Always And Never – Parte III

by Ali


Sabe, eu não sou o único, não fui o primeiro nem o último cara a sofrer por causa de uma garota que as pessoas classificariam como cruel.
Sim, ela é cruel.
Foi essa a conclusão, de que nós, homens, só nos fodemos, que cheguei em um dos muitos dias que passei enfurnado em casa. Não tinha vontade de fazer nada além de ficar esparramado na minha cama ouvindo música, odiando e amando a .

Já era noite e meu quarto estava totalmente escuro, não fosse pela luz fraca que entrava pela janela e a do protetor de tela do computador. Meu itunes estava no shuffle, já que não tinha ânimo nem para escolher uma banda.
She’s The Blade, do Sugarcult, começou a tocar. Cara, como eu me identificava com aquela música! Antes a ouvia e só pensava que ela tinha um ritmo bom e uma letra surreal. Exatamente, surreal, não conseguia imaginar que algum dia me identificaria tanto. Agora, aquela letra parecia feita para mim.

“She’s the blade and you are just paper” – Ela é a lâmina e você é apenas o papel.

Exatamente assim que eu me sentia, como se eu vivesse num jogo de jokenpo gigante e fosse sempre o papel, enquanto ela era sempre a tesoura. Ela acaba me picando, me machucando e eu perco.

“She stole everything” – Ela roubou tudo. “She controlled everything” – Ela controlou tudo.

Fiquei imaginando se o Tim Pagnotta, vocalista do Sugarcult e compositor da música, tinha conhecido a . Sério, as semelhanças eram imensas. Se ele não fosse americano e um tanto mais velho que ela, eu não duvidaria nada. Se bem, que tenho certeza, que se ela o quisesse, ela o teria e faria exatamente o que ela fez comigo. Descartar e machucar, eu digo.

Levantei da cama, empurrando o edredon que estava mais pesado do que o normal. Roupas sujas da semana inteira se acumulavam ali.
Petra, a nossa empregada, tinha a personalidade meio forte e se negava a limpar meu quarto quando eu o deixava totalmente bagunçado. Falava que não era obrigação dela arrumar a minha bagunça e depois resmungava qualquer coisa em ucraniano.
Uma doce mulher, com certeza.
Minha mãe? Meu pai?
Não fazia nem idéia do estado de nojo do meu quarto e muito menos de todo o episódio . Estavam viajando a negócios desde o dia seguinte ao casamento. Mamãe estava em Manchester e papai em Edimburgo.
Ou seria ao contrário?
Não me lembrava, não me importava.
Estava bem feliz por eles estarem viajando, na verdade, me poupava de todas aquelas perguntas do tipo:
“Por que você não vai na escola há cinco dias?”
ou então:
“Morreu algum bicho no seu quarto?”
Bem, eu não me livrava totalmente dessas perguntas por causa da Lucy. Ela fazia questão de deixar bem claro que estava tomando conta de mim. Às vezes tinha a impressão de que ela sabia de tudo. Lucy me assusta de vez em quando.

Levantei, deixando cair o que me parecia metade do meu armário no chão e fui até a janela. O céu estava estrelado, mas opaco por causa de todas as luzes de Londres. Havia algumas nuvens acizentadas em um ou outro lugar.

A nova música do The Click Five começou a tocar.

“She calls me baby, then she won't call me.” – Ela me chama de baby, depois não me liga. “Says she adores me and then ignores me.” – Diz que me adora e depois me ignora.

Nunca fui grande fã de The Click Five, achava eles arrumadinhos demais. Ok, eu sou meio que arrumadinho e minha banda também, mas é em outro nível e nós somos ingleses. Os ingleses podem tudo e pronto. Enfim, desde que ouvi essa primeira música como o novo vocalista, passei a gostar deles. Tá bom, eu gostei da música, Jenny, eu poderia ter escrito ela, mas se eu a tivesse escrito, ela se chamaria .

“You got me on my knees.” – Você me deixou de joelhos. “Jenny, it's killing me.” – Jenny, isso está me matando.

Procurei pelo casaco que estava usando naquela manhã. Estava caído perto dos meus pés. Agachei e peguei o maço de cigarro que estava no bolso.

“I'm trying to read between the lines.” – Estou tentando ler pelas entrelinhas. “You got me going out of my mind. “ – Você me deixa com a cabeça fora do lugar.

