Beating Heart Baby
Ali


Capítulo 1;

Algo novo tinha acontecido naquela manhã.
Não havia sido seu despertador que, como todos os dias, tocou as 8:15 da manhã com alguma música brega da radio 1.
Também não havia sido seu café da manhã, que como todos os dias, tinha sido composto por torradas com geléia de damasco e leite.
Também não tinha sido suas roupas. Não eram nem novas nem velhas, eram apenas as suas roupas.
Também não tinha sido a caminhada de quinze minutos até a escola que ela realizava em vinte e cinco por ser devagar pelas manhãs.
Por fim, não tinha sido sua escola, que continuava aquela mesma prisão imensa e cheia de presidiários barulhentos.
No entanto, a novidade estava na sala de aula.
Ela não prestou atenção à aula de matemática (não que ela geralmente prestasse). Havia algo novo para se prestar atenção. Algo mais interessante.
Do outro lado da sala estava sentado esse aluno novo que vestia calças largas e pólo listrada de azul escuro e branco.
Tão igual a todos e tão diferente de todos.
A classe fingia ignorar a presença da novidade, mas ela sentia no ar a curiosidade da turma, inclusive dela mesma.
Ela não entendia o porquê de todo aquele interesse que ela sentia.
Ele era novidade? Sim.
Ele era bonito? Sim, em excesso.
Ele sabia como pentear um cabelo? Sim.
Ele sabia como se vestir? Também.
Mas assim como ele, vários outros também sabiam.
Seus olhos não saíam daquele garoto calado e deslocado, que ainda nem tinha notado sua existência porque ainda estava assustado demais com tantas novidades.
O sinal tocou. Ela tirou o lápis da boca, o olhar malicioso do rosto e a mochila do chão.
Torceu para que ela e o cara novo tivessem a mesma aula do próximo período e saiu da sala perseguindo ele com o olhar no meio daquele formigueiro que se formava no corredor.
Ouviu seu nome e virou-se automaticamente, perdendo sua mais nova distração de vista.
- ! – Ela ouviu um Chris gritar enquanto acenava com os braços a poucos metros dela.
Chris: ex-namorado; eterno rolo; a pessoa que ela mais amava no mundo; a pessoa que mais a amava no mundo; seu melhor amigo. E sim, alguém mais bonito que o resto do mundo.
Ele era pouco mais alto que ela; forte e encorpado no ponto certo; cabelo castanho claro e curto; olhos azuis e um casaco Zoo York preto.
- Chris! – Ela acenou e andou contra o fluxo de ferozes alunos até o garoto.
Cumprimentaram-se.
Chris sorria mais do que o normal. Seus olhos claros brilhavam mais que o normal. Sua hiperatividade estava mais hiperativa que o normal.
Ela sorriu. Sabia o que ele tinha conseguido.
- É o que eu estou pensando? – perguntou já sorrindo também. Ele apenas sorriu com mais força e balançou a cabeça. – Ah! – Ela exclamou antes de pular no colo de Chris para um abraço de comemoração.
Chris tinha uma obsessão há algumas semanas: dormir com a professora de psicologia, Angie.
ainda não sabia se o que ele sentia pela professora era algo sério ou apenas mais uma vontade; o que sabia era que estava feliz por ele.
- Depois você vai ter que me contar tudo! – Ela falou antes de soltá-lo e de ser levada pela maré de blusões da Gap até a sala de aula de psicologia.
Chris não precisaria contar nada a ela.
Angie, a tão desejada professora de psicologia, estava sentada em sua mesa com um sorriso que rasgava sua face, mas lhe caía super bem. Ela até parecia mais bonita. Não que não fosse. Ela era o membro mais novo do quadro de funcionários da escola e era facilmente confundida por uma aluna com franja e cabelos castanho claros, olhos azuis e meio esbugalhados.
Chris era bonito demais para ela, mas não sabia se quem pensava isso era uma totalmente neutra ou uma ex-namorada e melhor amiga do cara em questão.
Ela quase se esquecera do aluno novo. Só lembrou-se dele ao notar sua ausência.
Eles não teriam aula de psicologia juntos.
Na verdade, eles também não teriam história ou inglês juntos, já que ela passou o resto da manhã sem vê-lo.
O sinal da última aula antes do almoço soou, saiu da sala e a primeira coisa que viu, foi o garoto novo. Seu armário era em frente à sala de inglês.
Que sorte a dela.
Caminhou até ele, tomando cuidado para que ele não a visse e recostou-se no armário ao lado do dele, fazendo com que a porta aberta escondesse seu rosto.
- Oi, menino novo! – Ela falou assim que ele fechou a porta com força. Ele se assustou.
- Oi, menina velha! – Ele falou depois de recuperado e incerto sobre sua reação.
Ambos sorriram. Ele grato por ter recebido a atenção de alguém naquele ambiente inóspito que é uma escola; ela grata por ele não ter se assustado com sua ousadia e cara de pau.
- Queria te chamar para almoçar comigo e com os meus amigos... – Ele a analisava, mas ela sabia que estava bem, não havia com o que se preocupar, já que seu cabelo estava preso por um rabo de cavalo, os cílios estavam espessos pelo rímel Bourjois e o corpo estava em seu peso ideal graças as aulas de pilates que sua mãe a tinha obrigado a fazer. – Juro que nós não mordemos. – Ela completou.
Seus olhos os deixavam tontos; o movimento e o barulho excessivo ao redor os deixavam tontos. Eles se causavam tontura.
Ela gostava daquilo.
- Só se você prometer que vocês não mordem mesmo. – Ele falou encostado no armário, com apenas uma das sobrancelhas levantadas. Delicioso, na opinião de .
Depois de o assegurar que ninguém o morderia, os dois caminharam lado a lado pelo corredor até o refeitório do colégio.
- Meu nome é , aliás. – Ela falou e lhe ofereceu a mão.
- . – Ela a apertou e sentiu seu corpo todo aquecer, formigar, aquecer, formigar...
- O que você veio fazer aqui nesse fim de mundo chamado Coventry High? – Ela perguntou ironizando o fato de seu colégio estar na zona mais movimentada da cidade.
- Eu acabei de me mudar para Londres, sou de Bristol. Vim para cá para tentar alguma coisa com a minha banda.
Logo ela se deu conta de que estava lidando com o que ela gostava de chamar de “pacote completo”: bonito, talentoso, bem humorado e doce.
- Vocês estão morando juntos? – Ele fez que sim com a cabeça. – Só meninos? – Repetiu o movimento e ela imaginou o pardieiro que não devia ser a casa deles. Sua cabeça fez um movimento reprovador automático e soltou uma risada.
- Não é tão ruim quanto você imagina...
- Duvido!
Ele arregalou os olhos.
- É, na verdade é tão ruim quanto você imagina, se não for pior. – Ele sorriu colocando as mãos no bolso. – Mas é divertido e não tem pai nem mãe por perto então a gente pode fazer basicamente tudo.
Ó o rock and roll lyfestyle.
- O que você toca? – tinha uma certa fascinação pelo mundo da música, apesar de ser apenas uma fã e não saber nem como tocar caixinha de fósforos.
- . – respondeu com os olhos brilhando. Ele levava aquilo a sério. Ela achava aquilo fascinante.
- Legal. E onde está o resto da sua banda? – Ela perguntou observando como ele andava com as mãos no bolso e olhava para tudo curioso. Só não mais curioso do que ela, que estava praticamente interrogando o garoto novo. – Você é a única pessoa nova que eu vi aqui hoje. – completou.
Ele deu uma risada.
- Devem estar dormindo ainda, eles já terminaram a escola e só se focam na música agora.
Ela deu uma risada.
- Ou seja, festa todos os dias? – Ela perguntou e ele confirmou com a cabeça com uma cara infeliz de quem queria se dedicar apenas a música também.
Quem poderia culpá-lo?
É o rock and roll lifestyle.
O refeitório parecia mais o local de refeições de um hospício do que de um centro de ensino, mas ela já estava acostumada com aquilo. O cheiro enjoativo de milhares de salsichas enlatadas parecia mais forte do que tudo.
Na ponta esquerda do salão ela avistou a mesa onde ela comia desde sempre. Seus amigos já estavam lá, discutindo qualquer coisa super importante como em qual casa eles se reuniriam para ficarem bêbados até a morte no próximo final de semana.
Ela se sentou em seu lugar habitual, em frente a Tony e April; ao lado de Chris. sentou-se ao seu lado.
- Todo mundo... – Ela falou com o olhar curioso de seus amigos sobre ela e sobre o “intruso”. – Esse é o , ele é novo. – Ela respirou e sorriu. – , esses são Chris, April e Tony!
April: melhor amiga de desde as fraldas; cabelos escuros e cacheados que só deixavam seus olhos mais azuis. Ela sorriu encantadora como sempre para .
tinha uma pequena preocupação de se interessar mais em sua amiga pacote completo versão feminina do que nela.
Mas Tony era o namorado de April. Não que isso fizesse muita diferença para ele que já tinha dormido com metade da escola. Sua namorada estava apaixonada demais para se importar. Ele era o “alpha dog” daquele lugar. Todos queriam ser ele, todos queriam estar com ele e festa só era festa se ele estava lá. O tipo de cara que sempre se dá bem, independente do que tenta fazer. Era convencido, egoísta e egocêntrico. Não prestava, mas era seu amigo.
Ele olhou para de cima a baixo, estudando o quanto esse novo cara poderia prejudicá-lo em sua posição no grupo. Tony julgou-o inofensivo ou então foi com a sua cara, já que seus olhos azuis gelados pareceram quase simpáticos quando sua boca pequena e naturalmente avermelhada falou algo como “ E ai, cara?” antes que ele passasse a mão pelo seu cabelo fino e preto.
A união da hiperatividade, da felicidade e da simpatia de Chris fizeram com que ele começasse a falar sem parar com , deixando uma até meio zonza no meio de tudo aquilo. Eles falavam sobre o Guiness Book ou qualquer coisa parecida.
O almoço passou rápido como uma canção do início da carreira do Green Day, e mesmo assim, conseguiu se entrosar com aquelas quatro pessoas que já estavam entrosadas há anos.
estava feliz; sua companhia era agradável; ele era um presentinho aos olhos e tudo o que ela queria era saber tudo sobre ele. Mas achava melhor ir com calma para ele não achá-la uma patética desesperada.
- Que aula você tem agora, ? – Tony perguntou a ele e olhou para seu amigo já sabendo o que ele pretendia.
tirou um papel de seu bolso e conferiu seu horário.
- Cálculo...Falando nisso, alguém sabe aonde é a sala de cálculo?
- Também tenho cálculo agora, eu te levo lá. – April falou levantando-se da cadeira.
- Shiu, April! – Tony falou com toda a sua sutileza. – Escuta, , as vezes a gente vai para o último andar da escola para relaxar depois do almoço... – Tony tinha uma característica própria que achava o máximo: ele falava com os olhos. E seus olhos falavam a : “Foda-se a aula.”
April virou os olhos; e um brilho passou pelos de .
- Acho melhor não. – Ele respondeu sem aquele brilho cheio de adrenalina de antes. – É meu primeiro dia e eu vou tentar causar uma boa impressão.
sorriu e só parou de sorrir quando pensou no quanto idiota ele deveria estar parecendo. Durante toda a sua vida ela conviveu com pessoas irresponsáveis e foi irresponsável. A preocupação de fez com que ela se encantasse mais ainda com ele.
Tony o olhou com seu característico olhar de descaso. Ele provavelmente nem fazia mais de propósito, era automático.
- Beleza. – Falou. – Mas se mudar de idéia é só subir todas as escadas de incêndio. – Ele completou.
Os cinco saíram do refeitório e sentiu alguém tocar seu braço. Era e ela sorriu.
- Queria te agradecer. – Ele falou com seu olhar angelical.
- Agradecer o quê? – perguntou já no corredor. Estava vazio, a não ser por eles; todos já estavam em suas salas.
- Por ter sido a primeira pessoa a ter sido legal comigo!
Antes que ela pudesse pensar em qualquer resposta que não fosse um simples “de nada”, sumiu corredor acima com April e Tony a puxou em direção as escadas de incêndio.
- Tony! – Ela exclamou tentando acompanhar o ritmo acelerado que o amigo subia as escadas. – Quem disse que eu queria cabular aula?
- Seu histórico. – Ele respondeu empurrando as pesadas portas e fazendo a claridade machucar seus olhos. – Você sempre cabula aula.
Ela só pode rir e pensar que aula de biologia não era tão importante assim e que não faria mal nenhum dar uma relaxada antes da próxima aula.
e Tony sentaram-se apoiados na caixa d’água. Ele apoiou a cabeça em seu ombro e ela passou a mão por seus cabelos como se ele fosse um garotinho de 3 anos. Olhou para o céu; claro e nublado ao mesmo tempo. Fechou os olhos e só os abriu ao ouvir a voz de Tony.
- Você gosta do cara novo.
- Está tão na cara assim? – Perguntou um pouco envergonhada e fez uma careta.
- Está. – Ele se acomodou de forma que conseguisse olhar em seus olhos.
- Bosta.
- Torce para ele não ter ficado a fim da April. – Ele falou apenas para atormentá-la e conseguiu. Sabia que April era uma espécie de utopia real para os homens. Se é que aquilo existia.
- Vai se foder, Tony! Você é o cara mais perturbado que eu já conheci! Você está falando da sua namorada...
Ele apenas sorriu e mexeu as sobrancelhas como quem fala: “Sou perturbado, mas o mundo me ama.”
- O fato dela ser minha namorada não muda nada. – Ele falou e colocou a mão no pescoço de , acariciando-o e olhando para ela como se ela fosse um apetitoso bolo de chocolate.
Tony era incorrigível e se perguntava porquê era amiga dele. Aquela não era a primeira vez que ele tentava ficar com uma das suas melhores amigas, que por um acaso, também era a melhor amiga de sua namorada.
Nada que causaria muitos problemas, como se pode notar.
Ela colocou a mão na perna dele e se aproximou o bastante para que ele fechasse os olhos e ouvisse:
- Você não presta, Tony.
Ela adorava ser uma das únicas pessoas que não fazia exatamente o que Tony queria. Quem sabe aquilo levaria um pouco de realidade a sua vida onde todos o idolatram.
levantou-se e andou até o esconderijo: uma velha caixa de papelão onde eles mantinham cigarros, bebidas e qualquer coisa que pudesse ser útil naquele telhado. Nada lícito, é claro.
- Você ainda vai mudar de idéia, ! – Ouviu Tony falar enquanto tirava cigarros, isqueiro e uma garrafa de whisky barato pela metade da caixa.
Sentou-se novamente ao lado do amigo e lhe entregou a garrafa enquanto lutava para que o isqueiro vagabundo acendesse o cigarro.
- Por quê o Chris não veio? – Ela perguntou assim que conseguiu sua primeira tragada.
- Tinha aula de psicologia. – Tony falou da maneira mais pervertida que alguém poderia falar uma palavra comprida como “psicologia”.
Os dois riram e ele passou a garrafa para ela.
O líquido ardia enquanto passava por sua garganta e ela sentiu-se tonta na mesma hora. Whisky era forte demais para ela. E ela sabia disso desde sempre.
Tony riu da cara dela, que tomou outro gole que pareceu menos forte do que o primeiro e deitou sua cabeça no colo dele. Tony pegou o cigarro de sua mão e ela fechou os olhos, protegendo-os da claridade que os atingia diretamente agora.
- Por que você faz isso, Tony? – Ela perguntou a pergunta que já havia sido perguntada tantas outras vezes.
- O que, ?
Ele lhe devolveu o cigarro.
- Trair tanto a April.
Silêncio. Ouviu ele virar um generoso gole.
- Não sei.
A mesma resposta de sempre.
E ela sabia que ele não estava mentindo, era, simplesmente, quem ele era.
- Você ama ela? – Ela insistiu, ou melhor dizendo, a pequena concentração de whisky em seu sangue insistiu.
Para a sorte de Tony, os dois ouviram o sinal. Um barulho que mesmo longe ainda soava extremamente irritante.
Levantaram-se e guardaram as coisas no esconderijo. Seus olhares se cruzaram e teve a impressão de ter visto uma certa culpa nos olhos geralmente frios de Tony.
Provavelmente era impressão.
Ela achou melhor não insistir naquele assunto, afinal, não era da conta dela.
Se nem a chifrada em pessoa se importava, por que ela deveria se importar?
- Esquece, não é da minha conta. – Falou quando eles entravam na escada.
Tony deu um sorriso grato que não combinava com ele e os dois chegaram no último lance de escadas, quando ouviram barulhos um tanto quanto estranhos.
Tony deu uma gargalhada e viu uma professora de psicologia entre a porta da escada e Chris. Os dois pareciam insaciáveis. Ela riu também, mas sua risada os delatou. O casal se separou rapidamente e uma Angie saiu de lá batendo a porta desconcertada.
- Desculpa, Chris! – Ela falou ainda rindo. A imagem de Chris e uma professora era hilária na opinião dela.
Ele apenas sorriu e saiu correndo, provavelmente para avisar Angie que ela não corria riscos de ser delatada por ou Anthony Hoult.

