Carrie Bradshaw disse uma vez: “Quando homens se esforçam para fazer um gesto ousado, geralmente são considerados românticos. Quando as mulheres o fazem, muitas vezes são consideradas desesperadas ou psicóticas”. Em Nova York, a cidade que nunca dorme, ninguém parece estar procurando o amor. Estão sempre com pressa, correndo de um lado para o outro com compromissos inadiáveis, tratando potenciais romances como casos de uma noite só, para quais você não faz questão nem de dar bom-dia na manhã seguinte. Não me leve a mal, eu conheço o sistema. Sei que caras que acabam na sua cama depois de encontros de quarenta minutos estão fadados ao desastre. Sei que as chances de você encontrar o amor da sua vida esbarrando nele no Central Park em uma corrida matinal - e ele ter a cara do Ryan Gosling - são mínimas (especialmente quando você não sai para correr há aproximadamente quatrocentos e doze dias). Sei que príncipes encantados não existem, a não ser nos estúpidos filmes da Katherine Heigl (que não consigo parar de assistir). Eu nunca nem sequer tentei procurar o homem da minha vida, muito menos acreditei que ele apareceria lindo e maravilhoso na minha porta, perfumado com Hugo Boss e com um buquê de lírios na mão. Sempre aceitei minha condição: nunca fui boa em romance.
Imaginem a minha surpresa, então, quando abri meus olhos naquela noite – vendo quase nada devido à fumaça de gelo seco e cigarros, e ao meu teor altíssimo de álcool no sangue – e dei de cara com os olhos dele. Com a boca dele. Com ele. Querida Carrie Bradshaw, eu nunca fui uma “vadia emocional” como você uma vez também escreveu. Nunca dei meu coração de graça para ninguém, nunca corri atrás de um cara, nunca imaginei nossos quatro filhos e dois labradores em uma foto profissional no campo. Nunca.
Isso me dá licença poética para virar a cidade do avesso atrás de alguém que provavelmente não se lembra de mim? Não. Isso fará com que ele saia correndo na direção oposta assim que me vir? Talvez. Eu sei que estou errada, mas não consigo, não quero, e não vou parar: eu preciso saber quem é aquele cara.
Manhattan: Sexta-Feira, 5 de Dezembro
A luz do dia invadiu meu quarto e eu tentei abrir os olhos, praguejando baixo por ter deixado novamente as cortinas abertas. Tampei o rosto com o travesseiro, exausta e derrotada, tentando imaginar que horas eram e por que estava tão claro em pleno mês de Dezembro. Maldito sol batendo na maldita neve que viera cedo demais (para variar).
Enquanto pensava em problemas relacionados ao clima, um rosto apareceu em minha mente, rápido como um vulto, nítido como um espelho. Ele era maravilhoso. Seu cabelo era desalinhado, mas não propositalmente, daquela forma que todos os caras parecem fazer agora. O dele, não. Parecia que tinha realmente ficado despenteado ao longo do dia, casualmente. Seus olhos eram de um tom profundo de azul, e seu sorriso tão perfeito e acolhedor que estremeci, ali na cama. Sentei rapidamente, assustada, olhando para os lados.
Não havia ninguém ali.
Meu Deus, quem era aquele cara? Será que eu tinha dormido com ele? Meu Deus! Será que ele estava no meu apartamento?
Pulei para fora da cama, notando que estava somente de lingerie.
- Puta merda! – Exclamei, correndo até o espelho, tentando arrumar meus cabelos freneticamente. Enfiei um chiclete na boca e tentei minimamente arrumar aquela maquiagem panda que tinha se tornado meu rímel, desesperada demais para sequer pensar.
- Ele deve estar no banheiro... – sussurrei, em pânico.
Eu não me lembrava nada de importante da noite interior.
Nada.
Tirando o rosto dele, não sabia o nome, nem como ele provavelmente teria parado ali. Não lembrava sequer se ele era bom de cama, o que era um pecado, tendo em vista que ele era pra lá de maravilhoso (de rosto, pelo menos, que era o que eu lembrava).
- Fique calma, ... – sussurrei, sozinha. – Aja naturalmente. Aja como se você soubesse de absolutamente tudo.
Sentei de volta na cama para fingir que ainda estava acordando, mas depois de dez minutos, comecei a desconfiar que o moço estava com disenteria (será que eu tinha oferecido aquela lasanha terrível que eu tinha feito no começo da semana pra ele?); ou, no pior caso, ido embora sem dar notícias.
Caminhei até o banheiro, pé ante pé, e coloquei a orelha na porta. Nenhum barulho de chuveiro, e ainda bem, de ninguém se espremendo no vaso sanitário. Arqueei a sobrancelha, confusa e com dor de cabeça do provável porre da noite anterior, e resolvi abrir a porta.
Ninguém.
Peguei um roupão e caminhei até a sala de estar/sala de jantar/cozinha do apartamento. Ninguém, de novo.
- Ué... – franzi a testa, e depois dei um pulo com a porta da rua abrindo com um baque. – Merda, ! – exclamei, antes mesmo que minha melhor amiga e colega de apartamento se pronunciasse.
Ela riu, alto demais para a minha cabeça, ainda mais depois do baque da porta, e eu grunhi.
- Isso são horas, madame? Resolveu começar o fim de semana com um dia de antecedência? – perguntou, fechando a porta em outro baque, o que me fez pular, apertando os olhos. – Iiiiih... A noite foi boa, pelo jeito – ela concluiu, com um sorriso malicioso.
- Fala baixo! – Resmunguei, fuçando as sacolas que ela tinha trazido, instantaneamente animada pelo aroma inconfundível de omelete de queijo. – Eu não sei, sinceramente. Argh! Minha cabeça vai explodir. Alguém me ligou? Que horas são? Por que você está em casa?
- Quantas perguntas! – riu, tirando o resto da comida das sacolas. – Tinha quatro matérias para finalizar e não conseguiria nunca naquela redação. Acredita que ainda não se livraram da estagiária biscate que está infernizando a vida de todo mundo? Me deixaram trabalhar em casa hoje, depois que eu ameacei amarrar aquela quenga de dezenove anos na antena de transmissão de celulares lá no quadragésimo oitavo andar.
Ri, feliz da vida de colocar algo no estômago, e torcendo secretamente para que isso não se virasse contra mim em poucos minutos.
- Ela ainda está dando em cima do Sean?
- Está. Parece que agora toda vez que alguém manda que ela copie um documento, ela resolve fazer a volta ao mundo para passar pela sala dele. Aquela vaca. Ele não é meu, mas definitivamente não será dela – deu de ombros, depois riu. – O que mais você tinha perguntado?
- Que horas são e se alguém me ligou.
- Meio dia e dezesseis, e ninguém te ligou.
- Obrigada.
- Vai me contar o que aconteceu ontem à noite na tal balada ou vai esperar que eu implore?
Fiz uma careta. Era humilhante demais não lembrar o que tinha acontecido na noite anterior, ainda mais quando um rosto misterioso fica visitando sua mente, sem pedir licença, fazendo seu coração acelerar ridiculamente sem motivo algum.
De certo modo, eu até estava orgulhosa. Quem quer que fosse o cara, ele era muito gato, e para estar assim na minha cabeça eu provavelmente tinha ficado com ele, não? Ponto para .
- Eu acho que bebi demais... – respondi, sincera, ainda incapaz de desfazer a careta. – E acho que fiquei com um cara. Mas não consigo lembrar nem onde, nem como, nem se ele veio parar na minha cama, ou eu na dele – confessei, com as bochechas ardendo.
gargalhou, inclinando a coluna para trás, e quase despencou do banco.
- Bem feito, sua vaca – reclamei, e ela riu mais ainda.
- Minha nossa, . O que diabos você bebeu? Absinto?
- Champagne. Disso lembro bem – sorri, relembrando vagamente a noite anterior.
Depois de entregar um projeto de design para o novo apartamento de uma cliente, na esquina da Park Avenue com a Quinta Avenida – sim, ela é podre de rica e ligada à realeza espanhola de alguma forma –; a garota resolveu me levar para uma boate em SoHo que eu sempre ouvi dizer que era frequentada por famosos como Jay Z e Beyoncé em suas noites longe da Blue Ivy. Em outras palavras, um lugar que eu não entraria por medo de não pertencer a ele e logo descobrirem que, apesar de criar decorações maravilhosas para patricinhas ricas, eu gasto todo o dinheiro que elas me dão com sapatos e quinquilharias que não cabem em meu minúsculo apartamento em West Village.
O lugar era maravilhoso, cheio de gente que parecia ter saído da capa da People e da US Weekly, e apesar de não ter visto o casal de ouro Jay e Bey, eu estava feliz da vida com champagne à vontade, o suficiente para tornar minha cliente e seus assuntos bizarros um pouco mais toleráveis. Lembro perfeitamente que, em algum ponto da festa, o namorado dela chegou e eu descobri, com muita alegria, que a barwoman do camarote tinha estudado comigo por um semestre na faculdade. Uma amiga dela também estava lá, e eu logo fiz da garota minha melhor amiga de infância (desnecessário dizer que não lembro o nome dela também) e larguei minha cliente e o namorado, com um open bar em minha frente, acabei... Bom, me divertindo demais.
- Depois disso, minha mente vira uma névoa – conclui, envergonhada. – Eu lembro de ter dançado muito com as meninas. Lembro de ter invadido um outro camarote, lembro que tinha vários caras lá... Argh! Eu não consigo lembrar o que realmente importa, ! Esse rosto... O rosto desse cara lindo, fica aparecendo pra me perturbar! E eu não faço ideia de quem seja!
me encarou, tomando um gole de suco de Cramberry.
- Você acha que dormiu com ele?
- Provavelmente.
Ela fez um barulho com a boca, depois começou a enrolar a ponta do cabelo, como fazia quando estava analisando alguma coisa.
- Você chegou aqui sozinha. E não era tão tarde assim, então aqui em casa não aconteceu nada. Aliás, como que você chegou em casa?
- Não faço ideia – respondi e ri, da minha própria desgraça. – Mas eu lembro que vim de táxi.
- Talvez você só tenha ficado com esse cara, ou se apaixonado perdidamente por ele no alto das bolhas de champagne... E alguma das meninas com certeza te colocou de volta num táxi, porque você não chegou aqui em seu estado normal.
Gargalhei, depois fiz uma careta, com dor.
- Pode ter sido isso, não é? Mas ele era tão gato - murmurei, depois chacoalhei a cabeça. – Ok... Não tenho tempo para amores perdidos agora. Preciso tomar um banho porque tenho que encontrar a Rose às três da tarde para discutir o quarto do bebê dela.
- Ainda isso? – fez uma careta.
- Sim, aparentemente esse menino vai nascer e a mãe dele não consegue me dar o aval da cor da parede – grunhi, nervosa. – Depois preciso passar para pegar aquela saia maravilhosa que eu reservei.
- Pegar? Pensei que ela custasse duzentos dólares – provocou, e eu estendi o dedo do meio.
- Cuida da sua vida, sua pentelha – resmunguei, enquanto ela ria.
Aquela tinha sido uma tarde produtiva, em partes.
Tinha me encontrado com Rose e enquanto ela se lamuriava de todas as dores e problemas da gravidez que eu não tinha questionado, o filho da mãe do cara gato não saía da minha cabeça. Em certo ponto, eu arregalei os olhos, desesperada, e quase derrubei meu próprio chá, finalmente me tocando de que tinha passado vinte minutos pensando no que ele fazia da vida, o que estava fazendo agora, se ele também tinha um vulto mental meu (espero que não descabelada e com rímel de panda), se ele preferia chá ou café, se gostava de cachorros e em qual apartamento nós moraríamos depois que estivéssemos perdidamente apaixonados.
Aquele era o fim da linha. Eu não era assim, definitivamente.
Eu sempre era a blasé do relacionamento, aquela que não está nem aí para nada. Se o cara ligar, que ótimo, se não... Ótimo também. Se ele não gosta de cachorros, problema dele, eu teria um do mesmo jeito. Se ele não quer nada sério, próximo da fila. Sempre fui assim, desde meu primeiro namorado no ensino médio, lá em Long Island, até agora, no alto dos meus vinte e quatro anos.
Não há necessidade de dizer que meus relacionamentos não duravam muito, mas quando um ou outro vencedor conseguia ficar, eu o tratava muitíssimo bem, obrigada, porque sei que não sou fácil.
E olha o que eu estava fazendo agora! Minha nossa, aquilo só podia ser o efeito retardado do champagne!
Talvez minha falta gritante de interesse tivesse surtido efeito em Rose, que finalmente escolheu um tom de verde da parede do quarto, e eu saí de lá correndo, como se tivesse encontrado um bilhete da loteria, pronta para ignorar todas as ligações dela (porque ela ia mudar de ideia, eu tinha certeza) e entregar o projeto o mais rápido possível, lindo e maravilhoso, para que ela não tivesse coragem de pedir para mexer em nada.
Apanhei minha nova e maravilhosa saia, e depois que deixei a loja, vi um garoto de uns dezesseis anos, com dois cachorros amarrados em uma coleira, e um outro, um Buldogue, sentado em cima do skate que ele empurrava.
Gargalhei da cena, e então as coisas começaram a voltar para mim como um baque.
Estava tocando Ellie Goulding quando ele me beijou.
Seus lábios pressionaram os meus sem nenhum tipo de aviso, e eu quase caí para trás – literalmente, porque eu estava bêbada e usando salto quinze.
Ele foi caminhando comigo, até cairmos de lado em um sofá, enquanto ele segurava meu quadril com firmeza. Arfei, com a velocidade do beijo e o tombo inesperado, e ele prendeu meu lábio com os dentes, depois sorriu.
Pisquei de novo, com os braços arrepiados embaixo do casaco de frio, quando outra imagem correu para a minha mente.
- Eu tenho uma buldogue – ele sorriu, com aquele maravilhoso sorriso alinhado que deixava as pernas de qualquer mulher, em sã consciência, bambas.
Gargalhei.
- É mesmo? Amo cachorros! – disse, empolgada. – Qual o nome dela?
Ele me encarou, com as bochechas ficando levemente coradas.
- Isso é muito patético... Você vai rir e me achar um nerd babaca – concluiu, me encarando com aqueles olhinhos lindos, e eu sorri.
- Prometo que não vou – respondi, meio ludibriada. Ele me olhou, desconfiado, depois sorriu e deu de ombros.
- Gwen Stacy – ele respondeu, e eu ri baixo.
- Gwen Stacy tipo a do Homem Aranha? – falei rapidamente, lembrando instantaneamente do filme, mesmo grogue. Não contaria que foi daí que tirei, claro.
Ele sorriu, ainda parecendo sem graça.
- Eu sei, eu sei... Mas sempre gostei mais dela do que da Mary Jane – continuou, e eu sorri. – Não me olhe com essa cara como se eu fosse um extraterrestre, por favor!
Eu ri, depois segurei a cabeça.
- Acho que estou meio zonza – disse, piscando algumas vezes, e ele aproximou o rosto do meu, tirando a taça da minha mão.
Passou a mão na minha testa, e tirou uma mecha de cabelo que estava caída no meu rosto.
- Você está suando frio. Sua pressão está baixa, vou arrumar uma azeitona para você comer. E enquanto isso, não se mexa... Nem beba mais nada, por favor – disse, com uma piscadela, antes de sumir entre as pessoas.
- ! !
Entrei gritando no apartamento, e minha amiga saiu do quarto, parecendo confusa.
- O que aconteceu?
- Eu lembrei! Ele... Ele me beijou! E ele tem um buldogue! – disse, desesperada, e ela arqueou uma sobrancelha. – A buldogue chama Gwen Stacy.
Ela riu alto.
- Certo. E qual o nome do cara?
- Er... Bom, eu não cheguei nessa parte... – Respondi, e se jogou para trás no sofá, gargalhando.
- Por Deus, ! Você lembra o nome da cadela do cara, mas não lembra o nome dele!
Sentei, com o coração na boca, e atropelei as palavras, com urgência.
- Eu preciso encontrá-lo.
- Mas você nem lembra o...
- Eu sei! – Interrompi, encarando-a. – Eu não sei por que, amiga, mas quando eu me lembrei dessas coisas, meu coração veio bater nos meus ouvidos... Eu sei que preciso encontrar esse cara. Ele é tipo... Especial.
A cara de choque de foi tão perfeita que, em meu estado normal, eu teria rolado no chão de rir. Ela deixou o queixo cair, depois arregalou os olhos.
- Você... Você, , acha que esse cara é especial.
- Acho.
- Mas você lembra só do rosto dele, e do fato que ele te beijou... E que é fã de Homem Aranha, aparentemente – disse, com a voz ponderada, e eu assenti.
- Eu sei que pode parecer ridículo, mas eu devo isso a mim mesma. Há algo sobre ele que eu não sei explicar, mas preciso vê-lo de novo.
- Amiga – segurou minhas mãos, encarando-me com cuidado por trás de seus óculos. – Você sabe que você mora em Manhattan, e que achá-lo vai ser quase impossível, certo? E sabe que há uma grande chance de ele ter uma namorada, ou ser casado, ou simplesmente não querer um relacionamento...
- Sim, eu sei. Mas algo me diz que eu vou encontrá-lo, e que essa é a coisa certa a se fazer – respondi, firme, o que só acentuou a expressão de incredulidade de . Antes que ela contra-argumentasse, sorri, decidida. – É isso. Eu vou achar esse cara, e você vai me ajudar.
- Eu não acredito que você me convenceu a fazer isso... – reclamou, apertando os braços contra o casaco.
- Você não iria querer ficar de fora dessa verdadeira história de amor... – provoquei, e ela gargalhou.
- Uma história de amor que começa com um porre catastrófico – ela corrigiu, e eu lhe dei uma cotovelada.
- Ei! Todo lindo casamento começa de algum lugar – falei, só para ver sua reação, e ela riu mais alto ainda.
- Meu Deus, quem é você e o que você fez com a minha amiga?