Acendi o cigarro com o isqueiro que estava no outro bolso e abri a janela. Sentei-me, ficando com a cabeça na altura dela e dei uma tragada. Aquilo me relaxava e combinava com a minha vida de pessoa chutada, vivendo à margem da vida e da sociedade.
Não gostava de fumar, até fumava numa festa ou outra por não ter mais nada para fazer, mas nunca fui um fumante, fumante, sabe?
Bem, agora eu era.
Tudo culpa dela.

“It’s kiling me.” – Está me matando.

Agora você vai falar que ninguém está me obrigando a fumar, muito menos a , mas eu vou falar que sim, ela me obrigou a fumar. Ela me obrigou a fumar, a virar um parasita social que não sai de casa, no segundo que ela falou aquilo para mim.

“It’s killing me.”

Soltei a fumaça, tomando cuidado para que nada entrasse dentro do quarto. Lucy descobriria, teria um enfarto, depois contaria aos meus pais e os três enfartariam juntos. Seria patético e eles voltariam para me assombrar.

“It’s killing me.”

Tentava, sem sucesso algum, fazer anéis de fumaça. Desisti, aquilo precisaria de mais do que algumas semanas de pulmão poluído.
Aliás, se algum dia eu tiver câncer de pulmão, a culpa é inteiramente de . Vou pedir uma indenização. Aproveito e peço uma por danos morais também.

“It’s killing me.”

O vento frio estava deixando meus braços arrepiados. As árvores balançavam e eu lembrei das árvores perto da casa da , o que me fez lembrar do último natal e de como ele tinha sido bom. Sorri, mas apenas por um segundo, antes de lembrar da segunda parte da história. Meu estômago revirou, a sensação de náusea sempre aparecia quando me lembrava.

“It’s killing me.”

Acendi outro cigarro mas o apaguei assim que ouvi a batida na porta. Joguei ele pela janela.

- Por que a janela tá aberta, ? – Lucy entrou no quarto perguntando e fazendo caretas. – Isso tá fedendo, ! – Parecia que minha mãe tinha entrado no corpinho da Lucy. – Amanhã você vai pra aula!
Ela acendeu a luz e, juro, praticamente, me cegou.
- Porra, Lucy! Apaga essa luz! – Reclamei jogando meu casaco no rosto para me proteger da luz.
- Cala a boca, ! – Ouvi o barulho do interruptor e tirei o casaco da cara. Ela tinha apagado a luz, fechado a porta e agora sentava-se ao meu lado, no pé da cama, com os braços cruzados e a cara brava.
Tenho pena dos meus futuros sobrinhos. Lucy será uma mãe rígida.
- Desculpa, Lucy. – Me senti mal por ter sido tão grosso. Queria ser um irmão mais velho normal, que trata a irmã como um alien, ou coisa do tipo. Mas não, eu, simplesmente, não consigo tratá-la mal.
- Tudo bem. – Ela me abraçou e logo se afastou.
- Eca, ! Faz quanto tempo que você não toma banho? – Lucy fez sua típica cara de nojo. Igual a que ela fez no dia que o passarinho fez cocô nela.
- Hei! – Tentei me lembrar. – Não faz tanto tempo assim!

“It’s killing me”