Capítulo 2;

Sua última aula do dia, francês, passou voando graças a parcial falta de sobriedade de . Ela sabia que a professora falava qualquer coisa sobre o subjuntivo e ela quase tentou prestar atenção, mas chegou a conclusão que já sabia o essencial em francês: os palavrões.
Não há melhor língua para se praguejar do que o francês.
Ela ainda pensava em quando juntou suas coisa em sua mochila e saiu pelo corredor. Ela queria vê-lo de novo, ela queria falar com ele de novo, ela queria estar perto dele de novo.
Balançou a própria cabeça, preocupada com rumo que as coisas estavam tomando quando ouviu seu nome.
- Oi, ! – Ela falou parada em frente a porta da sala e obstruindo a passagem da manada. – Como foram as sua últimas aulas? – Perguntou sendo cuspida da onde estava.
- Chatas. E as suas? – Perguntou enquanto andavam até a porta rumo àquele curto período de liberdade que só duraria até as 9 horas da manhã seguinte.
- Biologia foi muito proveitoso.
Ele riu; ela gostou de vê-lo rir. Era algo novo para ela.
- O que vocês ficaram fazendo lá em cima?
O céu agora estava ridiculamente azul e o calor a fazia lembrar-se da viagem que fizera à Florida. estreitou seus olhos devido a claridade e reparou como eles ficavam mais claros e mais brilhantes no sol.
- Só conversando. – Ela achou que não pegaria bem informá-lo sobre o whisky vagabundo. Ele mal a conhecia; pensaria que era uma alcoólatra porra loca. Ela era apenas alternativa e amava eufemismo. – Você devia aparecer lá qualquer hora.
- Eu vou sim. – Ele respondeu e ela teve aquela sensação deliciosamente desesperadora de que ele não tirava os olhos dela. Ela só não podia cair. Com sua sorte ela cairia, ela sempre se metia nas situações mais embaraçosas nos momentos menos oportunos. – Aonde nós estamos indo? – Ele perguntou ainda com aquele olhar e teve a impressão que poderia levá-lo para onde quisesse.
Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios e ela agradeceu por estar mais interessado em sua bunda naquela hora.
- Para o parque aqui em frente. – Ela respondeu parando na faixa de pedestres e esperando que um batalhão de táxis e carrinhos amalucados passassem. – Nós sempre vamos para lá depois da aula.
Aquilo não era exatamente um parque; era mais um jardim. Ninguém sabia se tinha nome ou não; só sabiam que ali ficava uma estátua de alguém que morreu na Segunda Guerra Mundial; por isso, simplesmente chamavam o lugar de “o parque em frente a escola”.
- Ah tá. – Talvez ela estivesse sentindo um certo desapontamento em sua voz. Ele era tímido e apressado ao mesmo tempo. precisava de mais tempo para entendê-lo bem; para ter certeza de onde estava pisando. Ainda estava cedo demais.
Entrar em um parque num dia quente como aquele era uma sensação única. A temperatura baixava vários graus, tornando-se algo suportável para o DNA britânico e o excesso de vegetação trazia sombra para todos, ainda permitindo que você visse o bonito céu claro.
Os dois suspiraram ao mesmo tempo e avistaram Chris, Tony e April sentados no meio do gramado verde.
- Estávamos nos perguntando onde vocês tinham se metido. – Tony falou maliciosamente ao vê-los se aproximar.
o olhou com o melhor olhar “cala a boca, seu puto” que ela pode arrumar e todos deram risinhos disfarçados.
- Acabou de tocar o sinal, queria que eu viesse correndo, Tony? – Ela perguntou antes de se jogar no chão. Sentiu-se exausta de uma hora para a outra.
sentou-se ao seu lado.
- É claro, eu sinto sua falta.
- Você é cheio de merda, Tony. – Chris tirou as palavras da boca de .
- Obrigada, Chris.
Ele balançou a cabeça e ela viu aquele sorriso satisfeito dele. Por que será?
Tony virou os olhos e acendeu um cigarro.
- Estava falando com o , não com você, , muito menos com você, Chris. – Ele os olhou com raiva e foi correspondido, até que os três caíram na risada, contagiando também e April.
- Apesar de não parecer, nós nos damos muito bem, viu, ? – achou melhor fazer aquele comentário tosco só para o cara não achar ela e seus amigos totais retardados.
- Eu estou vendo. – Ele respondeu olhando para eles como se eles fossem algum tipo de malucos hilários.
Eles podiam ser malucos, mas na maior parte do tempo eram apenas mais quatro adolescentes tentando sobreviver ao colegial.
Não há nada de hilário em sobreviver ao colegial.
April, Tony e engataram qualquer conversa sobre qualquer coisa que não ouvia, já que Chris contava a ela sobre Angie. Ele estava nas nuvens por ter comido uma professora.
Isso que ela chamava de objetivo de vida.
Isso que dá ser a melhor amiga do seu ex.
- Ela ficou muito nervosa depois que a gente apareceu? – perguntou prestando plena atenção em Chris, a não ser pelas olhadas de canto de olho em , pelas vezes que tentou ouvir sobre o que ele conversava e pelas vezes que imaginou se ele era do tipo que preferia gato ou cachorro.
Chris deu uma gargalhada.
- Nervosa? – Ele levantou as sobrancelhas adoravelmente. – “O que nós vamos fazer em relação a e ao Anthony, Chris?” – Ele a imitou e quase pode visualizar a cena. Riu. – Tive que levar ela para o almoxarifado. – Ele fez uma cara pervertida tão profissional quanto a de Tony.
- Chris! – exclamou pois se lembrava muito bem porque o almocharifado era o lugar favorito do Chris em toda a escola. Experiência própria. – Você anda impossível!
- Não sei. – Ele respondeu abraçando as próprias pernas e fazendo cara de culpado.
- Você está gostando mesmo dela, né?
Chris não respondeu; apenas virou sua atenção para April.
- Na minha casa não pode ser, minha mãe só viaja semana que vem. – Ele falou a April, que deveria ter perguntado se a festa poderia ser em sua casa essa semana. Ou qualquer coisa do gênero.
Era óbvio que não estava preparado para admitir que gostava da professora. Ela também não estaria se estivesse de rolo com um professor.
Eca. Seus professores eram absolutamente abomináveis.
- !!!!! – April fez sua voz de criança que pede Mc Lanche Feliz. já riu porque sabia o que aconteceria. – Pode ser na sua casa de novo?
Fazia semanas que as festas estavam sendo em sua casa, já que todos os pais pareciam ter enjoado de viajar.
- Pooode. – Ela respondeu fingindo odiar aquelas festas cujas expectativas os faziam sobreviver até o final de semana. Se não fossem pelas festas eles todos já teriam virado vegetais.
Sua casa estava sempre liberada para festas, já que seus país estavam estudando ruínas Maias de Machu Pichu, a milhares de quilômetros de distância. Sua casa virara uma mistura de balada com pub com hotel.
- Leva os seus amigos e quem mais você quiser, . – Ela falou encarando-o nos olhos pela primeira vez desde que começara a conversar com Chris. Esperava que ele entendesse o que estava subentendido: “Se você tiver uma namorada, não precisa levá-la, aquela biscate”
Mas ele não tinha. Era o que ela achava. Era o que ela pensava.
- Eles nunca perdem uma festa. Pode deixar! A gente vai! – Ele falou animado e voltou a imaginar se ele gostava de gato ou cachorro.
Provavelmente, os gatos eram seus preferidos, já que eles dão menos trabalho; ele mora numa casa com mais não sabia quantos garotos, o que eles menos queriam era trabalho. Mas talvez ele fosse fã dos cachorros, já que era doce como um. Ela achou meio estranho compará-lo a um cão, mas logo voltou aos seus raciocínios.
Se bem que, gatos soltam pêlo e por isso podem dar até mais trabalho do que um cachorro que não solta; e há cachorros absolutamente mal humorados e chatos e gatos meigos.
- ! – A voz de Tony a trouxe de volta a realidade.
- Oi! – Ela respondeu sorridente. Todos riam dela. Sentiu suas bochechas corarem. – Que foi?
- Onde você estava com a cabeça? – perguntou.
- No meu cachorro. – Não era uma mentira total. Já que ela estava pensando em cachorros e gatos.
Sim, ela era o tipo que preferia cães, mas também se derretia por gatos.
- Nós somos tão entediantes assim, ? – April perguntou.
- Claro que não. – Tentou contornar a situação. Ela tinha certeza que pensava que ela cheirava tóxicos. – Estou pensando que preciso comprar ração.
- Continuando... – Tony falou impaciente. Ele provavelmente não daria a mínima se todos os cães do mundo evaporassem.– Sexta ou sábado?
- O quê?
- A festa ! A festa! – Ele respondeu grosseiramente.
- Ah desculpa! Não sabia que eu tinha que ler sua mente, Anthony. – Ela tentou usar o mesmo tom que ele tinha usado.
- Sei muito bem o que eu leria na sua. – Ele a provocou.
respirou fundo e deu o seu meio sorriso “eu não dou a mínima” que tinha aprendido com o próprio Tony.
- Sexta, e sábado também se sobrar bebida.
Chris soltou uma de suas gargalhadas escandalosas; todos o encararam.
- Desculpa, mas nunca vi sobrar bebida em festa nenhuma que a gente dá.
Ele meio que tinha razão, mas eles arrumariam algum programa para sábado.
Só saíram dali quando começou a escurecer e a soprar um vento gelado. April foi a primeira a se levantar porque, segundo ela, o vento fazia seu cabelo ficar armado. Na opinião de , ele continuava lindo como sempre. Seus amigos a acompanharam e cada um andou em direção de sua própria casa: Tony e April para um lado; Chris para o outro e para um terceiro lado. Assim que sempre tinha sido, mas logo descobriu que teria companhia para voltar para casa dali em diante.
- Você está me seguindo, ? – Ela perguntou ao reparar sua presença alguns metros para trás.
- Droga, não era para você me descobrir! – Ele entrou na brincadeira; os dois riram juntos.
- Onde você mora? – Ela perguntou reparando em como o cabelo dele se encontrava perfeitamente com o seu pescoço.
- Belmont Hill.
- Eu também!
Ó destino, como ele podia ser legal de vez em quando.
Os dois sorriram da mesma maneira, pensando a mesma coisa.
Entraram na Belmont Hill e seguiram em frente conforme o sol recuava. O céu tinha aquela engraçada coloração entre o rosa e o laranja.
- Qual é a história entre você e o Chris? – perguntou e surpreendeu .
- Como assim?
Ele mexia nas alças da mochila e a olhava meio envergonhado. Parecia que tinha medo do que ouviria. Ela tinha medo de responder o que deveria; tinha medo do que ele estava pensando.
- Quer dizer... – Ele olhou para o outro lado. – Fica muito na cara que vocês não são só bons amigos... – Milhares perguntas passavam na cabeça de e aquilo provavelmente transpareceu pela sua cara. tentou se explicar melhor. – Vocês parecem perfeitos juntos.
ficou calada. Abriu sua boca para falar qualquer coisa e depois a fechou. Aquilo não era bom. Como ela poderia ter qualquer coisa com um garoto que achava que ela era perfeita ao lado de outro?
Ela coçou a cabeça torcendo para que aquilo a fizesse voltar ao seu perfeito estado mental.
- Eu não acho que nós somos perfeitos juntos. – Seus lábios soltaram por falta de outra coisa para falar. Ela só tinha que deixar bem claro que não queria o Chris. Pelo menos não naquele momento. – Ele a olhou desconfiado. – Nós namoramos por um tempo. – Ela completou, já que aquilo seria inevitável.
balançou a cabeça para se auto parabenizar por estar certo.
- Quanto tempo vocês ficaram juntos?
- Dois anos. – Os olhos de se arregalaram. – Mas nós terminamos já faz mais de um... – ia perguntar qualquer coisa, mas ela o interrompeu. – Por que você acha que nós somos perfeitos juntos?
Aquilo tinha ficado em sua cabeça. Ela e Chris eram muito amigos. Eram amigos antes do namoro, durante o namoro e depois do namoro. Ele tinha sido seu primeiro namorado sério; sua primeira vez... eles tinham muita história juntos. Tinham aquela relação que todos os outros invejavam. Eram o casal perfeito, assim como tinha dito. E foram o casal perfeito até a época em que os dois perceberam que estavam entediados, que queriam mais. O relacionamento tinha acabado, assim como a paixão; tinha restado apenas a amizade e aquele amor fraternal. Eles tiveram suas recaídas e eram seus estepes oficiais, já que havia dias que a paixão voltava a tona.
Mas aquele não era um daqueles dias. Ela só conseguia pensar em .
- Não sei! – Ele balançou os ombros. – Simplesmente são.
- Ele é só meu amigo. – Ela colocou uma ênfase tão exagerada em “só” que riu.
fechou os olhos por alguns segundos, envergonhada e confusa.
- Bom. – Ele falou com um sorriso charmoso de canto de boca e diminuiu o passo. – Eu paro aqui. – Ele apontou com a cabeça a casa igual a todas as outras da rua, a não ser pelo jardim mal cuidado, o furgão velho estacionado e os engradados de cerveja na porta. A típica casa de início de banda; o típico pardieiro que ela imaginava. Ela amou.
- Vocês também dão bastante festas pelo jeito, né? – Ela apontou os engradados.
- Só demos uma até agora! A gente chegou semana passada. – Cachorros; ela não sabia o porquê, mas tinha certeza que ele gostava mais dos cachorros. – Você já está convidada para a próxima festa e eu não aceito recusas!
- Eu nunca recuso festas! – Ela levantou as duas mãos como se não tivesse escolha, a não ser se encontrar com ele em uma festa, quando ambos estariam bêbados e gostosos.
- Bom, eu vou entrar... – Ele mostrou sua casa e ela teve impressão de que ele não queria entrar; ela não queria que ele entrasse.
- Ah claro, já tá tarde. – Ela olhou em volta, a rua estava praticamente escura.
- Você ainda tem que andar muito? – Ele perguntou preocupado e ela o achou fofo.
- Um quarteirão.
- Você mora perto mesmo! – Ela concordou com a cabeça, ainda feliz por essa coincidência. – Eu vou indo porque eu ainda tenho que ensaiar hoje.
aproximou-se e beijou sua bochecha; ela formigou pedindo mais.
Ela apenas acenou para ele e andou alguns metros em direção a sua casa, sentindo aquele sorriso idiota que tinha virado uma constante em seu rosto desde aquela manhã.
Mas ela não podia ir. Não ainda. O sorriso sumiu e ela mordeu o próprio lábio pensando no que ia fazer. Ela precisava. Parou de andar e virou-se para ver ; ele ainda a observava caminhar e ficou sem graça quando ela percebeu aquilo. A menina sorriu de novo.
- ! – gritou para que ele a ouvisse. Ele prestou atenção nela. – Você prefere gato ou cachorro?
estranhou a pergunta, mas respondeu numa voz engraçada e desconfiada:
- Cachorro, por quê?
deu um pulinho retardado, mas que não podia ser contido e voltou para o seu caminho.

