ele devolveu, na mesma altura, quase implorando.
Eu fiquei em silêncio. Talvez porque eu não queria me comprometer a fazer aquilo – sabia da propensão que eu tinha a voltar para o Mike no fim do dia. Talvez porque quem cala consente – mas dizer as palavras era muito difícil.
Então meu celular, caído no chão, começou a tocar. Ambos olhamos, e vimos piscar na tela o nome de Michael. Mais por impulso, hábito, do que qualquer outra coisa, eu me estiquei para pegá-lo. Mas interrompi o movimento quando ouvi o tom subitamente gelado, completamente incrédulo na voz de :
- Você só pode estar brincando. – disse, os olhos fixos na minha mão estendida na direção do celular. – Você. Só pode. Estar. Brincando. – disse mais uma vez com a respiração pesada.
Mas eu não estava. Eu queria, de fato, atender a ligação. Nem que fosse só para ouvir o que ele tinha a dizer. Porém, o olhar de sobre mim me imobilizava. E o toque repetitivo do aparelho ao fundo me irritava.
E então o som parou. Mike havia desligado. Eu podia ouvir a respiração de e ver seu peito se movimentando. Tomei minha decisão. Abaixei-me e peguei o celular num movimento rápido. Quando Mike ligasse novamente eu atenderia, e isso não queria dizer nada. Eu só queria ouvir qual desculpa ele ia inventar. Não significava nada. Mas parecia discordar. Quando eu me virei em direção à porta, ele segurou meu braço com força, fazendo-me girar o corpo para si de novo.
- E agora?
- O que é isso? Você tá me machucando! – protestei.
- Eu? – ele perguntou, semicerrando os olhos em descrença. – Eu te machuco, ? Tudo que eu faço é lamber suas feridas e secar suas lágrimas. Como o perfeito idiota que eu sou. – cuspiu. – Enquanto esse imbecil não se dá nem o trabalho de ligar duas vezes.
Olhei para o celular. Alguns segundos já haviam passado, ele podia realmente ter ligado novamente se quisesse.
- , eu só vou... – comecei, indicando o celular. Não queria brigar.
- Mentira, . Você não vai “só” nada. Quer saber a verdade? – perguntou quase gritando. Senti meu sangue ferver, porque eu sabia do que ele ia falar. E eu não queria ouvir. Porque o fato de eu perdoar Mike quantas vezes fosse necessário dizia tanto sobre mim... Sobre uma parte fraca de mim que eu não queria ter de encarar. Mas não resistia àquele olhar desafiador à minha frente.
- Quero! – exclamei, irônica. –Vamos lá, . Me faça esse favor. – pedi.
Eu quis tentar não brigar, mas ele é que estava agindo como um imbecil gritando daquela forma.
- A verdade é que assim que eu te soltar, você mais uma vez vai sair correndo atrás de um filho da puta que vai te magoar mais uma vez, e você vai ver que eu tinha razão mais uma vez! - exalei com força e prendi a mandíbula ao ouvir aquilo. Mas que merda, eu não ia correr atrás do Mike, só queria ouvir o que ele ia dizer! – Você fica aí com essas inseguranças loucas e sem fundamento, essa visão distorcida que você tem de si mesma que só você enxerga. E aí se entrega pra caras como o Michael, que só vão te fazer sofrer e você sabe disso! E não enxerga que eu sempre estive aqui. Eu queria que você se visse com os meus olhos, ... – disse macio, meneando a cabeça. - Não entendo o que é que tem de errado com o seu espelho.
Quando parou de falar, eu fiquei em silêncio por um segundo. Ele sempre tentava levantar minha autoestima, mas suas palavras, dessa vez, tinham um tom diferente. “Você não enxerga que eu sempre estive aqui”. Eu sabia muito bem o que aquela frase queria dizer, mas demorei a acreditar. Eram tão inesperadas, que era como se tivessem outro sentido. Meu cérebro começou a trabalhar à procura de outros significados para aquela afirmação. Mas só um me vinha à cabeça. Antes que eu assimilasse as informações, voltou a falar.