Enrosquei meu braço no dela enquanto caminhávamos os poucos metros da saída do metrô até a boate no SoHo. Era pouco mais de seis da tarde e o local obviamente estaria fechado, mas eu tinha enviado uma mensagem para Chloe, minha amiga, e ela já estava lá.
- Você acha mesmo que a Chloe saberá alguma coisa?
- Bom, não custa tentar. Ela me viu com o cara, não viu? – disse, animada, ignorando a sensação de borboletas no estômago que aquela situação me dava.
Assim que chegamos ao local, um segurança falou pelo rádio com Chloe, e permitiu nossa entrada. Era a primeira vez que eu entrava em uma boate fechada e não havia nada de glamoroso no cenário. Os longos e geométricos sofás brancos ainda estavam lá, mas faltavam as luzes contrastando, as coisas no lugar... As pessoas.
Chloe saiu de trás do balcão e caminhou até nós, com um sorriso.
- Olá, patricinha – ela disse, com um tom de voz provocativo, mas perdi a piada. – Já superou o porre?
- Acredito que sim – sorri. – Você lembra da , não?
- Sim, sua colega de quarto da faculdade, não é?
- E da vida – sorriu, cumprimentando-a.
- Ok, , em que posso ajudar? – Chloe perguntou, e eu soltei o ar pela boca.
- Ontem à noite eu fiquei com um cara. Cabelos , olhos , sorriso maravilhoso... – descrevi, e Chloe sorriu, em aprovação.
- Eu vi, sua safada – ela me deu um tapinha, e eu a acompanhei na risada, sentindo minhas bochechas corarem. – O que tem o cara?
- Isso que eu queria saber. Eu lembro muito pouco da noite passada, só que o beijei, e que ficamos conversando sobre cachorros. E que eu passei mal, e ele foi buscar uma azeitona pra mim – disse, e Chloe gargalhou.
- Todas informações importantíssimas, .
- Pois é. Mas não lembro mais... Por acaso você não o conhece? Sabe o nome dele, sei lá?
Chloe pareceu ponderar por um instante, depois fez uma careta.
- Desculpe, gata, eu não faço ideia. Ele definitivamente não é um habitué da casa. Nunca o tinha visto antes, e ainda por cima ontem estavam rolando duas despedidas de solteiro aqui – ela fez um gesto exacerbado com as mãos. – Quase fiquei louca. Mas sei que ele ajudou a colocá-la em um táxi... Achei que tinham ido embora juntos.
Murchei os ombros, decepcionada.
Estava muito cedo para o meu plano já estar dando errado. me deu um tapinha no ombro, como quem entendia, e quando eu já estava prestes a agradecer Chloe pela ajuda (nenhuma), ela começou a falar.
- Chloe, por algum acaso você não tem as listas de convidados dessas despedidas de solteiro? – perguntou, e eu virei para encará-la, estupefata e com um sorriso imenso no rosto.
Ela devolveu o sorriso.
- Você. É. Uma. Gênia! – falei, dando um pulinho, e Chloe fez uma careta engraçada, juntando-se à para rir do meu imediato surto.
- Infelizmente, quem tem as listas é a hostess, e ela só chega mais tarde – Chloe respondeu, com um biquinho, provavelmente chateada por ser a pessoa a me entregar essa informação.
Mas eu não ligava, aquela ideia era genial. Como eu não tinha pensado nisso antes?
- Não tem problema, nós voltaremos mais tarde para...
- Ei! Acho que ela deixou o iPad aqui – Chloe me interrompeu, parecendo tão empolgada quanto eu e .
Fuçou atrás da bancada por alguns instantes e ligou o aparelho, colocando o que provavelmente era uma senha padrão. Em alguns segundos, virou o iPad para mim, com um sorriso no rosto.
- As duas listas estão aí... Boa sorte.
Demorei dez minutos olhando a primeira lista de cima a baixo, sem conseguir me lembrar de nenhum daqueles nomes. e Chloe me incentivavam, e eu já estava com medo do cara não ser convidado de nenhuma das duas listas. Dos males o menor: pelo menos ele não era fantasia da minha cabeça, Chloe também tinha o visto. Abri a segunda lista e senti as palmas das mãos gelarem.
Quando bati o olho no primeiro nome, logo abaixo do organizador da festa, meu coração disparou.
- Está se sentindo melhor? – ele perguntou, sentado exatamente à minha frente, com os olhos fixos nos meus, e eu não pude deixar de sorrir.
Aquele cara era um completo estranho. Ainda assim, estava ali comigo, segurando uma das minhas mãos, perguntando se eu estava bem. Ele tinha me trazido água gelada e uma azeitona, tinha segurado os meus cabelos para cima quando eu surtei, achando que ia desmaiar.
Como que eu tinha o achado, ali, eu não sabia, mas eu definitivamente me sentia uma garota de sorte.
- Estou sim, eu acho... – respondi, meio na defensiva, sem saber direito se não iria desmaiar ali mesmo, e ele devolveu meu sorriso. – Meu Deus... Você está cuidando de mim e eu não consigo lembrar seu nome!
Ele riu.
- Eu acho que eu não tinha dito, ainda – disse, com um sorriso, depois apertou de leve minha mão fria, que ele já estava segurando. – .
- ! – eu praticamente berrei, e arregalou os olhos, empolgada.
- É ele? Você tem certeza?
- Tenho, sim! O nome dele é !
Chloe bateu palmas, empolgada.
- Sabia que ele devia estar em uma dessas listas – ela disse, orgulhosa. – Champagne pra comemorar?
Fiz uma careta instantânea, sentindo meu estômago revirar.
- Tudo menos isso! – eu disse, e as duas riram. – Chloe, você é maravilhosa! Obrigada pela ajuda, mas eu e a agora temos uma missão.
- Ok! Lousa está pronta, computadores prontos?
- Prontos!
- Comida chinesa já está entre nós?
- Sim, e o vinho também, mas esse é só pra mim – provocou, e eu rolei os olhos.
- Perfeito. E que comecem as buscas... Eu vou te encontrar, – sorri, encarando a tela branca e imaculada do Google. Google que tudo sabe, que tudo vê, e que ia me ajudar a encontrar aquele cara que parecia mais incrível a cada segundo. – Ei, soa bonito, não soa?
me encarou, com uma expressão divertida.
- Pobre , esse cara fez você atingir o modo quinze anos novamente – provocou, e eu gargalhei.
- Cala a boca! Eu bem lembro de ter visto escrito no seu caderno há umas duas semanas seu nome como Ford... Engraçado, porque da última vez que chequei, seu nome era , e o Sean chamava Sean Ford...
- Não acredito que você viu meu caderno! – berrou, histérica. – Isso é pessoal!
- Bitch, please. Aturo você há seis anos, já vi coisas piores.
- Você é uma vaca.
- Trate de procurar logo meu futuro marido, Sra. Ford – provoquei, e ela me tacou uma almofada.
- Odeio você.
- Eu também te amo, amiga.
- Argh, ! Seu novo amor podia ter um nome menos comum, fala sério!
Olhei para e suspirei. Já passava da uma da manhã e tínhamos fechado o cerco para quatro das proximidades. A lousa estava toda riscada, a garrafa de vinho vazia, assim como as embalagens de comida chinesa e nosso estoque de Kit Kat. Tínhamos procurado extensivamente no Facebook, para que, com sorte, algum deles fosse o meu , mas a busca estava complicada. De todos que testamos, nenhum era sequer parecido com o cara da minha cabeça.
- Consegui achar uma foto em um site de um dos quatro . Esse daqui é ilusionista - disse, quase rindo, e eu rolei os olhos.
- Você tá me zoando, não?
- Não, juro! Ele faz festas infantis e tudo mais.
Virei o computador e dei de cara com um que não era nem um pouco parecido com o meu.
- Próximo.
- O outro que temos por aqui é casado e tem dois filhos. Você disse que acha que ele tem quantos anos?
- Uns 26, 27...
- Ok, então esse está terminantemente eliminado – ela disse, exausta. Olhei a imagem, por desencargo de consciência (eu estava bêbada, afinal), mas não era ele.
- Meu Deus! Por que isso é tão difícil?
- Bom, temos sempre aquele que você encontrou, que aparentemente trabalha com alguma coisa do ramo alimentício, mas não tem foto...
- E aquele que você achou relacionado ao dono de uma rede de concessionárias, provavelmente o filho do cara, mas também sem Facebook ou foto – suspirei, com a cabeça doendo. – Ok, tem que ser um desses dois, não tem?
fez uma careta.
- É o que tudo indica... Se ele realmente se chamar e morar em Manhattan.
- Claro que chama! Eu lembro, juro!
- Mas e se ele não morar em Manhattan? Sei lá, ele pode ser de outro lugar e ter vindo só para o tal casamento...
- Não, ele era daqui, eu tenho certeza – retruquei, firme. – Amanhã nós vamos à caça desses dois caras. Um deles deve ser o certo.
- Nós? - a voz de saiu quase como um grunhido. Assenti.
- Sim, nós. Não posso fazer isso sozinha.
- Mas eu tinha planos para o fim de semana!
- De dormir o dia inteiro e ver filmes? Não mesmo, você vai comigo!
- Que droga, ! Sabia que ter dado a você a graça da minha amizade ia se voltar contra mim um dia – ela disse, jogando as almofadas do sofá no chão, e eu gargalhei.
- É para isso que as amigas servem, meu amor.
- Se você me meter em alguma roubada, juro que te penduro na antena do prédio do meu escritório também. Junto com a estagiária biscate! – ela exclamou, e eu ri alto. – É bom que esse valha muito a pena. Quero minha parte em dinheiro.
- Mercenária! E sim, ele vale – respondi, sorrindo. – Não me pergunte como eu tenho tanta certeza, mas vale.
suspirou, depois rolou os olhos e riu, finalmente cedendo.
- Então estou com você nessa.
- Ok, número um, está na hora da gente se conhecer.
Sorri e olhei por cima dos óculos escuros, encarando um pequeno prédio de quatro andares de onde tinha encontrado um aluguel no nome do que tem algo a ver com o ramo alimentício. Chutávamos que ele tinha uma padaria, e havia algo muito excitante em imaginar que além de lindo e fofo, ele ainda sabia cozinhar. Imaginei-o com o rosto cheio de farinha, com os olhos azuis concentrados em misturar uma massa de bagels.
Um homem que faz bagels.
Um achado quase melhor do que um bilhete premiado da loteria.
- Alô, Terra chamando? – Ouvi chamar e me cutucar rudemente nas costelas.
- Outch!
- No que está pensando? – ela também estava encarando o prédio, com os braços cruzados.
- Nada de importante – menti, para o meu próprio bem. Se confessasse que estava imaginando o cara batendo uma massa, minha amiga provavelmente tentaria me internar. – Mãos à obra, não é? Vou interfonar.
- Você vai o quê? – Ela me segurou pelo braço, e eu a encarei de frente.
- Ué, precisamos saber se ele é o cara!
- E tocar o interfone dele é a melhor maneira de fazer isso? – Ela perguntou com a voz esganiçada e os olhos arregalados. – Ele não pode ver você, não assim!
- Por que não? Eu até que estou bem bonitinha – afirmei, olhando para o meu sobretudo vermelho, e ela me deu um tapa na orelha. – Ai! Que saco!
- Você não pode dar de cara com ele, ele vai saber que você esteve o procurando loucamente e vai fugir. Jesus, será que eu tenho que te ensinar tudo sobre a arte da sedução?
Gargalhei.
- De que série você tirou essa frase?
- De nenhuma! Eu posso não ter um namorado, mas eu entendo das coisas, ok? – Ela respondeu, com o olhar atravessado. – Se negar, eu vou pra casa.
- Não negarei jamais, ó bela Taylor Swift da Colômbia – sorri, e ela mostrou o dedo do meio. – Certo, o que eu faço então?
Assim que perguntei, avistei um garoto de uns quatorze anos abrir a porta de vidro do prédio, saindo depressa com a uma mochila nas costas e fones de ouvido maiores que sua própria cabeça.
- Ei, garoto! – Berrei, mas como era de se esperar, ele não me ouviu.
- O que você está fazendo? – questionou, enquanto eu a puxava para o outro lado da rua.
- Ei, garoto! – Repeti, agora pulando na frente dele, e ele arregalou os olhos, assustado, e tirou os fones.
- Está falando... Comigo? – Ele gaguejou, olhando a mim e a de cima a baixo, e depois engolindo seco.
Não era difícil sacar que ele provavelmente nunca tivera duas mulheres lhe dirigindo a palavra, pela sua cara de espanto e os dedos tamborilando no celular. Algo me dizia que estava tentando arrumar alguma forma de nos fotografar e mostrar para os amigos de classe. Esse súbito interesse do menino magrelo e cheio de espinhas me fez sorrir.
Aquilo seria mais fácil do que eu pensava.
- Claro que estou falando com você, querido – sorri largamente, e toquei-o sem querer no ombro. me encarou, e sua expressão foi de confusão à vergonha alheia em três segundos. – Tudo bem contigo?
- Tudo, sim – ele respondeu mecanicamente, ainda com os olhos arregalados.
- Meu nome é e essa é minha amiga . Você mora nesse prédio?
- Vocês são bonitas demais para serem assaltantes – ele falou, baixo demais, e eu ri alto, deixando-o mais vermelho que um pimentão. – Desculpe!
- Não seja por isso. E então, mora?
- Moro, sim.
Mordi o lábio inferior discretamente, olhando-o de cima a baixo, e deu um tapa na própria testa, encarando a avenida. O meu gesto não passou despercebido pelo garoto que parecia verdadeiramente hipnotizado.
- Que bom. Você conhece algum ?
- . Ele era meu vizinho.
- Era? – perguntei, com uma careta, e ele assentiu.
- Sim, ele mudou há menos de um mês para um outro prédio a umas quatro quadras daqui.
- Que prédio? – perguntei, e ele me encarou, apertando os olhos.
- Para que você quer saber disso?
- Er... Eu queria fazer uma surpresa para o meu velho amigo...
O garoto me encarou de cima a baixo, depois riu.
- Por que eu não estou acreditando nisso?
A abrupta mudança do garoto da hipnose completa para a confiança me assustou, e eu perdi a fala imediatamente. De repente, ficou muito claro para mim que ele sabia o que eu estava fazendo desde o começo, e quis me enfiar num bueiro. Forcei um sorriso, depois chacoalhei a cabeça.
- Ok. Me passe o endereço do cara, e em troca, eu tiro uma foto com você para você espalhar para os seus amiguinhos perdedores que tem uma namorada linda e mais velha – disse, e ele deu um passo para trás, surpreso com a proposta.
- ! – ralhou, parecendo estar desesperada, e o garoto sorriu.
- Uma foto e um beijo – disse, e eu gargalhei tão alto que ele encolheu o corpo.
- A foto. É pegar ou largar.
- Meu Deus, você deu em cima de um moleque de quatorze anos! – gargalhava, caminhando pelo meio da rua. – Nunca tive tanta vergonha por você!
- Quinze, ok? Ele disse que tinha quinze – respondi, quase rindo, e ela chacoalhou a cabeça.
- Porque isso realmente muda tudo, não é?
- Cale a boca – disse, rindo. – É aquele prédio ali.
Apontei para um prédio antigo de tijolos, em uma rua residencial bastante simpática; em seu fim, havia uma Starbucks.
- Gosto da localização. tem bom gosto – sorriu, olhando para cima.
Encarei o portão entreaberto porque provavelmente algum morador tinha esquecido de fechá-lo, e corri até lá, com em meu encalço.
- Aonde você vai?
- Eu não vou arrumar outro garoto de quinze anos aqui, , seria sorte demais. Vou entrar – disse, e ela me puxou pelo braço.
- Você pirou? Você vai bater na porta do cara e dizer o que?
- Sei lá! Oi, tudo bem? – disse, dando de ombros e ela rolou os olhos.
- Você sente esse cheiro?
- Cheiro? Do que diabos você está falando, ? – bufei, impaciente. Queria logo encontrar meu , por que isso era tão difícil de entender?
- Sério, ! Não está sentindo?
- Não – franzi a testa, encarando-a.
- É o cheiro da medida restritiva que eu tenho certeza que você vai tomar se bater na porta dele!
- Não sei por que ainda perco meu tempo com você! – Chacoalhei a cabeça, e então vi uma senhora se aproximando com as sacolas de supermercado. – Bom dia! Posso ajudar a senhora com as sacolas?
- Mas você é mesmo um anjinho! Muito obrigada! – ela respondeu, dando-me uma sacola enquanto me encarava, chacoalhando a cabeça, e eu entrava no prédio atrás da senhora.
Aquilo era um perfeito desastre.
Tinha conversado com a Sra. Todd por quase meia hora sobre assuntos que não me interessavam, enquanto tomava um café com biscoitos. Descobri que ela morava exatamente em cima do apartamento do , e ela me contou que ele tinha se mudado há pouco e que trabalhava como sous chef em uma cantina italiana em Little Italy. Ela disse também que esse horário ele estava trabalhando, o que me deu provavelmente a pior ideia que eu já tive, desde que eu decidi experimentar meu primeiro e único baseado da vida na faculdade e fazer um strip-tease para meu ex namorado no meu do salão comunal.
Resolvi descer pela escada de incêndio até o apartamento dele, e tentar ver, da varanda, se tinha alguma foto ou algo que o caracterizasse, porque já tinha investido demais nesse para ele ser o cara errado. Então, assim que a Sra. Todd partiu para a cozinha para buscar mais alguma coisa, corri para abrir a porta da frente e fingir que tinha saído por lá, e depois despenquei escada de incêndio abaixo pela varanda. Achei que fosse ter uma crise de asma por causa da adrenalina, mas a senhora era lentinha de verdade, então consegui descer tranquilamente, e aterrissar na varanda do primeiro andar.
Encostei o rosto à janela e liguei a lanterna do celular, tentando avistar alguma coisa interessante.
- Vamos lá, ... – sussurrei, encostando o nariz na janela gelada. – Cadê uma foto sua?