Capítulo 3;

O resto da semana se arrastou naquela repetição contínua de rotina, excetuando , que fazia tudo que sempre fora tão normal ter uma graça a mais. A cada dia eles ficavam um pouco mais próximos e descobriam coisas um do outro.
A atração física era incontestável e tinha certeza que seria confirmada sexta a noite.
Certeza.
Naquele dia ela saiu do parque acompanhada por e April que iria ajudá-la a esconder todos os enfeites e coisas quebráveis de sua casa. Ela provavelmente não os colocaria no lugar novamente, já que as festas ficavam cada vez mais freqüentes e selvagens.
- O que você vai usar? – April perguntou assim que se despediu em frente a sua casa.
- Não sei, ainda não pensei. – Mentira. Já tinha pensado em sua roupa dias atrás. Tudo teria que dar certo e se a roupa desse certo já seria um bom começo.
- Óbvio que você pensou, você vai pegar o essa noite! – April falou com sua voz esganiçada e lhe deu um tapa enquanto se assegurava que o garoto não tinha escutado nada. Claro que não tinha, já que ele já estava dentro de sua casa. A muitos metros e uma porta de distância.
- April!
- Quê? – Ela perguntou virando os olhos. – Ah, , tá na cara que vocês vão ficar!
Ela gostou de escutar aquilo de outra pessoa que não fosse ela mesma. Tornava tudo mais real, e não apenas um fruto de sua imaginação ilimitada.
- Eu sei, mas não precisa berrar para a rua inteira! – Ela falou brava e depois sorriu. – Você acha mesmo? – Perguntou só para confirmar com uma voz bem mais doce.
A amiga sorriu e balançou a cabeça.
- Eu vou usar meu vestido preto por cima de uma skinny e algum sapato.
- Sabia que você já tinha programado cada detalhe. – April a conhecia bem demais. – Qual sapato você vai usar? Porque eu sei que você já escolheu também e só está fazendo doce.
Amizades com mais de dez anos de duração são uma invasão de privacidade.
- O scarpin vermelho. – Ela respondeu já abrindo a porta de casa. Nell, sua estabanada cocker começou a latir e a pular nela, como fazia todas as vezes que ela ou qualquer outra pessoa botava os pés na casa. – Nell, puta que pariu!
“Puta que pariu” era praticamente o segundo nome de Nell; assim como “porra de cachorro que roeu o fio da internet”. Nell conseguia ser mais hiperativa do que Chris; tinha a impressão de que a cadela já tinha bebido tantos restos de cerveja e sabe-se lá mais o que durante as festas que tinha ficado daquele jeito.
- Não fala assim dela, tadinha. – April falou agradando Nell e recebendo litros de baba como retribuição. olhou séria para a amiga. – Que foi?
- Você fala assim, mas deixou ela sem comida por dois dias quando eu fui para Edimburgo.
April jogou os ombros.
- Ela estava gordinha mesmo.
As duas tiraram qualquer coisa que fosse quebrável ou de valor do caminho e trancaram no armário dos pais de . Ela realmente não podia arcar com outra restauração do vaso da fertilidade da Nefertite que tinha ido parar dentro da privada.
Impressionante como pessoas bêbadas se sentem atraídas por coisas raras e/ou caras.
Quando já passava das dez da noite e já tinha colocado quase todo o álcool da casa para gelar, a garota subiu para seu quarto e lá encontrou April revirando seu armário.
- Que porra você está fazendo? – Perguntou reparando que tinha mais roupa em cima da cama do que no armário.
- Procurando alguma roupa para eu vestir que não me faça parecer uma jeca. – Ela virou-se para a amiga e apontou para ela mesma; num vestido preto de corte legal que, é claro, caía perfeitamente em seu corpo.
- Você está brincando, né? – April ia começar a responder, mas não deixou. – Esquece! Pega o que você quiser, eu vou tomar banho.
Fechou a porta do banheiro atrás de si e deu pequenos pulinhos e palmas mudas. Estava se comportando como uma criança, mas estava ansiosa. Não que ela estivesse esperando há muito tempo, fazia apenas alguns dias, mas aquilo não saía de sua cabeça; ele não saía de sua cabeça.
Entrou de baixo do chuveiro fingindo que não estava nervosa do jeito que estava, fingindo que estava relaxando e que aquela era apenas mais uma noite.
Mas a quem ela queria enganar?
Queria mais é que o tempo passasse rápido e ele chegasse rápido. Tudo rápido. E assim fora seu banho. Ela não tinha saco para um banho relaxante; esse seria apenas um banho higienizante.
O vapor tinha tomado o banheiro e ela mal via o espelho a sua frente, mal respirava porque sentia que o vapor tinha expulsado todo o ar do lugar; mal escutava porque a música e a gritaria no andar de baixo já estavam insanos. Enrolou-se na toalha felpuda com estampa dos padrinhos mágicos e abriu a porta.
Levou um susto ao ver que não era mais April quem estava lá, mas sim Chris.
- Chris! Você quer me matar de susto? – Perguntou ao vê-lo sentado na escrivaninha mexendo no computador.
- ! – Ele deu um pulo da cadeira e ela percebeu no mesmo segundo que ele estava com o seu humor party on: estava elétrico e sabia bem o porquê.
Analgésicos, anti-alérgicos... Chris sugava qualquer tipo de pílula ou comprimido que o tirasse de seu estado mental normal. Era tão hiperativo por causa desses remédios que com o tempo, tornaram-se parte dele. Em dias de festa, os remédios do dia a dia não faziam o efeito que ele desejava, então ele tomava ainda mais.
Aquilo não era mais estranho ou condenável, era simplesmente o Chris que ela conhecia e amava; e as pílulas eram parte dele.
Ele aproximou-se e a olhou com aquele olhar que ela conhecia há anos. Seu amigo não estava mais ali. Chris colocou uma de suas mãos e sua cintura e a outra em seu pescoço ainda úmido.
Aquele não era dia de ser estepe.
- Chris, o que você está fazendo? – Perguntou e ele a encarou curioso. Ela nunca perguntava nada, apenas correspondia.
- Como assim? – Ele pegou e seu queixo e beijou seus lábios.
Era bom beijá-lo. Mas não! Ela não queria ele!
- Chris... – Ela falou pacientemente. – E a Angie?
O menino olhou para o outro lado, claramente desapontado. sentiu sua testa se enrugar ao vê-lo daquele jeito.
- Ela... Ela terminou comigo, se é que nós tínhamos alguma coisa juntos. – Ele respondeu sentando na cama e batendo as mãos nas próprias pernas que não paravam de se mexer.
- Ah, Chris. – Ela sentou-se ao lado dele e segurou seu braço. Não sabia o que falar.
- Não, tudo bem, de verdade. – Ele respondeu olhando para ela e piscando mais do que o normal.
Não estava tudo bem.
- Bosta, Chris! O que você tomou?
Ele a olhou assustado, praticamente ofendido.
- Só o de sempre!
- Certeza? – Ela estava acostumada, mas sabia que aquilo era perigoso.
Ele fez que sim com a cabeça e se aproximou vagarosamente.
“Vagarosamente”: essa era uma palavra que geralmente não estava na mesma frase que a palavra “Chris”.
Geralmente, já que quando os dois estavam juntos, apenas os dois, ele parecia desacelerar.
sentiu a boca dele em seu pescoço e por um segundo esqueceu de . Apenas por um segundo.
- Chris, hoje não dá. – Ela falou levantando-se e dirigindo-se até seu guarda-roupa em busca do seu vestido. Aquilo era bom porque ela ficava longe de Chris e de costas para ele. Não queria vê-lo daquele jeito sem poder alegrá-lo.
- Por quê? – Ele perguntou enquanto xingava April mentalmente por ter desarrumado a bagunça arrumada que eram suas roupas. virou-se para responder, mas Chris mesmo respondeu. – Ah, já sei! , né? – Ele perguntou sem demonstrar nenhum sentimento do tipo: ciúme, tristeza, raiva; ele parecia feliz. – Desculpa, eu tinha esquecido dele. – Ele coçou a cabeça.
amava que ele fosse seu melhor amigo acima de tudo.
-É. – Aquilo estava humilhante. – Tem alguém nessa cidade que não sabe que eu estou a fim do ? – Perguntou e Chris riu escandalosamente.
Ela reparou que ele estava com aquele pavoroso scarf laranja, que ela tinha igual preto. Preto era bom; laranja, não. Além disso, uma calça jeans larga com Mad Rats e uma camiseta branca e lisa. O pior era que até com o terrível scarf, ele ficava bonito.
- Acho que não, . Vocês dois estavam bem... – Ele olhou para o teto, pensando; fazendo uma cara tipicamente Chris. – explícitos! – Ele completou e riu balançando a cabeça envergonhada.
Ele se levantou e caminhou até ela.
- Desculpa, tá? – Ele beijou sua testa e a abraçou apertado. retribuiu. – Às vezes eu esqueço que você não é só minha.
Chris a soltou e saiu do quarto em silêncio, deixando o que parecia um rugido de música e vozes entrarem.
A menina tentou tirar Chris da cabeça e se arrumou. Uma última olhada no espelho antes de sair do quarto fez com que ela se sentisse satisfeita e confiante. Ela sabia que dá próxima vez que passasse por aquele espelho tudo estaria acabado. Ou melhor dizendo, começado.
Já no corredor ela encontrou alguém caído, babando no carpete. Ainda bem que ela não encanava mais com essas coisas. Já que, alguém já tinha derrubado algum líquido suspeito na escada, “alguéns” estavam fazendo sabe-se lá o que no quarto dos pais dela e o andar debaixo já estava igualzinho a uma mini balada.
Num canto da sala, Luke, um amigo deles que era dj tinha montado sua pick up, além disso, tinha instalado luzes divertidas por toda a sala. Os móveis já tinham sido mudados de lugar e a casa estava lotada de pessoas que ela conhecia de vista mas não fazia idéia de quem eram.
Ela vasculhou o lugar com os olhos atrás de alguma face conhecida, bem, uma em especial, na verdade.
Achou Chris em um dos sofás se agarrando com uma loira gostosa e já se sentiu melhor, pelo menos não teria que se preocupar com ele; April estava dançando no maior estilo diva, chamando todas as atenções e arrasando ao som de algum remix de Franz Ferdinand.
Alguém a cumprimentou; ela foi direto para a cozinha atrás de bebida. Encontrou o lugar vazio e estranhou, já que o lugar onde ficam as bebidas nunca é vazio.
- Procurando alguma coisa? – Ouviu Tony perguntar atrás dela. De onde ele tinha surgido, ela não sabia.
- Álcool.
Ele estava parado na porta que dava para os jardins dos fundos fumando um baseado.
- A gente levou lá para a sala para ficar mais fácil. – Ele lhe estendeu uma garrafa quase cheia de Jack Daniels.
- Esse não é o whisky do meu pai, é, Tony? – Ela perguntou mas já sabia que era. Ele sorriu tentando conquistá-la. – Que porra, Tony! – Berrou antes de voltar para a sala atrás do isopor.
Tirou uma latinha de Carlsberg e deu um grande gole.
- Ele vai aparecer, não precisa ficar nervosinha. – Tony surgiu ao seu lado. Ela o olhou meio irada, já que agora além da restauração do vaso egípcio ela ia ter que comprar uma garrafa de Jack Daniels. Adeus, tranqüilidade financeira. – E se ele não aparecer... – Ele apontou para ele mesmo e ela lhe mostrou o dedo.
Não entendia como alguém podia ser tão canalha e ainda ter amigos.
No entanto, realmente estava demorando para chegar. Ela saiu na rua e tentou avistar a casa dele; era perto, mas nem tanto. Viu a cara irada dos vizinhos da frente espionando-a pela janela e simplesmente lhes mandou um tchau.
Ficou lá até sua latinha acabar, obrigando-a a voltar para dentro. Precisava de algo mais forte.
- Tony! – Ela o cutucou enquanto ele e April praticamente se comiam no sofá. – Cadê o Jack?
Algumas pessoas pegam intimidade com o álcool.
Tony levantou apenas uma sobrancelha se achando superior.
- No armário de panelas.
voltou para a cozinha deserta e escura e pegou o que agora era uma garrafa de Jack Daniels pela metade. Olhou para o microondas e viu as horas, já passava das duas e aquele puto provavelmente não apareceria mais.
Virou a bebida até sentir sua garganta arder e seus olhos marejarem. Foi para a sala com seu melhor amigo Jack com a resolução de se divertir. The Church of Hot Addiction tocava mais alto do que tudo e ela pensava em Gabe Saporta. Fechava os olhos e deixava que a Jack e a música a controlassem. Ela não precisava de algum, só precisava de Jack e Gabe.
Jack acabou e seu melhor amigo mudou de nome; ele se chamava Johnny agora e ela adorava o fato que ele continuava caminhando. E aparecia nas festas.
Começou a dançar com alguém que se esfregava nela; não sabia quem era: podia ser Tony ou Chris ou aquele garoto de sua classe de geografia. Ela não se importava.
April lhe entregou um baseado enquanto tocava Hushpuppies e seu corpo ficou leve, sua alma ficou leve. Aquela felicidade incontrolável tomou conta de seu corpo enquanto ela e seus melhores amigos dançavam e cantavam Beating Heart Baby.
Os minutos ficavam mais longos; as horas mais curtas.
Perdeu Johnny e andou até o armário perto da porta, onde achava que tinha outra garrafa. Ela não achou a outra garrafa, porque tinha trancado ela no armário de seus pais algumas horas antes, mas achou outra coisa.
- ! – Ela exclamou e o abraçou. Ele estava lindo, mais lindo do que ela se lembrava; estava de azul. Atrás dele estavam três garotos lindos que vestiam roupas lindas. Ele a apresentou a eles, mas ela o ignorou; o pegou pelo braço e subiu as escadas.
- , o que você está fazendo? – perguntou algumas vezes mas ela não respondeu, não ouviu ou prestou atenção.
Abriu a porta de seu quarto e encontrou Tony e alguém que ela esperasse ser April se comendo lá; foi para o quarto dos seus pais onde aquele mesmo casal continuava. Estava ficando puta; era a casa dela! Ela tinha direito de usar a casa dela, mas não, estranhos usavam a casa dela. Sua última esperança, o quarto de hóspedes, escancarou a porta e achou uma suruba lá dentro.
Gritou alguns palavrões.
Olhou para a porta do banheiro; estava aberto; estava vazio. Não pensou duas vezes.
Arrastou um confuso e animado lá para dentro, fechou a porta e o beijou. O beijou como ela queria há dias; sentiu o calor de sua língua na sua; o calor de suas mãos por todo o seu corpo e teria sentido mais se não estivesse bêbada e drogada.
Passou a mão por de baixo de sua camiseta e tentou tirá-la; não conseguia respirar; não queria se afastar para respirar, portanto, não queria respirar; beijá-lo era melhor.
Puxou-o pelo colarinho até a banheira.
Quem não tem cão, caça com gato; nesse caso, cama e banheira.
O plástico duro de que a banheira era feita a machucava e ela não se importava porque ela sentia o perfume de , ela sentia o calor de e ela se sentia feliz. Mas ela também se sentia cansada e de uma hora para outra, não sentiu mais nada.