- O que tá acontecendo, ? – Ela perguntou com a cara mais preocupada e ajuizada que eu já tinha visto na vida. Colocou a mão no meu ombro. Não respondi. Não sabia o que responder. Afundei minha cabeça no meio dos meus braços, fingindo ignorar ela, o mundo aquelas coisas horríveis que sentia. – Tem alguma coisa a ver com a , não tem?
Levantei minha cabeça rápido e meio em pânico.
Droga!
Como ela tinha descoberto?
- Do que você tá falando? – Tentei fingir que nem lembrava quem era “”. Eu sou muito bom em fingir indiferença.
- Não sei! – Ela balançou os ombros. – Só sei que você tá assim desde o casamento da titia. – Virei a cabeça para o outro lado. Ela já sabia demais, se visse meus olhos, seria fatal. – Quando você sumiu, foi bem na hora que ela passou que nem um furacão pela mesa pra pegar o casaco dela. Eu acho que ela tava chorando. Depois, ela sumiu também.
Dei uma gargalhada. Não sei se foi pela simplicidade que a Lucy contou uma história tão complexa ou se foi pelo fato de eu ouvir as palavras “” e “chorar” tão próximas.
- A não chora, Lucy. – Falei com um nó na garganta.
“Ela só faz os outros chorarem.”
Pensei, mas não falei em voz alta.
- Ela tava chorando e depois você passou a semana toda nesse estado. – Ela apontou para mim quase que com dó. Ignorei ela. O que eu mais queira era alguém para desabafar, mas a Lucy se desesperaria se soubesse da verdade. Ela se levantou e beijou minha cabeça, do jeito que uma irmã mais velha faz, não uma mais nova. Eu sou um irmão horrível. Eu que deveria cuidar dela, não ela de mim. Abracei-a apertado, me sentindo ridiculamente mais protegido. – Promete que vai pra escola amanhã? – Ela perguntou se levantando.
- Prometo.
Bosta. Não poderia quebrar uma promessa feita a Lucy.
- Te amo, . – Ela falou antes de sair do quarto e eu ficar ali só pensando o quanto minha irmã era foda.
Se ela fosse um pouco mais velha, ela poderia me entender. Quis muito que ela fosse mais velha. Queria muito conversar com alguém sobre aquilo. Meus amigos eram totalmente inúteis. Quando contei para eles, eles só conseguiram entender até a parte de primos se comendo. O resto não conseguiu mais entrar na cabeça pervertida deles porque, aparentemente, todos tinham fantasias secretas com suas primas. Nojento!
Nojento sim! Ela nem é minha prima de verdade, ok?

“It’s killing me.”

Fechei os olhos e respirei fundo. Era hora de voltar para o mundo real.


E eu voltei. Voltei a ir para a escola, voltei a ensaiar com os caras, voltei a sair para não fazer nada, voltei a namorar com a Becky, voltei a traí-la com a Alison, a quem eu traía com aquela garota de cabelo cacheado que eu nuca consigo lembrar o nome.
A vida era doce de novo!
Mas não tão doce quanto antes, eu ainda não tinha conseguido esquecer certa pessoa o qual o nome nem será citado aqui.

Saí da aula naquele dia e fiquei ali em frente ao colégio, conversando com , e enquanto Becky se pendurava em meu pescoço com uma mão e agarrava o cós do meu jeans com a outra. Aquilo era meio ruim, não conseguia olhar direito para a cara dos meus amigos enquanto conversávamos porque ela estava sempre na frente. Claro, que aquilo causava a inveja da população masculina da minha escola, então era bom para a minha reputação. Mas que a Becky estava um grude insuportável, estava. Eu mal tinha tempo para as outras.

Quando enjoei de tudo aquilo (o que não demorou muito), me despedi de todos (foi mais difícil na hora da Becky, pois quase tive que enfiá-la dentro do táxi para ir embora) e comecei a caminhar até a minha casa.
Pensava em ligar para Alison quando chegasse em casa. Ou então para a Megan. Esse é o nome da de cabelo cacheado. Descobri quando a vi na minha aula de cálculos. Fiquei meio confuso, pois nem sabia que ela estudava na mesma escola que eu.

Estava com vontade de comer pizza. Fiquei torcendo para a Petra ter feito alguma comida muito nojenta que obrigasse a Lucy a deixar eu pedir pizza num dia de semana. A Lucy é meio rígida com alimentação, mais saudável que muito adulto.

- Hei. – Ouvi enquanto procurava a chave na mochila. Já estava ali, em frente a minha casa há alguns minutos. Minhas chaves se escondem de mim. Sério, elas fazem de propósito. Virei para trás e quase cai no chão ao ver quem estava lá.
Quando eu falo que ela é imprevisível, ninguém acredita. O que eu mais quis depois do casamento era aquilo, que a aparecesse na minha porta. Mas não, ela aparece agora, que eu estava fingindo estar curado dela.
Eu queria ter raiva, mas não estava conseguindo. Só me sentia estranho, uma mistura de sensações que eu nunca pensei que fosse experimentar.

- Hei. – Fingi que não estava totalmente abalado pela presença dela.
colocou o cabelo atrás da orelha e cruzou os braços, olhando para o chão. Ela estava nervosa, eu podia sentir. Nunca a tinha visto daquele jeito. Estava linda. Droga! Se ela fosse uma baranga as coisas seriam tão mais fáceis. Aquela saia cinza que deixava as pernas dela aparecendo também não me ajudava em nada.

