Always And Never – Parte IV

by Ali


Celulares. Sabe, eles são bem úteis. Fazem com que você encontre uma pessoa caso ela não esteja em casa, fazem com você esteja comunicável. Mas é claro que todas essas maravilhas só são possíveis se você deixa o seu aparelho ligado!

Já tinha perdido a conta de quantas vezes tinha discado o número da e ouvido a mesma mensagem irritante da companhia telefônica:

“O número para o qual você discou está desligado ou fora de área. Tente novamente mais tarde.”

Após o que me pareceu a 200ª tentativa, mas era apenas a 20ª, a voz da mulherzinha já me parecia mais sarcástica do que nunca com o seu “tente novamente mais tarde”.
Esperava que ela morresse rouca, aquela mal comida.

Perdi a noção do tempo que passei discutindo com o meu pai. Aquilo nem poderia ser considerado uma discussão, foi mais uma troca de gritos. Nenhum dos dois falava coisas que faziam sentido, nenhum dos dois se entendia, eram apenas gritos mesmo. Quando não agüentava mais, sai de casa batendo a porta atrás de mim. Ignorei meu pai aos berros e sai meio que sem rumo.
Precisava achar a , contar para ela que tinham descoberto tudo. Os pais dela ficariam irados. Eu tinha que prepará-la, para que ele não fosse pega de surpresa como eu tinha sido pego.
Mas como posso prepará-la se ela não deixa a porra do celular ligado? Se você sabe, por favor, me fale.

Já estava escuro e vi o jardim iluminado da casa de . Isso, exatamente disso que eu precisava. Um amigo sábio para me aconselhar numa hora dura.
Ok, não é exatamente sábio, mas é um bom amigo.
Pulei as violetas da senhora , pois queria continuar sendo bem vindo naquela casa e toquei a campainha. A mãe de tem tanto carinho pelas violetas quanto a minha tem pela cafeteira.

Estava tão bravo, tão desesperado. As visões das conseqüências apareciam em minha cabeça, me deixando pior ainda. Aquilo podia ser o fim, o fim mesmo. Odiava conseqüências! Odiava, odiava.
Odiava, só para deixar bem claro.

atendeu a porta com uma espiga de milho na mão, mas só o que fiz foi falar:
- Eu tô fudido, !
me olhou assustado, com a boca suja e os olhos arregalados.
Olhei atrás dele e vi o resto da família numa situação bem parecida, com a diferença de que eles estavam sentados a mesa.
Sorri sem graça, meu modo de me desculpar, e entrei na casa.
A minha sorte era que as irmãs caçulas do já estavam mais do que acostumadas com esse tipo de linguajar, digamos assim, educado que nós usávamos.
O senhor e a senhora foram compreensivos o bastante para simplesmente sorrir e não criar caso pelo fato do filho deles abandonar o jantar familiar para dar uma pequena assistência ao amigo problemático dele.
Eu e subimos as escadas forradas com carpete e com fotos na parede. As fotos de todos os membros da família nunca me pareceram tão feias e intimidantes quanto naquele dia. Eu, geralmente, as achava bonitas e confortantes, de certa maneira.
Mas pensando bem, todas as coisas naquela noite foram feias e intimidantes.

Ele não me perguntou nada, provavelmente já sabia o que estava acontecendo. Todos sabiam que minha maior preocupação, desde que comecei a namorar a , era que nossa família descobrisse tudo.
Pronto, o dia tinha chego. Tudo parecia assustadoramente surreal e ao mesmo tempo, era como se levasse um choque de realidade, como se tudo que tivesse vivido com a até aquele ponto tivesse sido um sonho ou qualquer coisa que o valha.
Eu realmente estava confuso.