Capítulo 4;

acordou com a horrível sensação de não se lembrar de ter ido para a cama na noite anterior. Abriu os olhos devagar; estava em seu quarto; April e se espremiam na cama com ela.
: tinha uma vaga lembrança envolvendo e o banheiro. Sorriu.
O céu estava avermelhado do lado de fora e uma luz pálida que lhe dava sono entrava pelas janelas de vidro.
Não sabia se estava amanhecendo ou anoitecendo. Sua noção de tempo era quem mais sofria após uma noite de festa.
Levantou-se tomando cuidado para não acordar ninguém e reparando que estava apenas de calcinha e sutiã, assim como April, e , que estava apenas com umas boxers verdes ou azuis. Sua capacidade de distinguir cores também estava afetada.
Era impressionante como todos sempre acabavam seminus após as festas.
Só ao se levantar viu Tony desmaiado no chão, com a cabeça apoiada em sua ovelhinha de pelúcia. Usando apenas boxers, é claro.
Todo o barulho da noite anterior tinha se convertido nesse silêncio que chegava a fazer cócegas.
Um garoto dormia no corredor com a barriga para cima. Pelo o que ela se lembrava, esse era um dos amigos de . Ela não podia confirmar nada, no entanto.
Nell estava no meio da escada, também desmaiada. Aquela cadela, coitadinha.
Nos sofás da sala estavam Chris (agarrado numa garota ruiva), o que provavelmente eram os outros dois amigos de e mais uma garota loira.
Uma poltrona estava virada de ponta cabeça; a cristaleira, lotada de latinhas de cerveja, assim como todas as superfícies lisas do cômodo e havia um balde perto da janela. Tinha até medo de descobrir o que tinha lá dentro.
Ela chegava a rir ao imaginar a reação de seus pais àquela cena. Eles a matariam, a ressuscitariam para matá-la outras vezes e depois e levariam para o Peru com eles e lá, ela realmente morreria, uma morte lenta e dolorosa.
Caminhou até a cozinha com o estômago roncando; ele parecia ter vida própria e, principalmente, boca própria.
Maldita larica.
Abriu a geladeira e tirou de lá um resto de comida chinesa de dois dias atrás. Comeu franco ao cury gelado, já que seu cérebro parecia ser algo não pertencente ao resto do seu corpo e não se lembrou dessa brilhante invenção chamada microondas. Só o usou para descobrir que passava das seis da tarde.
Levou a comida para a varanda e sentou-se nos degraus que a separavam do jardim. Havia uma cadeira no meio do canteiro.
Tentava lembrar-se do que tinha acontecido na noite anterior enquanto saboreava o seu cury extra spicy . Ela tinha uma pequena noção, mas queria ter certeza. Esperava que não tivesse se humilhado. Realmente esperava.
Seu coração pulou e ela colocou a mão no peito ao ver sentado ao seu lado. Da onde ele tinha surgido?
- ! Você está ai faz quanto tempo?
Ele sorriu dentro de sua camisa linda e ela se deu conta que ainda usava nada mais do que sua calcinha com estampa de ovelhinhas e seu sutiã vermelho.
Ela era uma fã das ovelhas.
Sentiu-se corar e tentou se esconder com os braços da melhor maneira possível.
- Algum tempo. – Ele reparou seu constrangimento e a olhou maliciosamente antes de tirar a própria camiseta e a própria calça.
sentia sua bochecha queimar e ela queimava mais a cada movimento dele que ela tentava não encarar, apesar de ser impossível.
- O que você está fazendo? - Perguntou olhando para o arbustinho seco e sem vida no lado oposto.
Ela precisava chamar um jardineiro.
- Pronto, estamos quites. – olhou para ele que tinha um sorriso doce na face. – Você não é mais a única seminua.
Ele era inteiro doce.
E pervertido também.
Era melhor do que ela imaginava.
A tática do menino deu certo, já que ela deixou de se incomodar com as roupas, ou a ausência delas. Outra coisa passou a incomodá-la.
- Hum... – Não sabia por onde começar. – Noite passada...
Ele a olhava com cara de quem sabia aonde ela queria chegar, mas que gostava de vê-la se virar para se explicar.
Sádico.
- Noite passada... – Ele fez menção para que ela continuasse.
teve que rir.
- Eu não sei bem o que aconteceu. – Admitiu.
- Eu imaginei que você não fosse se lembrar de nada mesmo.
- Não! Eu lembro de alguma coisa!
- Lembra?
Ela fez que sim com a cabeça e um sorriso malicioso surgiu em sua boca.
- Lembro de você, lembro do banheiro, lembro da banheira... – Ele correspondia o olhar. – E não lembro de mais nada. – Riu e abraçou as próprias pernas, olhando para as unhas vermelhas de seus pés. Ficara tímida de uma hora para a outra.
- Bem, depois que você desmaiou na banheira... – Ele começou a falar e ela afundou a cabeça nos braços. Estava pronta para ouvir alguma coisa totalmente embaraçosa. – Eu te carreguei até o quarto, que por sorte estava vazio, tirei a sua roupa... – levantou a cabeça rapidamente e o encarou. corou. – Eu tive que tirar a sua roupa porque tinha um resto de água na banheira e a gente tinha se molhado um pouco. – Ela balançou a cabeça mostrando compreensão. Mordeu os lábios. Queria tanto ter estado lúcida naquela hora. – Só isso! – Ele levantou os braços. – Juro que não tirei nenhum proveito de você!
- Eu não ficaria brava se você me contasse que tinha se aproveitado um pouquinho de mim.
O álcool ainda não tinha saído totalmente de seu sistema. Era a única explicação. Ele ia pensar que ela era uma vagabunda.
- Assim você me obriga a confessar. – Ele falou sério. – O que eu mais queria era que você estivesse acordada. – Ele que olhava para os próprios pés naquela hora. Ela reparou que havia estampas de árvores de natal em suas boxers.
Ele era adorável.
Um barulho na sala chamou suas atenções e se levantou rapidamente.
- Espera aí! – Ele falou antes de sumir pela porta.
Voltou todo esbaforido segundos depois e jogou alguma coisa em ; ela reparou que era o vestido que ela usava na noite anterior e aquela horrorosa bota vermelha de April que mais parecia uma galocha.
- Que é isso? – Perguntou achando que o garoto tinha adquirido esquizofrenia nos últimos trinta segundos.
- Se veste, vamos sair daqui. – Ele falou enquanto vestia suas roupas.
- Por quê?
Ele parecia um cara tão normal, mas era óbvio que era um desregulado.
- Quero você só para mim! – Ele falou docemente e ela esqueceu que o achava um maluco. – Vamos, o pessoal está acordando!
Ela colocou o vestido e a galocha e reparou que se fosse encontrada numa esquina ganharia o suficiente para comprar centenas de vasos da fertilidade.
Havia um motivo para ela ter colocado o vestido por cima de uma calça noite passada.
- Eu não posso usar isso, ! – Ela falou enquanto ele a pegava pela mão e a puxava para o corredor ao lado da casa, que os levaria até a rua. – Eu estou parecendo a Britney Spears!
- Para isso acontecer, você teria que ser careca. – Ele respondeu assim que eles alcançavam a rua que já estava escura.
- Mas isso é muito curto! – reclamou tentando puxar a peça de roupa para baixo. Nem com todo o seu esforço ele chegava ao meio de suas coxas.
- Eu não me incomodo. – O garoto respondeu encarando suas pernas.
- ! – Ela o repreendeu envergonhada.
- Desculpe, não me contive.
Ele a olhou afetuosamente e entrelaçou suas mãos.
- Para onde você está me levando? – A menina perguntou enquanto sentia o agradável calor da mão de na sua.
- Para falar a verdade, não sei. Só estou seguindo o fluxo.
Ela se contentou com aquela resposta, já que o fluxo os levava até o parque em frente a escola.
Seus pais sempre a proibiram de ir a parques a noite; assim como qualquer guia turístico faria, mas não sentiu nem um pingo de insegurança ao entrar em um parque escuro com . Ainda havia algumas crianças brincando com seus cães enquanto suas mães entediantes e entediadas falavam mal do primeiro ministro ou de Victoria Beckham.
A luz que vinha da cabana de lanches na outra extremidade do jardim e dos postes ao longo da rua do lado de fora deixava o lugar com o clima romântico e não assustador.
Talvez fosse romântico porque ele estava com ela.
Naturalmente, como que num acordo subentendido, os dois acharam uma árvore suficientemente grande e escondida onde apoiou suas costas e passou seus braços pelo pescoço de ; ele segurou seus quadris e os aproximou mais; seus lábios se tocaram levemente, apenas aguçando seu desejo e fazendo-os aproveitar cada fração do momento; suas bocas se abriram e suas línguas se encontraram; devagar eles foram conhecendo essa nova faceta um do outro, que na noite anterior tinha sido apenas apresentada a eles.
Quando finalmente se cansaram, deslizaram seus corpos para o gramado fofo e deitaram-se abraçados. O pensamento de ir além passara pela cabeça dos dois, mas a sensação de que eles mereciam mais do que uma “rapidinha” atrás de uma árvore os deteve.
Aquilo era especial.
sentia a grama pinicar suas pernas nuas, mas não ligava; deitou sua cabeça no peito de e a sentia movimentar-se conforme a respiração dele; sentia seus batimentos cardíacos num compasso perfeito e seu calor a lembrava que ela estava viva.
- Por que a gente demorou tanto? – Ele perguntou e a menina achou engraçado ouvir sua voz através de seu peito, mas não entendeu o que ele queria falar.
- O quê?
- Para ficarmos juntos.
Ela riu.
- Na verdade a gente não demorou muito, foram só alguns dias.
- Quatro. – Ele completou. – Mas a gente deveria ter começado na segunda!
- Acredite, eu queria. – Ela ergueu a cabeça e beijou seu queixo pois não alcançava sua boca.
- Acredite, eu também queria.
fez com que suas bocas se alcançassem e os beijos se reiniciassem conforme iam ficando cada vez mais saborosos. Ela sentiu a mão dele em sua perna o que a encorajou a passar uma de suas mãos por debaixo de sua camisa. Ele se arrepiou e a aproximou mais, até o ponto, que aos poucos, os dois desaceleraram e se afastaram.
Eles mereciam mais.
Esse era outro acordo subentendido.
Ela gostava de ter coisas subentendidas; ele gostava de ter coisas subentendidas.
Tudo ficava tão mais fácil.

Capítulo 5;

