Acontecem perdas na vida de todo mundo. A morte era um fato, um destino, uma direção certa. E ela acontece de várias maneiras. A morte, quero dizer. Ela sempre arruma uma maneira de chegar quando se menos espera, rindo de nossa cara. Para falar a verdade, o melhor tipo de morte era aquela: morrer sem sofrer. Você ia, a morte te levava e deixava-nos todos desolados.
Mas e quando ela demora a vir, trazendo sofrimento a todos, fazendo-nos lamentar cada segundo de nossa vida? Quando você está em um estado terminal em um hospital, a única prece que você faz é: que me leve rápido. Por favor. Não me deixe sofrer.
Eu já havia escutando essas preces da pessoa que mais amei em minha vida. Ouvia meu nome ser sussurrado entre as palavras não o deixe sofrer e eu te imploro. De um lado estava eu, torcendo para que ela saísse daquela situação; e de outro estava ela, rezando para que partisse logo para longe de mim. Por que logo ela quereria isso? Depois de anos juntos, desde as primeiras palavras ao primeiro beijo, ela só queria largar tudo e seguir em frente. Eu demorei a entender o que realmente ela queria.
Queria que eu parasse de sofrer naquela cadeira de hospital, queria que eu seguisse em frente quando ela finalmente me deixasse. Mas eu não podia. Ela era uma parte de mim, senão eu todo; como eu poderia deixá-la ir? Era desistir de respirar, de viver. Era como desistir do meu próprio coração.
Shut the door, turn the light off Feche a porta, desligue a luz I wanna be with you Eu quero estar com você I wanna feel your love Eu quero sentir o seu amor I wanna lay beside you Eu quero estar ao seu lado I cannot hide this even though I try Eu não posso esconder isso mesmo que eu tente
Fazia dois meses. Dois longos meses. Eu estava acostumado àquela meia vida: viver ao lado dela em um quarto branco, e terminar os estudos nas horas livres. Era uma rotina que se, antes eu considerava insuportável, naquele tempo era aceitável. Eu a tinha ao meu lado, mesmo que somente pela comunicação pelos olhares. Eu lia e relia todos os livros de sua estante, colocava suas músicas preferidas em seu fone, conversava sobre como a escola era estressante sem ela. Os olhos dela sempre me acompanhavam e sorriam de maneira terna enquanto eu contava aquelas histórias sem nexos.
Quando ela finalmente se foi, eu passei por todos aqueles tipos de revoltas. Meu quarto era uma completa bagunça, as notas no fim do semestre estavam baixíssimas. Desliguei-me do mundo fora do meu quarto e distanciei de todos aqueles que estavam passando pela mesma coisa. Eu não entendia, era muito egoísta para saber que havia outras pessoas sentindo a mesma dor. Era somente eu e o seu fantasma na penumbra da noite. Onde ninguém poderia nos julgar, onde ninguém poderia tirá-la de mim de forma tão brusca.
Por que viver sem ela?
Heart beats harder Corações batem fortes Time escapes me O tempo me escapa Trembling hands touch skin As mãos tremem, as peles se tocam It makes this hard Isso torna mais difícil And the tears stream down my face E as lágrimas descem pelo meu rosto
Ela queria que eu me lembrasse de quando era feliz, alegre e cheia de vida. De quando éramos apenas jovens felizes procurando o amor verdadeiro. Mas toda vez que ouvia aquelas palavras calmas, a única coisa que eu pensava era: Eu suportaria?
Suportaria toda aquela pressão sozinho? Sua voz era tão doce e melódica que me acalmava de todos os problemas. Eu suportaria viver sem aquele timbre maravilhoso? Seus cabelos eram longos e sedosos, e sempre se embolavam em meu rosto, trazendo aquele cheio agradável e delicioso; eu suportaria viver sem aquele cheiro? E seu sorriso... Aquele capaz de iluminar o mundo e incendiar o meu coração. Aquele sorriso capaz de causas tonturas e choques pelo meu corpo, aquecendo todas as partes que mantiam-me frio.
As piores coisas sempre acontecem com aqueles que não merecem. Ela merecia viver e realizar todos os seus sonhos, merecia ter seu coração quebrado e consertado pedacinho por pedacinho. Mas, além de tudo, merecia poder conhecer o mundo e viver intensamente. Oh, Deus, por que não eu?