Entramos em seu quarto. Estava bagunçado, com aquele cheiro típico de desodorante masculino misturado com lustra móveis. Desabei na cama antes mesmo que ele acendesse as luzes. Cobri meu rosto com meu braço, esperando que, de alguma maneira, aquilo me ajudasse. Não preciso nem comentar que não ajudou, certo?
- O que você vai fazer? – perguntou enquanto eu pegava o meu celular no bolso da calça.
- Não sei. Não tem muito o que eu possa fazer enquanto eles não fizerem nada. – “Eles” saiu de uma maneira hostil, hostil de uma maneira que nunca tinha saído.
Apertei a tecla send do meu celular, para segundos depois fechá-lo com violência e jogá-lo longe.
- Outch! – Ouvi reclamar e, em seguida, o barulho oco do aparelho no chão.
- Mal, . – Não me preocupei em levantar a cabeça para checar se ele estava sangrando até a morte nem nada, do jeito que o conhecia, se tivesse machucado ele já teria feito um escândalo e tal.
- Tudo bem. – Ele respondeu com voz de coitadinho. Coitadinho. Eu nessa situação e ele se lamenta por ter levado um celular na cabeça. Ok, eu sei que ele não estava se lamentando, mas ele só não estava se lamentando em voz alta. Eu podia sentir o “sofrimento” dele. Mas tudo bem, o que é a sua vida arruinada, o seu provável trágico futuro numa escola militar enquanto seu amigo está com um mísero hematoma na testa?

Eu estava um tanto quanto descontrolado e resolvi não surtar de vez. A razão voltou a mim (se você falar que eu nunca tive razão, apanha) e eu resolvi parar de culpar quem menos tinha culpa na situação.
tinha interrompido o jantar em família dele para ser atingido por um celular voador e ser tratado como lixo.

Levantei minha cabeça, sentei-me na cama. tinha arrastado a cadeira da escrivaninha até próximo da cama e rodava nela com velocidade, chegava a fazer um ventinho até. Ele parou quando finalmente me viu, fez uma cara engraçada, tentando recuperar o prumo após ficar tonto e sorriu. Ainda bem que não havia hematoma nem sangue nele. Não visíveis, pelo menos.

- Quer que eu tente ligar para a ? – Ele perguntou. Fiz que não com a cabeça. Se ela ainda não tinha atendido, não atenderia mais. Além do que, acreditava que pouco tinha mudado nos últimos três minutos, desde que taquei meu celular no meu melhor amigo.

- Você tem um cigarro? – Perguntei a , enquanto sentia que se não colocasse um na minha boca naquele segundo, teria um ataque de ansiedade.
- Achei que você tivesse parado. – Ele levantou-se e caminhou até a última gaveta de seu armário. Ali, embaixo de quilos de roupas, estava o esconderijo de . O senhor é do tipo saudável/esportista, morreria de desgosto ao saber desse hábito do filho.
Mas voltando a mim, eu realmente tinha parado de fumar. Não fumava desde que eu e a nos entendemos. Não sentia a mínima falta. Bem, até aquela hora.

abriu a janela e sentou-se em seu peitoril. Eu fiz o mesmo. Minhas pernas estavam elétricas, sentia um calor estranho, acompanhado de um frio que me dava a mesma impressão de uma piscina em dezembro. Ele me entregou o cigarro e o acendeu para mim. Acendeu um para ele também.
Não sei quanto tempo ficamos ali. O silêncio no cômodo só não era completo porque ouvia alguma coisa parecida com Taking Back Sunday saindo bem baixinho das caixas de som atrás de mim.
Meus pés encostavam nas telhas cinzas do telhado da casa. Nunca tinha reparado que elas eram tão, tão... cinzas.

estava cauteloso, parecia nem respirar. Provavelmente, tinha medo de qualquer reação minha, mas eu sabia que ele estava ali, e a presença dele me dava um pouco de sanidade.
Veja bem, eu falei “um pouco”.
Não conseguia parar de pensar no que aconteceria comigo, no que aconteceria com a , no que aconteceria com nós dois. As bostas das conseqüências.