O domingo passou como um domingo de verdade deve ser: algo melancólico e preguiçoso.
Acordou tarde com alguma música do Bloc Party tocando alto no andar de baixo. Por milagre, seu quarto estava vazio. Toda vez que o pessoal passava a noite lá alguém amanhecia em sua cama ou então no chão, bêbados demais para chegar em casa. Apesar de já passar do meio dia, o ambiente estava escuro porque ela tinha se lembrado de fechar as cortinas na noite anterior.
Espreguiçou-se e sentiu-se satisfeita. Tinha conseguido o que queria e agora só lhe restava esperar as conseqüências, que ela tinha certeza, iria gostar.
Vestiu suas boxers de margaridas e uma camiseta do Nine Inch Nails que costumava ser de Chris.
Desceu as escadas apenas um pouco desapontada por saber que não veria naquele dia e teria que esperar a eternidade de algumas horas até as aulas da manhã seguinte.
Ele tinha que ensaiar com a banda e era algo aparentemente inadiável.
- So fucking useless! – Chris, Tony e April cantavam se achando o próprio Kele Okereke.
Tony e Chris brincavam de air guitar enquanto April fazia coreografias hilárias com uma vassoura. Eles estavam limpando toda a bagunça restante da festa e tinha que reconhecer que sua sala estava habitável e ela não tinha movido uma palha.
- Play it cool, boy. – Cantaram os quatro juntos enquanto a música terminava.
- Bom dia, . – Chris falou beijando sua testa.
April e Tony estavam ocupados demais dançando Banquet e apenas acenaram para ela.
- Nossa, vocês já limparam praticamente tudo! – Ela exclamou com vontade de apertá-los como filhotes. – Obrigada.
- Que isso, ... – Chris respondeu carregando baldes, vassouras e rodos para a lavanderia. Ela o seguiu, mas parou na cozinha onde pegou um pacote de cookies de chocolate para comer. – Olha o seu sorriso! – Chris observou voltando à cozinha. Ela apenas conseguiu sorrir mais, agora com a boca toda suja de cookies. – O que a gente vai fazer hoje?
- Nem sei, o que você quer fazer?
– Nada, preciso descansar. – Ele respondeu sentando-se na cadeira da mesa.
- Muita ação na festa, né? – perguntou durante o seu quinto cookie.
Chris fez uma cara pervertida e riu.
- Pode se dizer que sim.
- Você é um promíscuo, Chris. – lembrou-se das diversas garotas diferentes com quem tinha visto Chris na noite anterior.
- Eu sei, eu sou a vagabunda do grupo. – Ele fez uma cara de Paris Hilton.
- Não, esse é o Tony.
- Hum, tem razão.
Alguém bateu à porta e viu Tony abri-la e receber quatro caixas de pizza.
- Vocês pediram pizza? – Ela perguntou surpresa largando os cookies na cozinha e indo até a comida.
- Não, é o jornal. – Tony respondeu ironicamente colocando as caixas em cima da mesa de centro.
- Vai à merda, Tony. – Ela o ignorou abrindo a caixa de pizza que cabia a ela e a April. Os meninos comiam uma pizza e meia cada, elas juntas comiam uma. – Se eu soubesse eu não teria me afogado em cookies.
- Ignora ele. – April virou os olhos.
- Pode deixar.
- Vamos jogar poker! – Chris apareceu com seu baralho e suas fichinhas e antes mesmo de terminada as pizzas, eles já estavam naquele prazer culposo que era o jogo.
Isso quase fez se esquecer que preferia estar em outro lugar, com outra pessoa. Odiava ser esse tipo de garota que perde a cabeça e troca os amigos por um cara.
Tony só blefava. Blefava tanto ao ponto de você sempre saber quando ele tinha um jogo e conseguir quebrar suas pernas parando de apostar; Chris não tinha paciência para o blefe e às vezes, não tinha paciência nem para esperar virar as cartas antes de sair do jogo, perambulava pela sala mudando a música conforme seu humor; April e eram as únicas que jogavam como pessoas normais e por isso estavam sempre ganhando dos garotos, coisa que nenhum deles parecia reconhecer.
As horas voam quando se está jogando e no que pareceu minutos para a , o céu do lado de fora ficou escuro e as luzes dos carros passaram a ser vistas. Ela finalmente tinha se distraído e mantido sua cabeça naquele cômodo e não na casa a alguns metros de distância.
Mas queria que o dia seguinte chegasse logo; queria ir para a escola!
Aquilo era novo.
- Onde está o , ? – Tony perguntou enquanto esperava que um 7 aparecesse na mesa.
Nem que ela quisesse poderia não pensar nele.
- Cala a boca, Tony! Você está matando o espírito do jogo! – levava o jogo meio a sério.
Chris era o dealer e depois que todos apostaram, virou a última carta da mesa. Não era um 7.
praguejou mentalmente.
Ela blefou e apostou alto; cinco fichas valendo cem. Tony e Chris arregalaram os olhos; April que já estava fora do jogo olhou para suas cartas.
- Pára de matar o espírito do jogo! – Gritou brava com a curiosidade da amiga. – Então, vocês vão apostar ou vão ser esses maricas que vocês são? – Ela os olhou desafiadoramente.
- Eu vou ser marica! – Chris respondeu largando suas cartas na mesa.
Tony estava mal humorado, já que como era o pior jogador, não tinha fichas o suficiente.
- Ui acho que eu ganhei! – Ela comemorou se esforçando para irritar Tony. Mostrou suas cartas na mesa, quase foi agredida e depois puxou todas aquelas fichas. - Eu sou tão rica!
Tony se levantou e trouxe uma garrafa daquele vinho rosa australiano que eles andavam tão viciados ultimamente.
- Ele tinha que ensaiar com a banda. – Ela finalmente respondeu à pergunta de Tony.
- De domingo? – April perguntou enquanto Chris se concentrava com o abridor e a rolha.
- É. - A quem ela queria enganar? Ela queria ver ele, ela queria estar com ele. – Acho que é porque eles não ensaiaram nada ontem.
Banda idiota. Ela pensava e depois se arrependia por estar parecendo uma garotinha controladora e carente.
- Os amigos dele só faltaram beber álcool de limpeza. – Tony comentou.
- Eles eram tão bonitos. – April falou apenas para , mas fez os dois garotos fazerem cara de nojo.
- Eram, né? – concordou com a amiga. Mal se recordava dos meninos na sexta feira, mas na dia anterior, os “reapresentou” depois que os dois voltaram de seu pequeno passeio. Cada um tinha o seu jeitinho especial para conquistar a simpatia das pessoas: Tom era o doce; o brincalhão e o naturalmente charmoso. – Eles vão ser o tipo de banda que atrai groupies.
- Não sei porquê vocês falam tanto deles. – Tony falou enciumado. As duas meninas riram. – Vocês tem eu e o Chris aqui. – Ele deu fortes tapas nas costas do amigo. – Nós somos bem mais bonitos que eles.
- Mais legais também. – Chris completou.
Eles meio que tinham razão, já que eram tão insanamente bonitos quanto os outros e elas os amavam porque eram seus amigos/namorados há anos. Elas não deixariam eles saberem disso, no entanto.
- Bem, April, eu já peguei um McFly. – falou a amiga. – Ainda tem três para você escolher e eu escolheria o .
- Strippoker! - Tony arrumou um jeito de mudar de assunto, já que ele podia dormir com a cidade toda e April não.
Os olhos de Chris brilharam.
- Nem fodendo, Tony. – April respondeu.
- Eu topo! – concordou animada.
- Ficou maluca, ? – April perguntou indignada enquanto se levantava e entrava no lavabo, provavelmente tendo uma de suas crises em que ela fica de saco cheio de tudo.
- Topa mesmo, ? – Tony perguntou já embaralhando as cartas.
- Topo.
- Sem a April nem tem graça! – Chris falou mais para si mesmo e recebeu um olhar perverso de Tony. – Ah! Você não me interessa e a eu já conheço! – Ele se explicou.
- Todo mundo aqui se conhece, Chris, a gente está sempre acordando juntos usando só roupa de baixo. – Tony apontou algo que era verdade, mas que pela boca dele soou terrivelmente gay.
riu e deu um longo gole no vinho rosa e docinho.
Como sempre, os garotos esqueceram o quanto jogavam mal e em quinze minutos, April já estava tirando fotos de um Chris e um Tony desanimados e mal humorados trajando apenas boxers.
Certo, Chris nunca estava desanimado.
Quanto a , estava tentando vestir as calças largas dos dois garotos ao mesmo tempo. Ela conseguiria morar ali dentro e já estava vestindo a camiseta de Chris e a blusa polo de Tony.
- Vocês são muito trouxas! - Ela os provocava. – Sempre perdem e ainda insistem em jogar strippoker!
- Foi só sorte, ! – Chris falou de dentro de suas boxers azuis clarinhas.
- Sorte, sei. – Ela virou os olhos metida demais com a sua vitória. Não que tivesse sido algo muito memorável já que os outros dois eram realmente péssimos jogadores. – Não é hoje que você tira a minha roupa, Tony. – Ela provocou o amigo.
Seu passatempo favorito era provocá-lo. Ela achava extremamente divertido.
The Enemy começou a tocar muito alto quando alguém bateu na porta. Com esforço, se locomoveu até a porta arrastando todo aquele guarda roupa com ela e quase perdeu tudo quando deu um saltinho ridículo ao ver pelo vidro ao lado da porta.
- Hei! – Ele falou ao vê-la e encarou suas roupas. – O que você está fazendo? – Perguntou fazendo uma carinha curiosa e com medo de que a garota que ele estava beijando tivesse problemas com bebida.
- Strippoker! – Ela o abraçou e sentiu as pernas amolecerem com seu perfume.
- Você não sabe o quanto me faz feliz não ver o Tony usando suas roupas! – falou rindo e a fez rir também.
fechou a porta atrás de si e se juntou a do lado de fora da casa, sem ligar que os transeuntes encaravam a garota vestida como uma palhaça.
Provavelmente tivera uma infância problemática, eles pensariam.
- Achei que não fosse te ver hoje. – Ela falou sentando-se em um dos degraus de entrada
- Eu também. – completou sentando-se ao seu lado e pegando em sua mão. – Mas eu não agüentei! – Ele falou timidamente.
- Eu também não estava agüentando. – Brincou com os dedos dele. – Ainda bem que eu tinha esses idiotas... – Apontou o lado de dentro, da onde saía um som alto de guitarras, com a cabeça. - para me distrair.
Ela estava a ponto de desmaiar de felicidade por ele estar ali, por ele ter sentido a sua falta, por ele ser tão perfeito.
beijou sua cabeça e a aproximou para um beijo que era tão bom como ela se lembrava e como ela tinha imaginado durante todo o dia. Era como se todas as complicadas variantes do mundo se reduzissem a apenas ela e ele; aos seus corpos e àquele sentimento novo que sentiam e fazia cócegas em suas barrigas.
- O que você fez hoje? – perguntou assim que os dois se separaram.
- Dormi e joguei poker. – Ela respondeu enquanto sentia as mãos de passarem pelas pontas de seu cabelo. Ele parecia se divertir brincando com elas.
- Dia produtivo!
- Demais! – arrumou um jeito de deitar sua cabeça no colo dele. – Como foi o ensaio?
- Foi bom! A gente conseguiu escrever uma música nova. – Ele brincava de passar os dedos levemente pelo rosto dela agora.
fechou os olhos.
- Como chama a música?
- I Wanna Hold You.
- E fala sobre o quê? – Ela sentia-se calma, relaxada e protegida de uma hora para a outra. Podia cair no sono mesmo.
- Sobre um cara que faria qualquer coisa pela garota e que, mais do que tudo, precisa abraçá-la.
- Me parece um bom tema para uma música. – Ela comentou e abriu os olhos encontrando um que a encarava como se quisesse entrar dentro de seus pensamentos. Ela sentiu seu coração acelerar.
- O que foi?
- Nada, só estou pensando como é bom finalmente poder te abraçar.
Antes que pudesse responder qualquer coisa, a porta se abriu fazendo um estardalhaço assim como os três que saíam por ela. Ela e se levantaram.
- , a gente precisa da nossa roupa! – Chris falou sem embaraço algum por estar de boxers na rua, sendo seguido por April e Tony. – Oi, !
- Ah, claro. – Ela respondeu ainda abalada.
Não sabia se tinha entendido certo, mas talvez tivesse escrito uma música para ela.
tirou as roupas dos meninos e lhes entregou, voltando as suas boxers e a camiseta Nine Inch Nails.
- A gente já vai, . – April falou agarrando-se ao seu pescoço. – Oi , tchau, ! – April deu dois beijinhos nas bochechas de enquanto Tony e Chris se vestiam.
Tony beijou a amiga na bochecha e falou no pé de seu ouvido:
- Na próxima vez, você vai tirar a roupa.
- Aprende a jogar então, Tony! - Ela mostrou a língua.
Ele sorriu sinceramente. Era nessas horas que se lembrava de que Tony não era apenas um ser frio e canalha; era também seu amigo e um cara como qualquer outro.
Os três se despediram e se afastaram falando muito alto. Se algum dia você quiser encontrá-los é só seguir o barulho.
- Hum... – murmurou. – Acho que eu também vou.
- Hum... Tudo bem. – Algo a mandava convidá-lo para entrar e algo que ela odiava a mandava se despedir.
acariciou sua testa e ela afundou-se em seu peito, sentindo o garoto abraçá-la, sentindo que faria qualquer coisa por ele, que derreteria as calotas polares e as assistiria inundar o mundo por ele.
Beijaram-se sem vontade alguma de se despedir; era como uma bomba de nêutrons explodindo.
Ele deu um último selinho na menina e afastou-se, andando de costas e ainda a encarando.
- Você é uma perfect drug, sabia? – Ele falou com um sorriso charmoso, deixando-a confusa. Ela só entendeu quando antes de se virar, apontou para sua camiseta.
É claro, Perfect Drug do Nine Inch Nails.

“My blood wants to say hello to you
My feelings want to get inside of you
My soul is so afraid to realize
Every little word is a lack of me
And I want you...”

Ela não podia deixar de ter um pensamento similar; ele era a droga perfeita.

Capítulo 6;