- A gente pode conversar? – Ela perguntou olhando para mim.
- Acho que sim. – Respondi me afastando da entrada de casa e apontando o caminho para ela. Não sabia quando meus pais chegariam, não podia correr riscos. Começamos a andar meio sem rumo e em silêncio. Olhava para ela de tempos em tempos só para sentir aquela sensação estranha na barriga. Tomava cuidado para ela imaginar que eu não ligava a mínima para ela ou sua visitinha surpresa.

- Por que você veio até aqui? – Perguntei quando o silêncio começou a me incomodar. O barulho do meu coração me pareceu tão alto que fiquei com medo que ela escutasse. Os únicos outros sons que ouvia eram o de nossos passos e de um ou outro carro que passava pela rua. Tinha a impressão de que se não falasse, aquele silêncio poderia durar horas.
- Eu não sei, exatamente. – Ela olhava para o chão.

Várias hipóteses passaram pela minha cabeça, mas tinha uma que fazia mais sentido: Ela precisava do sex buddy dela. Fechei os pulsos dentro dos bolsos. Toda a raiva que tinha sentido aquele tempo todo estava voltando.

- Responde! O que você quer comigo? – Minha raiva ficou bem clara pela minha voz e ela se assustou. se afastou alguns passos de mim, e eu quase senti arrependimento.
- Esquece, eu não devia ter vindo... – Ela virou as costas e começou a fazer o caminho de volta.
- Sério, , por que você tá aqui? – Perguntei sem me mexer. Fechei os olhos ainda irritado. Minha cabeça doía e eu não entendia bem meu comportamento. Acho que finalmente resolvi ter um pouco de orgulho próprio.
Abri os olhos, ela continuava andando.
- Eu tô aqui porque eu te amo, seu imbecil! – Ela gritou enquanto andava irritada, com passos rápidos e pesados. Quanto a mim, eu estava tentando respirar, ficar em pé e controlar meu coração e meus pensamentos. Senti um sorriso se formar no meu rosto e a sensação de que tudo o que tinha acontecido antes tinha sido uma pegadinha. Agora sim, nós estávamos no roteiro certo!

Quando consegui me equilibrar, ela já estava alguns metros a frente e eu corri até lá, parando na frente dela e impedindo-a de continuar. Ela virou a cara, para não me olhar e eu me aproximei, tocando os braços dela de leve, com medo de sua reação. Não conseguia parar de sorrir e ela deve ter percebido isso porque tentava segurar a risada no canto na boca. Eu me sentia num sonho, numa experiência extra corpórea ou qualquer coisa parecida.

- Desculpa, mas não escutei direito o que você falou ali atrás... – Falei e ela olhou para mim.
- Eu falei que eu te amo, seu imbecil. – Ela repetiu como se estivesse fazendo muito esforço, não se esquecendo de falar “imbecil” bem alto. Passei meus braços pela sua cintura e ela me abraçou, cedendo. Me abraçou forte. Senti a respiração dela em meu pescoço e aquele perfume só dela invadir meu nariz. Eu sorri e tive a impressão que ela também sorria.
se afastou e eu acariciei seu rosto, olhava para ela como se quisesse gravar cada centímetro de seu rosto na minha cabeça. Ela estava mais bonita do que nunca e eu estava mais feliz.
Não me senti como seu cachorrinho, não senti como se ela estivesse me controlando nem nada. Agora sim, era uma coisa de igual para igual. Ela sorriu e eu a beijei. Senti aquele gosto que sempre fazia eu querer mais e ficava por dias na minha boca fazendo eu sentir saudades.

- Seus pais estão em casa? – Ela perguntou quando nos soltamos.
- Não. – Ela soltou aquele sorriso tarado e eu fiz o mesmo. Era algo meio que automático. A gente não conseguia controlar eles.
- Mas e a Lucy? – Ela perguntou enquanto já caminhávamos de mãos dadas de volta para a casa.
Reparei que nunca tínhamos feito aquilo. Andar de mãos dadas no meio da rua. Aliás, nunca andamos de mãos dadas. Ao mesmo tempo que sentia um vazio estranho e remorso por nunca ter feito aquilo, a sensação de que não tínhamos que nos esconder era maior do que tudo e me deixava bem satisfeito.
- Aula de balet, ginástica olímpica ou coisa parecida.

sorriu e eu tive vontade de gritar e pular. O amor estava fazendo de mim um gay.
Amor... Ela me amava! Mal podia acreditar na minha própria felicidade. Tinha a impressão de que a qualquer hora acordaria sozinho no meu quarto fedendo a pizza velha e cigarro.