Já estava bem escuro, um vento fresco batia em mim, mas eu não ligava para ele.
Tudo parecia mais calmo dali de cima. Podia ver alguns quarteirões a nossa frente, todos iluminados e parecendo assustadoramente simétricos e iguais. Via as pessoas passando e imaginava se alguma vez elas já tinham passado por qualquer coisa parecida a que eu estava passando.
Claro que não, já que nenhuma delas estava apaixonada pela prima.

Fumava um cigarro atrás do outro. tinha parado no primeiro. Esmagava as bitucas com toda a força e depois as fazia escorregar pelo telhado. Acompanhava seu movimento, até que elas despencavam para o chão e eu não via mais nada.

Ainda por cima, sentia uma saudade terrível da . Queria abraçá-la bem apertado, ou simplesmente ouvir sua voz, sentir seu perfume. O pensamento de nunca mais ter aquilo me enlouquecia.

O céu estava tão escuro! Nem uma mísera estrela! Até ele conspirava contra mim; não custava nada ter uma estrela ali.
Céu idiota.

Ouvi uma batida na porta e, rapidamente, apaguei o cigarro e o joguei longe. Viramos para trás e vimos a senhora com a cabecinha passando pela porta entreaberta. A luz que vinha pela fresta fazia uma sombra engraçada no chão escuro do quarto do .
Agradeci ao vento que tinha mandado o detestável cheiro de cigarro embora.
- Meninos– Ela falou, claramente tentando parecer mais doce do que realmente era. – A mesa está posta para vocês... – Ouvi aquilo e senti meu estômago se revirar e roncar. Estava com fome e nem notara. – Podem descer e ficara à vontade – Ela me olhou significativamente. – As crianças já estão dormindo e eu e o John já vamos deitar.
Sorri. Sorri de verdade pela compreensão deles.
- Obrigado, sra. . – Ela também sorriu. Um sorriso sincero e maternal. Acenou com a mão e deixou o quarto.
Não sei bem o porquê, mas tive vontade de chorar, mas ela passou tão rápido quanto veio.

levantou-se e acendeu a luminária de sua escrivaninha. Também me levantei e fui achar meu celular no chão, perto da cadeira. Mais uma vez, tentei falar com a minha namorada.
Suspirei com a voz da telefonista de novo, fechei o celular e o coloquei no bolso da calça.
Pensei em ir até a casa da amiga dela, mas naquele ponto, provavelmente encontraria meus tios ali.
Não estava afim de ser castrado pelo meu tio.
Não mesmo, cara.

- Vamos, . – colocou a mão no meu ombro. – Vamos jantar, logo a gente acha ela.
Apenas concordei com a cabeça e saímos do quarto. Queria perguntar a ele como ele tinha tanta certeza de que nós a acharíamos. Queria, mas não perguntei. Em vez disso, encarei o amplo e iluminado mezanino dos , depois a escada e suas fotos assustadoras.

- Acho que vou para casa. – Falei enquanto colocava o meu prato na lava louças. A comida da senhora que, geralmente, era tão apetitosa, hoje estava tão ruim quanto a da cantina da escola. A comida da cantina da escola faz um refeitório de penitenciária parecer um restaurante cinco estrelas. Mastiguei e engoli cada garfada com esforço. Tinha a impressão de que só eu não tinha gostado da comida, já que tinha enchido a cara. Aquele obeso.
- Pode passar a noite aqui, se quiser. – Ele falou encostado no balcão, com os braços cruzados.
- Não precisa, . Já tá tarde. – Olhei no meu relógio. Passava das 11:30. – Eles já devem estar dormindo.
Ele balançou a cabeça. Estava desconfortável, aquele desconfortável de quando você se sente mal pela situação de alguma pessoa. Eu era a alguma pessoa. Estava acostumado a ser o desconfortável em relação à desgraça dos outros.
Acho que para tudo tem uma primeira vez.
- Você que sabe. – Ele coçou a nuca e olhou para o chão, depois para mim. Agradeci mentalmente por ter alguém com quem contar.
- Valeu, cara, eu não posso fugir pra sempre, nem adianta, eu vou ter que encarar eles mais cedo ou mais tarde.
Engoli em seco, vendo a imagem dos meus pais e dos meus tios. Eles estavam com garras e presas na minha mente. Garras e presas imensas, só para constar.