Corri a lanterna pelo vidro, rezando mentalmente para que ele tivesse um pôster gigante com a própria cara em uma parede, quando achei um único porta-retratos, solitário em uma pilha de livros grossos na mesa de centro.
Uma garota. Muito bonita, por sinal.
- Não, não, não... Não me diga que você fez isso comigo, seu desgraçado! – grunhi, concentrada em tentar ver a foto com clareza, sentindo meu recente conto de fadas desmoronar à minha frente.
Apertei os olhos, encarando a bela garota de cabelos vermelhos, tentando de todos os jeitos pensar que era a irmã dele ou algo parecido, apesar deles não terem absolutamente nada a ver, quando no completo silêncio do apartamento vazio, ouvi o barulho de uma chave na porta.
- Merda! – xinguei, colocando a mão na boca imediatamente, enquanto me espremia no único cantinho de parede que não tinha janela. – Merda, merda, merda!
Ouvi o barulho da porta abrindo e de saltos ecoando no piso de madeira, com meu coração batendo tão loucamente que achei que fosse cair dura.
Puta merda, como que eu iria sair dali sem que ninguém notasse?
A Sra. Todd tinha me garantido que ele estaria trabalhando, mas não me disse nada sobre a garota que agora estava andando pra lá e pra cá de salto enquanto minha vontade de gritar de pânico só aumentava.
E se ela fosse fumar lá fora? E se quisesse dar uma olhada no tempo?
Eu estava fodida. Já podia prever minha entrada na prisão por invasão de propriedade privada. Aqueles macacões laranjas, ai, meu Deus, eu fico péssima de laranja. Respira, . Respira. Você vai dar um jeito de sair daí sem dar uma volta num camburão. Apenas não se esqueça de respirar.
- Hey, amor! – ouvi a garota dizer, e arregalei os olhos completamente.
também estava lá!
- Você demorou – ela voltou a dizer, enquanto eu tentava respirar corretamente e conter o impulso de dar uma espiadinha para ver se realmente se tratava do cara.
- Passei para devolver os jogos de Playstation do Gavin – ele respondeu, e eu apertei os olhos.
Jogos de Playstation.
É claro que aquele era o meu . Ele estava falando de Playstation, e tinha me dito que a cachorrinha dele chamava Gwen Stacy!
Meu Deus do céu, não se pode confiar em mais ninguém nesse mundo! O cara parecia tão perfeito, tão... Tão longe de fazer uma coisa dessas, mas estava lá traindo a ruiva na balada, e nem duvido que não estivesse fazendo isso antes de chegar em casa.
Sei que é errado afirmar, mas naquele momento também me senti traída. Traída por aquela imagem perfeita que minha mente babaca e feminina tinha construído sobre . Que chifrava sua namorada ruiva, e a mim também. Com aquele papinho de nerd fofo...
E então, em meio ao meu imenso devaneio sobre fidelidade, tomei um susto ao perceber que a garota ruiva estava com a cara na janela. Ela estava olhando para fora e eu ali, espremida no canto.
Naquele instante eu soube que ela iria me ver, eu simplesmente soube.
Imaginem a minha surpresa quando ela simplesmente recuou, falando alguma coisa que eu estranhamente não consegui ouvir, porque estava desesperada. Soltei o ar pela boca e tentei me concentrar.
- Por que você não vai abrindo um vinho para nós? Eu já pedi a pizza. Vou tomar uma ducha rápida – ela disse, com sua voz ficando cada vez mais distante.
- Está bem. Não demore muito, ou então vou lá me juntar a você – o cachorro respondeu, e a pobre garota ruiva riu.
O barulho da televisão foi a próxima coisa que ouvi, alta demais em um jogo de beisebol, e eu estudei minhas possibilidades.
O restante da escada de incêndio ficava do outro lado da pequena varanda, o que me faria casualmente caminhar por ela e me levaria para a prisão. De todo modo, ela parecia que acabava por ali mesmo, no primeiro andar. Estava longe demais do chão e não tinha ninguém para me ajudar a descer, como Joey e Ross fizeram em Friends. Só me restava uma alternativa.
- Alô, ? – sussurrei, em pânico de ser ouvida mesmo com a televisão aos berros e a sensação de que Cachorro estava longe abrindo o vinho, como a ruiva havia ordenado.
- Alô! Por que você está falando baixo assim?
- Eu preciso de ajuda – retruquei, rapidamente.
- Ai, meu Deus. O que você fez com a velhinha? – Ela questionou, parecendo nervosa, e eu quase ri.
- Nada. Eu... Eu passei um pouquinho do limite do aceitável e agora estou prestes a ser presa.
- VOCÊ O QUÊ? – ela berrou, e eu ouvi um barulho vindo da cozinha, como se também tivesse escutado.
Coloquei a mão no peito por um instante, tentando falar o mais baixo possível.
- Fale baixo, pelo amor de Deus! Não tenho muito tempo – suspirei, tremendo. – Eu estou presa na escada de incêndio do terraço do .
- Você está me zoando, né? – ela não berrou, mas seu tom de voz era sarcástico, antes que ela desse uma gargalhada. – Anda, para de ser tonta. Estou há o que me parece dois dias nessa Starbucks. Vem pra cá e vamos logo para casa.
- ! – grunhi. – É verdade. Eu estou presa aqui e preciso que você me ajude!
- Eu te ajude? Você passou todos os limites possíveis – ela respondeu, irada. – O que, diabos, você pensa que eu vou fazer?
- Nada demais – sussurrei. – Preciso que você toque a campainha dele, assim eu consigo sair pendurada numa árvore aqui. Com sorte, sem prisão ou morte envolvida.
- Nunca!
- Eu não tenho muito tempo, , vão me descobrir a qualquer momento – respondi, quase chorando. – Por favor. Por favor!.
- Já disse que não!
- , você quer que eu morra? – minha súplica saiu como algo entre o sussurro e o grito, técnica que eu sabia que funcionava muito bem com minha querida melhor amiga.
- Honestamente? Quero! – Ela resmungou do outro lado da linha, e eu grunhi.
- Toque a campainha!
- Não!
- !
- Eu não toco campainhas de gente estranha, por Deus – ela resmungou, também sussurrando, embora estivesse segura bem no meio da rua e provavelmente sem ninguém a perseguindo e prestes a terminar aquele passeio noturno com um macacão laranja. – Você é quem faz isso. Você toca campainhas, você fala por nós duas, e você faz tudo errado e atinge a cota de besteiras que veio designada a você, a mim e a mais uma outra pessoa de baixa estatura! – ela disse, irada. - E por você fazer tudo isso por duas, eu tenho o direito de colocar um moletom e assistir Netflix com um pote de Haagen Dazs em pleno fim de semana e não fazer social com gente que eu não conheço só porque você está presa na escada de incêndio!
Respirei fundo, ouvindo passos dentro da casa.
- ? !
- Estão andando pela casa – sussurrei, mordendo o lábio. – É sério.
Ouvi bufar, e tinha absoluta certeza que tinha rolado os olhos e feito cara de choro. Ela sempre fazia isso.
- Está bem. Mas depois que você sair daí viva, eu é que vou te matar!
- Eu odeio você! – resmungou e depois prendeu o riso, estapeando minha cabeça para arrancar uns pedaços de madeira da árvore.
Sentei na guia da calçada, exausta. tinha, muito a contragosto, tocado a campainha da casa do tal . Joguei-me na árvore e quase desci direto, escorregando pela madeira que conseguiu me arranhar inteira mesmo por baixo do casaco grosso de frio. Tropecei no chão e caí, deixando meus joelhos provavelmente roxos.
Que maravilha.
- Eu acho que alguém assistiu o tempo todo eu quase morrendo nessa árvore. Ali, naquele prédio, numa janela mais pra cima, e numa ali no primeiro andar – disse, depois chacoalhei a cabeça. – Juro que em um momento vi uma pessoa rindo.
- Isso é loucura da sua cabeça.
- Argh! Quero morrer, cadê você me matando? Cumpra sua palavra! – incentivei, e riu.
- É bom para você aprender a valiosa lição do dia...
- Nunca desça pela a escada de incêndio do cara que você quer encontrar? – Questionei, com uma careta, e ela negou.
- Não. Nunca obrigue a a fazer nenhuma loucura, porque senão ela vai mesmo te encher de porrada. Palavra de colombiana!
Ri, encostando minha cabeça no ombro de .
- Ai, tudo dói! E o pior de tudo é que eu fiz tudo isso pelo cara errado! – Disse, irada, depois caí na gargalhada. – Eu sou patética. Sou mesmo.
tinha tocado a campainha de – depois de seu mini surto de pânico social – e esperta como sempre, deu uma fotografada básica no rapaz, que devia ter, sim, menos de trinta anos, mas era bem gordinho e não tinha nada a ver com o cara da balada. Ele ainda contou pra ela a história do casamento dele com a ruiva bonita, porque, aparentemente, nesse edifício todas as pessoas gostam de compartilhar detalhes.
Não importava. Eu tinha descido uma escada de incêndio, quase sido presa e caído de uma árvore pelo errado. Aquilo era uma piada.
riu alto, comigo, depois levantou e me puxou pela mão, e eu levantei a contragosto.
- Estava esperando morrer de frio aqui fora.
- Você não vai me arrastar para o inferno contigo, não, amiga... – provocou, e eu ri.
- Ei! Quem disse que eu vou para o inferno? Sou uma pessoa muito comportada... Geralmente – disse, e ela gargalhou.
- Está bem. Vamos passar naquela Starbucks que quase virou minha casa para pegarmos um chocolate quente, e depois vamos para nossa casa de verdade. Você precisa de um bom banho quente, umas ataduras e da sua cama.
- Você vai cuidar de mim, é?
- Claro que não, tenho mais o que fazer – ela rolou os olhos, e eu ri baixo.
Bom, pelo menos, teria uma história para contar para os meus netos.
- Meu Deus, que dia!
Atirei-me no sofá de qualquer jeito, completamente exausta e com cada pequena parte do meu corpo dolorida. Estava com medo até de tirar o casaco e a calça e descobrir que estava com mais escoriações do que quando rolei rua abaixo de patins aos onze anos.
- Ai – gemi, tirando as botas e levantando os pés na mesa de centro. riu.
- Vou fazer bolo de caneca pra gente. Achei que esse dia nunca fosse acabar.
- Eu também achei – suspirei, encarando o teto. – Sabe, uma parte de mim realmente achou que eu fosse encontrá-lo. Não sei nem o que estaria fazendo agora se, de fato, aquele fosse o certo, mas... – sorri, encarando minha amiga, depois dei de ombros. – Deixa pra lá.
- Ué... – arqueou uma sobrancelha, caminhando até mim com duas canecas natalinas em mãos. – Desistiu?
- Acho que já me arrisquei e machuquei demais para um dia só – murmurei, depois forcei um sorriso. – vai ser aquele tipo de cara que parece um sonho, e acho melhor deixar essa memória intocada.
- Mas temos mais um próximo, não temos? Podemos tentar esse. Civilizadamente, é claro - sugeriu, e eu ri.
- Deixa pra lá. Vou tomar um banho de imersão e tentar tirar esse cara da cabeça na marra, que eu já fiz loucuras demais para a vida toda.
- Sabia que você leva jeito pra essa coisa? – perguntei, apertando os olhos, e ele sorriu, confuso.
- Que coisa?
- Esse negócio de cuidar dos outros. Você devia ser médico – sugeri, e então ele gargalhou, jogando a cabeça levemente para trás, e voltou a me encarar.
Franzi a testa, confusa. Estava bêbada e não conseguia lembrar o que, diabos, eu tinha dito que pudesse ser assim tão hilário, mas antes que pudesse perguntar, como um belo leitor de pensamentos, me respondeu:
- Eu sou médico – disse, com um sorriso.
Dessa vez eu quem gargalhei, tampando o rosto com as mãos, envergonhada.
- Ai, Deus, como eu sou idiota! Sou mesmo muito babaca – disse, ainda rindo, e abanei o rosto com as mãos, tentando me recompor. – É claro que você é médico! Por qual outra razão você estaria me ajudando, a não ser por um juramento de nunca deixar alguém morrer na sua frente?
riu, depois chacoalhou a cabeça.
- Você não está nem perto de morrer, só bebeu demais – disse, e eu o interrompi.
- Fico feliz em saber meu diagnóstico, Doutor.
Sabia que meu tom de voz beirava o insuportável, mas esses eram meus estágios da bebida. Fazer amizades com estranhos, ficar com estranhos, parecer legal e depois revelar um monstro interno que deixava todo mundo puto ou entediado. O monstro da tequila.
Então, quando respondi daquela forma, estava pronta para que ele me mandasse para o inferno, como qualquer outra pessoa normal, mas ele não o fez. Apenas chacoalhou a cabeça, com um sorriso de canto, como quem me julgava secretamente por estar bêbada, mas nunca me contaria isso. Isso apenas aumentou a minha raiva, e quando fui abrir a boca, ele sorriu, e disse:
- Eu sei que você provavelmente acha que eu estou cumprindo algum tipo de obrigação, mas não estou aqui como médico, até porque você só está bêbada. Eu estou aqui porque fiz um teste.
- Um teste? – perguntei, com uma careta, e ele riu.
- Sim, um teste. De todas as pessoas que sentei ao lado nessa balada, todas beiravam o insuportável. Não sou muito bom nesse negócio de me aproximar dos outros... Então achei você que, mesmo bêbada, acaba com eles – ele riu. – Achei que esse fosse o melhor lugar para estar, mas se você quiser, eu posso...
- Não! – interrompi, afoita e com lágrimas nos olhos. – Não vá embora. Fique aqui comigo.
Ele sorriu de canto e depois sentou ao meu lado.
- Ótimo, porque eu realmente não queria ir a lugar algum.
Abri os olhos e pulei para fora da banheira, praticamente alagando o banheiro. Enrolei uma toalha em volta do corpo e saí, tropeçando pelo piso até derrapar até a cozinha.
- ! – berrei, e ela deu um pulo, assustada.
- Quem morreu?
- Ele é médico! Ele é médico, aquele lindo, maravilhoso, meu Deus, eu preciso encontrá-lo!
apoiou as canecas na pia, e só aí senti o maravilhoso cheiro de bolo de chocolate. Ela arqueou uma sobrancelha.
- Eu pensei que você tinha desistido...
- Eu também, mas SURPRESA! – gritei, e gargalhou, provavelmente pensando que naquele dia, em especial, eu estava completamente fora de mim.
E estava, mesmo.
- Por que mudou de ideia?
- Porque ele cuidou de mim na balada. E porque ele me escolheu como a melhor pessoa da balada, praticamente. Ele é lindo, e eu preciso encontrá-lo.
- Ok. Promete uma coisa?
- Depende...
- Sem subir em árvores, sem invasão de apartamentos, sem nada que possa te levar presa?
Rolei os olhos, pegando uma caneca.
- Prometo. E você, vai me ajudar?
- Já estou ajudando – disse, digitando algo no telefone.
- O que você está fazendo? – Perguntei, colocando minha cabeça na curva do seu ombro para espiar.
- Bom... Ele foi aluno de Columbia – disse, mexendo na tela. – Ei! Temos uma menção de um em uma matéria sobre o NewYork-Presbyterian Lower Manhattan Hospital.
- O Presbyterian é o hospital universitário de Columbia... – sorri, tentando controlar minha histeria crescente. – Ou seja...
- Promete que não vai ser presa? – suplicou, e eu ri, abraçando-a de lado e depois fazendo uma careta quando os ralados do meu braço pinicaram.
- Prometo. E se eu for, prometo levar você comigo, pra você não ficar com muitas saudades.
- Certo... Qual é o plano? Saiba que já estou com o telefone na mão com o telefone da polícia, para caso você queira cometer alguma loucura, serei a primeira a denunciar!
Encarei minha melhor amiga e ri, dando de ombros. Estava muito frio para a primeira semana de dezembro, mas aceitei esse fato de bom grado porque estava toda acabada e arranhada e aquele meu casaco era lindo e escondia tudo direitinho. Olhei para o hospital e sorri.
- Você não vai precisar me denunciar, sua traidora – brinquei, rindo. – Hoje resolvi optar pelo casual.
- Que é...?
- Simplesmente vou atravessar a rua e passearei na frente do hospital, casualmente. Ele vai ter que chegar, ou sair, e então eu casualmente darei de cara com ele – sorri, triunfante, e pareceu aprovar.
- É uma ótima ideia, exceto que você vai congelar e não sabemos que horas ele entra ou sai, ou se sequer estará aí hoje.
- Quer deixar de ser pessimista?
- Sou realista!
- Pessimista – grunhi. – Estou sentindo que hoje os anjos estão do meu lado, e ninguém pode contra as forças dos céus. Vou ficar andando, linda, maravilhosa e...
- Casual – ela riu.
- Isso. Por isso que eu gosto de você, você é esperta.
- Está bem, então. Vou ali na Toys R Us comprar uns presentes de Natal e volto daqui a pouco para ver o que está acontecendo por aqui.
- É o fim dos tempos, ! – Quase berrei, irada, quando apareceu, uma hora e meia depois.
- O que foi? Você o encontrou e ele passou direto? – ela perguntou, afoita, e eu neguei.
- Não. Nada! Ele não apareceu!
- Eu disse que isso podia acontecer...
- Não me venha com “eu te avisei”, senão eu juro que te bato! Eu estou morrendo de frio e ele não saiu nem pra almoçar – fiz bico. – Mas isso não vai ficar assim! Vou lá dentro.
- Você vai o quê? Não, eu vou ligar para a polícia!
- Quer parar? – gemi, apertando os braços. – Vou lá dizer que estou com dor de garganta, o que possivelmente se tornará verdade em pouco tempo, visto que eu passei uma hora e meia andando no gelo! – Rolei os olhos. – Vou pedir para ser atendida pelo médico da família, .
- Para uma dor de garganta?
- Você tem alguma ideia melhor?
- Sempre, mas minhas ideias não vão te levar a lugar algum – ela disse, dando de ombros. – Vamos lá. Quero ver isso pessoalmente.