terminava de se ensaboar quando ouviu a música tema de Pokemon, o toque do seu celular, tocar no outro cômodo.
Ignorou. Quem quer que fosse poderia ligar dali a dez minutos ou então deixar um recado. No entanto, segundos depois que a músiquinha parou, ela começou de novo.
A garota reclamou palavras incompreensíveis até para ela mesma e embrulhou-se na toalha.
Essa era a parte ruim de se morar sozinha.
- Que é? – Ela atendeu rudemente ao ver o nome de Chris na tela.
O que ele queria que não poderia espera nem um minutos?
- ! – Ele berrou do outro lado da linha o que apenas fez com que ela ficasse mais brava pelo seu cabelo inundado e pela espuma que restava nele e a pinicava. – Você tem que vir para cá! – Ela ouviu música e gritaria do outro lado da linha. – Festa! – Ele soltou e deu uma gargalhada.
Já devia ter fumado até o sofá da casa dele.
Ela lembrou-se que a mãe de Chris estava para sair de viagem. Isso é basicamente igual a festa em qualquer lugar do mundo.
Qualquer.
- Mas é quarta-feira, Chris!
- E daí? – Ele estava certo, e daí? – Bom, vem logo... – Chris parecia estar fazendo um esforço tremendo para conciliar a sua já iniciada festa com o telefonema. – Só falta você, o e os amigos dele. Vem!
- Estou chegando!
Não era ela quem iria discutir com Chris enquanto ele estava naquele estado.
Desligou o telefone esquecendo do quanto puta estava por ter interrompido seu banho e já pensando em sua roupa.
Ela não via fora da escola desde a última sexta. Ele andava ocupadíssimo com a banda, fazendo shows em pubs decadentes e correndo atrás de produtores.
Enfim, ela precisava estar bonita, não podia estar com aquela aparência escolar, diária e maçante.
Voltou para o chuveiro e lá ficou até sentir-se perfeitamente limpa e dopada pelo vapor da água quente. Se ela não precisasse tanto de uma festa, iria direto para sua cama, dormir até quando seu corpo aderisse ao colchão e tivessem que chamar os bombeiros para retirá-la de lá.
Colocou The Killers para tocar assim que saiu do banho, enrugada como Mrs. Pleydell, sua professora de redação que deveria estar num museu e não numa escola.
Precisava de algo dançante e The Killers sempre a fazia dançar.
Abriu seu guarda roupa e praticamente pescou as peças, já que April havia desarrumado tudo semanas atrás.
Colocou tights pretas, saia xadrez (estilo Burberry, já que o colegial tinha se tornado peça de sex shop graças àqueles pervertidos), camiseta cinza e vintage dos Rolling Stones, jaqueta marrom e bota sem salto também marrom.
Fechou a casa e caminhou os poucos metros que a separavam da casa de . Sabia que ele adoraria a surpresa, e principalmente, adoraria uma festa de quarta-feira e uma perfeita desculpa para faltar na aula do dia seguinte.
Era mais responsável que ela no quesito estudos, mas todos precisam de uma folga de vez em quando.
Reparou no quanto sentia a falta dele e achou aquilo tudo uma loucura por várias razões, mas duas eram as principais: eles se conheciam há pouco tempo e ela o tinha visto naquela manhã, mas tinha sido na escola, e beijo no meio de um corredor com dois mil adolescentes barulhentos não é beijo.
Não que ela não tivesse aproveitado cada segundo.
Bateu na porta da casa mais suja e bagunçada da rua, com o carro mais sujo e bagunçado da rua estacionado em frente e em poucos segundos um garoto atraente com roupas estilosas abriu a porta.
Não era , era , o engraçado.
- Oi, ! – Ele a cumprimentou simpático, mas ao invés de convidá-la para entrar, juntou-se a ela no lado de fora e fechou a porta atrás de si.
- Oi, . – Respondeu confusa com a atitude do garoto.
- Hum... – Ele percebeu sua reação. – Está muito bagunçado, é a semana do fazer a limpeza e ele é um porco imprestável! – fez cara de nojo. – Você não quer ver como está aqui dentro.
Ela se deu por convencida, imaginando como a casa não estaria após uma semana sem faxina.
Era melhor nem pensar.
- O está ai? – Perguntou tirando a imagem do chiqueiro da cabeça e lembrando-se do que a trazia .
- Está sim, quer que eu chame ele?
Hum, seria bom, já que ela estava ali.
- Chama sim, e já aproveito e aviso você, tem festa na casa do Chris agora mesmo, é para todos vocês irem.
Os olhos de brilharam e ele deu um sorriso cativante. O típico cara impossível de não se gostar.
- Nós vamos! E agora eu vou chamar o ! - Falou todo feliz antes de se esgueirar de volta para dentro, fechando a porta na cara dela.
Músicos podem ser tão temperamentais.
sentou-se no degrau de entrada encarando as próprias unhas que precisavam visitar uma manicure e esperou por que apareceu poucos minutos depois.
Estava com a sua bermuda cinza com listras e uma camiseta azul clara com estampa engraçada toda amassada. Sua cara e seu cabelo também pareciam amassados. Ele parecia inteiro amassado.
Ela queria dar uns amassos nele, mas isso não vem ao caso.
- Hei! – Ela se levantou e beijou sua boca.
- Adorei essa surpresa! – sorriu e passou a mão pelos cabelos ainda úmidos da menina.
- Que bom, porque eu tenho outra! - fez uma fofa cara curiosa e aproveitou para fazer ainda mais mistério. – Festa na casa do Chris! Vamos? – Ela completou após alguns segundos.
- Agora? – Ele arregalou os olhos e ela confirmou. – Não posso agora. – Respondeu parecendo chateado. – Estou escrevendo uma música com o .
A garota sentiu toda a animação deixar seu corpo e ser substituída por algo simplesmente gelado que ela não sabia bem o que era, mas não gostava.
- Vocês não podem fazer isso outra hora?
- Não. – Ele respondeu com a expressão triste e passou os dedos por sua bochecha.
- Vocês não podem escrever a música na festa? – Ela tentou brincar para enganar a ele e a si mesma quanto a sua decepção.
- Acho que não. – Ele riu e pousou as mãos em sua cintura. – Mas eu vou mais tarde, assim que terminar, tudo bem?
Nem tudo estava perdido.
- Tudo bem! – respondeu já mais animada.
Um trocado e perfumado abriu a porta assustando o casal.
- Vamos, ? – Ele a chamou já caminhando até o furgão. – Eu te dou carona na bosta motorizada!
“Bosta motorizada”: era assim que eles carinhosamente chamavam o furgão.
pensava que “bosta enferrujada” seria melhor.
- Vamos! – Ela respondeu mas não se moveu.
As mãos de estavam nas suas costas e as dela no peito dele. O garoto aproximou sua cabeça a dela, encostando suas testas. Ela o admirou fechar os olhos e sentiu sua respiração. Trocaram um rápido beijo, já que parecia apressado.
- Não demora muito! – Ela pediu antes de entrar na bosta motorizada.
não parava de rir e falar dos assuntos mais aleatórios e sem sentido. Desde a cerveja indiana que ele tinha experimentado outro dia até uma pinta que ele tinha nas costas.
Ele a fazia rir também.
- E você? – perguntou. – Não escreve música?
Ele a olhou confuso, mas após um segundo exclamou um “ah” de entendimento.
- Escrevo sim, mas eles me proibiram hoje. – riu. – O falou que eu só estava atrapalhando e eles iam procurar um substituto para mim. – Ele fez uma cara engraçada e sorriu.
- O está escrevendo também? Achei que só o e o estivessem escrevendo. – Ela comentou assim que estacionou em frente a casa de Chris.
O garoto respondeu qualquer coisa que ela não escutou enquanto os dois desembarcava, em frente a casa mais suja e bagunçada da cidade.
A casa de Chris que nunca fora arrumada, mas sempre fora “passável”, parecia uma convenção de junkies.
- Nossa, você conhece essa gente? – perguntou meio em choque enquanto os dois pulavam dois corpos largados no chão e entravam nesse lugar fedendo a erva e a cerveja com alguma música eletrônica francesa tocando no mesmo ritmo das luzes instaladas pela sala.
- Não.
- E eu que achava que a festa na sua casa já tinha sido uma loucura.
Pegou na mão do menino e o puxou pela sala, procurando alguma face conhecida, alguma explicação e proteção contra aquela gente.
Ela não fazia idéia do que Chris estava aprontando, só esperava que o amigo não arrumasse problemas.
Chegaram à cozinha e lá encontraram April, Tony e mais algumas caras conhecidas do colégio. Aquele ambiente estava bem menos selvagem que o anterior.
- O que está acontecendo aqui? – perguntou meio pasma aos amigos.
- É simples... – Tony falou com uma latinha de Fosters na mão. – A mãe do Chris viaja e deixa mil libras com o Chris. – Tony enfatizou o nome do amigo, mas já tinha entendido tudo depois de “mil libras”. – Ele resolveu fazer uma pequena reunião, comprou 700 latas de cerveja, um equipamento novo de som e atraiu todos os viciados da cidade para cá. Essa última parte eu realmente não sei como ele conseguiu, provavelmente deve ter ficado amigo de algum traficante.
Aquilo podia ser possível, já que Chris já conhecia a maioria dos traficantes da região e era a pessoa mais sociável do país.
teve que rir porque ela sempre ria das besteiras que Chris fazia.
- E cadê ele? – perguntou enquanto April se encarregava de embebedar ela e , entregando-lhes duas das 700 latas de cerveja.
Tony virou indicando os jardins dos fundos com cara de tédio. Chris girava ao redor de si mesmo, assim como um bando de dopados, no meio do gramado. Tinham instalado caixas de som ali fora também e a música era tão alta quanto do lado de dentro.
- Deixa eu adivinhar, maconha, pílulas e cerveja?
- Isso ai. - April respondeu agarrando-se em Tony.
abriu sua cerveja e foi até o lado de fora.
- Hei, Chris! – Gritou.
- ! – Ele falou alto com os braços abertos ao vê-la. – Que bom que você chegou! Você demorou tanto!
Ele a abraçou e no mesmo segundo ela reparou que ele tinha exagerado em tudo. Fez com que ele se sentasse em uma das espreguiçadeiras e sentou-se ao seu lado, apesar de todos os protestos do amigo. Ele parecia querer tudo ao mesmo tempo, mesmo não sabendo o que queria. Seus olhos estavam excessivamente vermelhos e inchados.
- Que história é essa de chamar esse bando de junkies para a festa, Chris?
- Junkies? – Ele franziu a testa. – Que junkies? – Ele estava pior do que quando eles foram para Amsterdã.
- Os que estão transformando a sua sala num porão dos anos 70!
- Ah! – Ele abriu a boca. – São gente boa! Só gostam de curtir um pouco! Jasmine! – Chris gritou para uma garota que saía da cozinha seguida por um bando de gente. – Que bom que você chegou! Você demorou tanto!
riu já sabendo que no dia seguinte teria que estar ali para ajudá-lo com os estragos causados pela festa, tanto nele quanto na casa.
Esperava que nada fosse roubado e que não houvesse nenhum tipo de assassinato ou crime muito grave.
A garota voltou para a cozinha onde encontrou os amigos fumando numa rodinha. já estava conversando com uma bonita garota de cabelos cacheados que até onde podia ver, estaria na cama com ele dali a alguns minutos.
Não necessariamente na cama, na verdade.
Sentou-se ao lado de Tony e de um garoto loiro de olhos azuis e feições angelicais. Seu amigo lhe passou o baseado, mas ela dispensou e entregou direto para o garoto angelical.
Não sentia vontade de ficar louca. Tinha planos melhores para aquela noite, mas eles ainda não poderiam ser realizados.
Aceitou o copo com whisky e qualquer coisa que April lhe entregou, já que apesar de não querer ficar louca, ela precisava relaxar. Sempre ficava nervosa quando algo grande estava prestes a acontecer.
Ela queria que algo grande acontecesse, e quando ela queria alguma coisa, ela conseguia.
Bem, na maioria das vezes, pelo menos.
Conversava sobre qualquer assunto comum com April quando , e entraram pela porta da cozinha com expressões assustadas e engraçadas no rosto.
- Quem são esses amigos do Chris? – perguntou dando um selindo em e sentando-se entre ela e April.
- Ninguém sabe. – respondeu sentindo o cheiro de banho recente dele, aquela mistura de desodorante, sabonete e perfume.
Agora ele vestia calças jeans e uma camiseta vermelha escrito Coca Cola, ou melhor, death.
e a cumprimentaram e se juntaram ao grupo, que logo se desfez, já que o garoto angelical estava em plena bad trip; um pessoal da escola conversava sobre um pessoal da escola; Tony e April discutiam por qualquer motivo idiota; , e se ocupavam garantindo uma garota e e não tiravam as mãos e as bocas um do outro.
Só tiraram quando abriu uma latinha de cerveja, que provavelmente tinha sido arremessada no chão por algum infame, e ela agiu como um chafariz bem em cima da cheirosa camiseta vermelha de .
- Puta que pariu! – Ela xingou levantando-se rápido para tentar conter os estragos. também se levantou, estava fedendo a cerveja agora. – Desculpa, . – falou tentando limpá-lo com um pano de prato que surgira em sua mão.
- Tudo bem, , relaxa. – Ele respondeu parecendo não ter ligado para o incidente.
- Vamos lá em cima pegar uma camiseta do Chris. – Ela falou puxando-o pela mão.
Saíram da cozinha e passaram por aquele hospício que tinha se transformado a sala de estar da Sra. Miles. subiu aquelas escadas que eram tão familiares quanto as escadas da sua própria casa. Os quadros embolorados com gravuras de um velho Greenwich, o carpete rosa.
O andar de cima estava intacto, os junkies deviam estar tão chapados que não se deram conta da existência desses calmos cômodos a alguns metros deles.
caminhou até a última porta do corredor que escondia um quarto com cheiro de maconha e desodorante masculino. Uma luminária com uma gosma roxa flutuando dentro dela iluminava precariamente o quarto que tinha uma cama com um edredon vermelho amarrotado por cima, uma escrivaninha com um lap top Mac e aquários apoiados. Muitos aquários. Chris não gostava apenas de pílulas e outros entorpecentes, ele também amava seus peixes, que eram os mais loucos pois ele jogava restos de baseado nos aquários.
Aqueles peixinhos dourados tinham histórias para contar.
entrou no banheiro e passou água na própria camiseta enquanto pescava roupas novamente. Seu armário era impecável perto do de Chris. Tirou de lá essa camiseta branca dos Maccabees e a levou até o banheiro.
fazia tudo errado e estava se molhando mais do que se limpando.
Automaticamente, fechou a torneira e tirou a camiseta do garoto que entendeu errado sua intenção de limpar a peça de roupa.
Aquele pequeno mal entendido poderia ser proveitoso.
aproximou-se da menina, prendendo-a entre suas pernas e a pia. Ela deixou a camiseta cair no chão e entrelaçou as pernas em sua cintura enquanto suas mãos pressionavam sua cintura e suas línguas se pressionavam.
Ela sempre conseguia o que queria.
As mãos de tiraram sua jaqueta e depois passearam por dentro de sua camiseta, as suas passeavam pelo seu peito e desciam até seu cinto. Ele a carregou até a cama fofa com o cheiro de Chris e aquilo incomodou a garota, mas ela tentou ignorar aquelas lembranças.
tirou sua blusa e beijou sua barriga até chegar ao seu pescoço, dando-lhe agradáveis calafrios.
- Eu quero muito isso. – Ele falou baixinho perto de seu ouvido.
- Eu também.
O cinto e a calça de foram rapidamente retirados; as mãos dele tentavam abrir o zíper da saia, que só saiu quando mesma a tirou. puxou suas tights e ela pensou que elas poderiam rasgar e nem ligou.
Ele tinha acabado de abrir seu sutiã quando a porta se abriu deixando luz e barulho entrar. Os dois se cobriram rapidamente, vendo Tony e uma garota que não era April entrarem se beijando famintamente.
- Tony! – gritou mais chocada com o fato dele ser cara de pau ao ponto de trair a namorada com a mesma na casa do que com o fato de ter sido interrompida naquele momento supostamente perfeito.
Ele largou a garota que usava essa roupa de vadia rica e nem ao menos pareceu preocupado por ter sido pego.
- Desculpe, não sabia que estava ocupado. – Falou antes de sair.
ficou boquiaberta por alguns segundos, mas embrulhou-se no lençol laranja da cama de Chris e saiu atrás do menino em busca de satisfações.
O corredor estava lotado de gente e ela viu Tony e a menina se agarrando no fim dele.
- Dá licença. – Ela falou afastando Tony da morena.
- Que foi? Ficou com ciúmes? – Ele a provocou.
- Tony! A April está lá embaixo! – Ela falou ignorando a última pergunta. Tony não respondeu nada, apenas olhou para o nada. – Por que você tem que fazer isso? – Ela sentia-se irada. E poderia dar um murro em sua cara se suas mãos não estivessem ocupadas prendendo o lençol ao seu corpo. – Por que você tem que pegar todas as meninas que você vê pela frente? Se você precisa disso, por que você não termina com ela?
- Eu não termino com ela porque ela me ama e não consegue viver sem mim e eu pego todas as meninas que passam pela minha frente porque a que eu realmente quero pegar está na minha frente, mas eu não posso pegar!
- Você só me quer porque eu sou sua melhor amiga e melhor amiga da sua namorada, Tony! Assim você pode manter a sua fama de quem consegue qualquer uma!
- É por isso mesmo, mas também é porque você é gostosa.
Ele a secou de cima a baixo e depois desceu as escadas com as mãos nos bolsos a procura de uma nova garota para comer.
Tony não prestava, não prestava mesmo. Ela não se conformava.
Voltou para o quarto e bateu a porta. estava sentado na cama, esperando por ela e o que ela mais queria era estar querendo ele como estava há alguns minutos atrás, mas o ocorrido com Tony tinha tirado sua cabeça do lugar.
- O Tony é um filho da puta! – Ela desabafou e deitou-se ao lado do menino.
- Eu sei. – segurou sua mão e depois beijou seus lábios levemente antes de se levantar e começar a se vestir.
Ela nem sempre conseguia tudo o que queria.