- Eu te amo, . – disse e fez uma pausa. Breves segundos nos quais eu assisti seu peito subir e descer violentamente. Então ele disse rápido: - E antes que você responda ‘eu também’... Não. Não, . Eu te amo mesmo. Eu estou apaixonado por você.
Pronto. Com todas as letras agora. Não tinha outro sentido possível, não poderia ter sido mais claro. Acho que cheguei a abrir a boca algumas vezes, mas não cheguei a falar nada.
Eu estaria mentindo se dissesse que nunca pensei nisso. É claro que já. É normal pensar assim sobre seu melhor amigo. Quero dizer, era um cara bonito. E não é como se eu sonhasse com isso ou tivesse algum plano de fazer qualquer coisa, mas já havia, sim, pensado sobre o assunto. Como todas aquelas outras coisas que você pensa em fazer, mas sabe que não vai. Pensa só para imaginar como seria. Também já imaginei como seria largar tudo e virar hippie ou jogar uma tesoura na cabeça da aluna chata que se senta na primeira carteira e faz questão de responder todas as perguntas. Mas nem por isso fiz nada disso. era meu melhor amigo, morávamos juntos e combinávamos tanto, é claro que eu já havia cogitado a possibilidade.
Mas isso era diferente. Não era um “tô a fim de você” ou “te acho interessante”. Suas palavras exatas foram “estou apaixonado por você”. E por algum motivo, nada nunca me soou mais verdadeiro que aquelas palavras. Perguntei-me como aquilo nunca havia passado pela minha cabeça, porque me parecia completamente inesperado, mas ao mesmo tempo tão óbvio, de alguma forma... Todas as vezes que tentara me convencer a desistir de Mike não foram simplesmente porque Mike não prestava – pelo menos não por isso. Não, havia algo a mais ali. Algo a mais que eu sempre deixei passar despercebido, disfarçado em meio a todo o carinho e proteção que sempre tivera comigo. Carinho esse que me consolara incontáveis vezes quando Mike agia da forma de sempre. É incrível como a comodidade pode te deixar cega.
Pensei em como eu perdoava Mike de novo e de novo e de novo, pensando que era “por amor”. Mas aquilo não era amor. Não... Isso é que era amor. Amor cuida, protege, defende. Amor pode ser música, alvoroço, gargalhada; pode ser o burburinho das vozes sussurradas tarde da noite; pode ser horas no mais completo silêncio. Mas não importa, porque a companhia é que faz valer a pena. Amor te faz rir, mesmo que a situação não seja tão apropriada ou que as pessoas em volta te olhem torto. Mas você não se importa, porque te faz feliz. E eu vi, claro como água, que me fazia incomparavelmente mais feliz do que Michael. Eu dizia amar meu namorado, mas tudo que ele vinha trazendo nos últimos meses eram noites sem sono e toneladas de maquiagem para esconder os olhos inchados. E isso não estava certo. O sentimento por Mike que eu dizia – e sinceramente acreditava, até aquele momento – ter não passava de força do hábito.
E ali estava , à minha frente, mais sincero do que nunca, tentando, pela milésima vez, abrir meus olhos.
Ponderei o que fazer a seguir. Perguntei-me se faria alguma coisa, mas estava claro que não. Ele continuava imóvel, petrificado no lugar, olhando para mim com seus olhos azuis tão ansiosos que meu coração palpitou descompassado. Vi pela primeira vez nele toda a insegurança que ele sempre tentava arrancar de mim e não aguentei a onda de ternura que me perpassou. Um sorriso bobo e tímido surgiu no meu rosto, e meus pés me impulsionaram para frente antes que eu pensasse em mais nada.
Aproximei-me dele, aos poucos, e quando parei a poucos centímetros, ainda não tinha se movido. Ele parecia ter prendido a respiração há um bom tempo, porque eu não sentia seu hálito bater no meu rosto e eu já estava consideravelmente perto. Olhei nos olhos dele, tentando dar a entender minha intenção. Mas eles permaneciam os mesmos: apreensivos, torturados, esperando pela minha resposta.
Sorri, com a boca quase encostada à dele, e era a deixa para que ele terminasse o movimento. Mas não o fez.