Depois de alguns minutos procurando pela chave na mochila (a até sentou-se no degrau da entrada esperando que eu achasse a merda da chave), entramos em casa.
A luz de fim de tarde deixava a sala com a aparência mais quieta do que ela realmente era.
Minha casa era bem diferente da casa da . Era bem menor do que a dela, mas era até grande para os padrões londrinos. No lugar da decoração clássica e com cara de filme americano, nossa sala era decorada com móveis modernos e de cores claras. Tudo sempre parecia muito limpo e arrumado.
Também, com minha mãe e Petra praticamente agredindo as pessoas todas as vezes que se pisava na sala com comida, não era para o lugar ser de outro jeito.

Andamos até a escada tentando fazer o mínimo de barulho possível. Estava no segundo degrau quando espichei a cabeça em direção à porta da cozinha, onde Petra provavelmente estaria.

- ? – Ouvi sua voz com sotaque e fiz sinal para que nem respirasse.
- Cheguei, Petra! – Fingi uma voz normal, mas mal podia me concentrar em outra coisa que não fosse minha prima com as mãos entrelaçadas as minhas. O jeito que a saia cinza caia em suas pernas, o jeito que a blusa vermelha era larga e ao mesmo tempo justa (não me pergunte como, essas coisas só a consegue) e como seu cabelo parecia brilhar mais do que o normal.
- Uma tal de Ella te ligou!
- Tá, valeu!
Não lembrava quem era Ella. sorriu e balançou a cabeça negativamente como se falasse que eu era um galinha incorrigível.
Claro que ela não teve um pingo de ciúmes. Ela tinha plena noção de que só tinha uma garota para mim e essa garota era ela.
Essa é outra coisa que amo nela. Ela nunca teria ataques idiotas de ciúmes nem coisa parecida.
Subimos o resto dos degraus e já entramos em meu quarto. Ainda bem que já tinha dado uma arrumada nele. nunca entraria ali se o visse há algumas semanas atrás. Na verdade, acho que nem eu entraria. Estava realmente porco.

- Seu quarto tá diferente. – Ela falou olhando em volta enquanto eu tirava meus tênis. – Da última vez que eu vim aqui tinha bonequinhos dos power rangers espalhados por todo canto. – Ela riu e sentou-se na cama. Colocou as mãos embaixo das próprias pernas e começou a balança-las. Ela parecia uma garotinha, mas eu tinha pensamentos que não combinam com uma garotinha.
Ela mordeu o lábio inferior e abaixou a cabeça, deixando o cabelo cobrir parcialmente seu rosto. Ela estava envergonhada e eu adorava aquilo. Fazia ela parecer mais humana, menos perfeita. Não que a perfeição dela fosse algo que eu não gostasse, mas era legal ver esse outro lado. O lado vulnerável.
Andei até ela e beijei sua boca. Bem delicadamente, estávamos desse jeito agora. Tudo com calma, aproveitando o máximo possível e não como antigamente, quando já estaríamos ofegantes.
Nos acomodamos na cama e ficamos ali em silêncio, nos encarando, nos analisando.