Às vezes chego à conclusão de que preciso de tratamento psicológico. Veja bem, a vida inteira, tratei as garotas como prato descartável em festa de criança. Fazia de tudo para conseguir o bolo, mas depois que o comia, jogava o prato fora rapidamente.
Freud teria uma boa explicação para isso. Algo relacionado com ganhar muitos brinquedos quando criança ou algo que o valha.
Depois, finalmente me apaixono, mas me apaixono pela minha prima!
Freud diria que é uma forma de me rebelar contra meus pais por eles terem me dado todos os brinquedos que pedi quando criança e me transformado num galinha irremediável.
Bem, irremediável não, já que a era única e para sempre.

Nos abraçamos, aquele abraço que eu sempre dou em amigos, aquele bem macho, com o mínimo de contato possível e tapas nas costas que demonstram minha força e minha masculinidade.
Eu meio que precisava de um abraço de verdade.

Saímos da cozinha, acendeu a luz do hall e abriu a porta branca. Sai de lá com vontade de voltar e me esconder no quarto do meu amigo, ou então, fumar até morrer de tuberculose e rolar do telhado cinza.

- Qualquer coisa aparece ai, . – Ouvi falar isso quando já chegava na calçada. Acenei com a mão sem olhar para trás. Eu tinha que ir para casa. Aquela angústia ia me consumir enquanto eu não soubesse do tamanho do estrago.
Caminhei os poucos quarteirões que separavam minha casa da dele com a cabeça um tanto quanto vazia, por incrível que pareça. Talvez ela estivesse tão cheia, que agora tinha entrado numa espécie de hibernação. Estava me sentindo entorpecido.

Xinguei ao chegar no quarteirão da minha casa. Xinguei, tremi, fechei os pulsos dentro do bolso, cocei a cabeça com força. Xinguei de novo, com todos os palavrões mais cabeludos que conhecia.
O estrago tinha sido grande.
O carro dos meus tios estava estacionado em frente ao nosso jardim; a luz da sala acesa, apesar de já ser meia noite.
Ai, que merda.
Cheguei à porta e a encarei. Tentei ouvir o que estavam falando, mas acho que, na verdade, não estavam. Podia ver as sombras pela janela, mas a persiana cumpria o seu trabalho e não me permitia ver detalhes. O silêncio era absoluto lá dentro.
Ai, que merda.

Ai Deus, foi uma chacina! Foi isso, tinha certeza. Podia ver meu tio entrando em casa com uma arma e matando meus pais, Lucy e até a pobre da Petra, que nada tinha a ver com a história. Ele já teria matado minha tia, minhas primas e a . Agora, ele devia estar me esperando para me torturar e me matar aos poucos.

Acalme-se, . Você é uma pessoa equilibrada que está passando por um momento difícil. Só isso. Sem escândalos.
Tirei aqueles pensamentos de filme de terror da cabeça, mas mordi os lábios com medo. Aquele silêncio não poderia ser bom, simplesmente não poderia.
Girei a maçaneta torcendo para que a porta não estivesse trancada. Tinha saído sem chave e a última coisa que queria era ter que tocar a campainha.

Ainda tentava me convencer de que todos estavam vivos.

Ponto para mim! Alguma coisa tinha que dar certo, ela estava aberta.
Entrei em casa. O hall estava escuro, olhei para a escada a minha frente, tão escura quanto o hall. Lucy estava sentada no último degrau, escondida, e me mandou um olhar solidário. Ela sempre ficava ali escondida, ouvindo as discussões dos meus pais.
Eu amo a Lucy.

