Won't Stop


Escrita por: Fernanda Caetano
Betada por: Barbara Oliveira




CAPÍTULOS: [1]



Won't Stop


"Eu juro que é você, juro que é você que tenho esperado. Juro que é por você, que é por você que meu coração bate. E isso não pode parar. E não vai parar."

Won't Stop – OneRepublic


Sentir medo se tornou uma rotina para mim. Eu tinha treze anos, frequentava uma escola normal do leste da Inglaterra, vivia com meus pais e minha única irmã. Normal para um garoto.
Eu, normalmente, ia para o colégio no carro com mamãe, e a minha irmã Claire, no carro do papai. Estudávamos em escola diferentes, já que Claire era dois anos mais velha do que eu. Íamos para a garagem de mãos dadas, e nos separávamos somente quando ela entrava no carro depois de me dar um beijo de despedida na bochecha esquerda. Minha mãe sempre dizia "Boa aula" assim que eu chegava na frente do enorme prédio amarelo chamado escola. Tudo bem.
E a partir do momento em que eu pisava para fora do carro preto de mamãe, o inferno começava. No começo, era somente Eric e sua turma de populares, que sempre zoavam comigo e me faziam de capacho para poderem passarem de ano. Depois, as líderes de torcidas também entraram para o grupo, graças à Ely, namorada do melhor amigo de Eric e amiga da principal líder do colégio. Em duas semanas, eram impossível andar no colégio sem ser notado. Eu geralmente (antes das magrelas com uniforme amarelo e branco saberem de tudo) passava despercebido no meio de centenas de alunos ocupados com o final de semana, ou o encontro que teve com o garoto (a) perfeito. Eu não tinha amigos, isso era um fato que Claire nunca pareceu aceitar, mas eu realmente preferia daquela forma.
Mas então, Ely abriu sua boca e contou para as líderes, que contaram para os meio populares que foram repassando até chegar nos perdedores. Logo, até mesmo o diretor do colégio sabia.
Eu não era um garoto de treze anos comum. Eu era diferente, e Eric, Ely e a escola inteira deixavam isso bem claro.
Eu era um homossexual. Ou, como todos pareciam me chamar, um baita de um viadinho.

Um dia, para minha infelicidade, mamãe me ajudou a descer do carro. A mãe de uma das alunas, aparentemente sua amiga, havia a chamado para uma conversa casual. Eu só queria desaparecer rapidamente, antes que Eric chegasse e fodesse com tudo.
- E aí, viadinho? - escutei a voz grave de Eric dizer, carregada de ironia.
Eu tinha treze anos, e já levei dois tapas por isso, mas a única coisa que eu pensava era: Puta que pariu.
- O quê você disse? - minha mãe disse, em um tom histérico. Virei-me para ela, o rosto contorcido em uma careta dolorosa. - O que ele disse, meu amor?
- Mamãe....
- Então, não é assumido? - Eric brincou, abrindo um sorriso totalmente fatal. - Desculpe-me, senhora, mas o seu filho é gay.
Mamãe havia ficado pálida. Depois, puxou meu braço e entrou comigo na escola. A sala do senhor Berry estava estranhamente aberta quando mamãe passou por ela, e logo escutei os gritos finos da mulher ecoar pelas paredes. Meus ouvidos doeram durante todo o dia, mas pelo menos eu estava livre de toda a chacota da escola.
No entanto, eu preferia toda a chacota da escola, do que passar o que eu havia passado em casa. Papai havia chegado em casa, e minha mãe chamou-o em um canto para conversar um assunto que eu sabia muito bem. E a porta foi aberta segundos depois, fazendo-me encolher na minha cama gradativamente mais.
- Sou eu, - disse minha irmã, sentando-se ao meu lado. - Escutei a conversa de papai e mamãe.
- O que eles disseram? - perguntei, deixando somente meus olhos à mostra. Claire fez uma careta, suspirando. - Foi muito ruim?
- Papai saiu enfurecido - murmurou ela, deitando-se ao meu lado. - Mas não se preocupe. Logo ele estará de volta. Está tudo bem.
Mas não estava. Escutei mamãe chorando durante à noite, parando somente quando seu marido chegou, buscou sua coisas, e saiu novamente. Para sempre.
Passei a ir andando para escola depois daquela noite.

Mamãe se tornou uma mulher estranhamente fria depois daquela noite. Conversava muito pouco comigo, e mantinha uma amizade normal com minha irmã. Não me levava mais a escola, tampouco me acordava para aprontar-me. A tarefa, depois daquele dia, ficou para minha irmã. Claire teve que virar uma mulher aos quinze anos de idade, e mesmo sob xingamento quando ousava me culpar, o sentimento ainda continuava lá depois de tantos anos. Eric mais seus amigos haviam me deixado em paz, pelo menos verbalmente. Os bilhetinhos, e os olhares acusadores continuavam da mesma forma que antes, talvez até pior.
Mas tudo estava prestes a mudar quando mudei para High School, a mesma escola que minha irmã frequentava. O meu problema, como eu costumava chamar, já havia chegado nos ouvidos de praticamente todos os alunos. Mas eles não me tratavam com indiferença; pelo contrário, eram sempre atenciosos e gentis comigo. Tinham claro, aquela minoria que ainda agia de acordo como Eric e Ely, mas eram poucos. Era algo que eu já tinha me acostumado.
Claire se formou um ano depois que eu entrei no colégio. Fez o seu teste para passar em diversas faculdades, e em sua formatura já tinha um destino: Oxford. Não era perto, o que me fazia temer nossa amizade tão duradoura de irmandade, mas ela sempre ria e dizia que nada iria mudar.
Bem, sobre nossa amizade ela estava totalmente certa, nada mudou enquanto conversávamos todos os dias no Skype, e por mensagens no celular. No colégio, entretanto, as coisas começaram a esfriar. Não me tratavam com tanta gentileza como antes, meus antigos "amigos" começaram a se afastar e logo eu cheguei a somente uma conclusão: só me tratavam bem porque minha irmã era a principal líder de torcida.
Eu tinha, finalmente, voltado a ser o merda da escola.
Estava no terceiro ano do ensino médio quando vi um par de olhos negros. Eram novos, e sempre captavam tudo ao seu redor; até mesmo uma abelha que passava a sua frente. Não tentei proximidade, nem me ofereci ajuda. Somente fiquei sentado em minha árvore, observando-o perdido entre todos aqueles alunos hipócritas. Baixei meu olhar novamente para meu livro, me obrigando a concentrar naquelas frases que antes eram tão convidativas. Seria um eufemismo, digno de prova, quando fiquei surpreso ao vê-lo sentar-se ao meu lado, respirando rapidamente.
- Puta merda - murmurou ele, passando as mãos pelos cabelos castanhos claros. Os olhos negros como a noite se voltaram para mim, sorrindo ao estender a mão. - Oi, sou .
Eu fechei meu livro, pondo-o seguramente em meu colo. Copiei seu gesto, mas sorrindo apenas de maneira fechada.
- Sou - me apresentei. Ele arqueou a sobrancelha, divertido.
- Pode me chamar de , se quiser - deu de ombros, despreocupado. - E qual é o seu nome de verdade?
- - repeti, confuso. riu, balançando os fios castanhos claros.
- Sério? - perguntou, parecendo rir de uma piada interna. - Isso, na minha cidade, costumava ser um apelido.
- É em homenagem ao meu avô materno - esclareci, vendo-o assentir em concordância.
- Faz sentido.