If we could only have this life for one more day Se apenas pudéssemos ter essa vida por mais um dia If we could only turn back time Se apenas pudéssemos voltar no tempo
- Um ano antes -
- Quando nos casarmos, teremos dois filhos: Jhéssica e Rhys! - exclamou ela, abrindo um sorriso radiante. Eu a olhei novamente, erguendo a sobrancelha.
- Quem disse que vamos nos casar? - perguntei, abrindo um sorriso zombeteiro.
Os poucos raios de sol que iluminavam o final do dia bateram em seus olhos, deixando-os mais brilhantes que o normal. O rosto exibia um sorriso aberto e feliz.
- Sem problemas - disse ela, simplesmente. Seus ombros balançaram em um movimento de descaso. - Meus pais te obrigam.
- Ai, meu Deus! - dramatizei, assistindo-a revirando os olhos teatralmente. - Estou sobre ameaça! Preciso fugir!
A risada dela preencheu a praia quase vazia, trazendo um calorzinho gostoso em meu coração.
- Não seja tão bobo - ela me disse, cutucando-me. - Mas é melhor correr, na verdade. Meu pai tem uma espingarda.
Minha gargalhada fez com que ela sacudisse em meus braços. Quando consegui controlar minha risada, passei meus dedos sobre seus lábios, sussurrando em seguida:
- Quem disse que eu não quero me casar com você?
You know I'll be Você sabe que eu serei Your life, your voice your reason to be Sua vida, sua voz e sua razão de viver My love, my heart Meu amor, meu coração Is breathing for this Está respirando por isso Moment in time Momento no tempo I'll find the words to say Acharei palavras para dizer Before you leave me today Antes que me deixe hoje
Casamento. Se ela ainda estivesse aqui, provavelmente iríamos sim ter nossa união. Mas agora aquela palavra parecia absurda demais aos meus ouvidos. O sequer pensamento de seguir a vida sem ouvir aquela risada me fazia tremer de repreensão.
No entanto, às vezes, eu me pergunto se era isso o que ela queria. Eu sempre vivendo nessa dor profunda e sem saída, quero dizer. Pergunto-me se ela gostaria de ficar sabendo que eu me envolvi numa bolha terrível de torpor e sofrimento. Sempre a imaginando me encarando com os olhos repreensores e tristes. O mundo costumava ser uma explosão de cores coloridas com ela ao meu lado, mas agora ele parecia totalmente coberto de preto e branco. Embalado em uma melancolia tão grande quanto a minha.
As bochechas dela coravam quando eu fazia um comentário malicioso. Os tapas estalados eram dolorosamente confortantes em meu braço marcado. Sua risada não era nem um pouco comportada para a sociedade e a maneira de gesticular deixava qualquer piada ridiculamente engraçada.
Era incrível como aqueles detalhes continuavam frescos em minha mente depois de todo aquele tempo. Eram vivos, constantes e muito, muito dolorosos.
- Dois meses atrás -
- Me desculpe, me desculpe, me desculpe. - sussurrava ela como um mantra. Tentei chegar perto, tocá-la, fazê-la esquecer o que fosse aquilo que estava a perturbando. - Não, não toque em mim!
Seus olhos eram escuros e cercados por dor. Eu a conhecia tempo suficiente para saber que nunca havia olhado para aqueles olhos grandes e visto dor estampada neles. Mas eles estavam ali, molhados e melancólicos.
- O que aconteceu? O que foi? - perguntei, começando a ficar desesperado com todo aquele sofrimento em seu rosto. - Me diga, por favor!
- Não posso ficar com você. - ela murmurou, encarando-me com pena. Pena? Era aquilo que ela sentia por mim agora? E todo aquele amor intenso que sentíamos um pelo outro?
Depois eu havia percebido: era pena de si mesma.
- C-Como assim? Do que você tá falando? - Naquele momento pensei que não existisse desespero maior do que pensar que ela estava terminando tudo. Pensei que nada seria mais doloroso até ouvir ela dizer as palavras mais estranhas e venenosas de toda a minha vida:
- Eu estou doente. Eu vou morrer.