Eu me perguntei há quanto tempo ele estaria sufocando aquele sentimento, para que a concretização dele o deixasse tão hesitante. Percebendo que ele ainda esperava alguma atitude da minha parte, o meu consentimento, inclinei a cabeça para frente. E só quando encostei meus lábios trêmulos nos dele é que eu percebi que estava nervosa também. Eu estava beijando .
E no segundo em que minha boca tocou a sua, foi como dar a ele o sinal verde. Como se ligado a um interruptor, levou uma mão à base das minhas costas, sustentando meu corpo colado ao dele, e a outra à minha nuca, guiando meu rosto num beijo que fez sumir da minha mente qualquer coisa que não fosse , seu gosto e a textura de sua pele contra a minha.
Separamo-nos por um segundo, apenas para nos encarar em completo êxtase. E naquele momento, com meus olhos fixos nos seus, dei qualquer consentimento de que ele ainda precisasse. desceu o olhar dos meus olhos para minha boca, minha mandíbula, passando demoradamente pelo meu pescoço e colo. Seu olhar alcançou minha barriga, analisando a curva da minha cintura e meus quadris. Suas mãos seguiram para a mesma região, pousando nos ossos do meu quadril, antes de acariciar a pele que aparecia entre minha camiseta e a calça jeans. Suas mãos eram quentes e seu toque suave fez meu interior dar voltas. Seus olhos seguiram seu caminho, descendo por minhas coxas antes de voltar aos meus novamente. Eu quis resistir à intensidade do seu olhar, mas sua boca estava próxima demais, e um segundo depois, mais próxima ainda, e um segundo depois, encostada à minha novamente, e minhas pálpebras pesaram, fechando meus olhos para mais um beijo envolvente.
As mãos nos meus quadris acariciaram minha pele em movimentos circulares antes de puxar a barra da minha camiseta para cima. Eu não sentia vontade de tirar meus lábios dos seus por um segundo sequer. Então quando nos separamos para passar a blusa pela minha cabeça, aproveitei o momento para fazer o mesmo com a sua. me abraçou apertado mais uma vez, e quando seu peitoral e sua barriga, quentes, encostaram-se aos meus, eu ofeguei contra sua boca.
refez o caminho de poucos passos até a cama com uma perna entre as minhas. Afastamo-nos um pouco quando ele levou as mãos ao cós da minha calça e eu comecei a abrir seu cinto. Nossas bocas se perderam por um instante, mas se apressou a voltar o rosto para mim e morder meu lábio inferior, sem permitir que perdêssemos completamente o contato. Ele deixou sua calça escorregar pelas pernas, mas precisou de um pouco mais de esforço para tirar a minha, que era consideravelmente mais justa. Rimos, ambos um pouco impacientes. Ele curvou o corpo para frente, empurrando o meu em direção à cama com uma mão apoiada no colchão e a outra sustentando minha lombar. Quando eu estava deitada, ele cobriu meu corpo com o seu e levou uma das mãos até meu tornozelo. Seus dedos foram subindo agilmente pela minha panturrilha, até a parte de dentro do meu joelho. O toque foi preciso, mas tão suave que eu me assustei com o efeito que teve no meu corpo. Então ele puxou minha perna, prendendo-a em volta da própria cintura. E sentir seu corpo tão intimamente encaixado ao meu fez meu corpo inteiro se arrepiar.
partiu o beijo por um segundo, olhou-me novamente com aqueles olhos que nos últimos minutos tinham tirado meu ar incontáveis vezes e sorriu com o sorriso que nos últimos anos não tinha falhado uma única vez em me fazer sorrir também. Afastou uma mecha de cabelo do meu rosto e voltou a me beijar.


Eu sentia meu rosto subir e descer levemente de acordo com sua respiração ritmada. O calor do seu peitoral contra minha bochecha ainda me fazia sentir aquecida e seus dedos correndo pelos fios do meu cabelo me tranquilizavam. E subitamente, depois de um bom tempo de silêncio, disse:
- Ei, vamos embora?
Estranhei a pergunta e ri um pouco, levantando a cabeça na direção do rosto dele com uma expressão engraçada.
- Pra onde?