Seu nome completo era , e ele era de Nottingham. Mudou-se porque cansou de viver uma cidade tão pequena em seu contexto, e porque havia decidido construir a vida sozinho. Era somente um ano mais velho que eu, e totalmente o oposto de mim, também. Era extrovertido, risonho e adorava fazer uma brincadeira; uma versão legal de mim, totalmente quieto, tímido e que quase nunca sorria. Não com , é claro. Quando éramos somente os dois, no meu quarto, ouvindo nossas bandas preferidas e conversando com Claire pelo Skype, os sorrisos em meu rosto eram grandes. Não maior, somente, pelo sentimento que começava a crescer dentro de mim.
- É verdade? - mamãe me perguntou, um dia, sentada a mesa de jantar. Era raro sentarmos juntos, tanto por causa de seu trabalho, quanto por ser somente eu e ela. Mamãe era uma mulher jovem, tinha os olhos belos de minha avó, azuis como cristais. Os cabelos que antes costumavam ser soltos e livres eram loiros, apesar de agora viverem somente presos em um coque firme e severo. Eu a encarei por um tempo, antes de dizer:
- O quê?
- Sobre você ser de outra sexualidade - disse ela, suspirando. Eu abaixei os olhos, remexendo lentamente minha comida. Não tinha coragem de olhar naqueles profundos azuis, então somente assenti de leve.
- Senhora Louise, posso retirar a mesa? - perguntou Gina, a empregada. Não soube qual foi o aceno de cabeça de mamãe, mas a mulher sumiu da nossa sala em um instante.
- Não sou seu pai, - murmurou minha mãe, fazendo-me finalmente olhá-la. Os olhos cristais estavam lívidos, e eu enxerguei lágrimas escondidas.
- Nunca pensei que fosse - respondi, solene. Ela sorriu, buscando minha mão.
- Não importa o que você seja - disse mamãe, sorrindo maternal. - Você sempre será o meu .
Foi a partir daquele momento que eu soube que ela estava de volta.

Minha mãe passou a ficar mais em casa, e sentar ao meu lado para poder conversar com minha irmã. Logo, Claire chegou com a notícia de que estava namorando um garoto, Ronald. Ele era simpático, e depois de um ano de namoro estava em um jantar animado em nossa casa.
Quando eu completei dezessete anos, e estava me preparando para me formar na High School, percebi que precisava fazer algo sobre . Eu iria para Oxford, como minha irmã, fazer a minha tão desejada faculdade de medicina. Mas não havia dado nenhum sinal sobre qual faculdade iria, e aquilo me deixava nervoso. Não queria me meter em um daqueles clichês americanos de perder o melhor amigo por conta de uma imbecil faculdade. Mas aquilo estava mais do que claro para mim. odiava dar notícias ruins cedo, ele dizia que atrapalhava tudo, tirando prováveis momentos felizes. Eu concordava com ele, e aceitava sua condição sem nem mesmo hesitar. Mas o que custava? O máximo que poderia acontecer é ele ir para o Japão, por exemplo.
- Ei, ! - gritou , sacudindo suas mãos. - Tá afim de ir numa festa de formatura?
- Você está me convidando? - perguntei, arqueando a sobrancelha. – Normalmente, se convida garotas.
- Eu sei que, para você, garotas são intocáveis - ele piscou seus olhos escuros para mim, abrindo um sorriso compreensível. - E eu não tenho um par.
- Eu não vou a festas, - balancei a cabeça, abrindo um sorriso. - Desculpe.
- Cala boca, - ele passou os braços pelo meu ombro, abraçando-me enquanto andava. - Você tá parecendo o seu avô.
Eu revirei os olhos, prestes a retrucar quando escutei sua voz novamente:
- Deve ser por isso que te homenagearam com o nome dele.
Eu reprimi uma gargalhada, sabendo que aquilo provavelmente iria chamar atenção. Mais atenção do que já estávamos chamando, abraçados daquele jeito. Mas parecia aéreo a tudo aquilo.
- Tudo bem - concordei. Provavelmente, seria a minha primeira, única e última festa no colegial. Eu queria ter algo pra contar sobre as festas europeias para meus futuros filhos. - Mas eu não vou te aguentar bêbado depois da festa, ok?
sorriu de lado, e eu gemi de descontentamento. Eu conhecia muito bem aquele sorriso.