Evitava olhar para a sala a minha esquerda, mas não teve jeito. Meu pai limpou a garganta, levantei meu olhar. Meus tios estavam sentados em um dos sofás. Ele parecia grande demais, me lembravam o Senhor Incrível em seu carrinho azul, e teria rido se a situação não fosse desesperadora. Tia Audrey parecia mais magra, com olheiras escuras em volta dos olhos. Deus, nós estávamos matando ela. Ela sempre me parecera mais bonita do que naquele momento. Não poderia descrever o olhar deles, mas eles pareciam agulhas me picando. Agulhas não, facas. Não, espadas! Isso ai, espadas daquelas estilo Kill Bill.
Meus pais estavam no outro sofá. Meu pai com seu olhar gelado, que vale mais do que mil palavras. Minha mãe com os olhos vermelhos, mais vermelhos do que no dia que o papai quebrou a jarra de sua cafeteira. Ela só parou de chorar e reclamar quando ele mandou buscarem outra na Itália, Suíça ou qualquer país parecido. Desconfiava que desta vez, ela não se alegraria com um frasco de vidro importado.

Se olhares matassem, eu não estava mais aqui para contar essa história.

Do outro lado da sala, sentada em uma das poltronas, estava . Meu coração já estava acelerado, mas quando a vi, achei que ele fosse pifar por sobrecarregamento, se é que isso existe.

Já podia ver as manchetes: “GAROTO DE 17 ANOS MORRE POR INSUFICIÊNCIA CARDÍACA”

Droga, eu a amava tanto que chegava a doer, a dar raiva. Tudo de um jeito muito delicioso, é claro.
Quem olhasse para ela, só viria uma garota entediada; com ar de superioridade, o nariz empinado e um olhar fulminante.
Mas ai, seus olhos encontraram os meus e aquela máscara toda caiu, só para mim, é claro, mas caiu.
No último mês, tinha aprendido a ler seus olhos e sua mente.
Ela estava tão em pânico quanto eu.

Sentia-me como uma formiguinha ali, parado no batente da porta, sendo cuidadosamente (e odiosamente) observado por todos.
Ainda bem que eu tinha a .

- Ainda bem que você chegou, . – Meu tio falou e eu vou falar a verdade, eu morri. Meu tio é grande! Se ele resolvesse me bater eu sairia gravemente ferido. Gravemente mesmo. – Está na hora de uma reunião em família. – Ele completou a frase num tom muito sério.
“Reunião em família”
Reuniões em família geralmente não envolviam espadas a la Kill Bill, ele só podia estar querendo ser irônico, né?
Mas ele não estava, estava bravo demais para ser irônico.
Meu pai me olhou e depois indicou com a cabeça a poltrona ao lado da onde a estava.
Basicamente, “Senta lá agora, imprestável!”.
Eu não desobedeceria nenhum dos dois naquele momento. Não, não, não mesmo! Meu pai também é um cara grande.

Ainda sentindo as espadas em mim, andei até lá e me sentei ao lado dela. Pelo menos eu estava ao lado dela. Evitávamos nos olhar, os dois fingindo uma indiferença que não existia, mas que tinha que parecer real para os outros. Obviamente, ela era bem melhor do que eu nessa parte, já que o pânico estava estampado na minha cara para quem quisesse ver.

- Desde quando isso está acontecendo? – Minha mãe perguntou. Ela foi a primeira a fazer perguntas. Estranho. Sempre imaginei que esse seria meu tio. Pelo menos, minha mãe era bem menos assustadora que ele.
A sala ficou pequena de repente e ela diminuía mais a cada segundo. Me sentia num interrogatório de filme. Naqueles cômodos minúsculos e mal iluminados, apenas com uma luz muito forte nos olhos.

Dava segundos para eles começarem as torturas.

Sentia o suor escorrendo pelas minhas costas. Não adiantava mais mentir nem se esconder.