Entramos na recepção do hospital e optei por uma recepcionista que parecia mais amigável e simpática. Andei até ela, e instintivamente tossi e coloquei a mão na garganta.
- Boa tarde. Em que posso ajudá-la?
- Eu... – pausa para tossir. – Eu estou com uma dor de garganta insuportável – tossi de novo, e vi abaixar a cabeça e morder o lábio, para prender o riso.
- Vou precisar que você preencha seus dados aqui – a senhora me entregou uma folha e uma caneta, e eu sorri.
- Tudo bem. Mas eu gostaria de passar com o médico da minha família – disse, e ela sorriu.
- É claro. Qual doutor?
- .
A senhora levantou e me olhou por cima dos óculos, depois deu uma risadinha.
- Dr. ?
- Exatamente – sorri.
- O Dr. é residente em pediatria.
A risada de saiu pelo nariz, como se fosse um porquinho, e eu estava roxa de vergonha, tentando falar alguma coisa, mas não consegui formular uma frase coerente.
Segurei o papel e larguei na mesa, em seguida.
- Quer saber? Acho que estou curada! – dei um pulo para trás, puxando pela mão, enquanto ela gargalhava histericamente. – EU NÃO ACREDITO! – Berrei, do lado de fora, também tendo uma crise de riso. – Por que ele é tão difícil, meu Deus?
- Eu. Vou. Morrer. – dizia, quase engasgando, e eu dei um tapa na cabeça dela. – Ai!
- Essa recepcionista deve achar que a gente é doida...
- Ou isso é normal, tendo em vista que ele é um médico, é gato, e, socorro, cuida de crianças? – disse, chacoalhando a cabeça. – Deve haver algo muito errado com esse cara.
- Pretendo descobrir – eu sorri, maliciosa. – Mas, para isso, precisamos de uma criança.
- Ah, não! Não, não, e não! Aí você já está indo longe demais!
- Como longe demais? O cara é um pediatra, precisamos de uma criança para entrar nesse hospital e dar de cara com ele, ora bolas – dei de ombros. – Fiquei tão atordoada com a informação que nem sequer perguntei se ele estava aí hoje! Mas tudo bem... Que crianças nós conhecemos?
- Não, você está doida! Não vou compactuar com isso. Colocar crianças indefesas no meio da história é um pouquinho demais, ! – disse, andando na direção oposta do hospital, e eu a segui, a contragosto.
- Eu poderia ligar para a minha irmã, mas daria muito trabalho buscar minha sobrinha em White Plains. Ei! A gente podia falar com aquela sua amiga, a Grace, e ver se ela empresta pra gente o filho mais novo dela, aquele bonitinho de uns quatro anos...
- Você está ouvindo a si mesma? – me interrompeu. – Pegar crianças emprestadas para uma consulta falsa num hospital? Meu Deus, , eu acho que, quando você conheceu esse tal , você simplesmente perdeu um parafuso! Tudo o que você faz desde ontem é besteira!
- Quer parar de ser a voz da razão quando não é solicitada? Poxa vida, , eu pensei que você fosse me apoiar nisso!
- Mas eu prometi que ligaria para a polícia na primeira recaída sua na loucura, e isso, meu amor, é definitivamente uma!
- Mas ele é o cara dos meus sonhos! E é o certo, dessa vez, todas as peças se encaixam!
- Você disse ? – tomei um susto por uma voz desconhecida me interromper no meio da minha DR com , e nós duas viramos para o lado, encarando uma garota bonita, de cabelos escuros e compridos, e bem alta. Ela tinha olhos castanhos, que pareciam de um gato, e estava com uma das sobrancelhas erguidas.
- Disse, sim – concordei, meio atordoada, tentando estudar a aparência da moça para julgar se ela era outra médica conhecida dele, ou algo do tipo.
- E você disse que ele é o amor da sua vida? – ela perguntou, e me encarou, com os olhos arregalados.
- Não, não foi exatamente isso que eu...
- Foi sim! Eu ouvi muito bem, sua vadia!
Epa.
- Vadia? Você nem me conhece para...
Foi tudo muito, muito rápido.
Antes que eu conseguisse terminar a frase, a garota já tinha acertado um tapa na minha cara, enlouquecida, e veio para cima de mim, gritando coisas desconexas e me xingando. Vi correr atrás de um segurança, e, já irada, e cheia de vontade de enfiar a mão na cara daquela baranga – quem quer que ela fosse – a empurrei para trás.
- Você é maluca? Eu nem sei quem você é!
- Ah, não sabe? – Ela gargalhou. – Vou te ensinar quem eu sou então, sua vadia!
Quando tentei desviar de outro tapa – ou soco, nunca saberei – que a garota louca ia me dar, tropecei no gelo, e antes que pudesse me segurar, bati a cabeça em um poste.
Vi a garota louca arregalar os olhos e pegar a bolsa, depois sair correndo na direção oposta do hospital. E essa é a última imagem que eu tive desse momento, antes de apagar completamente.
Eu tinha morrido e chegado ao paraíso.
Pelo menos foi isso que eu pensei quando abri os olhos, e confusa com a claridade de um ambiente fechado qualquer, pisquei algumas vezes e o primeiro rosto que eu vi foi, que irônico... O de .
Chacoalhei a cabeça e me mexi bruscamente na cama, assustada, e ele veio até mim, parando a cabeça exatamente em cima da minha, com a outra mão apoiada na cabeceira da cama.
- Ei, calma, calma – ele sorriu. – Está tudo bem com você. Você está no hospital.
Tentei respirar fundo, mas minha respiração estava entrecortada e minha cabeça parecia que ia explodir.
Aquilo não podia ser real. Em que mundo eu teria ido parar no hospital e encontrado – desacordada – com ? Não no meu, pelo menos.
Apertei os olhos.
- Você provavelmente deve estar um pouco confusa – ele voltou a sorrir, lindo, maravilhoso e dessa vez de jaleco e com um estetoscópio pendurado no pescoço, e eu realmente achei que estivesse sonhando. – Você bateu a cabeça em um poste e ficou desacordada por algum tempo. A batida não foi muito forte, mas provavelmente o local deve estar bem dolorido. Fizemos alguns exames, talvez seja preciso que façamos outros, mas você está bem. Vou pedir um medicamento para dor.
Encarei-o, sem ainda entender se aquilo era realidade ou sonho, se estava morta ou viva, e então, completamente atordoada, levei minha mão até o braço dele e belisquei.
- Ai! – ele reclamou, depois deu uma gargalhada. – O que você está fazendo?
- Eu não sei até que parte dessa história é verdade – respondi, com a voz baixa e meio rouca. Se aquilo não era mesmo um sonho, eu precisava saber. - Não entendo até agora o que aconteceu. Eu estava lá, e agora estou aqui e... Você está aqui também.
me encarou, tirando os olhos da prancheta, e depois deu um sorrisinho de lado.
- Então você se lembra de mim.
- Você também se lembra de mim – disse, sentindo o sangue correr mais rápido pelas veias. Meu Deus do céu, aquilo não era mentira! Eu estava viva, confusa e numa enfermaria com o cara que tanto procurei nos últimos dias.
Antes que eu pudesse me recuperar do choque de informações, ele sorriu de novo – o filho da mãe sabia bem o que fazer, isso é verdade – e mordeu levemente o lábio.
- É claro que lembro. Não é sempre que tenho a honra de cuidar de uma paciente duas vezes em menos de quatro dias por razões completamente adversas – ele disse, e havia algum tipo de provocação divertida em sua voz. Eu ri, tampando o rosto com as mãos.
- Você deve achar que eu sou maluca.
- Eu tenho certeza, mas boas notícias, ... As melhores pessoas são.
- É a segunda vez que você diz que eu sou uma pessoa superior ao resto da raça humana. Eu estava bêbada, mas lembro bem disso – disse e ele riu, ficando corado.
- Não se fazem mais bêbados como antigamente. Se você fosse uma boa bêbada, nem se lembraria da minha cara, quanto mais o que eu disse – disse, anotando alguma coisa em sua prancheta, e eu murchei os ombros e forcei um sorriso.
- Você queria que eu não me lembrasse de você, então?
Ele me encarou rapidamente, fazendo um movimento brusco com uma das mãos e dando um tapa em uma bandeja, que caiu no chão com um estrondo. Apertei os olhos, sentindo cada uma das minhas conexões cerebrais gritar de dor.
- Meu Deus, me desculpe! Argh! Eu sou um idiota, desculpe – ele correu para pegar a bandeja, depois voltou para o lado da cama. – A garota bate a cabeça num poste e eu derrubo uma bandeja de prata para tornar tudo melhor. Sou mesmo um médico maravilhoso – ele tentou rir, e eu acabei sorrindo para o seu jeito desastrado.
Então, ele se aproximou de mim e colocou uma luz entre meus olhos. Havia algo com a proximidade extrema que fez minha nuca arrepiar, lembrando-me do beijo que trocamos na boate. E lá estávamos nós de novo, com as respirações misturadas, enquanto ele pedia para eu olhar para um lado e para o outro, e eu tentava não morrer.
Ele sorriu e se distanciou, e algo me disse que ele tinha lido meus pensamentos. De novo. Por que eu estava com a impressão que ele fazia isso, afinal?
- Tirando o incidente da bandeja, você se sente bem?
- Sim. Está tudo bem.
- Ok. Eu vou pedir um remédio para dor para você, de qualquer maneira.
- Eu pensei que você fosse pediatra – falei, rapidamente, depois chacoalhei a cabeça, indignada comigo mesma.
Isso mesmo, , é isso que você quer. Revelar seu lado stalker para o cara, agora.
- Você sabe disso, é? – perguntou, divertido, e eu sorri.
- Sim, você me contou na balada – chutei, torcendo para dar certo. Ele franziu a testa e pareceu pensar, dando de ombros logo em seguida.
- Eu a reconheci no corredor, por isso estou aqui.
Havia pelo menos três milhões de perguntas que eu queria fazer. Quem diabos era aquela garota com quem eu havia brigado? Ele me reconheceu no corredor? Ele se lembrava de mim, tinha me procurado? Eram tantas coisas que quase colapsei, e então fui pelo caminho mais fácil.
- Onde está a ?
- ?
- Minha amiga. Ela estava comigo.
- Ah! Sim, a . Ela foi assinar uns papéis da sua entrada aqui.
- Eu vou ficar aqui por muito tempo?
- Não, só até os resultados dos exames, provavelmente, fique tranquila – ele sorriu, e então, inesperadamente, perguntou: - Você chegou bem em casa naquela noite?
Pisquei algumas vezes, pela pergunta inesperada, depois fiz uma careta.
- Sei que sim, embora não lembre como – disse, sincera, e ele gargalhou.
E nesse momento eu decidi que amava a sua risada. Havia algo nela que me fazia querer contar piadas para ele o dia inteiro, só para escutar aquele som.
Isso provavelmente foi uma ideia vinda da batida na cabeça, por favor.
- Eu a coloquei em um táxi, mas não pude acompanhá-la, desculpe. Meu irmão estava bêbado demais e se eu o perdesse de vista, nem teria casado – ele riu.
- Você era irmão de um dos noivos do dia, então?
- Sim, e se eu acompanhasse você, provavelmente estaria morto, hoje, pela minha cunhada – disse, e eu ri.
- Ainda bem que deu tudo certo.
- Deu, sim.
- Você sabe outra coisa que eu me lembro daquela noite? – Perguntei, em um ímpeto de coragem, sabendo que não tinha muita coisa a perder. Se não fizesse aquilo, me odiaria para o resto da vida. Ele me encarou, com uma das mãos apoiadas na cama, e deixou a prancheta de lado.
- Não, o quê?
- Do nosso beijo – disse, com uma risada, tentando parecer casual, como se apenas adicionasse à conversa a informação de que tínhamos dividido um milk-shake. Ele mordeu o lábio e não riu, depois fez uma careta, ficou vermelho, e pareceu estar travando uma luta interna. Eu arregalei meus olhos e tentei sentar direito, mas minha cabeça não deixou. – O que foi? – Perguntei, alarmada.
- , eu... – ele pareceu ponderar, depois decidiu: - Eu não a beijei naquela noite.
Era como se o mundo tivesse despencado em minha cabeça.
Meu Deus, ele tinha me beijado, sim! Eu me lembrava da música. Lembrava que caímos no sofá, e embora não me lembrasse muito do beijo, nem de como acabamos nos beijando, afinal, eu tinha certeza que ele tinha acontecido. Eu estava bêbada, mas não estava louca, nós nos beijamos e depois ele ficou conversando comigo e sendo adorável. E eu decidi que queria procurá-lo porque ele era maravilhoso.
- Nos beijamos, sim – afirmei, com uma sobrancelha erguida, e cruzei os braços. – Eu sei que tinha bebido demais, mas lembro disso perfeitamente.
- Não, nós não nos beijamos – ele voltou a dizer, deixando-me instantaneamente com raiva.
Meu Deus, se ele não quisesse ter nada comigo, ou se não quisesse nem se lembrar disso, tudo bem, era compreensível. Mas daí a negar um fato, era demais. Quando eu ia abrir a minha boca para mandá-lo para o inferno, ele falou, com a voz baixa, e completamente roxo de vergonha.
- Você beijou o meu irmão.
- EU O QUÊ? – Berrei, depois coloquei a mão na boca, vendo-o me olhar com os olhos arregalados. – Eu beijei você! Era você, eu reconheço a sua cara!
Ele riu, parecendo desconfortável.
- O Eric é meu irmão gêmeo – disse, depois acrescentou: - Idêntico.
Eu me encolhi, pela primeira vez desde que aquela conversa começou, querendo que fosse um sonho, ou que eu realmente estivesse morta. Ele parecia falar a verdade, até porque se fosse uma desculpa, seria provavelmente a mais manjada de todas. Meu rosto estava queimando.
Não. Não, não, Deus, não me diga que eu estive perseguindo o cara errado por dias.
- Mas eu me lembro do seu nome, – afirmei, com um mínimo restante de coragem, e ele sorriu.
- Você e meu irmão se beijaram, eu não sei como. O padrinho do casamento o levou para o banheiro porque ele estava muito, muito bêbado. Eu a encontrei de novo, e ficamos conversando e eu cuidei de você, e como você não mencionou nada do beijo...
- ... Você imaginou que eu nem lembrava – completei, e ele assentiu.
- Desculpe, eu realmente não sei o que dizer.
- Meu Deus, eu estou morta de vergonha! – escondi o rosto, depois tentei levantar. – Eu beijei o seu irmão! Seu irmão que está casado! Meu Deus! – grunhi, tentando levantar.
- Está tudo bem, , eu...
- Não, não está. Eu preciso ir para casa – disse, colocando as pernas para fora da cama, e ele me impediu.
- Por favor, não faça isso – pediu, cobrindo-me de novo, parecendo tão desconsertado quanto eu.
O encarei, e soltei o ar pela boca. Ele estava ali, a milímetros de mim, e eu ouvi minha própria voz falar:
- Por que não?
- Porque você teve uma concussão na cabeça, e eu não posso deixar que vá embora – ele respondeu, prontamente, e eu murchei, de vergonha e de decepção.
Se aquilo fosse uma comédia romântica da maldita Katherine Heigl, ele estaria enumerando motivos. Mas não era. Ele simplesmente não podia deixar a paciente louca sair e se machucar por aí.
Ficamos o que pareceu uma eternidade em silêncio, quando uma enfermeira bateu na porta e entrou no quarto.
- Dr. , o Mason acordou da cirurgia.
- Ah, perfeito, Paige, eu estarei lá em um minuto – disse, e a garota saiu da sala, parecendo abatida pelo sorriso dele.
Quem sou eu para julgar?
Ele sorriu para mim, parecendo sem graça, e falou:
- Eu preciso checar como está esse meu paciente. Ele tem onze anos e teve que fazer uma cirurgia de apêndice – disse, provavelmente tentando soar casual, e eu forcei um sorriso. – Tente relaxar, está bem? Eu volto daqui a pouco.
Encarei o teto do meu quarto, exausta, dolorida, mas acima de tudo, confusa e irada com o desenrolar dos acontecimentos. Assim que deixou a enfermaria, eu tratei de ter uma crise de choro porque queria ir embora dali o mais depressa possível, antes que ele voltasse e a história toda ficasse ainda mais vergonhosa.
Eu tinha beijado o irmão dele! Gêmeo. Idêntico.
Tinha procurado o cara errado – ou certo? – o tempo todo, e ele era lindo e um doce, mas eu claramente estava mais interessada do que ele, que me tratava como uma paciente. Sem contar a louca da frente do hospital, que provavelmente era alguma namorada, o que não era um bom sinal.
Então, quando voltou para o quarto e se recusou terminantemente a me ajudar a voltar para casa, xinguei-a e ela encontrou um médico plantonista que já tinha os resultados dos meus exames. Implorei por minha alta, e ele prontamente me deu, muito mais preocupado com seus reais afazeres. Consegui fugir de lá sem cruzar com , e estava em uma crise existencial, chorando e me lamentando, sem entender nada do que estava acontecendo comigo.
entrou no meu quarto, com uma xícara de chá em uma das mãos, e sentou na beirada da minha cama.
- Está se sentindo melhor? – perguntou, entregando-me a xícara, e eu tomei um gole.
- A cabeça ainda dói um pouco, mas acho que a ressaca moral é ainda mais dolorida – confessei.
- Posso dar minha humilde opinião?
- Deve!
- Você nem lembrava detalhes desse beijo, . Começamos a procurar esse cara puramente porque ele foi maravilhoso contigo na boate, e tudo isso foi o , não o tal do Eric, que estava mais bêbado do que você, e hoje está casado e passando a lua de mel dele nas Ilhas Maldivas.
- Lua de mel nas Ilhas Maldivas? – questionei, confusa, e ela riu.
- Ele tem Instagram – ela deu uma piscadela. – Mas esse não é o ponto. O está aí. E é lindo, maravilhoso, médico e cuidou de você.
- Porque é médico, é a obrigação dele.