- Minha mãe era uma vaca! - murmurou , andando meio cambaleante pelo quarto. - Ela nunca concordava com nada do que eu falava.
Eu suspirei ao vê-lo completamente bêbado pelo meu quarto.
- , você deveria vestir seus ternos Armani, e não essas roupas estranhas - ele imitou uma voz bastante fina, fazendo-me rir levemente. - Pro caralho aquelas roupas de Armani!
se jogou na minha cama, tirando seus sapatos bruscamente. Ele tentou acertar um em mim, mas eu o segurei antes de parar exatamente na minha cara. Devolvi-o agressivamente, assistindo ele rir.
- - murmurou , soando abafado pelos travesseiros em seu rosto. - O que é Armani?
Revirei os olhos, desabotoando minha camisa lentamente. sacudiu o pé, procurando respostas.
- Acho que é uma linha de ternos - ponderei, dando de ombros. - Não sei. tirou o travesseiro do rosto, olhando pra mim.
- Por que diabos minha mãe queria que eu usasse terno para ir ao mercado? - perguntou ele, confuso. - Ela era mesmo uma vaca.
Ri novamente, desabotoando minhas calças sociais. arqueou a sobrancelha, olhando-me de cima à baixo.
- Uh, Calvin Klein - sussurrou baixinho, sorrindo malicioso. - Não sabia que isso estava incluído. - Cala boca, - disse, deitando seu lado. - Você bêbado é pior do que sóbrio.
- Minha amiga dizia que me preferia bêbado, eu ficava mais tempo calado. - Fiquei em silêncio, olhando para o teto. - O quê?
- Estou ponderando qual seu eu mais chato - respondi, abrindo um sorriso lentamente. - Acho que prefiro realmente você bêbado.
- E por quê?
- Não sei, você fica mais tempo calado - brinquei, olhando para seus imensos olhos pretos. Ficamos assim por alguns segundos até desviar o olhar, suspirando.
- Sua mãe me botaria pra fora de casa se eu dormisse aqui? - perguntou, mordendo o lábio inferior. Eu ri novamente, balançando a cabeça. Mamãe simplesmente amava .
- Eu acho que ela te adotaria - respondi, sinceramente. - A não ser que você a acorde com suas gargalhadas altas.
Ele olhou para mim, ofendido.
Eu sentia minha respiração falhar todas as vezes que seus olhos negros como a noite, mas brilhantes como as estrelas, paravam entre os meus. Era estranho sentir todas aquelas coisas de meninas. Meu estômago ficava pesado ao ouvir sua voz grave e ao mesmo tempo doce; minhas mãos tremiam todas as vezes que ele me tocava. E naquele momento, através dos seus olhos, eu sentia que ele estava tendo aos mesmos sentimentos. Eu fazia todo aquele rebuliço em ? Ou era somente coisa de um coração desesperado para ser amado de volta?
Os olhos de se fecharam, e eu entendi aquilo como um boa noite. Eu teria realmente me virado para o lado, se a mão firme de não tivesse agarrado meu braço. Eu quase engasguei de susto, mas virei-me totalmente para ele novamente.
- Eu só preciso... - sussurrou ele, abrindo a escuridão novamente, me focando por entre os cílios longos. - ?
Eu não respondi, mas guiei minha cabeça para perto da sua, sentindo sua respiração bater em minha boca. Eu consigo fazer isso.
Antes que eu pudesse pensar em mais uma frase de autoajuda, os lábios macios mas firmes, de , pousaram lentamente sobre os meus. Eu fechei os olhos de súbito, segurando seu rosto entre minhas mãos. deu um gemido de apreciação antes de tentar aprofundar o beijo. Eu sentia meu coração lutar para sair do peito, retumbando em batidas fortes e firmes. Os braços de se enroscaram em minha cintura, me puxando para perto. Eu suspirei contra sua boca, e aquilo pareceu aumentar a intensidade do beijo que antes era calmo. Eu sentia sua língua explorando os cantos mais íntimos da minha boca, e eu tentava retribuir à altura.
Um gemido saiu de sua boca antes de nossas bocas estalarem em um selinho demorado. Eu sentia minha cabeça tonta e leve, enquanto minha barriga continuava os mais gostosos arrepios.
Então, era sobre isso do que eles sempre falavam. abriu os olhos e me encarou por um segundo antes de arregalá-los em um súbito, desvencilhando dos meus braços.
- Ai, meu Deus - ele murmurou, calçando seus sapatos. - ... Ai, meu Deus.
Eu o encarava assustado, franzindo minhas sobrancelhas. Ele colocou seu paletó novamente e me encarou uma última vez antes de sumir porta afora. Pisquei antes de me levantar rapidamente e o segui apressado.
- ? - chamei, mas ele apenas balançou a cabeça, negando. - ?
- Eu... - ele se virou, fitando-me profundamente. Senti meu coração afundar novamente, e eu respirei fundo, lutando para respirar normalmente. - Não posso fazer isso.
Foram suas últimas palavras antes de deixar minha casa e, uma hora depois, a cidade.
Para sempre.
"Lábios vermelhos e bochechas rosadas, diga que irá me ver de novo. Mesmo que seja em seus sonhos mais loucos."

Wildest Dreams - Taylor Swift


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Eu tinha somente dezoito anos quando conheci . Eu capturava qualquer movimento no pátio aberto do colégio, procurando por algo que me encantasse. E, para minha surpresa, não foi as líderes de torcida, nem mesmo os jogadores de futebol, foi ele. estava encostado em uma árvore, lendo algum livro que parecia de suspense. Os olhos azuis pareciam mergulhados nas linhas do objeto, e eu me senti admirado por ele estar completamente alheio ao que acontecia ao redor. Caminhei calmamente até ele, sentando-se ao seu lado.
Os olhos eram azuis como o de sua mãe, os cabelos mesclavam entre loiro escuro e castanho claro, e o sorriso era fechado e tímido.
Eu enfrentei metade da escola por ser melhor amigo de . No começo, eu apenas pensava que por ser irmão de uma líder de torcida, ele tinha a má reputação que as animadoras tinham. Mas não era isso. Claire era adorada pela escola, enviando aquele clichê para puta que pariu, sendo uma garota amável e risonha. era o problema.
Eu saí de casa aos dezoito anos. Não tinha uma casa para morar, e havia somente uma quantia pequena em dinheiro. Comecei a trabalhar em uma sorveteria para tentar pagar o aluguel do minúsculo apartamento que morava. A vida era normal em Essex para mim, excepcionalmente boa.
Mas os sentimentos começaram. No começo, era somente uma faísca pequena que se acendia quando sentava ao meu lado, sorrindo docemente. Depois começaram os desconfortos em partes baixas quando ele tirava a camisa ou andava de cueca pela casa, procurando seus jeans. Eu me sentia afetado de forma intensa por ele, e aquilo seria o que me mataria.
Disse para que havia mandado minha carta para Oxford, mas ela foi a única faculdade na qual eu não havia mandado inscrição. Eu não poderia ficar perto de e deixar aquele sentimento impróprio crescer ainda mais dentro de mim. Fui aceito em Londres, estrategicamente escolhida para ficar mais longe possível dele. Só não sabia o quanto aquilo custaria para mim.