Eu já ia responder: “Desde sempre.”
Da maneira mais educada possível, é claro. Já comentei que eles são grandes e fortes, certo?
Mas quando abri a boca, senti um chute no tornozelo.

- Há um mês. – Ela respondeu com todo aquele jeito “foda-se o mundo” que ela forjava melhor do que ninguém.
Não entendi nada.
Mas talvez a pequena mentira dela tivesse sido uma boa idéia. Os quatro pareciam mais calmos ao saberem que era algo recente.
Ponto para mim e para a , eu imaginava, mas eu ainda não entendia onde ela queria chegar.
A olhava fixamente, tentando pegar qualquer coisa que me fizesse acompanhar sua linha de pensamento. Ela não me olhava, ela simplesmente me ignorava, como ignorava o resto da sala. Por um segundo, ela virou-se para mim e eu soube: ela tinha um plano.
Claro! Ela tinha um plano! É claro que a teria um plano, ela é inteligente e manipuladora (essa característica pode ser muito útil em certas situações); ela ia tirar a gente dessa! Eu sabia, eu tinha certeza!
Ah meu Deus, obrigado por ter me dado uma namorada tão perfeita. Se não fosse por ela, eu já estaria sendo torturado e/ou meu tio já teria cometido a chacina.

- Quem começou isso? – Tio Robert perguntou e tive a impressão de que ele queria fazer essa pergunta há horas. Todos olharam para mim.

Essa minha reputação de pegador me fode às vezes.

Não respondi nada, a respondeu de novo.
Obrigado, obrigado por estar no controle. Obrigado.
- Eu.
Minha tia soltou um gritinho de horror e tampou a boca. O pai a olhou como se ela fosse uma barata, ou qualquer coisa desprezível. Me senti mal por ela, e não só pela , mas também pelos meus tios.
Meus pais pareciam meio aliviados com a minha “inocência”.

- Olha... – Ela continuou e eu senti orgulho dela. Ela estava controlando todos eles! Era o máximo! Sua voz estava firme, seu olhar faria qualquer um sentir-se mal. – Vocês estão fazendo tempestade num copo d’água. O não teve nada a ver com essa história...

Eu tossi meio engasgado e a interrompi. As quatro pessoas a nossa frente pareciam nem respirar, tamanha era sua tensão.
Certo, que plano era aquele?

- Como assim? – Tia Audrey perguntou.

Achava bom chamar ambulâncias. Um ataque cardíaco conjunto estava por um fio. Inclusive o meu.

Manchete: “FAMÍLIA SOFRE ATAQUE CARDÍACO CONJUNTO”

virou os olhos, cansada de tudo aquilo.
- Eu queria ele, eu realmente precisava dele... – Ah! Olhar penetrante! Seja lá o que ela estivesse fazendo, estava dando certo. - Enquanto eu não tive ele, eu não o deixei em paz... – Minha boca caiu. – E ele não queria, ele tentou resistir e me mandou embora várias vezes. Ficava falando que eu era prima dele e que era errado e que não queria magoar a família... – Ela fazia cara de quem achava tudo ridículo. Todas as bocas caíram. – Mas ele é homem e ele não resistiu. – Ela sorriu. Aquele antigo sorriso, o manipulador/controlador/sexy/meio assustador.

A mãe dela começou a chorar e se meu tio não tivesse toda aquela pose de machão e tal, já estaria chorando.

- Enfim... – Ela continuou como se tivesse contando uma história que tinha acontecido há muito tempo e ela tentasse lembrar detalhes. Totalmente calma, nem uma gota de suor em todo seu corpo, nenhum tipo de tremelique. Eu estava sentado nas minhas mãos para que elas parassem de tremer. – Realmente não significou nada. Foi apenas sexual.

Okay, aquilo tinha sido só para provocá-los, certo?
“Sexual”
Não se fala essas coisas para pais!