- É, sim, mas ele estava realmente preocupado com você enquanto você estava desacordada. Eu vi. – ela sorriu.
- Por favor, não precisa inventar historinhas para que eu me sinta melhor. Acho que aprendi minha lição – eu respondi, rindo baixo da minha própria desgraça, e ela riu.
- Eu estou falando sério. Ele sabia perfeitamente quem você era, e queria muito cuidar de você pessoalmente. Largou tudo o que estava fazendo.
Sorri. Bom, pelo menos aquilo era alguma coisa.
- Fico feliz que ele pelo menos tenha feito isso, afinal, fui internada lá por culpa dele. Não acredito que, com todas as coisas estúpidas que eu disse, eu esqueci de perguntar quem era a morena maluca – ri, e me acompanhou. – Sou uma piada.
- Não, não é. – ela beijou minha testa. – Você é doida, mas não uma piada. Mas, por favor, me prometa que vai pensar direitinho em toda essa questão do . Hoje pude ver o quanto ele é maravilhoso, e eu não quero que você perca o cara dos seus sonhos à toa.
- Eu nem sei mais com que cara estava sonhando...
- Com ele. E ele merecia isso – ela sorriu. – Vou tomar um banho e depois vou pedir alguma coisa pra gente comer, tá?
- Estou sem fome.
- Comida tailandesa? – Ela deu um sorrisinho e eu rolei os olhos, rindo.
- Você venceu, .
Ouvi a campainha tocar e fiz uma careta, jogando o controle remoto no lado vazio da cama.
- ? – gritei, esperançosa, mas fazia pouco mais de dez minutos que ela tinha entrado no banho, e ficaria lá por mais tempo do que era considerado ecológico. – Merda, – gemi, contorcendo-me na cama.
Imaginei que ela tivesse pedido a comida sem me avisar, mas aquele seria um tempo recorde de entrega. Não importava quem fosse, eu não estava interessada, mas caminhei mesmo assim até a porta, vestindo um roupão cor-de-rosa de pelúcia pelo caminho por cima do pijama de flanela natalino que eu insistia em usar nessa época festiva de Dezembro.
Como se eu estivesse muito bem humorada para festas.
Abri a porta, já pensando em uns quatro jeitos de me desvencilhar de qualquer vizinho que quisesse encher o saco, quando dei de cara com ele... O problema dos últimos dias. Dei um pulo para trás, fechando o roupão ridículo por cima do pijama mais ridículo ainda, e voltei a encará-lo.
Seu sobretudo verde escuro estava respigado de neve, e ele estava com um perfume maravilhoso que eu estava sentindo a dois passos de distância. Em uma das mãos segurava uma touca e luvas, que ele já tinha tirado, e na outra... Lírios. Meu Deus do céu, esse cara não existe, de verdade! Lírios? Jura, Deus?
Para completar o pacote, estava com um sorriso de canto tímido, que não deixava de ser convidativo, e eu acabei sorrindo de volta, sem ser capaz de filtrar a reação previamente.
Ele levantou os lírios à minha frente e deu de ombros, e eu o encarei.
- É para mim? – Perguntei, idiotamente, e ele riu.
- É claro.
Segurei-as e sorri.
- Obrigada. O que está fazendo aqui? Com flores? – Eu ri, depois arqueei uma sobrancelha. – Aliás, como é que você achou meu apartamento?
- Stalkeei você na internet – ele respondeu, prontamente, e eu arregalei os olhos. Antes que eu tivesse um surto interno com essa informação, ele riu da minha cara, e colocou as mãos nos bolsos. – Na verdade, tinha seu endereço na ficha que a preencheu hoje. Antes de você fugir do hospital...
- Ei! Eu não fugi, eu tive alta! – Defendi-me, falando alto demais e ele sorriu.
- Não disse que você fugiu do hospital, e sim de mim.
Respirei fundo, tendo certeza que meu rosto estava prestes a corar, então olhei para baixo, tentando tirar meu olhar do dele. Encarei minhas meias pelo que pareceu uma eternidade, e voltei a olhar para ele.
- Bom, eu estava envergonhada. E confusa com a história toda, você sabe. Quis facilitar para você.
- Facilitar o quê?
- Você sabe... Sei que não foi exatamente agradável reencontrar a garota bêbada da balada que beijou seu irmão, então achei que pudesse evitar maiores constrangimentos. Mas agora você apareceu com lírios na porta da minha casa, e eu não faço ideia do que você está fazendo. – confessei, e nós dois rimos.
- Eu... Bem, eu não sou muito bom com as pessoas de um modo geral, eu já te disse isso – ele riu, olhando para o chão. – E eu acho que eu dei a impressão de que não queria reencontrar você, o que não era verdade. E isso só se confirmou quando eu voltei e você tinha sumido, então eu tomei uma garrafa de vinho e comprei flores, mas depois achei isso de trazer flores idiota. Então eu fiquei rodando por quarenta minutos ao redor do seu prédio, até uma senhora ameaçar ligar para a polícia, e agora eu estou aqui. Para fugir dela, não porque tomei coragem.
Pisquei algumas vezes, tendo certeza que eu estava prestes a rir e a chorar ao mesmo tempo. Caramba, de onde esse cara tinha saído? Por que ele era assim, tão adorável, tão querido, tão... Perfeito! Devia mesmo ter algo de muito errado com ele, mas não estava interessada em saber, não naquele momento. Eu apenas ri, olhando para as flores, depois continuei rindo, e ele me acompanhou, parecendo confuso demais, mas não questionaria nada. Quando consegui me acalmar, sorri, limpando os olhos.
- Você é uma graça – disse, rapidamente, e ele riu, ficando vermelho.
- É o vinho.
- Não, não é – incentivei, depois dei um passo para o lado, indicando o interior do apartamento. – Quer entrar? – Perguntei, sentindo as mãos gelarem, depois acrescentei: - Tenho vinho.
- Seu apartamento é muito bonito – ele disse, dando uma volta pela sala, e eu sorri, segurando duas taças em uma mão e a garrafa de vinho na outra.
- Obrigada. Eu trabalho com design de interiores, então é minha obrigação – disse, e ele sorriu.
- Verdade? Você é muito talentosa – ele disse, e eu dei uma taça para que ele segurasse.
- Obrigada – disse, enchendo as taças, e ele fez uma careta.
- Você vai beber? – perguntou, e eu arqueei uma sobrancelha.
- Por que, não devia? – perguntei, já fervilhando, doida para jogar na cara dele que aquele nosso encontro bêbado tinha sido um episódio isolado, quando ele disse:
- Você tomou remédio na veia, e teve uma concussão – disse, e eu paralisei, finalmente entendendo a preocupação. Ele riu. – Tá, eu vou parar de bancar o médico o tempo todo. Sei que isso pode ser irritante.
- Talvez, principalmente quando você quer impedir as pessoas de tomarem uma taça de vinho – retruquei, depois sorri. – Estou brincando. Agradeço a preocupação, mas acho que mereço uma taça depois desse longo dia. Prometo que será uma só, doutor.
Ele riu.
- Eu prometo que será uma só também, porque eu não estava brincando sobre a garrafa de vinho. Não quero aparecer na sua porta com flores e no mesmo dia vomitar no seu cesto de lixo – disse, e eu gargalhei.
- Você é uma moça para bebida, então?
- Pode-se dizer que sim. Sou sempre o escolhido para dirigir todo mundo pra casa, essas coisas. Médico, né? Tenho esse negócio incontrolável de cuidar dos outros – ele disse, bebendo um gole de vinho, e eu ri.
- Você deve mesmo ser muito bom no que faz.
- É quase um instinto, na verdade. Eu imaginei umas quatro mortes diferentes para você quando a coloquei naquele táxi sozinha, fiquei com medo de verdade – ele disse, e eu gargalhei.
- Meu Deus, eu só estava bêbada!
- Eu sei! Mas coisas muito ruins podem acontecer a pessoas bêbadas. E eu estava me sentindo culpado de não trazê-la para casa – disse, com um sorriso.
E então nós dois nos viramos no sofá, ouvindo um barulho, e demos de cara com parada no corredor, com um sorrisinho idiota no rosto, vestida com um roupão e uma toalha na cabeça. Ela ficou vermelha no instante que viramos.
- Eu não sabia que você estava com visita! – Apressou-se em dizer, pronta para sair correndo, e eu ri.
- , você conhece o Dr. – apresentei, com uma voz pomposa, e ele franziu a testa, rindo.
- Só está bom, – ele disse, levantando para cumprimentá-la, e ela me lançou um olhar de histeria/aprovação.
- Bom, desculpa incomodá-los, de verdade. Eu só vim buscar um pedaço de bolo, e já estarei fora daqui.
- Não quer tomar uma taça de vinho com a gente? – ofereci, com um sorriso que claramente dizia o contrário, e ela quase riu.
- Não, estou morrendo de sono. Vou para o meu quarto com meu bolo ver Netflix. Vocês fiquem à vontade, não estou nem aqui.
Observamos pegar o bolo e sumir pelo corredor, e eu voltei a encará-lo, subitamente lembrando de algo extremamente importante:
- Ei, doutor não-sou-bom-com-as-pessoas, esqueci de te perguntar uma coisa hoje mais cedo... – comecei, e ele me olhou com uma careta. – Quem era aquela doida que brigou comigo na porta do hospital ao ouvir seu nome?
A menção da história fez se encolher. Ele apoiou a taça na mesa, tentando ganhar tempo, e eu acompanhei a cena, com o estômago revirando, pedindo loucamente a todos os anjos para que ele não respondesse que era namorada dele ou algo pior.
- Estava pensando que ia passar ileso com essa.
- Não mesmo – sorri. – Sei que você não me reconheceu do corredor do hospital, deve ter ficado sabendo da cena... Meu Deus, você viu a cena?
- Não, não vi – ele riu, meio desconfortável. – Eu estava com um paciente, mas um amigo meu da recepção que estava fumando lá fora me contou, eu fui procurar quem era a pessoa e fiquei surpreso ao ver que era você.
Dessa vez, eu que enrubesci. Merda! Não tinha um jeito melhor de contar essa história sem parecer que eu estava lá por causa dele?
- Tudo bem. E quem era a garota, afinal?
- Minha ex-namorada – ele respondeu, parecendo sem graça, e eu ri.
É claro! Estranho seria se não fosse, na verdade. Enquanto eu pensava no meu próximo passo, ele prosseguiu.
- Nós terminamos há mais de seis meses, mas ela não se conforma... Então eu disse a ela que estava com outra pessoa, e ela achou que essa pessoa fosse você.
Outra pessoa. Outra pessoa.
Mas é óbvio que um cara tão maravilhoso como esse não estaria solteiro, não é? Eu queria dar um soco nele por ter aparecido lá com aquelas malditas flores. Será que a tal pessoa sabia disso? Ah, mas eu contaria para ela!
- Você está bem? – ele perguntou, provavelmente porque eu devia estar com cara de louca, e eu apoiei a taça bruscamente na mesa de centro.
- Estou, sim. Só estou processando a informação de ter recebido os tapas que seriam da sua namorada de verdade.
- Que namorada de verdade?
- A outra pessoa.
- Não há outra pessoa! – Ele respondeu, finalmente entendendo, depois começou a rir. – , eu inventei isso. Inventei outra pessoa para ela largar do meu pé, mas juro para você que essa pessoa não existe.
Lancei um olhar estreito, sem acreditar de verdade naquele papo.
- E por que você estaria solteiro? – perguntei, lembrando-me de parar antes da série de elogios que o faria se achar até o último fio de cabelo. Ele deu de ombros, depois sorriu, aproximando o rosto do meu e olhando bem em meus olhos:
- E por que você estaria solteira? – retrucou, e eu ri.
- Boa tentativa, mas eu não sou a médica bem sucedida com um ex maravilhoso correndo atrás de mim. Tenho certeza que tem uma fila de pacientes e mães de pacientes atrás de você, .
Ele riu.
- Não sou tudo isso.
Quando viu que eu não falaria nada, ele continuou:
- Eu trabalho doze horas por dia, não gosto de sair para baladas ou restaurantes famosos, tenho uma coleção de quadrinhos e uma buldogue que praticamente odeia qualquer outra pessoa que não seja eu. Mesmo que eu tivesse “todas essas mulheres” atrás de mim – ele fez aspas com os dedos, e prosseguiu – elas enjoariam de mim em dois minutos.
Eu ri.
- Isso não condiz muito com a reação da morena louca ao me ouvir mencionar seu nome – eu disse, e ele gargalhou.
- Eu sei que parece ruim, mas acredite se quiser, nosso relacionamento não durou dois meses. Ela é insistente demais para seu próprio bem, na verdade. E por favor, me perdoe pelo ataque dela. Isso é injustificável, e eu não sei o que falar.
Sorri.
- Você sabe, se eu não tivesse escorregado no gelo, teria quebrado a cara dela – disse, com um sorriso malandro, e ele riu.
- Eu tenho certeza que sim – disse, depois riu um pouco mais alto. – Sabe, um dia desses, vi uma garota de longe saindo da escada de incêndio e se pendurando numa árvore pra sair de um prédio – ele riu alto.
Alerta vermelho.
Será que ele sabia que era eu?
Ai, caramba! Instintivamente, apertei o roupão contra os braços, lembrando das marcas, e forcei uma risada.
- Verdade?
- Sim. No prédio de frente ao meu.
Mas que beleza, Deus. Me mandou para o errado no prédio da frente. Genial!
- Mas o que ela estava fazendo numa árvore? – incentivei, e ele riu, dando de ombros.
- Acho que estava fugindo da mulher do cara, não sei, eu tinha esquecido meus óculos no hospital – ele riu. – Imagino que as pessoas perdem um pouco a noção de realidade quando estão interessadas em alguém, não é?
- É verdade. Você não sabe o quanto.
O relógio marcava quase onze da noite quando esvaziamos a garrafa de vinho, e eu decidi que estava apaixonada. Certo, talvez encantada fosse a palavra correta, mas não conseguia tirar os olhos dele. Passamos quase duas horas conversando sobre a vida, sobre trabalho, família, sobre cachorros, música e qualquer coisa que viesse à cabeça, e era difícil acreditar que o cara em minha frente literalmente tinha tomado uma garrafa de vinho inteira para conseguir tocar minha campainha, o que só deixava tudo mais adorável. Tudo que ele dizia, o jeito como ele sorria e ria, eu estava parecendo uma idiota, uma adolescente de treze anos apaixonadinha pelo líder da boyband, exceto que meu alvo era médico e fugia de palcos ou qualquer coisa do gênero.
- Você quer vomitar no meu cesto de lixo? – Ofereci, depois que olhei a garrafa, e ele riu.
- Curiosamente, não. Mas acho que você bebeu bem mais do que eu – ele me olhou de forma divertida, e eu fiz uma careta.
- Eu não tenho muito problema com isso, aquela noite foi um caso isolado.
- Espero que você durma menos do que quinze horas amanhã, então – ele riu, referindo-se aos remédios, e eu gargalhei.
Em seguida, olhou o relógio, e pareceu surpreso.
- Nossa! Nem vi a hora passar – ele disse.
- Eu também não.
- Eu... Eu acho que preciso ir pra casa. Está tarde – ele disse, levantando, e eu senti tudo ruir.
Tudo bem, eu estava com um pijama natalino e calcinhas de vovó, e não estava pensando que o tinha conquistado e o levaria para a cama, mas não queria dizer adeus. Eu levantei, tentando não parecer decepcionada, e sorri.
- Fiquei muito feliz que você veio. Obrigada pelas flores.
Ele sorriu.
- Eu fiquei muito feliz de ter vindo. E desculpa de novo pela Shelby. Nunca vou me perdoar por essa.
- Fique tranquilo. De um modo estranho, ela trouxe você até aqui hoje à noite, então não posso odiá-la tanto assim – disse, e ele abriu um sorriso largo, mas não disse nada.
Caminhamos lado a lado até a porta, e eu a abri. Ele saiu, mas continuou parado, olhando para a minha cara.
Ai, Deus. Era isso! Ele ia me beijar!
Meu coração já estava batendo nas orelhas quando ele se afastou para pegar o elevador, e sorriu, segurando-o.
- Boa noite, . Obrigado pela noite.
Não sei de onde arrumei forças para não deixar claro em meu rosto o quanto eu queria estapeá-lo por finalizar algo perfeito daquele jeito, mas forcei um sorriso, e disse:
- Boa noite, .
Fechei a porta, sem esperar que ele dissesse mais nada, e encostei-me a ela, tentando respirar corretamente.
Aquele médico nerd dos infernos! Eu não o embebedei à toa, não! Nem um abraço, que fosse? Um “nos vemos outro dia”? Nada?
Havia algo muito errado com os contos de fada modernos. Eu queria matar os roteiristas de Hollywood, como queria.
Então, ouvi duas batidas suaves na porta, e tomei um susto, porque estava com a cabeça encostada nela. Segurei o peito, xingando baixo, e voltei a abrir a porta.
Lá estava ele, lindo, maravilhoso, o cara que não sabe terminar uma noite de maneira decente. Sorri.
- Esqueceu alguma coisa?
Ele continuou com as mãos nos bolsos, encarando-me com uma expressão estranha, a mesma de mais cedo, no hospital, quando ele derrubou a bandeja de prata. Ele sorriu.
- Esqueci.
- É sério? É seu celular? Deve estar em cima da mesinha, eu...
- ?
- Sim.
- Na verdade, eu não esqueci nada – ele disse, e eu o encarei, mais confusa do que nunca. – Eu lembrei disso desde que fiquei rodando seu prédio sem entrar, e sofri durante duas horas inteiras, então imaginei que se não fizesse com vinho no sangue, não faria sem ele.
- Certo...
- Eu achei você o máximo desde que te conheci, e acho que deixei isso claro – ele riu. – Bom, do meu jeito. E eu sei que eu não sou bom de marketing pessoal, já que contei todos os meus defeitos de uma vez só pra você hoje mais cedo, mas... Será que eu poderia levá-la para jantar, um dia desses? Um café, que seja... Qualquer coisa.