Travis era o nome dele. Meu primo era um sujeito legal, alto e moreno, e tinha um belíssimo par de olhos verdes. Ele havia se inscrito na faculdade internacional Harvard, nos Estados Unidos. Nós, da família, o víamos muito pouco. Somente por escassas mensagens do Skype. Minha tia Liz era totalmente orgulhosa do filho que cursava arquitetura em outro país.
Eu tinha cinco anos quando ele voltou da faculdade dizendo que queria se mudar para a de Oxford. Tia Liz praticamente teve um ataque. Oxford não era uma faculdade péssima, longe disso, estava entre uma das melhores. Mas ter um filho estudioso nos Estados Unidos é o sonho de qualquer mãe. E o motivo?
Trav estava apaixonado.
Romântico é a primeira palavra que você pensa ao ler que um homem desistiu da Harvard pela pessoa que é apaixonado (e burrice para alguns). Estávamos todos na sala ampla de tia Liz, quando Trav disse aquilo, arrancando uns gemidos de apreciação de nossas primas. Tia Liz suspirou audivelmente, ainda que estivesse muito indignada com aquilo tudo.
"Quem é?" foi o que eu perguntei, numa voz muito inocente de criança. Travis sorriu para mim, e se sentou ao meu lado.
"O nome dele é Steve" sussurrou no meu ouvido. Travis pensou que somente eu tinha o ouvido, mas mamãe estava colada em mim. Os olhos escuros de mamãe capturaram Trav, perplexa.
"Dele?" Foi o suficiente para a sala explodir. Tia Liz desmaiou, sendo amparada pelo marido. O pai de Travis o olhou com nojo antes de destilar xingamentos horrorosos contra ele. Mamãe rapidamente me tirou da sala, agachando em minha frente e pegando no meu rosto firmemente.
"O que o seu primo fez foi errado" ela me disse, tremendo. "Você nunca se envolve com pessoas do mesmo sexo, tá? Nunca ou eu jamais te perdoarei, ."

Grace , minha mãe, era bastante durona. Sempre me impôs as coisas e nunca me deixou fazer nada sem seu consentimento. Eu cresci sobre sua sombra até os seis anos. Até o meu padrasto, Andy Cooper, aparecer. Ele era legal comigo, saíamos para jogos de futebol e jogávamos vídeo games na sala de jogos. Mamãe parecia gostar realmente dele, e eu estava feliz por ela.
Tudo começou quando conheci um amigo no colegial, e o trouxe para jogarmos em meu quarto. Tranquei a porta para que minha mãe não nos atrapalhasse e ficamos a tarde inteira nos divertindo. Andy chegou primeiro, bateu a minha porta e eu abri. Seus olhos varreram o quarto orgulhoso, pensando que eu finalmente havia trago uma garota, mas seu rosto endureceu ao ver um homem ao meu lado. Ele desceu rápido as escadas, digitando o número da minha mãe. Grace chegou imediatamente, expulsando o menino da minha casa. Eu tinha um castigo até dezoito anos: nunca me envolver ou trazer garotos em casa.
"Você não quer se tornar como Travis, quer?" ela me perguntava, enquanto os olhos adquiriam um tom escuro. "Quer morrer espancado?"
Aos meus treze anos, Travis foi morto em um beco solitário de Oxford. E nem mesmo sua mãe apareceu em seu velório. Desde então, Travis era um assunto restrito em nossa família, e qualquer outro que fosse igual a ele, deveria se dirigir à porta e nunca mais voltar.
Então, foi o que eu fiz. Eu tinha dezoito anos, estava livre do castigo e cansado de todo aquele preconceito com pessoas como meu primo. Não iria odiá-lo como todos os meus outros primos faziam; eu o admirava por ter coragem de contar para toda a sua família sua verdadeira sexualidade. Ao sair de casa, mamãe somente me encarou friamente antes de dizer:
"Só volte quando for um humano normal" começou ela, cruzando os braços. Andy chegou ao seu lado, parecendo hesitar. "E não essa coisa."
Eu visitei o túmulo de Travis a partir do momento em que me libertei de uma família estranha, rígida e homofóbica.
E então, quando comecei a sentir todas aquelas coisas que eu supunha que Travis sentia por seu namorado, eu fugi. Oxford era um pesadelo pra mim. Aquilo era um pesadelo para mim. Era egoísta, mas eu não queria morrer em um beco solitário em uma cidade universitária. Queria construir uma família, voltar para casa casado e receber uma abraço de minha mãe. Iria cursar advocacia e então seguir a vida como manda a sociedade. Mesmo que eu tenha que deixar meu coração aos dezoito anos de idade, numa casa grande do condado de Essex, com um garoto tímido e apaixonante chamado .

Seis anos depois...

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Ele tinha somente quatro anos quando o vi sentado e sozinho num banco do hospital. Eu havia escolhido pediatria exatamente pela paixão por crianças, e vê-lo naquele estado me cortou o coração. Sua roupa estava rasgada e suja, os pés sujos e descalços. Obriguei minhas pernas a se moverem, e agachei à sua frente.
- Olá - cumprimentei, vendo-o subir seus olhos verdes escuros. - Cadê sua mãe?
Ele abaixou novamente a cabeça, e deu de ombros.
- Eu não sei - respondeu, suspirando. - Ela fugiu.
- Você sabe para onde?
- Não. E papai me expulsou de casa - mexeu melancolicamente na barra de sua blusa surrada. - Disse que só me aturava por causa da minha mãe.
- Você tá sozinho?
Ele se encolheu minimamente, como se aquela palavra o machucasse profundamente. Abri um sorriso amigável para ele, pegando sua mão magra.
- Qual o seu nome? - perguntei, vendo-o me encarar curioso.
- Kennedy - respondeu, baixinho.
- Sabe o seu sobrenome, Kennedy?
Kennedy maneou a cabeça para o lado. Eu suspirei, pegando sua mão e o ajudando a se levantar.
- Vamos, garotão - chamei, bagunçando seus cabelos lisos. - Deixa eu te ajudar.