Eu estava com dificuldades para respirar, eu realmente precisava entender o que ela queria. Talvez eu pudesse ajudá-la. Daquele jeito ela iria se encrencar. Muito.
Meus tios estavam arrasados. Tive pena deles. Eles estavam pensando que a filha deles era uma maníaca sexual, vagabunda. Não deve ser legal para nenhum pai ou mãe.

Alguns minutos depois, eles pareciam sair daquela espécie de entorpecimento. Meu pai passou a mão na cabeça e falou:
- Os dois pra cozinha, com a porta aberta... – Ele apontou a cozinha atrás de nós, como se nós fossemos começar a nos comer na frente deles. – Nós vamos decidir o que fazer.
Fiquei com medo dessa última frase.

Nos levantamos e caminhamos até a cozinha. Acendi a luz. Ela estava limpa e arrumada.
Acho que ninguém jantou naquele dia.

Começamos a assistir aos quatro discutindo, minha mãe nos olhou, andou até lá e fechou a porta com força.
Talvez eles preferissem que nós nos pegássemos do que escutássemos os planinhos macabros deles.

tinha aberto a outra porta, a que dava para o jardim e estava sentada no chão, chorando, soluçando, com a cara enfiada nas mãos.
Chorando.
Nunca tinha visto aquilo. Nunca. E aquilo me assustou. não é do tipo que chora.
Não sabia o que fazer, só queria que ela parasse não suportava vê-la vulnerável daquele jeito. Ela estava sofrendo e aquilo era demais para mim.

Caminhei até ela, sentei-me ao seu lado e a abracei. Senti meu corpo se movimentar conforme o dela se movimentava, de acordo com seus soluços. Meus braços estavam molhados por suas lágrimas e esse foi o momento que eu mais tive medo em toda aquela noite.

Ela não estava no controle, eu não estava no controle, eles estavam no controle.

- ... – Beijei sua testa e tirei os fios de cabelo que estavam lá. – Por que você falou aquelas coisas?
Ela já estava mais calma, as lágrimas escorriam silenciosamente, ainda as sentia, mas os soluços tinham parado.
olhou nos meus olhos. Nem parecia que estava chorando.
Pessoas normais ficam inchadas e vermelha quando choram, a , no entanto, fica apenas com os rosto molhado pelas lágrimas e os olhos mais bonitos, tamanho o brilho que eles ganham ao se molharem.
- Pra você não ir pra alguma escola militar. - Ela me deixava cada vez mais confuso. – , eu já não tinha jeito... – Sério, cada vez mais confuso. – Eles vão me mandar pra uma porra dum colégio interno em Paris... – Ela tomou fôlego para continuar a falar, mas eu a interrompi. A interrompi porque meu cérebro tinha congelado com as últimas palavras: “colégio interno em Paris”. Elas ficavam ecoando na minha cabeça como um sino muito alto.
- O quê? Do que você tá falando?
suspirou infeliz. Meu peito doeu.
- Eu nem sabia que isso ainda existia...puta que pariu, estamos no século 21 e eles vão me mandar pra um colégio interno!

Não, não, não, não!
Estava acontecendo, eles estavam nos separando e não teria mais jeito.
Tive vontade de chorar, mas não saia.

- Como você sabe disso? – Consegui formular a pergunta.
- Eles me falaram, assim que me acharam na casa da Jenny, eu devo estar no próximo Eurostar pra Paris e estudar em algum tipo de convento pra meninas milionárias. – Eu não sabia o que falar. Estava tentando organizar todas essas notícias na minha cabeça, mas eles não se organizavam de jeito nenhum, fazendo da minha cabeça uma zoeira constante. – Mas eu resolvi falar aquelas coisas porque sabia que minha situação não podia piorar mais e ouvi seus pais comentando sobre o colégio militar, coisa que eu realmente não podia deixar acontecer, porque você tem sua banda, seus amigos... – Ela falou tudo aquilo com tal velocidade que teve que respirar fundo ao terminar.