Close the door Feche a porta Throw the key Jogue a chave fora Don't wanna be reminded Não quero ser lembrado Don't wanna be seen Não quero ser visto Don't wanna be without you Não quero ficar sem você My judgement cloudy Minha opinião é escurecida Like the tonight sky Como o céu esta noite
O meu quarto era meu refúgio. Tinham fotos dela por todo lado, e o seu perfume era sempre borrifado pelo local fechado. As janelas eram fechadas e cobertas por uma fina camada de pano preto, levando-me a escuridão total. A cama era desarrumada pelas noites mal dormidas, e por todas as vezes que já havia chorado sobre suas fotos.
Eu sempre havia zombado de qualquer cara que se sentisse um merda por conta de uma namorada. Sempre zombava do jeito em que meus amigos ficavam reclusos e depressivos quando terminavam com suas respectivas namoradas. Eu zombava porque nunca havia me separado totalmente dela. As brigas aconteciam, claro, mas eram resolvidas cinco minutos depois.
E agora eu estava ali, com fotos manchadas de nódulos de lágrimas e um boneco infantil que brilhava a medida que o sacudia. Sentia-me patético, acima de tudo. Sentia-me impotente por não ter feito nada para salvá-la, e mais idiota ainda por não conseguir me salvar. Parecia fácil para meus amigos dizerem que eu devia sair, seguir em frente, encontrar outra garota. A ideia era tão absurda quanto a Terra se dividir ao meio.
Eu também sabia que eles estavam sofrendo em dobro. Além de perder a melhor amiga para sempre, estavam vendo um de seus melhores amigos se afundarem cada dia mais.
O que eu poderia fazer? Era minha vida a partir de agora. Não é como se eu pudesse arrancá-la do meu coração.
Aliás, nem um coração eu suspeitava que houvesse mais.
If we could only have this life for one more day Se apenas pudéssemos ter essa vida por mais um dia If we could only turn back time Se apenas pudéssemos voltar no tempo
- Dez anos atrás -
- Você tem um ursinho! - zombei a garota, vendo-a corar furiosamente. Suas mãozinhas arrancaram o ursinho de pelúcia da minha mão bruscamente.
- Eu ainda sou uma criança. - replicou a garotinha, abraçando o urso fortemente. Eu soltei uma risada divertida.
- Mas um panda? Céus...
- O quê que tem? - perguntou ela, petulante. Eu revirei os olhos brevemente. Como uma garotinha de apenas oito anos poderia ser tão petulante daquela maneira? - Pandas são fofos e como eu!
- Você é fofa? - devolvi com um pergunta, erguendo a sobrancelha. Eu sabia que aquilo a deixava irritada.
- Não. - Foi tudo o que ela respondeu antes de sorrir lindamente. - Preguiçosos.
Bem, com aquilo eu claramente teria que concordar. Eu acompanhei enquanto ela guardava seu brinquedo em seu devido lugar, lutando para manter uma de suas mãos escondidas de mim.
- Ei, o que é isso?
- Isso o quê?
- Na sua mão - respondi, óbvio. Ela suspirou, rendendo-se. Mostrou-me um soldadinho engomadinho e pequenininho, sorrindo para mim por trás do brinquedo.
- Tá vendo? - ela o balançou enquanto o bonequinho brilhava. - Ele pisca!
- É muito legal. - admiti, sincero. Ela escondeu-o novamente, fazendo um bico perceptível.
- É todo meu.
Eu soltei uma gargalhada que a fez me acompanhar.
- Atualmente -
Eu não sentia muitas partes do meu corpo. Tudo o que eu sentia eram grossas gotas frias descerem pelo meu rosto pálido. Eu havia espiado-me no espelho somente uma vez, mas foi o suficiente para me assustar com as grandes olheiras e barba que começava a aparecer. Eu parecia um morto-vivo respirando. Eu não sabia como havia chegado àquele ponto. Quero dizer, eu prometi a ela que me esforçaria ao máximo para tentar seguir em frente; porém, eu estava ali, sofrendo e esquecendo toda a vida lá fora. Tudo o que eu pedia era que, se eu estivesse a decepcionando, que me perdoasse por amá-la com minha própria vida.