Eu mordi o lábio, sem conseguir conter um sorriso.
Ele queria me chamar para sair! Desde o dia em que nos conhecemos, aliás. Isso era muito bom. E agora estava ali, com as mãos nos bolsos, alternando o olhar entre os sapatos e meus olhos, parecendo realmente ansioso.
Contive meu impulso de agarrá-lo (e afugentá-lo) ali mesmo, e sorri largamente.
- Eu adoraria – disse, e ele abriu um sorriso enorme em resposta.
- Tenho a noite de folga na terça-feira, você está livre?
- Estou.
Ele sorriu.
- Passo para te buscar às oito – disse, simplesmente, e sumiu elevador abaixo, me deixando histérica, dando pulos de alegria no apartamento.
Eram dez e quinze da noite de terça-feira.
Dez e quinze.
Tirei meus sapatos de salto altíssimo e taquei na direção oposta, irada. Tinha passado dois dias colocando cremes em todas as partes machucadas pela árvore para poder usar um vestido maravilhoso por baixo do sobretudo, que iria deixá-lo de queixo caído quando ele me ajudasse a tirá-lo ao chegar no restaurante – é claro que ajudaria, ele é um gentleman. Tinha passado um perfume maravilhoso, arrumado meu cabelo em ondas perfeitas, feito uma maquiagem que parecia casual e chique o suficiente, e ele estava mais de duas horas atrasado e não tinha sequer me avisado.
Havia algo muito errado com o roteiro da minha vida.
estava na redação, então nem reclamar em voz alta em paz eu podia. Peguei a pastinha com todos os panfletos dos restaurantes da região e arranquei qualquer um de lá de dentro, faminta e com raiva. Esperava que ele tivesse um ótimo motivo, sinceramente, mas minha cabeça já estava pensando no pior.
Não, não que ele tivesse morrido. Mas que tivesse desistido, o que, sinceramente, era mais humilhante. Disquei para o restaurante chinês, e assim que ouvi alguém atender, minha campainha tocou.
Desliguei na cara da moça de sotaque chinês e fui até a porta, abrindo-a num solavanco, minimamente feliz de poder desabafar com .
Mas não era .
O olhar de correu dos meus olhos até a ponta dos meus pés, e fez isso mais uma vez, até eu me tocar que estava com o vestido preto maravilhoso, e descalça. Cruzei os braços.
- Eu sei, eu sei, o que eu fiz foi imperdoável – ele começou a se lamentar, parecendo exausto, e eu rolei os olhos.
- Tente – forcei um sorriso, e ele chacoalhou a cabeça.
- Desculpe, . Eu juro que ia ligar, mas eu estava completamente sem bateria. Teve uma epidemia de uma virose e acho que atendi umas duzentas crianças hoje, sem brincadeira – ele disse, estralando o pescoço.
- Uma virose? – perguntei, e ele arregalou os olhos.
- Juro que estava com máscara e luvas o tempo todo, e tomei banho antes de sair do hospital – disse, apressado, e eu prendi o riso. – Me perdoe, por favor. Eu sei que é tarde, já, e já perdemos a reserva no restaurante, mas eu podia... Eu podia cozinhar para você. Tenho tudo lá em casa.
- Está tudo bem. Mas realmente já está tarde e você deve estar exausto...
- Por favor, não faça isso – ele suplicou, e era impossível não balançar com aqueles olhos . – Eu passei quase dezesseis horas trabalhando hoje só pensando em jantar com você. Sei que não tenho o direito de pedir isso e que você deve estar brava, mas...
- Não estou brava – sorri. – Mas achei que você tinha desistido.
- Eu jamais faria isso – ele sorriu largamente. – Vamos, por favor? Não moro tão longe daqui. Eu sei bem seu endereço, .
- Tudo bem – disse, entrando para colocar os sapatos, e ele sorriu, vitorioso. – Vamos lá. Mas é bom que você cozinhe rápido, porque eu estou faminta.
- Somos dois – ele riu.
Caminhei até ele com o casaco na mão, e ele prontamente o segurou, me ajudando a vesti-lo, como eu esperava, mas no sentido contrário.
- Esqueci de dizer que você está linda.
Sorri.
- Quantas garrafas de vinho você tomou antes de vir pra cá? – provoquei, e ele gargalhou.
- Nenhuma. Estou evoluindo! – disse, e eu ri, enquanto fechava a porta.
- Estou orgulhosa de você. E você também está lindo, e espero que sem vírus – disse, e ele riu alto.
- É um perigo que você está correndo, você sabe.
- Vou arriscar.
O apartamento de era uma fusão entre um apartamento básico de um cara e uma loja de quadrinhos e objetos de colecionador. Ele tinha uma prateleira imensa cheia de filmes de nerd, dos quais eu já tinha assistindo um bom número para conseguir manter uma conversa, graças a Deus. Alguns bonecos de super-herói estavam por ali perto da televisão, contrastando com uma estante gigantesca cheia de livros de medicina.
Uma bancada dividia a sala e a cozinha, e ele tinha uma pequena mesa de vidro de quatro lugares. Sorri, mexendo em um boneco do Hulk, sem ter certeza se podia estar fazendo isso, quando lembrei-me de uma coisa:
- Ué. Cadê a Gwen Stacy? – perguntei, e ele riu. – Não me diga que ela era lorota de balada, porque eu ficarei muito decepcionada.
gargalhou, caminhando pelo corredor enquanto falava.
- Ela é muito folgada. Não pense que ela me recebe na porta, ou faz festa para visitas, porque ela é muito superior a isso – ele foi dizendo, com a voz cada vez mais distante, e eu ri. Em seguida ele voltou com a cachorra gorda no colo, e ela parecia realmente entediada, o que me fez gargalhar antes de soltar um gritinho de fofura. – , essa é a Gwen Stacy.
- Ai meu deus, , ela é tão gorda! – falei, com a voz fininha, e ele gargalhou, colocando-a no chão.
- Não diga para uma mulher que ela está gorda, . – brincou, e eu gargalhei.
- Me chame de , por favor – disse, e ele sorriu.
- Está bem, , eu vou cozinhar para nós meu prato mais rápido e, por coincidência, meu melhor prato.
- Que delícia! Do que estamos falando?
- Macarronada ao molho de quat... Dois queijos, porque os outros dois acabaram – ele disse, e eu ri.
- Que prendado! Então vamos lá, quero provar logo essa macarronada. Precisa de ajuda?
- Não, pode ficar tranquila. Vou servir um vinho e uns amendoins pra você enganar a fome – ele sorriu, colocando duas taças sobre o balcão. – Quer colocar alguma música? – Ele ofereceu, indicando o iPod no docking.
Passeei por alguns artistas, feliz da vida com o gosto musical mais que aprovável que ele tinha, e coloquei Coldplay para tocar. Ele sorriu.
- Bom gosto.
- Obrigada. Numa escala de zero a dez, o quanto eu posso sentar no seu chão e infernizar sua cachorra enquanto você cozinha? Prometo que continuarei conversando, mas ela é uma delícia com essa cara enfezada – falei, e ele gargalhou.
- Tenho certeza que ela vai adorar – ele disse, depois riu. – Ok, não, mas você pode tentar conquistá-la.
- Trabalharei nisso, doutor.
- Não acredito que minha cachorra gosta de você – riu, tomando um gole de vinho. Eu engoli o macarrão, depois ri.
- O que eu posso dizer? Sou razoável na conquista – brinquei, e ele sorriu.
- Provavelmente muito melhor do que você pensa – disse, e eu senti a nuca arrepiar. Ai, meu Deus.
O macarrão estava realmente delicioso, o vinho estava ótimo, tínhamos pulado de Coldplay para John Mayer e meu coração estava dando pulinhos toda vez que ele sorria ou falava uma coisa dessas. Podia ser o vinho, mas eu estava entorpecida de felicidade.
- Eu devo confessar que não imaginava que realmente fosse conseguir convencê-la a sair comigo – ele disse, e eu o encarei, com uma careta engraçada.
- Por que não?
- Você é muito descolada para um cara tipo eu, assim. Fiquei até com medo de sentar do seu lado na boate aquela noite, mas você realmente se mostrou diferente do que eu pensava – ele sorriu, e eu o acompanhei. – De toda forma, não achei que você viesse.
- Você devia se dar mais crédito, – incentivei.
- Depois de conseguir trazer para um jantar, com certeza me darei – ele disse e eu ri. – Estou feliz que não destruí nada com um jantar desastroso, pelo menos. Tinha planejado levá-la para um restaurante que me disseram que é muito bom, mas...
- Estava tudo uma delícia – disse, e segurei levemente sua mão. Ele sorriu. – Não preciso de nenhum restaurante chique para ter uma ótima noite.
- Com a fome que você estava, eu poderia certamente ter servido miojo – ele brincou, e eu gargalhei. – Mas fico feliz que você tenha gostado, ou tenha fingido realmente bem. Não costumo trazer garotas para cá, elas se assustam com os filmes, os bonecos e a cara da Gwen.
Gargalhei.
- A Gwen é linda, você que só arruma garotas frescas. E os filmes me parecem ótimos, acho que já vi uns bons... Seis? – disse, e ele riu.
- Está melhor do que eu, que vi uns dois filmes da sua sala.
- Você reparou nos filmes da minha sala?
- Você tem um trilhão deles! – ele disse, com as mãos para o alto, e eu ri. – Muitos filmes de garota, com caras que arruínam a vida de nós, homens de verdade – disse, parecendo desdenhar, e eu prendi o riso.
- Muitos filmes de super-herói, com garotas literalmente impossíveis de copiar – fiz cara de nojo, e ele riu alto.
- Touché.
- Eu amo essa música! – exclamei, jogando o guardanapo na mesa ao ouvir a introdução de XO, na versão do John Mayer.
sorriu e levantou, estendendo a mão para mim de uma maneira que me fez pensar que ele tinha vindo de alguma outra época, mas ele também estava achando graça disso. Franzi a testa e ri.
- Você dança?
- No meu apartamento? – perguntou, puxando-me para cima. – Sou um ótimo dançarino! Aliás, sou um perfeito cantor de chuveiro, devo acrescentar. Já ganhei três Pantene-Grammys – disse, e eu gargalhei, jogando a cabeça para trás e depois o encarei, em silêncio, com meu corpo colado no dele, no meio da sala, e sorri.
Your love is bright as ever (Seu amor está brilhante como sempre) Even in the shadows (Até mesmo nas sombras) Baby, kiss me, before they turn the lights out (Amor, beije-me, antes que apaguem as luzes)
me fez rodopiar pela sala, meu vestido rodando levemente, quase como um arco, e depois me fez voltar aos seus braços, segurando firmemente com as mãos na base das minhas costas, e eu entrelacei minhas mãos em sua nuca. Ele mordeu o lábio e sorriu, com o nariz praticamente encostado no meu, com nossas respirações misturadas e corações batendo a mil. Ele me olhava como se eu fosse a única garota que importasse na Terra, e como se eu estivesse prestes a ter certeza disso, a qualquer instante, o que fez meu corpo inteiro arrepiar.
Your heart is glowing (Seu coração está brilhando) And I'm crashing into you (E eu estou me chocando em você) Baby, kiss me, kiss me (Amor, beije-me, beije-me) Before they turn the lights out (Antes que apaguem as luzes) Before they turn the lights out (Antes que apaguem as luzes) Baby, love me lights out (Amor, me ame com as luzes apagadas)
Ele me segurou pela nuca e me fez ficar na ponta dos pés, mesmo de salto, quando prendeu meu lábio inferior com os dentes e me beijou, de forma terna a princípio, enquanto embrenhava uma das mãos em meu cabelo, sem pressa. Eu tinha certeza que tinha derretido em seus braços, tentando me manter inteira sob o efeito + John Mayer, mas sabia que era uma guerra perdida. A única coisa que passava pela minha cabeça, enquanto eu sentia seu gosto e cheiro e parecia entorpecida, era que eu realmente não tinha o beijado naquela noite na boate. Não tinha sido nem de perto perfeito assim. Quando intensificou o beijo, no entanto, com uma de suas mãos escorregando para a minha bunda, pressionando meu corpo contra o seu como se fôssemos ocupar o mesmo lugar no espaço, ali mesmo, eu sabia no que aquilo ia dar.
E poderia até ser inconsequente e fora dos padrões, mas eu estava louca, completamente insana por aquilo.
In the darkest night hour (Na hora mais escura da noite) I'll search through the crowd (Eu a procurarei no meio da multidão) Your face is all that I see (Seu rosto é tudo que vejo) I'll give you everything (Eu lhe darei tudo) Baby love me lights out (Amor, me ame com as luzes apagadas) Baby love me lights out (Amor, me ame com as luzes apagadas)
me levantou e eu cruzei minhas pernas ao redor de sua cintura, batendo com as costas na parede, mas sua mão estava logo atrás da minha cabeça. Comecei a desabotoar os botões de sua camisa ali mesmo e ele sorriu, durante o beijo, e eu o encarei, sem fôlego.
- Estamos indo rápido demais – respondi, com sofreguidão, enquanto ele beijava meu pescoço e meus sapatos caíam em qualquer lugar da sala.
Ele me encarou, encostando o nariz no meu, e respirou fundo.
- Eu posso esperar, se você quiser – disse, como um perfeito cavalheiro, e eu sorri, desvencilhando-me de sua camisa, que caiu no chão logo atrás dele.
Encarei seu torso maravilhoso, não torneado demais, nem de menos, e mordi o lábio, depois ri.
- Ah, esquece – murmurei e ele riu.
- Graças a Deus – agradeceu e eu ri, antes que ele voltasse a me beijar da mesma forma intensa de antes, caminhando pelo corredor comigo pendurada em sua cintura.
We don't have forever (Não temos a eternidade) Baby, daylight's wasting (Amor, a luz do dia está se apagando) You better kiss me (É melhor você me beijar) Before our time is run out (Antes que nosso tempo se esgote)
Ele me virou de costas quando chegamos ao quarto e abriu o zíper do meu vestido, que caiu de uma vez só no chão, depois me virou devagar de frente, mordendo o lábio e encarando minha lingerie preta de renda. Arqueei uma sobrancelha e ele riu, deitando-me na cama.
- Você veio pronta para me matar, não é? – perguntou, segurando minhas duas mãos no alto da minha cabeça e beijando meu pescoço. Arqueei a coluna, arrepiada.
- Eu não brinco em serviço – disse, e ele sorriu, beijando-me novamente, depois desceu em beijos por meu colo, barriga e coxa, sem pressa, livrando-se sozinho dos próprios jeans enquanto fazia isso.
Quando ele voltou a me beijar, fiz questão de fazer isso de forma mais intensa, quase enlouquecida, um apelo desesperado e mudo de que tirássemos logo as poucas peças de roupa que estavam entre nós. Empurrei suas boxers para baixo, com uma das mãos, depois a empurrei com um dos pés. Ele sorriu, encostando a testa à minha antes de se distanciar de mim e tirar minha calcinha, encarando-me com um sorrisinho malicioso e ludibriado.
Nobody sees what we see (Ninguém vê o que vemos) They're just hopelessly gazing (Eles só contemplam em vão) Baby take me, take me (Amor, leve-me, leve-me) Before they turn the lights out (Antes que apaguem as luzes) Before our time is run out (Antes que nosso tempo se esgote) Baby love me lights out (Amor, me ame com as luzes apagadas)
Ele encostou a testa na minha e mordeu meu lábio, segurando meu quadril com firmeza, guiando-me até ele com uma maestria que eu poucas vezes presenciara. Arfei, com meu corpo embaixo do dele, quando, por mais brega que parecesse, o mundo pareceu girar mais devagar. A música pareceu abaixar, os flocos de neve pararam de bater contra o vidro, e éramos só nós dois, ali, naquele quarto. Como se nada mais interessasse no resto do planeta. Como se fôssemos um só.
Acordei com uma fresta de luz vinda da porta, porque o quarto estava completamente escuro, e a cama vazia. Sorri e me espreguicei, estralando as costas enquanto relembrava da noite mais memorável da minha vida. Sei que tinha quebrado todas as estúpidas regras criadas para bons relacionamentos, mas não estava nem aí. Faria tudo de novo para ter uma noite maravilhosa como aquela. Sentei-me na cama, tentando desesperadamente arrumar o cabelo em um coque, quando colocou a cabeça para dentro do quarto, espiando, e sorriu.
- Bom dia – ele disse, entrando no quarto com duas canecas de café nas mãos. Eu sorri de volta, segurando uma delas e tomando um pequeno gole.
- Bom dia – respondi, sorridente, e então ele me beijou. – Está acordado há muito tempo?
- Acabei de levantar, na verdade, porque coloquei o despertador para tocar.
- Como eu não ouvi isso?
- Eu deixei para vibrar, do lado do meu travesseiro, para não acordar você – ele respondeu, e eu provavelmente lhe dei mais um sorriso babaca que ele já estava ficando acostumado a ganhar. – Infelizmente, eu tenho que trabalhar daqui a pouco.
- Eu também – disse, olhando para o relógio, e entrelaçando minha perna na dele, puxando-o para mais perto.
Não queria ser a primeira a dizer alguma coisa. Eu sei, sei bem da tal regra nova-iorquina da primeira noite no primeiro encontro. Mas sabia que seríamos uma exceção. Era o que eu esperava, com cada parte do meu coração. Ele beijou meu ombro, e sorriu.
- Não sei se isso vai parecer patético demais ou se estou quebrando alguma regra pré-estabelecida, mas queria saber quando poderei vê-la de novo. Deveria esperar uns quatro dias para ligar? – ele disse, e eu sorri, chacoalhando a cabeça, depois ri.
- Apenas caras idiotas esperam quatro dias para ligar – brinquei, tomando outro gole de café. – Eu também espero vê-lo de novo em breve. Quando é sua próxima noite de folga?
- Hoje, na verdade – ele riu, colocando a caneca no criado mudo. – Depois só semana que vem, eu acho.