Kenny, como ele havia escolhido ser chamado, se transformou num garoto de seis anos, alto, brincalhão, bonito e dono de maravilhosos olhos verdes. Íamos para minha casa sempre que o plantão acabava, e ele dormia ao meu lado todas as noites. Com o acompanhamento psicológico, Kenny aos poucos parecia esquecer a noite que foi expulso de casa. Ele estava com arranhões, cortes e esfoliações pelo corpo, que era resultado de anos apanhando, como eu supunha. Eu o considerava como um filho, mesmo tendo somente vinte e três anos. Já cansamos de ter de negar a paternidade para diversas pessoas que passavam e nos olhavam, soltando elogios como "Que lindo o seu filho" ou "O seu pai é muito atencioso". Eu queria ter o orgulho de dizer que tinha um filho como Kenny, mesmo não tendo meus genes. Ele era o oposto de mim, às vezes, mas gostávamos das mesmas coisas. Como sentar tarde da noite no sofá e assistir as séries e os filmes de terror que passavam de madrugada. Ou pintar (ou bagunçar, no caso dele) as telas que eu tinha no meu quarto de pintura. Era bom, agradável e muito confortável de viver ao lado dele.
- Aqui vai o Kenny, senhora Prichard - eu disse, depois de empurrar levemente o garoto para dentro do orfanato. Eu não saberia o que fazer depois que uma família o levasse para longe de mim. Senhora Prichard me olhou de esguelha, reprovando eu a chamá-la daquela forma. Ela realmente não era uma senhora, era somente uma mulher de trinta e um anos magra e alta. Dei um sorriso de desculpas, apertando suas mãos finas.
- Como foi o final de semana, meninos? - fez sua pergunta de rotina, sorrindo para o garotinho. Kennedy sorriu animadamente antes de desatar a falar as coisas "incríveis", como ele havia dito, que fizemos em nosso curto tempo de final de semana.
- Eu e o pa... fomos de canoa até a casinha e depois ficamos jogando jogos de tabuleiro a noite inteira! Foi muito legal - respondeu o menino, dando um sorriso sem graça no final. Senhora Prichard me encarou com as sobrancelhas levantadas, mas eu estava surpreso demais para respondê-la. Kenny iria me chamar de papai?
- Sim, sim, Kenny, tenho certeza que foi - concordou a mulher, sorrindo ao beijar a testa do menino. - Agora se despeça do .
Kenny veio até mim quase lentamente. Seu rostinho brilhante de animação havia se contorcido em uma careta. Eu abaixei até ficar de sua altura, abraçando-o forte antes de sussurrar:
- Esse final de semana não vamos nos ver - eu assisti ele se afastar do meu abraço, encarando-me confuso e magoado.
- Por quê?
- Eu vou estar em um plantão e irei visitar minha mãe em Essex - respondi-o, solene. Kenny cruzou os bracinhos, fazendo um bico pequeno.
- Mas e eu? - perguntou, emburrado.
- Prometo que assim que eu sair de lá, estarei aqui - prometi, rindo de sua cara amarrada.
- É muito longe de Londres?
- Não muito - tentei tranquilizá-lo, ouvindo senhora Prichard rir levemente atrás dele. - Tentarei voltar até a noite, tá?
Kennedy assentiu, magoado. Depois beijou minha bochecha, me abraçando pela última vez.
- Eu te amo, papai - murmurou antes de me soltar, correndo até subir as escadas apressadamente. Fiquei parado, agachado, tentando compreender as quatro palavras mais magníficas que eu já havia ouvido em minha vida.
"Eu te amo, papai."
- Eu também te amo, filho - sussurrei, finalmente tomando coragem para me levantar. Senhora Prichard me encarava vitoriosa, sorrindo alegremente.
- Agora você precisa fazer algo, - disse ela, voltando para seu lugar atrás do balcão. - Vocês se amam. Eu tenho certeza que morrerá nesses dois dias longe dele. Imagina se outra família o adote e o leve pra o outro lado do oceano?
Estremeci com a ideia, soltando um suspiro.
- Eu sou muito novo...
- Não me venha com essa ladainha! - reclamou ela, revirando os olhos. - Você já tem uma idade ideal, e um emprego que, mesmo exigindo muita parte do seu tempo, é ótimo.
Eu suspirei, sabendo que ela estava certa. Já estava feito, eu havia me apaixonado no instante em que o vi solitário numa cadeira de hospital.
- Prepare a papelada, quando eu voltar estarei com um advogado.
Senhora Prichard sorriu largamente antes de começar seja lá o que fosse preciso para uma adoção.

Mamãe dirigiu durante todo o caminho falando sobre como iria ser a melhor avó do mundo: levá-lo para tomar sorvete, brincar no parquinho, distribuir presentes no Natal e Dia das Crianças. Eu assentia, e às vezes ria sobre os comentários. Mamãe seria avó de verdade daqui a dois meses, quando Claire finalmente ganhasse seu primeiro filho. Ela, minha mãe, estava radiante. Nunca vi nenhuma mulher ficar tão feliz ao ser avó. Expliquei novamente para ela como Kenny era, e mamãe somente me olhou com uma expectativa hesitante.
- Você acha que ele vai gostar de mim? - perguntou ela enquanto esperava a senhora Prichard trazer Kenny para nos ver. Era no domingo à noite, como eu havia prometido ao garoto. O mesmo apareceu correndo pelo corredor, até chegar em mim e me abraçar fortemente. E então todo aquele sentimento forte e incrível se apossou de mim, juntamente com a saudade excruciante que eu sentia do meu garoto.
- Papai! - ele gritou, fazendo-me soltar um sorriso mais do que bobo, encarando seus olhos verdes. - Senti sua falta!
- Eu também, pequeno - murmurei entre seus cabelos, respirando fundo o seu cheiro de suor.
- Eu fiquei sabendo que o senhor vai me levar para casa - começou Kenny, radiante. Mostrou seu sorriso faltando um dentinho ao seu lado esquerdo, sentando-se em meu colo. - Para sempre!
Eu olhei para minha mãe, que nos encarava com os olhos brilhantes e lívidos. Eu sorri novamente para Kenny, assentindo.
- Você quer?
- Muito, muito, muito! - exclamou, batendo palminhas de animação.
- Não te incomoda não ter uma mãe? - perguntei, receoso. E provavelmente nunca teria, e eu realmente não queria que ele se sentisse uma criança reprimida. Kenny sorriu, balançando a cabeça.
- Se eu tiver o senhor, não preciso de mais ninguém, papai!
Eu engoli seco, sentindo meus olhos pinicarem. Segurei as lágrimas, apontando discretamente para minha mãe.
- Quero que conheça alguém - eu disse, vendo-o encará-la curiosamente. - Esta é minha mãe!
Kenny a olhou por alguns segundos, antes de agarrar suas pernas e olhar para os olhos azuis de mamãe.
- Você é minha avó? - perguntou, tentando alcançá-la. Mamãe assentiu, soltando as lágrimas escondidas debaixo de seus olhos. Pegou-o no colo, sorrindo lentamente para ele. - Legal, eu sempre quis ter uma avó!

"Venha para casa, porque eu estou esperando por você durante tanto tempo (...) Mas tudo o que eu vi foi você, a luta por você é tudo o que eu sempre soube, então venha para casa."