Capítulo 7;

acordou ainda embrulhada no lençóis laranjas, mas deitada ao lado de Chris. Ele não acordaria tão cedo.
Vestiu suas roupas e caminhou até o banheiro, mas saiu de lá rapidamente ao ver um cara que ela nunca tinha visto na vida dormindo na banheira.
Passou pelo corredor já consertando os primeiros estragos: quadros, garrafas e latas no chão. Pendurou os quadros nas paredes e juntou o lixo, levando-o para baixo.
Uma parte do corrimão estava quebrada e e pareciam tentar colá-la sabe-se lá com que tipo de cola. Ela não tinha conhecimento de cola nenhuma que colasse um desastre daqueles.
- Bom dia! – Ela falou chamando a atenção dos garotos.
sorriu feliz e largou segurando a cola e os restos de madeira para lhe dar um beijo.
- Bom dia! – respondeu beijando-a mais uma vez e fitando-a como se fosse a primeira vez.
- Está bom, ! Você já deu bom dia para ela, vem me ajudar! – reclamou quase colando ele mesmo a escada. – Bom dia, ! – Ele falou num tom bem mais doce.
- Bom dia, ! – Ela respondeu ainda sem tirar os olhos dos de .
Era como se só o que ela soubesse fazer fosse encarar aqueles olhos.
voltou a ajudar o amigo e se juntou a April, e na outra sala. Eles tentavam limpar uma parede que tinha sido pichada.
Pois é.
Eles esfregavam a parede que costumava ser branca com esfregões e esponjas, mas só o que conseguiam era espalhar mais a sujeira.
- Como deixaram isso acontecer?
- O Chris falou que era arte. – April respondeu largando seu esfregão e sentando-se no chão. Parecia exausta.
tentava olhar a “obra de arte” por todos os ângulos possíveis, mas de maneira alguma imaginava aquele “fuck” numa letra distorcida arte.
- Faz quanto tempo que vocês estão tentando tirar isso?
- Acho que uma hora. – respondeu enquanto limpava e dançava com os fones do ipod nos ouvidos.
- O que mais tem de quebrado?
- Além do ar? – April perguntou já sem paciência para nada. respirou fundo e sentiu aquele cheiro de maconha misturado com cheiro de gente. Horrível. – Derrubaram várias coisas no sofá... – Ela apontou um sofá bege com manchas marrons. – O Chris se pendurou no lustre... – olhou para onde costumava ficar o lustre, mas só viu seus restos no chão. – Acho que só, o resto é só sujeira mesmo.
arrumou um saco de lixo e começou a recolher todo tipo de lixo que havia na sala. Era muito. Em pouco tempo o saco estava transbordando. Carregou-o até a lixeira no jardim atrás da casa, dando de cara com Tony consertando as espreguiçadeiras da mãe de Chris.
Desviou seu olhar pois não tinha vontade de falar com ele e nem mesmo vê-lo.
- . – Ele largou tudo e se levantou quando ela já voltava para dentro. – A gente pode conversar? – Ela fechou os olhos e colocou a mão na cabeça.
Era melhor resolver aquilo logo.
- Que foi, Tony? – Perguntou cruzando os braços e fechando a cara.
- Eu queria me desculpar por ontem. – Até quando pedia desculpas ele era arrogante. – Eu não estava sóbrio e não devia ter te falado aquelas coisas. – O garoto olhou para o lado. – Porque mais importante do que a vontade que eu tenho de te agarrar é ter você como amiga.
não conseguiu conter a risada, já que o sempre confiante Tony parecia extremamente desconfortável.
- Esquece essa história de agarrar, tudo bem? – Ela perguntou juntando suas mãos. – Eu ou qualquer outra garota que não seja a sua namorada.
Ele balançou a cabeça afirmativamente, mas tinha a impressão de que Tony não mudaria nunca.
- Quer me ajudar? – Ele perguntou apontando para as espreguiçadeiras de madeira desmontadas.
- Claro.
Depois que eles deixaram a casa de Chris mais habitável, expulsaram o cara da banheira e cada um foi para sua casa. Estavam todos exaustos por causa da festa e dos trabalhos forçados de restauração.
tinha ido embora mais cedo ainda porque precisava levar um cd demo para uma gravadora no centro da cidade.
abriu a porta de sua casa sentindo-se mal e culpada porque tinha esquecido de alimentar Nell no dia anterior. A cadela veio correndo até ela, como sempre.
- Desculpa, Nell! – Ela falou acariciando a cocker e correu para a cozinha atribuindo porções extras de ração ao prato amarelo de Nell.
Tomou um pavoroso iogurte de nozes que ela jogou no lixo antes da metade por ser absolutamente nojento.
Quem tinha comprado aquela merda?
Subiu as escadas com o corpo cansado e dolorido e antes mesmo que pudesse pensar sobre os últimos acontecimentos, encontrou sua cama e apagou.
O sol ainda estava forte quando acordou ouvindo o barulho de alguém batendo na porta. Espreguiçou-se com preguiça (por mais redundante que isso possa soar) torcendo para que o barulho fosse apenas um sonho ou então a televisão.
Não era nenhum dos dois.
Viu Chris pelo vidro da porta.
- Oi! – Ela falou feliz ao abrir a porta e encontrá-lo acordado e não dopado. Reparou que ele usava sua imensa mochila comprada para uma eventual viagem como mochileiro pela América Central. Tinha uma cara péssima. – Está tudo bem, Chris?
- Posso passar um tempo aqui na sua casa? – Ele perguntou e ela se deu conta de que ele estava totalmente diferente do Chris que ela conhecia.
Estava sóbrio, limpo, talvez com um pouco de ressaca.
- Claro. – Ela falou abrindo espaço para que ele entrasse e imaginado se sua mãe tinha chegado de surpresa e ficado brava demais por causa da nova decoração da parede da sala. Junto com o lustre e o corrimão, era o que eles não tinham conseguido consertar.
Chris soltou a mochila no chão e reparou nas garrafas lotadas de peixes em suas abas.
Ele sentou-se no sofá e apoiou o rosto nas mãos.
sentou-se na mesinha de centro, ficando em frente ao menino. Não sabia o que fazer. Não sabia como agir com um Chris que não estava absolutamente alegre ou chapado.
- Eu não fui totalmente honesto com vocês. – Ele falou olhando-a nos olhos. Seu cabelo estava penteado para o lado e não para cima, como normalmente. pegou nas mãos dele. – A minha mãe não foi viajar, ela foi embora.
- Como assim? Ela foi embora? Para onde ela foi?
- Não sei. – Ele parecia perturbado. – Acordei ontem e achei o dinheiro dentro de um envelope que simplesmente dizia que ela voltava daqui a algumas semanas, mas depois eu fui até o quarto dela e estava tudo vazio. Gavetas, armários... tudo.
abraçou o amigo sem acreditar que a mãe dele pudesse ter feito aquilo.
Ela sempre teve seus problemas, principalmente com a bebida, e nunca tinha sido a melhor das mães; não ligava muito para o fato de seu filho ter se transformado em um dependente de pílulas para esquecer sua ausência durante toda a sua vida.
- O que você vai fazer agora? – Ela estava aflita. Aflita porque Chris estava sozinho no mundo. – Sem pai, sem mãe.
Ela falou sem pensar e se arrependeu na mesma hora. Chris não precisava de ninguém para lembrá-lo daquilo.
Os pais de estavam no Peru, mas ela falava com eles diariamente e sabia que se algo desse errado, poderia recorrer a eles. Chris estava numa situação totalmente diferente.
- Desculpa.
- Eu tenho pai. - Os olhos de se arregalaram. Desde que ela conhecia Chris, ela sabia que era apenas ele e sua mãe. Seu pai nunca tinha sido citado, nem nenhum outro membro da família. – Ele foi embora quando a minha mãe começou a beber.
Ela abraçou Chris que estava prestes a desabar em sua frente.
- Você sabe onde ele está?
- Ele mora perto de Canary Wharf.
- Então a gente tem que ir falar com ele.
- Não acho que seja uma boa idéia. – Ele piscou e olhou para o chão. – Bom, eu só queria sair de casa por alguns tempos.
ajudou Chris a se instalar no quarto de hóspedes, arrumando aquários improvisados com refratários de cozinha para os peixes e pendurando um pôster dos Maccabees na parede acima da cama dele. Ela até lhe deu uma de suas ovelhinhas de pelúcia, como uma espécie de presente de boas vindas.
Ele estava quieto, não só por não estar falando mais do que monossílabos, mas também por que seu corpo estava quieto. Toda a agitação e energia de sobra que ele sempre teve tinham sumido. não sabia se era por causa da partida de sua mãe, da ausência de drogas ou uma mistura dos dois.
Uma hora depois eles estavam em frente a essa casa com o jardim impecável, a pintura impecável, numa rua impecável.
Era a casa do pai de Chris.
- Acho que a gente deveria ir embora. – Chris falou apreensivo, suas mãos estavam no bolso e seus pés balançavam seu corpo para frente e para trás.
tocou a campainha ignorando o amigo. Os dois sabiam que precisavam tentar.
Uma mulher loira de meia idade abriu a porta com um pano de prato na mão. A primeira pessoa que viu foi e não a reconheceu, mas depois seus olhos pousaram em Chris.
- Own, Chris! – Ela se surpreendeu, mas parecia feliz. Aquilo era um bom começo. – Que surpresa!
Chris olhava para o chão; parecia mais problemático do que nunca.
- Oi! – estendeu sua mão a mulher. – Eu sou , amiga do Chris!
- Prazer, eu sou Katherine, madrasta do Chris.
- Meu pai está ai? – Chris finalmente falou.
- Ele está no trabalho, mas deve chegar logo. Vocês não querem entrar?
- Não, a gente volta mais tarde.
- Tudo bem, a gente espera! – falou já entrando na casa e puxando Chris pela mão.
Katherine os levou até uma sala decorada com móveis clássicos que poderia fazer parte de um livro da Agatha Christie.
Um bebê dormia dentro de um carrinho com aparência aconchegante e se deu conta de que o pai de Chris tinha recomeçado a vida do zero com a nova esposa. Além disso, tinha enterrado a antiga vida.
e Chris sentaram-se num sofá não tão confortável quanto o carrinho do bebê e a madrasta sentou-se em uma poltrona ao lado deles.
- Como está a sua mãe, Chris?
- Ótima. – Ele respondeu e o encarou.
- Mande lembranças a ela.
Chris concordou com a cabeça.
Suas pernas tornaram-se agitadas.
O barulho de chaves e da fechadura cortou o silêncio e Katherine correu até o corredor de entrada, fechando a porta da sala.
deu a mão para Chris que encarava o chão.
- O Chris está aqui. – Ouviram a voz abafada da mulher.
- Mande ele embora! – Uma voz de homem esbravejou.
- Rob! Ele é o seu filho! – Katherine levantou a voz e Chris apertou a mão da amiga que sentia que poderia desmaiar.
- Ele é louco igual a mãe dele! Não quero ele aqui! Vou tomar banho e quando voltar, quero ele fora daqui!
Fortes passadas subiram os degraus da escada e Katherine voltou a sala.
- Chris, seu pai tem que fazer umas ligações, por que você não volta outro dia?
- Não se preocupe.
Chris se levantou rapidamente e saiu da casa como uma bala. correu atrás dele.
- Chris, é de dinheiro que você precisa? – A mulher gritou, mas Chris já estava correndo, na altura da outra esquina, e tentava acompanhar seu passo.
- Chris! – Ela gritava pelo garoto que só corria mais rápido.
Passaram por essas espécies de atalhos por trás de lojas e fábricas.
Chris estava cada vez mais distante. sentia suas pernas se negarem a obedecer o comando “corra” que seu cérebro as enviava; estava sem fôlego, mas não poderia perder Chris.
Ele finalmente parou perto de alguma ponte antiga e pouco utilizada do rio. demorou alguns segundos para sentar ao seu lado e simplesmente observá-lo, já que não sabia mais o que poderia fazer.
Chris procurou por algo em seu bolso e tirou de lá um baseado e um isqueiro preto de aço que ele sempre falava ser seu isqueiro da sorte.
Não parecia estar trazendo tanta sorte naquele momento.
Deu uma longa tragada e fechou os olhos; passou o baseado para amiga que apenas o segurou porque alguém tinha que estar sóbrio naquele momento; devolveu-o para Chris que deu mais uma tragada e depois o jogou longe.
- Isso está uma merda! E isso também! – Ele falou jogando o isqueiro no Tâmisa.
aproximou-se e o abraçou, o abraçou como se conseguisse que parte da tristeza dele passasse para ela e parte da força dela passasse para ele. Lágrimas explodiram dos olhos de Chris que já estavam vermelhos por causa dos excessos da noite anterior e ficaram praticamente irreconhecíveis.
Chris se acalmou algum tempo depois. Continuava quieto.
- Vamos para casa, Chris. – falou acariciando sua cabeça e dando um beijo em sua testa.

Capítulo 8;