- Você está querendo me ver duas noites seguidas, Dr. ? Existe um estudo que sugere que você poderá enjoar de mim muito rapidamente se fizer isso – disse, e ele arrancou a caneca de café da minha mão, cruzando minhas pernas em sua cintura, enquanto eu gargalhava, e depois me beijou.
- É um risco que seremos obrigados a correr – sorriu.
- Falando em riscos, imagino que se você estivesse com a virose das criancinhas encubada, agora ela já está comigo – disse, e ele gargalhou.
- Se você for parar no banheiro passando mal nas próximas quatro horas, eu sinto muito, muito mesmo, mas não me arrependo – respondeu, prendendo uma mecha de cabelo minha atrás da orelha, e eu sorri.
- Você vai cuidar de mim caso isso aconteça então, doutor?
- É minha obrigação, você sabe.
- Pensando bem, acho que vou passar mal hoje à tarde.
- Já estou apaixonada por vocês dois. Eu já disse isso? Estou muito apaixonada por vocês dois – disse, empolgada, e eu ri alto. – Onde que eu encontro um cara desses, pelo amor de Deus? Não acredito que você vai passar o Natal namorando! Você é uma vadia sortuda!
- Calma, ! – ri, interrompendo. – Só tivemos um encontro!
- Um encontro com a melhor noite de sexo da sua vida. E com o cara sendo fofo mesmo no primeiro encontro, e com um segundo encontro marcado para mais tarde, onde tudo irá se repetir. Posso me esfregar em você para ver se pego essa sorte? – ela gargalhou. – O que mais falta esse cara fazer para provar que é um príncipe deserdado da realeza?
Dei de ombros, pegando minhas pastas, e a campainha tocou. abriu, e demos de cara com um entregador de flores com um buquê de lírios enorme.
rolou os olhos, pegando o buquê.
- Vou acertar sua cara com isso aqui – disse, e eu gargalhei. – Sério, vou fazer uma pesquisa de clones de , já que o irmão gêmeo já está fora do mercado.
Segurei o buquê, e peguei o cartão, correndo de pela sala com um sorriso besta no rosto.
Meu Deus, eu não sabia que eu era tão romântica e babaca.
Mas eu era. Com uma felicidade que não cabia em mim.
- Lê logo!
- “Eu deveria ter lhe dado um buquê ontem antes do jantar, mas como estamos fazendo tudo fora de ordem, imaginei que poderia mandar agora. Te vejo mais tarde” – li, e suspirou junto comigo. – Ai, meu Deus. Eu não mereço!
- Merece, sim! Depois de tanto correr atrás desse cara, devo admitir que seu feeling estava duzentos por cento certo sobre ele. Agora, aproveita!
Peguei o celular, destinada a agradecer, mas ele não atendeu, porque provavelmente estava trabalhando. Mandei uma mensagem fofa – esperando que não muito fofa – e saí, feliz da vida, querendo correr na neve, sem me preocupar com cliente chata ou nada assim.
Não naquele dia.
- Olá, doutor – sorri, toda feliz, atendendo o telefone.
- Olá! Como passou o dia?
- Bem tranquilamente. Até a minha cliente chata resolveu colaborar hoje – e eu vi vários pássaros cantando, o sol brilhando na neve e queria sair por aqui dançando como num musical, acrescentei mentalmente. – Mas o mais importante de tudo é que nenhum vírus se manifestou. Estou muito bem – disse, e ele gargalhou.
- Que ótimo. As crianças continuaram por aqui hoje, mas foi bem mais tranquilo... Tanto que já estou liberado – disse, e eu mordi o lábio, com uma careta.
- Jura? Eu ainda estou em uma reunião.
- E chamando a cliente de chata? – ele retrucou, com uma risada.
- Ela está no banheiro, acha que eu sou tonta? – respondi, acompanhando-o. – Quer me esperar lá em casa? Devo terminar tudo aqui em uma meia hora, estarei lá em uns quarenta, cinquenta minutos no máximo.
- A está lá?
- Está, sim. Ela é gente boa, prometo. E imagino que se você saiu do hospital agora, até chegar lá em casa vai demorar quase a mesma coisa do que eu.
- Verdade. Podemos tentar entrar em um acordo sobre um filme para irmos ao cinema?
- Já disse, vamos de filme de Natal. Assim ninguém reclama, e no fundo todo mundo gosta – sugeri, e ele assentiu.
- Tudo bem – disse, rindo. – Estou indo para a sua casa, então. Até daqui a pouco.
Cheguei em casa mais rápido que um furacão. Maquiei-me no metrô na hora do rush – não sei exatamente como -, corri o que me pareceu meia maratona no frio, porque queria chegar rápido, e porque minha cliente tinha enrolado mais que o esperado e já tinha me mandado uma mensagem avisando que tinha chegado e que estava me esperando lá embaixo. Demorei uns cinco minutos convencendo-o a subir, que era sim, legal (até porque seria muito mais difícil convencê-la a buscá-lo) e queria chegar logo porque, de alguma forma ridícula, estava com saudades e queria me certificar de que tudo não tinha sido um belíssimo devaneio da minha cabeça.
Arrumei-me novamente no elevador, dando uma borrifada de perfume, e abri a porta, toda sorridente, dando de cara com a sala vazia.
- Ué... ? ? – perguntei, e apareceu na sala, com os olhos arregalados e com cara de desespero. – O que aconteceu?
- O... O sumiu.
- Como assim “sumiu”? – ri, jogando a bolsa em uma poltrona. – Ele não tem nove anos para sumir. Ele estava aqui com você, não estava?
- Sim, estava – respondeu, séria.
- E para onde ele foi?
- Eu recebi uma ligação do trabalho e tive que atender, então fui para o meu quarto e o deixei aqui vendo televisão e tomando chá. Ele me perguntou onde era o banheiro, eu falei. E então, dez minutos depois, ele tinha sumido.
- Você não está zoando com a minha cara, está?
- Não, , eu juro. Estou com cara de que estou brincando com coisa séria?
Senti o coração acelerar. Num instante, segurei o braço de e o chacoalhei.
- Você disse que ele foi ao banheiro?
- Sim... Por quê? Ele estava passando mal?
Caminhei correndo até o meu quarto, que estava com a porta escancarada, à frente do banheiro, arrastando com a mão livre. Logo na parede oposta, visto de fora, estava a maldita lousa com o nome dele escrito várias vezes, caminhos, endereços, pesquisas da internet, coisas que eu não tive tempo de apagar sobre nossa extensa pesquisa, e honestamente, nem havia lembrado. colocou as duas mãos na cabeça, parecendo chocada.
- Puta que pariu – disse, e eu tampei o rosto com as mãos, dando um grito.
- Argh! ! Ele deve achar que eu sou uma maluca! Completamente doida – comecei a berrar, andando de um lado para o outro. – Ele fugiu e nunca mais vai voltar!
- Você não sabe disso – tentou me acalmar, mas sua preocupação era visível. – Tome, ligue para ele. Às vezes, ele só teve uma emergência do hospital e...
- Claro que não! Ele viu isso, meu Deus! Ele viu o endereço ali da frente da casa dele, as coisas anotadas, ali embaixo tem um “ #2 – herdeiro de uma rede de concessionárias”. Puta que pariu, ! Ele deve achar que eu sou louca, golpista, e ai, socorro, não consigo respirar!
Joguei-me na cama, tremendo, enquanto tentava, em vão, me acalmar. Ela correu até a cozinha e me trouxe um copo de água com açúcar, e eu tentei me recompor, mas já estava chorando compulsivamente. Depois de uns dez minutos, peguei o telefone, e rezando para todos os santos possíveis, disquei para o celular dele.
- O celular está desligado ou fora da área de cobertura – disse, em um sussurro, e se encolheu.
- Mande uma mensagem!
- ...
- Mande, por favor.
Digitei um simples “Ué, cadê você? Já estou aqui em casa” e enviei. Depois dos vinte minutos mais longos da minha vida, me obrigou a digitar um ponto de interrogação e enviar.
Mas ele não respondeu, obviamente. Eu mesma não responderia.
E assim, rápido como veio, meu relacionamento relâmpago foi embora, deixando muito mais estragos que o previsto. Eu estava louca por ele. Era ridículo dizer, mas eu realmente gostava dele, queria estar com ele, e entrava em crise de choro por causa de um relacionamento bizarro que durou basicamente três dias, e um encontro.
Tentei falar com ele alguns dias, mas nunca obtive resposta. tentou me convencer a ir até o hospital e me explicar, mas não havia nada a ser dito. Ele não queria me ver, e eu precisaria lidar com isso.
Era o fim.
Manhattan, Quinta-Feira, 18 de Dezembro
Aquela tinha sido uma das piores semanas da minha vida.
Pior ainda do que quando minha mãe resolveu mudar de casa, quando eu tinha treze anos, e eu não seria mais vizinha do meu primeiro amor, Jaden Hill. Até porque eu continuei estudando na mesma classe que Jaden, e acabamos nos beijando, eventualmente, e eu descobri que ele era um idiota... Uma outra péssima semana, devo acrescentar. Mas não, nada se comparava àquela.
Os dias se arrastaram ridiculamente. Eu devia ter engordado uns dois quilos devido a todo sorvete e chocolate, mas não contabilizei nada. Eu só queria chegar todos os dias do trabalho, me jogar dentro de um pijama, reclamar do fim de ano mais infeliz dos últimos tempos, assistir Sex And The City para xingar as teorias idiotas da Carrie, ver filmes de romance e xingar , em uma poça de lágrimas.
Eu não esperava me envolver tanto e tão rápido, mas ele realmente parecia diferente, e foi como um soco na cara concluir que não, ele era como todos os outros caras. Talvez nem tivesse visto a maldita lousa – que eu quebrei e joguei na rua, aliás. Talvez ele só fosse mesmo um babaca que queria me levar para a cama. Talvez dormir comigo tivesse feito com que sentisse saudades da ex maluca.
Talvez.
- Argh, alguém tira esse filho da puta da minha cabeça – xinguei, e suspirou.
- Venha comigo para a festa, eu já falei. Vai ser divertido, prometo! E se você ainda quiser muito bater em alguém, eu te apresento aquela estagiária – ela disse, e eu ri. Observei-a com seu vestido vermelho rodado, o cabelo preso em um coque, toda linda e perfumada.
- Você está maravilhosa. Por favor, faça alguma coisa e volte para cá namorando o Sean.
- É mais fácil você esquecer o babaca do que eu fazer isso – ela deu de ombros. – Vamos, por favor! Vai te fazer bem.
- Eu não quero, amiga, de verdade. Não estou com clima para isso, e preciso terminar de desenhar uns armários para a cozinha do meu novo cliente. É sério.
- Sei...
- É, sim, pode olhar meu cronograma. Vou pedir comida tailandesa e trabalhar. Prometo nem passar perto do box de Sex And The City.
Ela riu.
- Devo trancá-lo no meu quarto, por precaução?
- Pode ser uma boa ideia. Mantenha as tentações longe, sabe como é que é – disse e riu, literalmente trancando o box lá dentro. – Ei! Eu estava brincando!
- Eu não. Olha, vou lá, porque é festa de fim de ano, você sabe. Mas logo, logo estou de volta. Me guarde um pouco de comida, e quero ver esses armários desenhados quando voltar.
- Sim, mamãe – brinquei, e ela me mostrou o dedo do meio, abrindo a porta. – Arrasa, amiga!
- Vou tentar!
Os armários de cozinha realmente me mantiveram entretida por algum tempo, a comida tailandesa estava boa e eu estava com um objetivo: terminar aquilo o quanto antes e me enfiar embaixo do edredom e dormir umas boas oito horas, coisa que eu não costumava fazer nunca, por pura falta de planejamento. Quando a campainha tocou, arqueei uma sobrancelha, tentando lembrar se tinha ou não levado sua chave.
- Não guardei comida pra você, não – abri a porta, falando, e dei um pulo ao ver .
Ele não estava sorrindo, embora eu estivesse, enquanto pensava que era . Estava com as mãos nos bolsos e com a expressão séria, parecia cansado e mesmo assim estava indiscutivelmente lindo, aquele desgraçado. Estava de óculos de grau, o que eu ainda nunca tinha o visto usar, e isso só o deixou mais sexy.
E eu estava me odiando completamente. Não por estar de moletom e com o cabelo todo bagunçado. Não por ter aberto a porta rindo.
Apenas, simplesmente, por estar com o coração mais acelerado que um rap, com as palmas das mãos geladas e a ponto de respirar alto demais.
- Olá, – ele arriscou, e eu continuei com a mão na maçaneta da porta, atônita.
- Olá – respondi, simplesmente, e ele mordeu o lábio, parecendo desconfortável.
- Será que podemos conversar?
- Sobre?
Ele riu, olhando para os pés, meio desconsertado, depois voltou a me encarar.
- Por favor, não torne isso mais difícil do que já é.
De repente, meu coração voltou a acelerar, mas de raiva.
Uma semana. Uma semana inteira me lamentando por esse cara. E agora ele queria conversar, sendo que eu tinha lhe dado quinhentas chances?
- Desculpe, eu estou ocupada – disse, empurrando a porta, mas ele a segurou.
Olhou-me, parecendo realmente se sentir culpado.
- Eu sei que não tenho direito nenhum de aparecer aqui depois de ter sumido – ele tomou fôlego, e começou a despejar, ali mesmo com a porta entreaberta, sem que eu o convidasse para entrar ou quisesse ouvir alguma coisa. – Mas eu surtei, está bem? Eu... Eu sei que é errado, eu não devia ter visto, mas...
- Você viu a lousa no meu quarto.
- Sim – ele assentiu, tirando a mão da porta. – Eu... Eu nem sei o que eu pensei. Só sei que fiquei muito assustado, na hora, achando que sei lá...
- Que eu fosse louca? – eu ri, irônica. – Pode falar, . É isso o que você pensou.
- , eu...
- .
- – ele respirou fundo. – Tente entender o meu lado. Até agora eu não sei do que se trata aquilo, mas resolvi vir aqui assim mesmo, porque qualquer explicação que você possa me dar provavelmente não vai diminuir o quanto eu senti sua falta esses dias.
Dei um passo para trás, com a cabeça rodando. Ai, meu Deus. Eu não deixaria. Eu simplesmente me recusava a deixar que ele brincasse comigo assim, daquele jeito. Eu gostava dele, como a idiota que era, mas estava furiosa.
- Você sentiu minha falta? – Gargalhei, completamente falsa. – Que engraçado. Me parece que quando alguém sente falta de alguém, essa pessoa atende telefonemas, responde mensagens, não foge como uma bichinha! – gritei, irada. – Você simplesmente fugiu, ! Como acha que isso me fez sentir? Não que você mereça saber, mas aquele quadro idiota foi usado quando eu estava procurando você, depois do dia da balada. Sei que não é certo, mas pelo menos eu fiz alguma coisa. E você? – eu ri, irônica. – Você disse com todas as letras que ficou encantado comigo, mas não fez absolutamente nada para me encontrar! Se eu não tivesse caçado você daquele jeito, nós sequer teríamos nos reencontrado!
O silêncio tomou conta da sala, e só aí reparei que já estávamos dentro de casa. pareceu chocado demais com a informação, piscou algumas vezes, e então caminhou até mim, segurando-me pelos braços. Desvencilhei-me dele, de forma rude demais, e ele pareceu envergonhado.
- Me desculpe, ... – ele corrigiu, rapidamente. – Eu até imaginei que poderia ter sido isso, mas tente entender, por favor... Meu último relacionamento sério foi uma loucura, e por um instante pensei que tivesse me metendo em outra...
- Você está me comparando àquela maluca da sua ex que brigou comigo na porta do hospital? – gritei, histérica.
- Não, claro que não, eu nunca faria isso! Meu Deus, sou um idiota – ele colocou a mão na cabeça, depois respirou fundo e me encarou. – Eu sei que eu não devia ter sumido. Sei que devia ter conversado, e sei que fiz tudo errado. E está me matando saber que eu possivelmente estraguei tudo. Porra, eu pirei! – disse, e eu me encolhi, meio assustada com o palavrão vindo dele. – Eu... Eu meti os pés pelas mãos, mas nunca vou me perdoar se a gente não se entender.
- ...
- Deixe-me terminar. Eu sei que sou horrível nisso. Sei que levei tudo muito a sério e talvez tenha até exagerado, mandado flores sem precisar, agido de alguma forma que provavelmente te fez pensar que eu sou um idiota. E eu sumi depois que a gente foi pra cama, o que com certeza te deu uma ideia completamente errada. Eu... Por favor, me perdoe.
Sequei uma lágrima que ia cair antes que ela o fizesse, e neguei com a cabeça.
- Nada do que você fez tinha sido errado, . E isso é o pior de tudo. Eu pensei que você era diferente, mas você se mostrou tão idiota quanto os outros caras, senão mais... Porque o que eu fiz pode ter sido babaquice, mas eu teria assumido todos os meus erros se você tivesse me enfrentado, naquele dia – disse, com a voz sumindo. – Eu achei que estava vivendo um conto de fadas, e a queda foi tão grande que eu não sei se consigo me recuperar.
- ...
- Eu não preciso de um cara que foge de mim. Preciso de um cara que lute por mim – disse, depois indiquei a porta com a cabeça. - Vá embora. Você não tem o direito de chegar aqui e me confundir. Não tem.
- Por favor – ele suplicou, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e passando o nariz no meu. Empurrei-o para trás, com o mínimo de força que tinha, e abri a porta.
- Por favor, .
Ele olhou para os pés, parecendo derrotado, e eu não o encarei enquanto saía, sem dizer uma palavra.
Fechei a porta, e uma pequena parte de mim esperou, ridiculamente, que ele voltasse. Não sei exatamente por quê.
Ele não voltou, como minha razão sempre soube, e eu caí em lágrimas, tentando entender o que diabos tinha acabado de acontecer.
Manhattan, Sábado, 20 de Dezembro
Arrastei-me para fora da cama, tonta de sono.