Come Home – OneRepublic


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Enlatado ou natural? Depois de mais de sete anos morando sozinho, eu sempre me fazia essa pergunta ao encarar a prateleira de enlatados no supermercado. Naquela ocasião, entretanto, minha mãe havia resolvido me visitar.
Era estranho.
Não, eu não havia voltado para minha casa depois de me formar no colégio. Segui-me direto para Londres, iniciando minha faculdade quase que imediatamente. (In)Felizmente havia encontrado um primo que não via há anos, e ele comunicou minha mãe aonde eu estava. Bastou somente um ano para que a Grace se decidisse e pegasse um ônibus para Londres, me procurando em frente minha faculdade. Minha mãe havia mudado, mas não tanto quanto eu gostaria. Andy havia a deixado, alegando-a de ser muito preconceituosa. E ela estava sem ninguém há mais de anos, morando sozinha na nossa imensa casa antiga. O motivo para ela ter hesitado tanto a vir para Londres foi porque era o mesmo lugar que Andy havia se mudado com uma proposta irrecusável de trabalho. Depois de muitas e muitas noites pensando, ela chegou à conclusão que a cidade era imensamente grande e povoada, e achar Andy seria quase que impossível.
E lá estava ela, procurando algo para fazer para o almoço enquanto eu me questionava qual molho enlatado ela preferia.
- Kenny, não.
Minha cabeça travou antes de virar bruscamente para o lado, arregalando meus olhos. Haviam se passado mais de seis anos, isso era fato, mas continuava da mesma forma que eu o havia deixado. Os cabelos loiros acastanhados estavam cortados e alinhados, e os olhos azuis um pouco mais sérios. Sua altura continuava grande, mas eu ainda continuava a ser um pouco maior do que ele.
- Papai, por favor.... - o menino ao seu lado disse, abrindo um bico. Meus olhos analisaram o garoto, procurando indícios que levariam a indução óbvia de que era pai do garoto. Os olhos do meninos eram verdes escuros e grandes, mas os cílios eram longos e espessos como o de ; o jeito da cara amarrada do menino era quase idêntico a quando um adolescente ficava quando descobria não ter mais o seu doce preferido em casa.
Então, havia um filho. Havia se casado. Havia quebrado aquele rótulo de homossexual do colegial. Havia destruído o nosso beijo.
O garoto me encarou curiosamente, claramente confuso por eu encarar aquela cena tão fixamente. olhou-o, dirigindo-se a ele:
- O que você tanto olha, filho? - perguntou, olhando rapidamente para trás. Seus olhos me capturaram somente por segundos antes de sua cabeça virar bruscamente para trás novamente. Os lábios vermelhos pelo frio se abriram descaradamente, e os olhos cristais se arregalaram.
- ? - sussurrou. Sua voz parecia frágil e fraca. Eu, instintivamente, dei um passo para frente, tentando cortar aquela distância minúscula.
- - murmurei, soltando todo o ar que eu guardava. O menino entrou na minha frente, puxando minha calça levemente.
- Você é parente do meu papai? - perguntou ele, me encarando com seus olhos verdes. - Você é meu tio ou meu primo?
- Kennedy - chamou , fazendo o menino se voltar para ele. – Por que não vai buscar aquele chocolate na terceira fileira?
Kennedy, o garoto, abriu um sorriso enorme antes de disparar para o corredor três. soltou o enlatado em seu carrinho cheio de guloseimas e refrigerantes, e começou a andar até mim. Eu senti seus braços fortes me segurarem firmemente antes de eu retribuir o abraço o mais forte que eu conseguia. O perfume forte e agradável ainda continuava igual, a maneira que ele colocava os braços ao meu redor se encaixaram como sempre. Por um minuto, parecia que estávamos no colegial novamente, vivendo um amor tão proibido por ambas partes.
- Como você está? - perguntou , soltando-me. Seu sorriso era fechado como aquele que se dirigia a mim no primeiro dia. Um sorriso cordial.
- Estou bem - consegui dizer, tentando abrir um sorriso como o dele. - Vejo que se casou e construiu uma família.
- Eu... - começou , parecendo divertido. Mas uma mulher morena e de olhos tão verdes quanto o de Kennedy apareceram, segurando o mesmo pela mão.
- ! Olha quem eu encontrei no corredor três - comentou a mulher, entregando o garoto novamente à seu pai. - Tome mais cuidado com ele.
? Aquilo era para ser um apelido para ? Oh, céus...
- Obrigada, senhora Prichard - agradeceu , olhando rapidamente pra mim. - Eu o mandei lá.
- Bem, está entregue a salvo - a mulher deu de ombros, sorrindo para mim rapidamente. - Olá! Bem, Jim, nós vemos novamente!
E tão rápido quanto ela veio, ela se foi andando pelos corredores cheios de gente e carrinhos.
- Eu não casei com ninguém - se apressou, parecendo respirar rápido. - Eu o adotei.
Eu tentei evitar, mas um sorriso satisfeito cruzou meu rosto. pareceu notá-lo, já que sorriu de modo mais gentil para mim.
- Papai, a tia Lo está nos esperando - comentou Kennedy, olhando para mim e o pai simultaneamente. assentiu para o filho, e caminhou para abraçar a mim novamente.
- Hospital de Greenwich - sussurrou em meu ouvido, enviando uma onda teimosa de arrepios pelo meu corpo. - Foi bom te ver.
pegou seu carrinho, colocou o filho no meio das compras e sumiu por entre os corredores.
Então era isso? Ele havia adotado uma criança, solteiro, e quando nos encontrávamos ele somente me dizia um nome de um hospital e... Puta merda! Era o seu local de trabalho! Abri um sorriso novamente, pegando qualquer massa de enlatado antes de virar e tentar achar minha mãe por entre aquela gente.
Não foi preciso. Mamãe estava exatamente atrás de mim, com o rosto contorcido em uma careta de desgosto. Os olhos negros estavam frios e cortantes. Será que ela, infelizmente, tinha encontrado o dito cujo do Andy?
- Eu não quero você perto de garotos - murmurou ela, cerrando os dentes fortemente. - Ou eu internarei você em uma clínica para loucos.
Eu pisquei lentamente até ser puxado para fora do supermercado e estar dentro do carro novamente, assistindo minha mãe ligar o automóvel, nervosa.
- Eu nunca mais quero você perto de um homem, tá me escutando? - ela me disse, respirando fortemente. - Nunca mais!
Todo aquele sentimento reprimido voltou com força novamente. Eu tinha seguido minha vida como manda a sociedade, me envolvi com garotas imbecis e fúteis, me transformei num canalha da faculdade. Mas tudo o que eu sentia era que aquele não era eu. E realmente não era. Eu havia me deixado naquela noite mágica com , há anos atrás. Aquela pessoa, aquele monstro, era somente uma máscara que eu vestia todos os dias antes de ir pra a faculdade. Mas em um encontro de quinze minutos com o homem da minha vida, eu consegui ser tudo o que eu queria ser. Todos os sentimentos que eu queria sentir estavam à tona novamente. E daquela vez eu não iria me reprimir, nem me esconder. Era hora de lutar.
- Para esse caro - mandei, a voz saindo grossa e firme. Mamãe me ignorou, apertando fortemente o volante do carro. - Para a porra desse carro, agora!
Grace me olhou assustada, parando o carro quase que instantaneamente.
- Escute bem o que eu vou te dizer, mamãe - disse, sarcasticamente. - Eu me reprimi durante anos, finge ser quem eu não era somente para satisfazer os desejos seus e da sociedade. Eu me tornei em um canalha somente para preencher essa amargura que você tem no seu coração! Sabe o porquê de Andy ter deixado você? Porque ele era um homem bom, e você é má, hipócrita, uma homofóbica que tem preconceito contra o diferente. Mas surpresa, mamãe: Eu. Sou. Diferente.
Respirei, tomando fôlego. Grace continuava a me encarar como se eu fosse um marciano tomando sorvete, mas me obriguei a abrir a porta do carro e sair. Quando coloquei os dois pés para fora daquela prisão, eu me virei para ela e completei:
- Eu não me importaria de morrer espancado em um beco porque eu não estaria solitário. Eu estaria sendo amado. Eu estaria sendo feliz. Há coisas piores do que morrer, mamãe, e viver sem amor é uma delas.
Quando eu fechei a porta do carro fortemente, eu senti apenas duas coisas: a brisa gelada do inverno bater contra meu rosto e o sentimento de liberdade.
Eu finalmente estava livre. Livre da repressão, livre do julgamento, livre da máscara.
Eu estava livre para amar.