Me senti mal, me senti muito mal. Ela tinha feito tudo aquilo para que eu não me ferrasse. Ela tinha deixado que seus pais e seus tios pensassem absurdos dela por mim. Ela ia ser arrastada até Paris por minha culpa.
Eu não sabia o que falar de novo. Eu não poderia falar nada que retribuísse uma coisa como aquelas.
Olhava os seus olhos, olhava seus olhos e via que ela entendia que eu estava grato, entendia que eu a amava mais do que é possível alguém amar outra pessoa. Ela também me amava com a mesma intensidade.
Ela entrelaçou nossas mãos, eu beijei a dela.

Queria pular o muro com ela segurando os meus dedos e fugir dali. Fugir dos nossos país, daquela cidade, daquele país.
Mas estava chocado, arrasado demais para fazer qualquer coisa. Nem mesmo conseguia falar, como iria fugir?

Ela se levantou, me puxando, e por um segundo, pensei que ela tivesse tido a mesma idéia que eu, mas ela simplesmente jogou os braços no meu pescoço. Jogou os braços no meu pescoço, brincou com as pontas do meu cabelo como ela sempre brincava. Passei meus braços por sua cintura, apertando-a o máximo que podia sem machucá-la. Senti seu típico perfume: aquela mistura de xampu, sabonete e algo que era só dela, que fazia com que eu respirasse fundo para gravar aquele cheiro na minha memória para sempre. Sentia sua respiração no meu pescoço, seus dedos passeando por ali também. Queria parar o tempo.

- Mas a gente não vai terminar por causa disso. – Ela falou, sem nem ao menos se mexer. – Telefone, internet, serve pra essas coisas. A gente fala pra eles que não se vê mais. Eles vão acreditar...
- Isso, eles não precisam saber, e sempre que eu puder eu vou pra Paris te visitar.
- Sim, e eu venho pra cá.

Muito obrigado, muito obrigado ao cara que inventou o Eurostar que atravessa o Canal da Mancha em uma hora. Esse cara deveria ganhar o Oscar da engenharia.

- E a gente só vai ter que tomar mais cuidado.
- Isso. – Ela concordou e olhou para mim.
Passei meus dedos pelos lábios dela, aqueles lábios tão naturalmente rosados e atraentes. Sabia que era a última vez que faria aquilo por um bom tempo. Eles eram tão macios. Ela sorriu, sorriu um sorriso triste, seus olhos brilhando, brilhando de um jeito triste que me dizia que ela estava arrasada.
Aproximei minha boca a dela. Um beijo diferente de todos os anteriores aconteceu. Era apaixonado, mas não tinha desejo, era algo diferente que eu não sabia bem o que era. O medo, a tristeza e todas aquelas emoções não me deixavam identificar aquele beijo que foi inesquecível e que apesar de ter sido o mais triste, foi também o melhor.
Aos poucos nos afastamos daquele beijo que queríamos que fosse interminável, mas não nos afastamos um do outro. Isso só aconteceu quando alguma coisa caiu em cima de nós.
Segurando um tiranossauro rex verde e peludo, olhei para cima e vi Lucy na janela de seu quarto.
- Hei, eles já acabaram de conversar! – Ela sussurrou gritando, e eu que achava que isso não era possível...
Eu e pulamos em sentidos opostos ao mesmo tempo que escutamos a porta da cozinha se abrir violentamente.

Lucy, a melhor das irmãs.

- , a gente já vai. – Tia Audrey falou encarando o chão. Ela não olhava mais para a filha.

A nem olhou mais para mim; virou as costas; caminhou até a sala onde estavam seus pais e depois os seguiu até a porta da rua.
E eu só fiquei assistindo.
Assistindo a pessoa que eu sempre amaria se afastar para, quem sabe, nunca mais se aproximar de novo.

FIM




Mais uma continuação de Always And Never!
Bem, espero que vocês tenham gostado e que ela tenha ficado à altura das anteriores. Digam o que acharam através dos comentários ou do e-mail (ali.broccoli@hotmail.com), okay?!

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