- Desculpa. – Ela falou enquanto brincava com a minha mão.
Beijei sua testa, nem me lembrava o porquê dela estar se desculpando.
- Tudo bem.
- Eu estava com medo. – Ela olhou nos meus olhos. Se ela tivesse ficado em silêncio naquele momento, não teria feito diferença. Podia entendê-la pelo olhar. – Eu sempre estive no controle, dos outros e de mim mesma. Me orgulhava por nunca ter sofrido por homem algum e de uma hora para outra, você fez eu me sentir como uma personagem idiota de filme adolescente! – Sorri, não sabia bem se aquilo era bom ou não. – Eu não estava mais no controle e aquilo me desesperou! Eu lutei tanto para não me apaixonar... – Ela riu ironicamente. – Obviamente, eu falhei totalmente nisso! – Ela me olhou. Olhou apaixonada. E eu senti arrepios. – Eu achei que se te falasse todas aquelas coisas, você esqueceria de mim, eu esqueceria de você e as coisas seriam mais simples.
A envolvi mais apertada em meus braços.
- As coisas nunca são simples, .
- Eu sei, é que com a gente, as coisas são realmente complexas.
Ela tinha razão, mas nenhum dos dois se abalaria com isso. Ela me abraçou mais apertado.
- Por enquanto nós podemos ficar só assim, certo? – Ela balançou a cabeça afirmativamente. – Ninguém precisa saber ainda...
- Huhum. - balbuciou.
- Enquanto isso, nós vamos preparando eles e ... – Estava pronto para falar alguma coisa como “E se eles não aceitarem, a gente foge para Las Vegas e eles nunca mais vão nos ver...”, mas ela me interrompeu.
- , quer namorar comigo? – Ela perguntou com calma na voz. Ainda brincava com os meus dedos. Se eu tivesse perguntado aquilo, estaria com o coração na mão para saber a resposta. Ela não, era a calma em pessoa.
Bem, ela não tinha com o que se enervar, na verdade.
- Quero. – Respondi tentando manter minha voz tão calma quanto a dela.
- Ótimo! – Ela me abraçou e me beijou.
- Você sabe que eu era quem deveria te perguntar isso, né? – Perguntei meio inconformado por ela ter sido mais rápida.
- Claro que sei, mas você estava demorando muito! – Ela piscou e fez uma cara engraçada que só me fez ter mais certeza de que tudo estava bem. Tudo estava como deveria estar.


Abri apenas um de meus olhos. Uma claridade anormal para essa época do ano invadia meu quarto pela janela aberta e eu só podia ver a sombra de sua silhueta. Já estava bom demais para mim. Já a sabia de cor. Conhecia seu corpo melhor do que o meu próprio. Bem, não só seu corpo. Ela já não era mais imprevisível e era como se eu previsse cada pensamento que passava por sua cabeça.
Tinha a impressão de que ela tinha o mesmo poder.
Ela ainda não tinha percebido que eu a observava. Procurava suas roupas pelo chão do meu quarto e as vestia.

Eu e estávamos vivendo essa espécie de utopia há mais de um mês, desde o dia em que ela apareceu na minha porta e virou minha namorada. Nos víamos todas as tardes depois das minhas aulas e eu não podia pedir mais nada da vida.

Quando eu falo que ela é perfeita, eu não exagero, além de tudo, ela é inteligente. Inteligente ao ponto de se dar ao luxo de estar faltando as aulas há mais de um mês. Segundo ela, suas notas já eram suficientes para passar de ano duas vezes e os professores a amavam (novidade). Os que não amavam, sofriam com o que qualquer um que convive com ela sofre, sua invejável capacidade de conseguir tudo, absolutamente tudo o que quer.

Ela deu um nó no próprio cabelo, deixando-o preso no meio de sua cabeça. Fios finos caiam em sua nuca. Tinha vontade de beijá-la.

Ela não estava hospedada na minha casa, óbvio. Acho que meus pais nem sabiam que ela estava na cidade. estava hospedada na casa de uma amiga, perto de Camden Town. Todos os dias, ela me esperava no café em frente a escola e depois nós íamos para minha casa, fazer você sabe muito bem o quê.
Agora sim, a vida era totalmente doce!