Era dispensável dizer que minhas últimas duas noites foram completamente alteradas e que dormir era coisa do passado. tinha ido embora quando eu o mandei embora, obviamente.
E, obediente como era, não tinha aparecido. Ou ligado. Ou mandado uma mensagem, bêbado. Ou um sinal de fumaça. Ou um buquê de lírios. Nada.
Aquela era a segunda manhã que eu tentava me convencer de que aquela tinha sido minha decisão mais acertada. Que ele realmente era um babaca e se realmente me quisesse, teria lutado por mim.
- Bom dia – murmurei para , e ela me encarou, por trás da xícara de café.
- Bom dia. Pelo menos não amanheceu chorando hoje – ela sorriu, e eu dei de ombros.
- Decidi que hoje não vou chorar. Só vou chorar mais tarde, vendo filmes mela-cueca.
- Você devia comprar uns filmes de ação.
- Devia, não é?
Peguei uma maçã e comecei a comer, encarando-a.
- Acho que vou fazer isso depois de tomar café. Vou comprar filmes de ação. E de Terror. Gosto de sangue – disse, e ela gargalhou.
- Diz a garota que tem medo de agulhas. Mas acho uma boa ideia, amiga. Eu até vou contigo, preciso comprar um presente de Natal para a minha mãe.
- Argh. Natal! Ô, época infeliz.
- Diz a garota que ama o Natal.
- Quer parar de me encher o saco? – disse, e riu.
- Ande, vá logo se trocar. E penteie esse cabelo, pelo amor de Deus. E cubra essas olheiras.
- Por quê? Só vou fazer compras – dei de ombros, e ela sorriu.
- Não quero você andando ao meu lado com essa cara, .
- Pensei que você me amasse até no fundo do poço.
- Te amo, sim, mas desde que você esteja bonitinha – disse, e eu ri, fazendo uma careta.
- Vou pentear meu cabelo como seu presente de Natal.
- Perfeito! Mas, como adicional, pode me dar uma bolsa.
- Vaca.
- Anda logo, estou aqui esperando!
Coloquei um sobretudo preto e penteei o cabelo de qualquer jeito, colocando uma touca vermelha em cima já que o frio estava mesmo insuportável. Escondi minhas olheiras – porque estavam feias de verdade – e passei um batom, aparecendo na sala depois de uns quinze minutos. sorriu.
- Está bem melhor.
- Pensei que fosse me chamar de linda.
- Esse não é meu trabalho...
- Na verdade, esse não é trabalho de ninguém – retruquei, emburrada, e rolou os olhos, com um sorrisinho na cara. – Tá rindo do quê?
- De nada. Vamos? – ela me arrastou, e assim que abrimos a porta, demos de cara com um garoto.
Pulei para trás, assustada, e ele continuou lá, parado como uma múmia. Encarei , procurando uma explicação, e ela estava com um sorriso idiota na cara.
- Bom dia. Quem é a Senhorita ? – o garoto perguntou, e apontou para mim. – Eu tenho uma entrega para você.
- Uma entrega? Mas eu não pedi nad...
Não consegui terminar a frase. O garoto caminhou para o lado e sumiu, voltando dois segundos depois com um buquê – de cenouras – e um balão de hélio escrito “Congrats”.
Lembrei na hora do filme “Sexo sem Compromisso” e tive uma crise de riso, sem entender nada. O garoto me entregou as cenouras, o balão e um cartão, deu tchau e saiu correndo, escadaria abaixo.
continuava sorrindo, então entreguei as cenouras para ela e abri o cartão, rasgando o envelope de qualquer jeito.
“Bom dia, . Sei que tivemos uma briga e não fiquei confortável sobre como as coisas ficaram entre nós, então resolvi tentar me redimir por todas as coisas idiotas que fiz usando os filmes que vi em sua prateleira. Continuo achando que esses caras de filme arruínam tudo para nós, homens de verdade, mas sei que preciso fazer alguma coisa que te surpreenda, senão você irá me mandar para o inferno. Não me mande para o inferno. Sei que não tenho o direito de pedir nada, mas por favor, continue seguindo as pistas dos cartões. Prometo que valerá a pena. E se no fim do dia você ainda me odiar, nós fingiremos que nada aconteceu. Fechado?”
Encarei com os olhos arregalados, e ela finalmente gargalhou. Arranquei uma cenoura do buquê e acertei a cabeça dela.
- Ai, cacete!
- Você sabia de tudo isso e não me contou! – berrei, histérica, e ela gargalhou.
- Só fiquei sabendo no fim da tarde de ontem. Juro que ele fez tudo sozinho, eu apenas calei minha boca e assenti.
- Você é uma vaca!
- Considere meu presente de natal, e não irei adicionar nada – ela riu. – Anda, leia atrás do cartão.
- “Deixei um táxi a esperando na portaria do seu prédio. Ele te levará ao próximo lugar”.
Meu coração estava acelerado, e queria ligar para ele, falar com ele, qualquer coisa. Olhei para , que estava me incentivando sem dizer nada, só com aquela cara de boba apaixonada.
Amarrei o balão na maçaneta e ri, virando para ela.
- Devo ir?
- Você sabe a resposta.
O taxista estava me esperando na porta do carro com um envelope na mão, um iPOD e um fone de ouvido enorme.
- Bom dia. Vamos lá? – disse, entregando-me as coisas.
- Vamos lá para onde?
Ele riu.
- Isso eu não posso dizer.
Sentei na parte de trás do carro e abri o envelope.
Sorri, escutando a introdução extremamente propícia para minha busca incansável por , cantando ao som de Follow You Down. Chacoalhei a cabeça, sentindo-me como a garota de um filme. Eu não sabia o que esperar em seguida, mas eu definitivamente estava louca para saber.
Uma batida no vidro do carro, no meio da avenida, me fez dar um pulo. Encarei um motoqueiro batendo e fazendo sinais, e o taxista parou o carro no acostamento.
- Follow You Down! – repeti, dando um tapa na cabeça, e abri a porta do carro.
- Como perder um Homem em 10 dias. Curioso, eu perdi em três – comentei, e encarei o motoqueiro. Ele riu. – Quem é você?
- Sou um amigo do . Tenho que te levar para outro lugar agora.
- Se fosse como no filme, seria o aqui.
- Se fosse o aqui, você morreria no próximo cruzamento – ele debochou e eu gargalhei. Então, ele estendeu alguns dólares para o taxista, exatamente como Ben, o Matthew McConaughey no filme: - Ela tem um novo transporte.
Subi na garupa do cara desconhecido que atendia pelo nome de Jacob e era um dos melhores amigos de infância de . Fizemos um trajeto imenso em poucos minutos e ele diminuiu a velocidade para parar em um farol, estendendo-me um novo envelope.
“Já, já nos encontraremos, mas antes você precisa dar a volta ao mundo.
- Volta ao mundo? – arqueei uma sobrancelha, e Jacob riu, mas não disse nada.
Entendi dois minutos depois, quando entramos no Corona Park em Flushing Meadows, no Queens, e demos de cara com o movimento Unisphere.
- Noite de ano novo – eu mordi o lábio, e Jacob riu.
- Garota esperta.
Jacob e eu demos a volta no monumento, assim como Zac Efron e Michelle Pfeiffer, e eu ri alto, ficando tonta com a rapidez da “volta ao mundo”.
Jacob parou a moto e eu ri, pegando um outro envelope da mão dele.
- Seu amigo é completamente maluco.
- Concordo. Ele nunca foi esse tipo de cara, estou surpreso – disse, e eu sorri, abrindo mais um envelope.
“Não perca seu trem”.
- Meu trem? – franzi a testa, sem entender nada.
Jacob fez um sinal com a cabeça para que eu subisse na moto, enquanto eu repassava todos os possíveis filmes envolvendo trens, mas não chegava à conclusão alguma. Quando nos aproximamos da Grand Central Station, no entanto, meu coração foi à boca.
- Ai. Meu. Deus.
- Você fica por aqui – ele sorriu. – E eu vou indo.
- Mas... O que eu devo fazer?
- Ah, certo, tem mais um envelope – ele rolou os olhos. – É bom você ser boa mesmo, porque essa história está me dando trabalho demais em pleno sábado.
Gargalhei.
- Também espero.
- Ouvi dizer que a Gwen Stacy gosta de você.
- É mesmo?
- É, e se você conseguiu isso, suponho que todo mundo deva gostar de você, também – ele sorriu. – Vejo você outro dia, . Comporte-se.
Caminhei com o envelope na mão, olhando para os lados o tempo inteiro. Aquela estação só me recordava exatamente um filme, apesar de vários se passarem ali, porque eu o tinha visto há poucos dias e a caixinha estava largada do lado do aparelho de DVD. Isso não teria passado despercebido por , teria?
Suba as escadas e encontre um bom lugar. Espere dar três da tarde.
- Ai, socorro – gemi, subindo as escadas. Menos de cinco minutos.
Fiquei olhando para os lados, para cima, procurando qualquer pessoa que pudesse parecer suspeita. Tentando encontrá-lo em meio à multidão de passageiros e turistas, mas nada.
Quando o relógio marcou exatas três da tarde, um mundo de pessoas apareceu lá embaixo e eu arregalei os olhos, quando a música Can’t Take My Eyes Off You, curiosamente, de 10 Coisas Que Eu Odeio Em Você, começou a tocar, em meio ao que parecia um flashmob de bailarinos profissionais.
Fixei os olhos neles, sem entender nada, tentando achar e lembrando da cena do filme Amizade Colorida, quando ouvi uma voz atrás de mim.
- You’re just too good to be true... - ele disse, e eu levei a mão até a boca, fazendo-o rir.
estava lindo, com o mesmo casaco que usava quando apareceu pela primeira vez em minha porta, fugindo da velhinha que o ameaçou. Estava sorrindo, mas parecia tímido. Eu arregalei os olhos.
- Você fez isso? – apontei para o flashmob, e ele gargalhou, parecendo se soltar finalmente.
- Posso te contar um segredo? – disse, aproximando-se de mim, e eu assenti. – Eu descobri esse flashmob pela internet.
Deixei o queixo cair e ele riu de novo.
- Viu? – ele apontou para um casal lá no meio. – Connor vai pedir a Robin em casamento.
Dei um tapa em seu braço, depois coloquei a mão no peito.
- Você é um idiota! Achei que tivesse inventado isso aí – disse, e ele gargalhou.
- Não conseguiria organizar um flashmob em um dia, . Mas é válido dizer que tive que ver todos esses filmes em uma madrugada? Acho que mereço algum crédito – ele disse, e eu sorri.
E então estávamos os dois, frente a frente, com um bando de bailarinos cantando Can’t Take My Eyes Off You para uma garota chamada Robin, e eu só sabia sorrir. Ele tinha visto todos aqueles filmes em uma madrugada, e tinha conseguido reproduzi-los! Quem diabos faria isso?
- Será que você poderia me ouvir agora que eu arrumei até um flashmob para você?
- Para a Robin!
- Shhhh – ele riu, aproximando o rosto do meu. – Desculpe por ter sido um idiota e fugido de você. Acho que combinado com o fator lousa, eu também estava meio assustado com o quanto estava afim de você em tão pouco tempo. E você sabe, nós, caras normais, fazemos esse tipo de coisa – ele disse, e eu ri.
- Conheço o tipo... – respondi, com um sorrisinho de lado, e ele sorriu.
- Eu sabia o seu endereço – ele disse, do nada, e eu franzi a testa.
- Como é?
- Sim, eu sabia o seu endereço. Quando eu fui levá-la no táxi, naquela noite na boate, você me disse o seu endereço inteirinho. Três vezes. E eu que repeti para o taxista – confessou, e eu deixei o queixo cair.
- E por que você não me procurou, então? Meu Deus, teria sido tão mais fácil! – disse, sem entender nada, e ele deu de ombros, meio corado, respondendo-me de um jeito óbvio.
- Porque eu não sabia o que fazer, – ele chacoalhou a cabeça, parecendo incrédulo consigo mesmo. – Eu queria muito te procurar, mas não fazia ideia se você sequer lembraria quem eu era, pra começo de conversa. E se você lembrasse, talvez fosse até pior, porque aí, sim, eu não saberia como lidar com você – ele disse, e eu ri. – Eu estava encantado por você. Eu estou. Eu estava tentando me convencer a não estragar tudo antes de começar, você sabe. Então no dia seguinte eu estava no casamento quase o dia todo, tentando pensar em alguma coisa que eu pudesse fazer, como esbarrar com você na rua propositalmente-sem-querer, ou algo parecido...
Eu ri para ideia. Ai, se ele soubesse que eu tinha pensado exatamente a mesma coisa! Ele me encarou, com um sorriso tímido.
- Mas você apareceu antes que eu conseguisse fazer alguma coisa, no hospital. E desacordada, o que foi até bom porque eu pude pensar por um tempo e não agir como um completo babaca – ele riu. – Então resolvi que eu queria estar lá quando você acordasse, e se eu desse mais sorte ainda, você falaria o resto.
Soltei o ar pela boca, com as borboletas voando no estômago, e ficamos em silêncio por alguns segundos.
- Já que estamos sendo honestos... – disse, com o rosto vermelho. – Devo confessar que eu fui a garota que você viu sair pela escada de incêndio e cair da árvore.
- Você o quê? – ele berrou, e depois caiu na gargalhada. – Você está brincando!
- Bem que eu queria... – disse, e depois também ri alto. – Eu estava um pouco fora do controle.
ainda ria, e eu arqueei uma sobrancelha, sem entender nada.
- O que foi?
- É até ridículo comentar, depois de tudo o que eu te fiz fazer no dia de hoje, mas você é realmente um caso sério, – ele disse, segurando-me pela cintura.
- Como assim?
- Você apareceu na minha vida, beijou meu irmão, me caçou até o inferno, caiu de uma árvore, bateu a cabeça num poste, tivemos um encontro sensacional, brigamos, e agora eu estou na Grand Central, vendo um flashmob, fazendo um discursinho patético para ter você de volta – ele riu. – Você transformou minha vida sem graça de ir do trabalho para casa em um desses filmes que você me fez ver. Em uma semana, o que provavelmente foi um recorde.
Ri alto, colocando minhas mãos em sua nuca.
- Está arrependido de entrar no meu filme, ?
- Estou arrependido de não ter entrado nele antes, – ele sorriu, e me puxou para beijá-lo.
Sei que provavelmente Robin tinha dito sim ao Connor, e por isso todos começaram a aplaudir, mas tudo bem. Eu fingi que era para mim, para nós, e sorri durante o beijo. Minha vida não era um filme, mas estava muito perto disso.
De uma comédia romântica cheia de desastres, de risos e lágrimas, mas ela era real. E ela era minha, a minha vida.
Carrie Bradshaw disse uma vez: “Estou procurando por amor. Amor de verdade. Daqueles ridículos, inconvenientes, contagiosos, que um não consegue viver sem o outro”.
Eu tinha encontrado o meu cara.
Meu .
E algo me dizia que seríamos felizes para sempre.
FIM
Nota da Autora: Olá, docinhos! Como estão? Mais uma “short” que deu terrivelmente errado (porém certo) e virou uma Oneshot de 42 páginas hahahahahahahaha Pra quem estava torcendo para uma long, praticamente #youwin. Mas vamos falar do que interessa? No meio do ano fiz uma brincadeira no meu grupo no Facebook (tem o link ali abaixo, gente, acessem! :D) em que as leitoras enviavam ideias para que eu criasse a short dos sonhos de uma delas. No meio de dezenas de histórias, achei a ideia da Linda, essa linda (há!), que queria uma short baseada na música Who’s That Boy? da Demi Lovato, em que a personagem principal conhecesse o cara na balada e virasse Nova York o procurando. Bom, não sei se era isso que você queria, mas espero que eu tenha chegado perto! Gostei muito dessa história, essa PP super louca e esse PP lindo, fofo, nerd, romântico... Com filmes de comédia romântica! Ai, Deus. Estou vendo muitos filmes da Katherine Heigl #tamojuntoPP hahahahaha Bom, Linda, espero que você goste, de verdade <3 E espero que todo mundo goste também, por favor, então comentem bastante para eu ficar super feliz <3 Antes de calar os dedos, quero agradecer à linda da Marina Gallet por essa capa que parece abertura de série, gente, que coisa mais maravilhosa (leiam as fics dela com a Roh, tem uma short linda chamada Boreal #comerciais). Agradeço também minha beta linda e salvadora Vane (risos), obrigada pela paciência e eficiência quando tudo parecia que ia dar errado e todo mundo ia ficar sem fic HAHAHAHA Você é rainha, sua linda! Muito obrigada <3 E a todas vocês, docinhos, por todo carinho! Sou uma autora muito mais feliz com vocês :D Um 2015 maravilhoso para vocês, amores, cheio de alegrias e de boys dos sonhos. Quem sabe, né? Um beijo!
Outras fanfics da autora:
- Summertime: McFly/Finalizadas (/fanfics/s/summertime.html)
- Behind The Scenes: McFly/Andamento (/ffobs/b/behindthescenes.html)
- Storm Warning: McFly/Finalizadas (/ffobs/s/stormwarning.html)
- Amor Em Jogo: Challenges/Finalizada (/challenges/05amoremjogo.html)
- Be Your Everything: Especial da Equipe/Finalizada (/fanfics/b/beyoureverything.html)
- One Night Only: Especiais/Finalizada (/fanfics/o/onenightonly.html)
- Never Gonna Be Alone: Especial de Natal/Finalizada (/fictions/n/nevergonnabealone.html)
Nota da beta: Deixando um recadinho curto: é sempre um prazer betar, Cah. Suas fics nunca me dão trabalho e eu amo sua escrita. Nesta fic, em especial, me diverti muito com essa principal maluquinha e me apaixonei pelo principal, esse lord <3
Preciso nem dizer que amo todos os seus personagens, você sabe. Hahahaha
E você, leitora que chegou até aqui, deixe um comentário, leia as outras fics da Cah (você vai amar todas), participe do grupo dela, e se vir algum erro nessa fanfic, por favor, me comunique aqui. Beijinhos!