"Pois, querido, eu poderia construir um castelo com todas as pedras que jogaram em mim. E todos os dias são como batalhas, mas todas as noites conosco são como um sonho (...) Amor, somos os novos românticos: As melhores pessoas, na vida, são as livres"

New Romantics - Taylor Swift


Version

- Muito bem, garotão - elogiei, bagunçando um emaranhado de cabelos pretos. - Pode ir embora agora.
O garoto sorriu e puxou a mãe pela porta, que saiu depois de me agradecer. Eu me joguei na cadeira giratória, fechando os olhos de cansaço. Havia algo a mais. Havia um coração pulsando em esperança e depois em desapontamento. Eu via o rosto bonito de a todo lugar que ia. Era como uma sombra que me seguia em todos os dias, todas as horas, segundos... Já se faziam dois meses. Eu sei que havia sido frio ao dizer somente um hospital comum em Londres, mas eu realmente esperava que ele se lembrasse de como eu queria ser médico. Eu tentava me iludir pensando que não havia entendido naquele dia e que nesse exato momento estava pensando em que diabos estava em Greenwich. Mas se ele quisesse realmente saber, já estaria ali. Já estaria ali perguntando porque um cara alto chamado tinha lhe dito o nome daquele hospital. Todos aqueles pensamentos me levavam a apenas uma solução: ele não me queria. De novo.
- Doutor ? - os cabelos ruivos de Angel apareceram por detrás da porta, mostrando o rosto bonito da mulher. - Tem uma visita para você.
Eu tentei acalmar as batidas rápidas do meu coração enquanto me endireitava na cadeira, ansioso. Já iria perguntar quem era quando uma miniatura de gente passou correndo pela porta, gritando:
- Papai!
Eu sorri e peguei-o no colo, estalando um beijo em sua bochecha.
- Olá, pequeno - ele sorriu para mim radiante.
- Vim te fazer uma surpresa - ele exclamou, balançando os cabelos lisos e arrumados. - Tia Angel disse que você tem uma hora livre.
- Tenho sim - afirmei. Ele soltou uma risadinha, se levantando em um pulo. - O que foi?
- Quero te mostrar algo - respondeu, abrindo um sorriso esperto. - Venha, papai!
Kenny me puxou pela mão, tentando inutilmente me arrastar para a porta.
- O que é? - perguntei, curioso.
- Aí não vai ser uma surpresa, papai! - Kenny disse, soltando mais risadinhas espertas. Eu me deixei guiar até entrarmos na porta que levava ao terraço do hospital. Comecei a hesitar, mas obrigava-me a relaxar. Era Kennedy, meu filho. Apenas uma criança.
- Sobe, eu vou ficar aqui em baixo esperando vocês conversarem - disse Kenny, parando ao meu lado. Eu o olhei confuso, vendo-o acenar impacientemente para cima. - Tem alguém lá em cima que te ama muito, papai.
Eu sorri. Não era difícil saber quem que é. Agradeci baixinho ao meu filho, subindo as escadas vagarosamente. Claire costumava fazer pequenas surpresas pra mim, e logo agora que o seu bebê havia nascido, provavelmente estava ali com ele. O sorriso era grande em meu rosto, apesar de haver somente duas semanas desde o momento em que a vi numa cama de hospital depois do parto.
Senti um vento frio do inverno bater em meu rosto, e tirei as mechas do cabelos que caíram pelo meu olho. Eu parei no meio do caminho, observando a silhueta masculina se mexer.
- Eu tinha só treze anos quando meu tio morreu num beco solitário em Oxford - começou ele, parecendo cansado. - Ele era um bom sujeito. Havia desistido de Harvard por causa de seu namorado. É, o namorado dele.
se virou, encarando meus olhos antes de desviá-los para o sol que se punha. Os famosos olhos brilhantes estavam apagados em um negro escuro e sem vida.
- A partir daquele momento, qualquer que fosse igual a ele, deveria se dirigir a porta e nunca mais voltar - continuou , encolhendo-se quando mais uma camada de ar frio nos pegou. - Oxford era um pesadelo para mim, , e eu não estava disposto a enfrentar aquele sonho ruim aos dezoito. Eu nem mesmo entendia como aquilo poderia acontecer. Sentir um sentimento tão puro por uma pessoa do mesmo sexo, quero dizer. Todos me diziam que era errado, totalmente mal visto pelos olhos de Deus. Mas, porra, por que eu sentia que era tão certo? Por que eu sentia que poderia ser realmente eu ao seu lado? Eu não estava pronto, . E muito menos livre para viver o meu amor.
Eu fechei as mãos em punho, entendendo claramente o que ele queria dizer. Eu passei minha infância inteira sendo acusado de ser uma coisa, um extraterrestre intocável, como se seu tivesse uma doença e não poderia me enturmar por conta disso. Mas eu tive um apoio da minha irmã, da minha mãe. E ? Que apoio ele teve quando toda a sua família rejeitava aquele tipo de pessoa?
- Eu vivi durante esses anos como um mero telespectador. Eu via pessoas encontrando o amor, vivendo-o de maneira intensa e mandando qualquer problema e dificuldade para longe. Tudo o que eu conseguia pensar era que eu havia tido um amor tão puro e intenso como aquele, mas havia jogado-o para longe por medo. Eu não entendia! - exclamou, limpando com forças as lágrimas pesadas. - Eu só sentia que deveria fazer o certo, entende? Mas o certo sempre esteve ao meu lado e eu nem me importei!
se recompôs, respirando falha e desesperadamente. Seus olhos eram uma mistura de dor, agonia, arrependimento e culpa.
- Eu demorei tanto para ter coragem para vir até aqui... Você me disse onde estava, eu soube durante todos esses meses - confessou. Eu senti o soco no estômago com a realidade. Então ele sabia. Sabia e não foi me procurar. - Eu só pensava que você estava magoado, com raiva... Eu não estava preparado para ver tudo isso em seus olhos. Não estava preparado para ver você me mandar embora para longe como eu fiz com você há anos atrás... Então, eu esperei. Esperei toda aquela dor passar, todo aquele sentimento de impotência...