Ela virou-se para me olhar e eu fechei os olhos imediatamente, fingindo dormir. Ela já estava totalmente vestida, para minha infelicidade. Senti seus lábios em meus ouvidos.
- Já to indo. – Ela sussurrou sem nem esperanças de que eu fosse ouvi-la.
A surpreendi e a puxei de volta para cama. A prendi com meus braços, me assegurando que ela estava bem presa.
- Tá cedo. – Falei tentando tirar sua blusa. Ela riu. Eu a beijei, a beijei como já estava mais do que acostumado a fazer e, no entanto, cada vez parecia melhor do que a última.
- Você não cansa mesmo de mim, né, ? – Ela perguntou enquanto tentava me beijar e tirar as botas ao mesmo tempo. Não sei como ela conseguia.
- Nunca.
Não paramos até que todas as suas roupas estivessem no chão, fazendo companhia as minhas. A pressionava entre meu corpo e a cama tentando destruir qualquer espaço que tivesse entre nós. Sua pele macia e cheirosa parecia acariciar a minha, por mais que não fosse sua intenção. Suas mãos envolviam meu pescoço como um colar. Um colar, que por mim, eu nunca mais tiraria. Sua respiração rápida e descompassada acompanhava a minha. Meus olhos estavam fechados, mas era sempre nessas horas que eu me sentia mais vivo, mais alerta a todos os outros sentidos.
Ela soltou um suspiro e soltou o peso de seu corpo em cima do meu, sim, ela tinha conseguido se colocar por cima e eu mal lembrava como.
Parecia tão realizada quanto eu. É, eu sou foda.
Percorri seu corpo com a ponta dos meus dedos e ela se arrepiou e beijou o canto da minha boca.
- Agora eu realmente preciso ir, . – Ela se levantou e eu nem argumentei. O que mais queria era amarrá-la ao meu lado, mas já estava tarde mesmo. O sol já estava pálido lá fora e nós já estávamos correndo riscos demais.
Me sentei e abracei meus joelhos enquanto a assistia se vestir novamente. Via aquilo acontecer todos os dias e me sentia privilegiado. Qualquer homem daria um dos pulmões para ter aquilo uma vez na vida. Eu tinha todos os dias. Todos os dias, só para deixar bem claro.
Ela foi no banheiro e eu resolvi me vestir também, talvez pudesse ir na casa de Tom. Ele e os outros caras tinham tirado a tarde para tentar escrever músicas. Queria ajudar, inspiração era o que não me faltava.
saiu do banheiro com os lábios brilhantes e o cabelo penteado num rabo de cavalo. Amava quando ela prendia o cabelo.
A acompanhei até a porta já sentindo aquela mistura de vazio e satisfação que sempre sentia quando ela ia embora.
Estiquei o braço e um táxi parou em frente a minha porta. a abriu e parou, antes de entrar.
As despedidas, por mais que fossem apenas até o dia seguinte, eram duras.
Passei o braço pela cintura dela e beijei seu pescoço de leve, aproveitando que o cabelo não estava lá para atrapalhar.
- Até amanhã, . – Ela falou antes de me surpreender com um beijo que fez eu sentir coisas estranhas na barriga e em outros lugares também.
- Até, , te amo. – Falei quando nos separamos, ainda sentindo aquelas sensações ridiculamente apaixonadas.
Ela entrou no táxi e abriu a janela.
- Também te amo, !
Coloquei as mãos no bolso da calça e vi o táxi se afastar.
Faltava apenas umas vinte horas para vê-la de novo. Sim, eu fazia esse tipo de conta, não conseguia evitar.
Voltei para dentro da casa, pois reparei que meu celular tinha ficado no meu quarto.
Descia as escadas cantando mentalmente alguma dessas músicas feitas especialmente para que você passe semanas com ela na cabeça. Estava distraído e quase não reparei que meu pai estava encostado no aparador próximo a porta.
- Hei pai! Você quase me assustou! – Falei normalmente, mas reparei que seu semblante estava fechado e ele parecia me fulminar com os olhos.
Bosta.
Só podia ser uma coisa.
- , o que você tem na cabeça? – Ele falou num tom comedido, mas que exalava raiva. Apoiou sua pasta no aparador e cruzou os braços. Coloquei a mão na cabeça. Aquilo não podia ter acontecido. Me sentei no primeiro degrau da escada e não respondi nada.
Não havia desculpas. Eles nunca entenderiam o que eu e a entendemos desde sempre.

FIM

Espero que a continuação não tenha sido óbvia demais e espero que vocês tenha gostado. Como sempre, me contem o que acharam através dos comentários ou do e-mail (ali.broccoli@hotmail.com), tá bem? (;
Já contratei um bodyguard para os casos de ameaças de morte (y)
Ah sim, entrem na comunidade, se tiverem vontade.
E leiam as outras fics, se tiverem vontade:
Getting Into You
Getting Into You - Parte II
Getting Into You - Parte III
I Think We Are Alone Now
Revolution
Just For Now
Grey Skies Turn Blue
Always And Never
Always And Never – Parte II
Velvet



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