- Sei lá, embora... Pra qualquer lugar. Encher uma mochila, rodar o globo e ir. – propôs. - Amanhã? – perguntou, a ansiedade crescente em sua voz e rosto.
- O espetáculo está em cartaz por mais um mês, . – avisei, rindo do surto repentino de aventura.
Eu e é que tínhamos sugerido Bodas de Sangue para os produtores, então ver a peça pronta era como ver o nosso bebê crescendo. Mas parecia ter se esquecido momentaneamente disso.
- Ah, droga... É verdade. – resmungou. – Mas e depois, vamos? – a esperança voltou a iluminar seu semblante. virou o rosto, de modo a fazer os lábios roçarem minha orelha, então começou a cantar baixinho: - We’ll go to Hollywood make you a movie star... – aquilo me fez sorrir. Eu amava sua voz. – I want the world to know how beautiful you are. – cantarolou a música que sabia que eu adorava. O sorriso cresceu e se transformou numa risada, e me acompanhou. – Sem falar pra ninguém, sem pensar antes...
Aquilo acendeu uma luz na minha cabeça e eu ri, maliciosa, e entrei na brincadeira:
- Imagina só: quando Mike ligasse mil vezes e não recebesse resposta ele viria até aqui e descobriria que fomos embora sem aviso.
Mas quando olhei para , vi imediatamente que ele não achava a mesma graça que eu.
- Você não pode parar de pensar nele nem um pouco? – perguntou, soando um pouquinho chateado, mesmo que tentasse disfarçar usando um tom de repreensão.
- Desculpa. – murmurei, sentindo peso na consciência. Mas ele logo sorriu novamente.
- Tudo bem. Acho que sei como te distrair... – disse sugestivamente. Seu sorriso começou a crescer no rosto, mas eu não vi muito mais porque ele voltou a me beijar, fazendo as meus dedos formigarem. Porém, para minha infelicidade, ele logo parou de novo.
- É sério. – disse.
Balancei a cabeça para os lados em movimentos curtos e rápidos.
- E ir pra onde, ? Fazer o quê? Viver de quê? – questionei, mostrando a falta de lógica na proposta quando percebi que ele realmente não estava brincando.
Então mordiscou minha orelha e plantou nela um beijo que, apesar de suave, me fez encolher os ombros e rir de novo por causa do barulho. Ele virou o corpo sobre o colchão, deitando-se de lado e se apoiando no antebraço para me ver melhor. Levantou os ombros, como se eu tivesse a pergunta mais insignificante do mundo, e antes de responder, olhou nos meus olhos com tanta profundidade que fez minha respiração falhar por um segundo.
- Ir pra onde quisermos. Fazer amor. Viver de você. É tudo que eu quero.
E aquelas palavras me derreteram em um segundo, transformando-me em uma poça de admiração, felicidade e amor, amor, amor. Não me lembrava de jamais ter me sentido tão importante, tão preciosa para alguém.
- Quando quiser. – murmurei. E não era exagero. Eu iria com para onde ele quisesse, quando ele quisesse. Perguntei-me como é que eu fui cega a ponto de não perceber o que eu estivera perdendo esse tempo todo. Mas não tinha problema, porque dali em diante teríamos todo o tempo do mundo, e as mãos de no meu quadril e seus lábios nos meus estavam ali para me lembrar daquilo quantas vezes fosse necessário.


"Que sorte têm os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menos propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos."
– Oscar Wilde


N/A: Oi, meninas! Pra começar, obrigada por ter lido. Eu tinha algumas partes dessa história guardadas aqui há muito tempo, mas a inspiração pra preencher o resto do enredo surgiu completamente no nada. Quero muito saber o que acharam através dos comentários :)
Ah, criei um grupo no facebook pras minhas fics, se estiver interessada em entrar, fala comigo!

Se quiser ler minhas outras histórias:
Fuel to the Fire - McFly/Andamento
Two is Better Than One - McFly/Finalizadas
180 Dias de Inverno - McFly/Shortfics
The Red String of Fate - Especial Mitologia
Reminisce - Outros/Shortfics
Um Colar de Lágrimas - Especial Equinócio de Setembro

Xx,
Bih
Contatos: Twitter | e-mail

comments powered by Disqus