- Eu não... - comecei, perplexo. - Não estava com raiva de você.
- A dor não passou, - ele continuou, fungando. – Então, eu só reuni um pouco de coragem e vim para cá. Mas quando cheguei aqui e me dei conta do que estava fazendo, dei meia volta. Eu realmente iria embora, , se não fosse por seu garoto. Ele me viu, me disse que você estava triste desde quando nos encontramos e me trouxe até aqui. Disse que iria te buscar. Disse que iria devolver ao seu papai a felicidade de volta.
Eu percebi as lágrimas quentes rolarem pelo meu rosto. Percebi também elas secarem e se esfriarem, totalmente diferente do meu coração que se esquentava enquanto ouvia aquelas palavras.
- Não espero que me perdoe, realmente - disse, parecendo atordoado e devastado. - Mas eu te amo com todas as forças do meu ser, , e eu... Não suportaria viver um segundo sem você.
Não esperei que outras palavras de desculpas viessem. Juntei seu rosto em minhas mãos, e encarei os conhecidos glóbulos negros e brilhantes.
- Eu também não consigo viver sem você - sussurrei antes de colar meus lábios com os seus. As sensações voltaram como uma avalanche, trazendo todo aquele sentimento intenso que corria pelas minhas veias. Eu havia esperado mais de seis anos e dois meses para aquilo acontecer novamente, e me sentia como se realmente estivesse em casa novamente, sentado ao lado do homem que sempre foi a minha vida.
- Obrigada - sussurrou de volta, assim que conseguiu se separar de mim. - Obrigada por salvar minha vida.
Eu ri, mas o riso saiu engasgado por conta dos lábios quase grudados.
- Eu salvaria quantas vezes precisasse - retruquei, sorrindo emocionado. - Pois, assim, eu estaria salvando a minha.
nos juntou novamente, parecendo desesperado por contato. Eu sorri novamente, sentindo-o espelhar o gesto no mesmo segundo. Um barulho nos atrapalhou, e eu guiei meus olhos para a porta, enxergando a estatura pequena de Kennedy parada. Me separei relutantemente de , chamando meu filho com as mãos.
- Kenny - o chamei, assistindo enquanto ele corria até mim. Parou em minha frente, as sobrancelhas vincadas em confusão. - O que você acabou de ver...
- Papai - cortou ele, dando de ombros. - Ele é sua felicidade?
Eu encarei , que sorriu de volta para mim, agachando ao meu lado.
- Sim, Kenny - respondi, convicto. - Ele é minha felicidade.
- Então, ele também é a minha - ele olhou para , abrindo um sorriso largo e feliz. me encarou surpreso, e eu somente encarei meu filho com um sorriso bobo e orgulhoso.
- Kenny, você não acha isso estranho? - perguntou , com calma. - Pessoas irão dizer que é errado...
- Eu não ligo se isso for estranho, se faz o papai feliz - respondeu Kenny, parecendo despreocupado. - E eu não me importo pro que as pessoas falam se eu tiver uma família unida.
Eu tomei Kenny em meus braços em um abraço forte, soltando um soluço estrangulado.
- Oh, Deus, obrigada - sussurrei contra seus cabelos, sentindo-o me abraçar mais forte. - Obrigada por aparecer na minha vida.
Kenny sorriu para mim quando se soltou, e se virou para , que encarava a cena meio bobo e deslocado.
- Então, você vai ser meu novo pai? - perguntou, inocente. me encarou por longos segundos antes de se virar para o garoto e assentir hesitante. Acompanhei o sorriso de Kenny quando o mesmo passou os bracinhos pelo ombro de , abraçando-o sem jeito.
- Agora eu tenho dois super-pais! - ele exclamou, rindo feliz. me encarava com lágrimas ao redor dos olhos, prontas para caírem. Eu assenti, concordando com os seus olhos.
Kenny era um anjo. Um anjo que havia descido somente para iluminar a vida de dois homens que foram humilhados, pressionados e abandonados por aqueles que mais amavam. Mas há coisas que somente o tempo pode curar ou trazer de volta. estava livre para viver, estava livre da opressão feita por sua mãe. Ele era completamente feliz agora. Não importa quantas histórias já foram contadas, todas tem um final feliz.
Só falta você o achar.

Posso ver você com as luzes da cidade
Décimo quarto andar, olhos pálidos azuis
(...)
Bem, eu não sei o que isso será. Mas com meus olhos fechados tudo o que vejo é o céu, pela janela, a lua acima de você e as ruas abaixo. Prendo minha respiração quando você se aproxima, saboreio seus lábios e sinto sua pele.
(...)
Não fuja, é difícil amar mais uma vez quando a única maneira que você sabe, a única maneira que você conhece, acabou de ir embora. Querido, você não precisa correr.
Apenas fique comigo (...) E quando chegar a hora, amor, não fuja:
Apenas me beije lentamente

Kiss Me Slowly – Parachute



FIM



Nota da autora: (23.03.2015) Eu passei anos da minha vida escrevendo fanfics de um gênero só, então me veio uma surpresa: "Escreve uma fanfic gay para mim?". Então, tudo o que eu podia pensar era: Eu consigo fazer isso. Com uma ajuda imensa dos maravilhosos (e lindos) do OneRepublic e suas músicas incríveis do álbum Dreaming Out Loud, eu consegui. A pessoa que me pediu isso provavelmente não faz ideia de que eu estou postando, muito menos citando no nome dela. Mas essa fanfic é especial pra mim. Muito.
E eu espero que vocês realmente gostem <3
Beijos,
Fêeh xx


Nota da beta: Qualquer erro nessa atualização e reclamações somente no e-mail.
Para saber quando essa fic vai atualizar, acompanhe aqui.





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