- Queria que estivesse aqui. - sussurrei, assustando-me com a voz grossa e rouca pelo mau uso. Ou a falta de uso. - Agora. Ao meu lado. Para sempre.
Flashes left in my mind Flashes deixados na minha mente Going back to the time Voltando no tempo em que Playing games in the street Brincávamos na rua Kicking balls with my feet Chutando bolas com os pés There's a numb in my toes Há um formigamento no meu dedão Standing close to the edge Estou bem perto do limite There's a pile of my clothes at the end of your bed Tem uma pilha com minhas roupas no final de sua cama
Levantei-me cambaleante, indo em direção ao banheiro ao lado direito. Eu sentia o piso frio contra meus pés descalços, mas não me incomodava. Qualquer sentimento ou incômodo que eu conseguisse sentir seria mais do que bem-vindo ao meu torpor. Havia chegado ao meu limite, onde eu não sentia nada a não ser o coração batendo fraco e ritmado em meu peito. Eu sentia somente aquelas gotas descendo pelo meu rosto constantemente, tanto que havia virado parte do meu dia.
Evitei encarar-me no espelho. Eu sabia muito bem como minha aparência estava, e não precisava de um reflexo jogando aquilo na minha cara. Joguei a água fria em meu rosto, tentando ao máximo sentir alguma coisa. As gotas geladas, no entanto, perfumaram meu rosto, mas tudo o que eu senti foi mais uma parte de mim sendo congelada.
Enquanto encarava um objeto brilhante encostado ao lado a pia, tentava achar uma razão para não fazer aquilo. Mas, para mim, existiam coisas piores do que morrer e existir como um morto-vivo era uma delas. Pensei também que, onde quer que ela estaria, eu ficaria bem longe dela. Sabia que ela não iria querer me encontrar quando soubesse o que eu havia feito. Sabia talvez que não iria encontrá-la em outra vida.
Mas e toda aquela dor? Será que ela não entendia que aquilo já estava me matando? Me consumindo de um modo arrebatador, levando toda a vitalidade que minha alma tinha. Eu só precisava de uma forma de me libertar.
Então eu não hesitei novamente em pegar aquele objeto pequeno e perigoso, nem hesitei quando passei pela porta e joguei-me na cama de novo. As fotos e a pilha de roupas continuavam espalhadas pelo chão, e eu pensei que aquele era definitivamente um péssimo lugar para morrer.
Respirei fundo o seu perfume pela última vez, encarando a foto mais recente que havíamos tirado. A foto em que ainda éramos felizes e estávamos juntos.
As I feel myself fall Enquanto me sinto cair Make a joke of it all Faço uma piada de tudo
Eu não saberia para onde iria, nem se estaria perto dela. Não sabia qual seria o meu futuro, se é que eu teria um, daquele momento em diante. Somente fui tomado pelo sofrimento e fechei os olhos.
- Não faça isso...
Sua voz era tão carregada. E tão diferente de como costumava ser. Estava fraca e distante, da mesma forma em que eu me sentia. Eu queria poder atender o seu pedido, mas eu precisava me libertar. Precisava-me ver livre de toda aquela dor, daquele aperto que me consumia, de todo aquele espaço preenchido de melancolia.
Antes de perceber que estava sendo levado para longe, esperei que ela me perdoasse por tirar uma vida que poderia ter sido dela. Pedi para que me perdoasse por meu egoísmo de estar perto dela, pedi para que me entendesse que preferia não existir a viver naquela solidão. Então, enquanto encontrava seus olhos claros e vívidos em minha mente e pegava em sua mão delicada e macia, sussurrei:
- Me espere, anjo.
FIM!
Nota da autora: Eu acho que Moments é uma música especial para todo mundo. Sem exceções! Além de ser escrita pelo (incrível) Ed Sheraan, claro. Essa foi a minha primeira shortfic, e eu, entusiasmada com a ideia de escrever, mostrei para todo mundo na época. Todo mundo gostou, e então, quase três anos depois, eu resolvi reescrevê-la!
Então, leitora, se você chegou até aqui, aguentou todos os ele/ela, parabéns e MUITO obrigada!
Até em outra fic, short, song... Beijinhos
xx (19/05/2015)