Abri os olhos
Não consigo mais fechar
Assisto em silêncio
Até o que eu não quero enxergar




Ela ligou a tv pra se certificar. Acabara de ouvir no rádio a terrível notícia, mas não quis acreditar. Precisava ver com os próprios olhos... e viu. Todos os canais mostravam isso. Saiu, desnorteada, a procura do celular. Pouco se importava com os cacos de um prato que, há pouco, havia caído no chão. Achou o telefone e discou. Precisava falar com ele, ter certeza de que ele não estava lá. Não naquele vôo.
- Atende...atende... – Tentou 1, 2, 3 vezes e nada. Sempre caía na caixa postal. – Droga! Não pode ter sido... Não pode ter sido você. Não você, ... – Apoiou os braços na mesa, baixou a cabeça e pôs-se a chorar.
Chorou, tentando não acreditar que aquilo era verdade.
O celular de repente tocou e ela atendeu, com um fio de esperança que fosse ele.
- ?! – disse sem verificar o número.
- , sou eu... – Não era ele. – ... eu vi na tv... Não é verdade, né?! – Riu, nervosa, enquanto algumas lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto. – É uma brincadeira, um filme de terror... sessão da tarde...
- Eu sinto muito, . – A amiga começou a chorar e ela acompanhava do outro lado da linha. – Me espera, to indo aí.
As duas encerraram a ligação e o telefone de voou contra a parede.
- POR QUÊ? – gritou. – Por que você? – seu tom de voz foi baixando e o choro voltou a dominá-la.

- Abre a porta, ! – a amiga gritava do lado de fora, enquanto tocava a campainha insistentemente. – Abre logo...
Ela se levantou, sem forças. Caminhou até a porta, abriu e desmoronou nos braços da amiga.
- Chora. Vai te fazer bem... – abraçou-a carinhosamente.

- Tem certeza que você quer ir até lá?
- Eu preciso de notícias, eu preciso saber se ele... – ela se calou. As lágrimas a impediam de falar.
Minutos depois as duas já estavam no aeroporto, de onde aquele vôo tinha partido.

Pessoas chegavam a todo momento, desesperadas, em busca de informações. Informações sempre negadas. O desespero e a angústia já tomavam conta do ambiente, mas ela continuava ali, apática. Sentou-se numa cadeira e não esboçou mais nenhuma reação. Fixou o nada e, involuntariamente, sorriu ao lembrar dele.
- ... – A amiga sentou ao seu lado, acariciando seus cabelos.
- Ele era lindo, sabe? – ela sorriu. – E gostava tanto de voar... ele queria ser piloto... e... e ele disse que me levaria pra uma ilha deserta. E a gente ia casar... casar...! – ela voltou a chorar enquanto era abraçada pela amiga.
- Ah, ... – também já não controlava as lágrimas.
- Eu o amava tanto...
- Ele também te amava.
- Eu não devia ter deixado ele embarcar... não devia! Dói tanto... dói tanto aqui... – ela apontou para o coração.

Estavam todos naquele salão. Já haviam se passado tantas horas e nenhuma informação havia sido dada. Nem os nomes... se pelo menos eles revelassem os nomes pra acabar com essa angústia! E, de repente, pôde ouvir no rádio: o primeiro... o segundo... o terceiro e... ele.
- ... ... – estava tudo definitivamente acabado.
O mundo dela terminava de ruir. Era o fim de tudo. O fim da mais linda história de amor.
O desespero tomou conta do salão novamente. Mas ela sentou. Não tinha mais forças para chorar, para gritar... para nada. Apenas para recordar o último momento.

- Você tem mesmo que ir? – perguntava, abraçada ao namorado, no saguão do aeroporto.
- Você sabe que sim, meu amor. – ele acariciou seu rosto.
- Eu não queria que você fosse. Não pode ficar?
- É o meu trabalho, . Mas olha... – ele tocou o queixo dela e a fez encará-lo. – Daqui a 3 dias eu to de volta. Prometo. – Os 2 sorriram e trocaram um selinho.
Permaneceram ali até o check-in. Ela estava com a cabeça repousada no peito dele e ele com os braços em volta dela.
- Eu preciso ir. - Ele disse ao ouvir o chamado. Os 2 entrelaçaram as mãos e foram juntos até o balcão.
- Eu volto daqui a 3 dias. – ele falou e ela sorriu. – Eu amo você. Amo você demais!
- Eu também te amo, ! – Os 2 trocaram um beijo apaixonado; mal sabiam que seria o último.
Ele embarcou e minutos depois seu celular tocou.
“Eu te amo. Não esquece, pequena. Eternamente seu, .”
Ela sorriu. Foi a última mensagem dele que recebeu no celular.


Os dias se passaram. Os corpos eram identificados lentamente. Mas ele cumpriu o que prometera. Três dias após o terrível acidente, ele estava de volta. O avião acabara de pousar, e ela pôde ver o caixão passar. Entrou em desespero novamente e foi confortada pela amiga, que não saíra do seu lado em nenhum momento.
Ele foi enterrado no mesmo dia. E com ele, o coração dela.
- Eu te amo, . Pra sempre. – foi tudo o que ela conseguiu dizer ao ver o caixão baixar.


Dois meses se passaram. Ela estava parada em frente ao túmulo, agora sem chorar. Ficou ali, estática por alguns minutos. Queria poder desenterrá-lo, e reviver tudo com ele. Reviver, e dar continuidade à vida que, para ela, não acabara ali.
- ... – sentiu uma lágrima quente correr pelo rosto. – Eu não sei se você pode me ouvir mas... eu sei que você está comigo. Eu sofri... eu ainda sofro acordando todos os dias sem te ver ao meu lado, sem ter o seu abraço pra me aquecer, sem ter você pra me fazer rir. Eu amo tanto você e nós tínhamos uma vida inteira pela frente... Por que você me deixou, hein? – o choro ficou mais intenso. – Eu sei que não foi culpa sua, meu amor. Mas... eu sinto tanto a sua falta. E agora mais ainda, porque... – ela respirou fundo e pôs a mão sobre a barriga. – Eu queria dividir esse momento com você, meu amor. Eu queria que você tivesse aqui pra viver tudo isso mas você não está fisicamente... essa criança, seu filho, é um pedacinho seu. O nosso bebê. Lembra que você tanto queria? – ela sorriu, entre soluços. – Eu sabia que você não ia me abandonar. Que você ia ficar comigo pra sempre. Eu te amo... tanto aqui... – ela tocou na foto do túmulo dele. – Quanto aqui... – e pôs a outra mão na barriga.
O vento passou um pouco mais forte, e ela pôde sentir o que parecia um beijo na sua bochecha. Talvez fosse ele, demonstrando que estaria pra sempre com ela.

FIM

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