- Eu sei, mãe. – falou pelo que parecia ser a enésima vez. – Mãe! Você está se preocupando à toa! Eu tenho 17 anos de idade, eu sei que tenho que fechar a casa toda noite!
A garota virou os olhos imaginando o que ela tinha feito de tão errado para merecer aquilo. Talvez roubado doce de cegos ou então tirado leite de filhotinhos de gatos.
- Eu sei a sua idade, , mas também sei que você é uma cabeça de vento que gosta demais de destilados!
Mães que jogam na cara de suas filhas que elas são cachaceiras devem ser consideradas cruéis, no mínimo.
- Que mentira, mãe! Eu só bebo no limite do saudável.
- Me engana que eu gosto, filha, lembro muito bem da noite que um Chris trêbado te largou mais trêbada ainda ai em frente de casa.
se lembrava daquela noite. Bem, ela não se lembrava, mas tinham contado a ela o que tinha se passado.
Todos foram a festa de sabe-se lá quem e ela começou a tomar aquela bebida coreana que ela não lembrava o nome de estômago vazio. Tinham pegado dois táxis para voltar para casa (ninguém conseguiu explicar o porquê de dois) e ela tinha vomitado em um e Chris no outro. Hum, talvez eles tivessem sido expulsos do primeiro graças ao vômito. A mãe de teve que dar banho nela e arrastar Chris para o sofá da sala, já que ele tinha adormecido no jardim da frente com a cabeça no canteiro de begônias.
amava o fato dos pais dela terem sido hippies bêbados e maconheiros nos anos 70. Isso fazia deles pais bem mais compreensivos do que os outros. Tanto que eles não se importavam muito com as singelas aventuras adolescentes da filha.
- Aquele dia foi uma exceção, mãe.
Mentira, já que ela sempre bebia até cair, só tinha a sorte de não vomitar e passar mal, ela apenas caia desmaiada em algum lugar depois de já ter perdido a memória.
Bem, no caso do táxi ela tinha vomitado, mas como ela mesma já tinha declarado, fora uma exceção.
Mas aquela era sua rotina de final de semana e ela continuava viva.
Além do que, ela não seria jovem e sem responsabilidades para sempre.
- Bem, juízo, filha. Eu e seu pai não queremos que você passe dos limites.
- Deixa eu falar com ela, Louise. – ouviu a voz de seu pai no outro lado da linha. – Oi, filha!
- Oi, pai! Como está ai?
- Ótimo! Ótimo! – Ele respondeu todo animado. – Ontem nós descobrimos uma nova passagem em uma das pirâmides, fenomenal, filha! Semana que vem, a National Geographic vem aqui nos entrevistar e... – Ele tossiu. – Mas não mude de assunto, ! Sua mãe está certa, você anda fechando a casa todas as noites?
soltou uma espécie de grunhido.
- Sim, pai, não se preocupe.
ouviu alguém falando em espanhol do outro lado da linha.
- Tenho que ir, filha, fala com a sua mãe.
- , eu recebi suas notas por e-mail. – Fodeu, pensou. – Como você pode ter tirado uma nota tão baixa de história, ! História! Você sabe que eu até gosto de ver as suas notas praticamente negativas em matérias que envolvem números e enzimas, já que eu sei que você não tem esses genes aptos a lidarem com números. – Sua mãe falava rápido demais e ela já até podia imaginar suas bochechas vermelhas por falar ao invés de respirar. - História, !
- Eu sei, mãe, desculpa.
A prova de história tinha sido no dia seguinte a festança na casa de Chris. Com tudo o que tinha acontecido, ela tinha se esquecido totalmente.
Os alunos geralmente podem fazer provas substitutivas, mas sua ficha estava suja demais para que lhe dessem uma segunda chance.
Um absurdo completo, afinal o princípio básico de toda a justiça ocidental moderna é de que todos são iguais perante a lei.
Palhaçada.
- Eu realmente espero que você repense a sua vida, antes que eu te arraste até o Peru para poder ficar com os meus olhos em você.
Ó, não, tudo menos Peru. Quem em sã consciência troca o centro do mundo por um descampado com pirâmides que nem egípcias são?
Os pais de , mas eles eram historiadores e ela nunca os considerou normais. Bem, não desde que eles começaram a praticar esgrima pois segundo eles era o esporte mais histórico que existia.
A inteligência é uma sina.
- Não se preocupe, mãe. Eu só preciso fazer uns trabalhinhos para recuperar as minhas notas.
Assim que ela passara de ano desde que se conhecia por gente. Não fazia nada durante todo o ano e depois, fazia trabalhinhos.
Copiava da internet ou comprava de algum aluno bom.
Meio de vida.
Não há nada melhor.
- Bom mesmo. Como está o Chris?
- Arrumou um emprego, hoje é o primeiro dia dele.
- Verdade? Ah!!! Que ótimo.
A mãe de sempre teve verdadeira adoração por Chris, apesar das noites de bebedeira, das drogas e todo o pacote que você ganha quando sua filha namora ou é amiga dele.
- Também acho, e ele estava animado.
Chris tinha arrumado um emprego na David and Goliath de Covent Garden e ele parecia realmente animado quando saiu de casa naquela manhã. David and Goliath era sua loja favorita e parecia certo que trabalhar lá seria uma constante festa, já que toda a equipe da loja não passava dos vinte anos de idade e passava o dia escutando bandas como Muse ou a última banda hype da Áustria nas caixas de som da loja.
O garoto tinha decidido trabalhar depois que se deu conta de que tinha gastado todas as mil libras deixadas por sua mãe em bebidas, drogas e em um equipamento de som (que já estava quebrado), e depois que teve certeza de que não poderia contar com o ordinário do seu pai.
- Acho tão bom que ele esteja morando ai com você...
- Mãe! Você sabe que eu estou com o !
- Não estou falando isso, filha! Eu sei que você está com esse garoto, e também sei que é bom ter alguém para tomar conta de você.
- O Chris? Mãe, eu que tenho que alimentar os peixes dele porque ele esquece! Ele não toma conta de nada!
- Claro que toma e ele é um bom menino que teve o azar de ter uma mãe como aquela.
suspirou e se sentou no balcão da cozinha. Olhou para a geladeira ao seu lado e viu a foto dela, de sua mãe e de seu pai. Estavam naquele restaurante em Chinatown onde eles costumavam jantar todos os domingos. Uma saudade imensa bateu nela e ela se sentiu com três anos de idade novamente, no primeiro dia de aula e sozinha no mundo.
- Estou com muitas saudades, mãe.
- Nem me fale, querida. Não se passa uma hora sem que eu pense em você e no que você está fazendo, se você está bem...
- Quando vocês vêm?
- Dentro de um mês ou dois.
- É muito tempo.
- É sim, mas enquanto isso, toma jeito na escola e se divirta com os seus amigos.
- Está bem, mãe.
- Eu tenho que ir, filha. Seu pai já foi para as escavações e deve estar precisando de mim.
- Ok, descubra alguma coisa bem importante e ganhe o prêmio Nobel.
- Pode deixar, te amo, filhinha.
- Eu também, mãe.
- Juízo, por favor.
ouviu o barulho do telefone no outro lado do mundo ser colocado no gancho e desligou o próprio celular.
O outro lado do mundo parecia tão longe quanto o outro lado do universo.
Olhou novamente para a foto sentindo o coração mais apertado do que nunca.
- Vem, ! – April gritou da sala e a garota decidiu que era melhor parar de sentir saudades.
Era um sábado, mas um sábado calmo.
, , e ensaiavam; Tony tinha algum compromisso familiar que nem com toda a sua astúcia e cara de pau conseguiu escapar e Chris estava trabalhando.
Assim, restavam April e para passar um tranqüilo sábado do jeito que elas adoravam passar tranqüilos sábados: assistindo filmes do Keanu Reeves.
Quem pode culpá-las?
- Qual filme a gente vai assistir primeiro? – April perguntou sentada no sofá da sala de televisão de .
- Eu voto em Doce Novembro. – pegou a caixinha do dvd e a mostrou a amiga, fez cara de quem implora.
- A gente pode assistir Doce Novembro, mas acho que a gente poderia fazer por ordem cronológica: Matrix, Virando o Jogo, Doce Novembro e A Casa do Lago.
- Seu namorado não vem te ver hoje? – April perguntou no exato momento que os pensamentos de vagavam por (coisa que vinha ocorrendo bastante ultimamente).
- Ele não é meu namorado.
Infelizmente.
April virou os olhos.
- Vocês passam todo o tempo livre dele juntos, já é como se fossem... – A garota concluiu como se fosse óbvio e como se ela mesma, por experiência própria, não soubesse de todas as intrínsecas variações envolvidas na formação de um relacionamento adolescente.
É pior do que a formação de um relacionamento político na Faixa de Gaza.
- Não sei. – suspirou. – Às vezes, eu sinto ele muito próximo, sinto que nós estamos realmente querendo a mesma coisa... – Ela desabafou algo que ela ainda não tinha desabafado nem mesmo a ela mesma. Algo que fazia ela mesma se enganar para não ter que encarar. – Mas, às vezes, é como se eu fosse apenas mais uma figurante na vida dele e eu não considero ele apenas um figurante na minha vida, entende?
Olhou para April esperando uma resposta que a acalmasse.
- Eu acho que ele está de quatro. – April opinou colocando o dvd de Matrix no aparelho e realmente acalmou a amiga que sorriu.
- Não, nós ainda nem dormimos juntos. – falou enquanto cobria-se com a manta do sofá e ainda sorria um pouco.
- E é por isso que ele está de quatro.
- Ah, ótimo, então! Assim que eu der para ele, ele me troca pela primeira biscate que aparecer.
- Não foi isso que eu disse! – April sentou-se ao seu lado e se enroscou na manta. – Estou falando que vocês estão demorando tanto porque não querem que seja apenas mais uma...
Nenhuma das garotas falou mais nada. Estavam ocupadas pensando como queriam que homens e mulheres falassem a mesma linguagem ou pelo menos, conseguissem se comunicar, mesmo que fosse através de interpretes, dicionários e etc. Tudo seria tão mais fácil se eles simplesmente se comunicassem.
O dvd estava parado no menu, mas nenhuma das garotas tinha reparado nisso.
- April. – falou sem confiança para continuar, nem sabia o que perguntaria.
- O quê?
As duas olhavam para a frente, sem encarar nada em específico.
- Por que você continua com o Tony? - April encarou a amiga, claramente perturbada pela pergunta. Elas nunca tinham falado sobre isso, não diretamente. Nesse quesito, preferiu ser uma amiga omissa do que confrontar April, mas aquele parecia o momento ideal para passar aquele assunto a limpo. – Quer dizer, você não fica magoada com tudo o que ele faz? - completou.
A amiga respirou fundo.
- Não sei. – Ela apertava a caixa do dvd nas mãos. – Bem, desde antes da começar a namorar ele, eu sabia que ele era assim. Considerei que o fato de ter conseguido que ele me pedisse em namoro e se comprometesse, por mais que não cumprisse, a ficar só comigo, já era uma vitória. E eu não sou cega nem surda e eu sei o que acontece, mas eu amo tanto ele que eu prefiro ignorar essas coisas e ter ele por perto do que afastar o Tony para sempre.
não sabia que o que a amiga sentia pelo namorado era algo tão forte. Sabia que ela o amava, mas não sabia desse nível de dependência e comprometimento.
Duas grossas lágrimas escorreram pelos olhos de April e a abraçou.
Não tinha certeza se queria um amor como aquele. Aquilo parecia mais maléfico do que qualquer outra coisa.
A melhor coisa a se fazer era se deliciar com algumas horas de Keanu e comentar em qual filme seu cabelo está melhor (Matrix para ; Doce Novembro para April); em qual filme seu personagem é mais fofo (Doce Novembro para ; Virando o Jogo para April); em qual filme choravam mais (Doce Novembro para ; A casa do Lago para April) e em qual filme suspiravam mais (Doce Novembro foi unanimidade).

Capítulo 9;

O lugar estava cheio e o ar parecia carregado de histeria bêbada. Era de se imaginar que os amigos da banda teriam direito a uma mesa só deles durante o show, mas em vez disso, estava sentada com Chris e uns caras que se achavam parte do Klaxons por usarem roupas com cores horríveis; April e Tony estavam em outra mesa a alguns metros deles, acompanhados por um casal americano em lua de mel. O marido olhava para o decote de April e Tony olhava o decote da recém casada; e, enquanto isso, seus amigos tocavam aquela mistura de early Beatles com Blink-182 no palco de um pub que por algum motivo estava encravado em China Town.
A energia contagiante da banda fazia com que a garota não se importasse com os pseudo-klaxons e sentisse um delicioso terrível arrepio no estômago ao olhar para em cima do palco. Ela riu sozinha pois se sentia feliz. Muito feliz. Ele tinha nascido para aquilo e fazia com que a garota ao lado dos meninos neons se sentisse como uma groupie profissional. Sentia-se muito feliz.
Qualquer cara é sexy em cima de um palco. Bem, quase qualquer um. Mas com certeza estava com a maioria. Ele sabia como se movimentar, sabia como tratar o público, no entanto, não parecia algo ensaiado, era simplesmente natural, espontâneo e nato.
As pessoas se movimentavam numa tentativa de dançar, mas não tinham sucesso pois o lugar estava atulhado e a música estava mais para chill do que para dance.
e Chris acompanhavam o ritmo segurando suas canecas de Stella Artois. Sentiam-se muito felizes.
Os garotos desceram do placo sob aplausos, tapinhas nas costas e desocupadas decotadas. A música ao vivo foi substituída por músicas moderninhas tocadas por bandas moderninhas que faziam os moderninhos dançarem.
Ela viu tentando ultrapassar a multidão e chegar até ela. A camisa de xadrez miúdo e cinza que deixava seu olho parecendo um mar ressacado e cinza.
- ! – April encostou a mão em seu ombro e ela desviou o olhar do garoto. – Vem cá! – Ela a puxou pelo ombro, fazendo a amiga se levantar.
Estava elétrica; parecia que April tinha tomado um dos comprimidinhos que Chris costumava consumir.
Chris não tinha tomado nada desde que sua mãe o deixara. achou que ele se viciaria de vez após a decepção, mas foi o contrário. O garoto tinha se visto sozinho e dependente apenas dele mesmo. Não poderia contar com sua mãe ou com seu pai e, ironicamente, precisaria ser uma pessoa limpa se quisesse aproveitar a vida.
Claro que sua limpeza não incluía coisas mais naturais como a maconha que ele e tinham fumado antes de sair de casa.
Afinal, ele precisava aproveitar a vida.
April puxou pela mão em direção a porta.
- Que foi, April? – Ela perguntou não entendendo o comportamento da amiga.
- ! – a chamou esticando o pescoço e os pés. Parecia não entender o porquê dela estar saindo.
Ela também não entendia.
Fez sinal de que estava tão confusa quanto e se viu do lado de fora do pub.
A noite gelada fazia ela se arrepender de ter escolhido uma saia e não uma calça.
Estava cercada por restaurantes asiáticos de onde saiam pessoas empanturradas por crispie duck.
April enrolou o cabelo cacheado num coque que sustentou-se por apenas poucos segundos.
- Eu acho que estou grávida. – A garota falou.
arregalou os olhos e descartou a possibilidade de April estar viciada por remédios de tarja preta.
Ela não sentia-se mais feliz.
- Puta que pariu.
se arrependeu pelo pouco apoio que estava prestando à amiga. Não que ela não quisesse, mas estava chocada demais para demonstrar algo que não fosse surpresa e uma certa angústia.
April começou a caminhar com os braços cruzados para se proteger do frio. correu até ela e entrelaçou seu braço ao da amiga.
- A gente vai dar um jeito.
A menina apertou seu braço com mais força e teve vontade de saber como ajudá-la de uma maneira melhor do que falando palavrões.
April ficou na porta de uma Boots enquanto procurava por um teste de gravidez. Eles ficavam na prateleira ao lado das camisinhas.
Irônico, sarcástico, cruel.
Havia diversas marcas e ela não sabia qual escolher. Não era como se ela já tivesse feito aquilo antes. Olhou ao redor, mas não reconheceu nenhuma solidariedade nos rostos que compravam aspirinas ou organizavam embalagens de xampú nas prateleiras.
Escolheu o mais caro. Os melhores vinhos eram os mais antigos e os mais caros. Ela não poderia escolher um teste de gravides velho, mas podia escolher um caro.
Olhou para a amiga roendo as unhas que em dias normais eram perfeitamente manicuradas e entregou a caixinha para a senhora do caixa que a olhou com pena, imaginando que era mais uma adolescente perdendo sua vida.
- Quando você quer fazer? – perguntou assim que se aproximou de April.
- O mais rápido possível.
Ela olhava para a sacolinha na mão da amiga como se ali estivesse a sua sentença de morte.
- Certo, onde?
- Vamos voltar para o pub. – Ela respondeu.
- O Tony já sabe?
- Não! – April a olhou com os olhos arregalados e assustados. – Você pode imaginar o quanto ele não vai pirar quando souber?
Sim, ela podia. Seria uma série de comentários sarcásticos, sorrisos irônicos e uma noite de bebedeira e etc no fim.
O calor do pub fez com que as meninas voltassem a sentir suas pernas.
O lugar tinha se esvaziado e passado de super ocupado a apenas cheio.
Nem olharam para a mesa onde os garotos estavam, desceram as escadas de madeira com paredes também de madeira forrada por cartazes de musicais.
As duas garotas entraram no banheiro e tirou a caixa da sacola com todo o cuidado, como se estivesse carregando algo explosivo. A respiração de April era alta e rápida.
As instruções no verso da bomba foram lidas com atenção; duas vezes.
abriu a caixa e tirou essa espécie de vareta de plástico lá de dentro; entregou-a a amiga. Ela não poderia ajudar naquela parte. April olhou para ela com os olhos amedrontados e ansiosos.
Um minuto depois, April saiu do reservado com a varetinha na mão.
- Quanto tempo? – Ela perguntou encostando-se ao lado da amiga na pia.
- Três minutos.
marcou a hora no relógio. As duas garotas ficaram em silêncio. A batida de seus corações coincidia com o movimento do ponteiro dos segundos do relógio e com a gota que vazava da torneira. Elas provavelmente enlouqueceriam ou teriam um esgotamento mental se tivessem que passar um minuto a mais naquela situação.
Ambas evitavam olhar para aquele pequenino pedaço de plástico que carregava o futuro de uma delas.
- Agora. – falou assim que aqueles infinitos 180 segundos chegaram ao fim.
April segurou em sua mão.
- Azul. – Ela falou.
Um suspiro de alívio saiu do corpo de .
- Você não está grávida!
Um suspiro de alívio saiu do corpo de April. Mais profundo e relaxado que o da amiga.
- Certeza?
- Certeza.
As duas meninas se abraçaram pois de um segundo para o outro, sentiram que não se manteriam em pé se não tivessem um apoio. Seus corpos não estavam mais controlados pela adrenalina ou pela tensão, mas por uma sensação incontrolavelmente calma.
sentiu-se feliz.

Capítulo 10;

De longe, viu e Tony dividindo uma mesa. Pareciam estar se divertindo como nunca, virando canecões de cerveja e dando risada.
April saltitou até a mesa e sentou-se no colo de Tony que colocou a mão dentro de sua calça sem que nem passasse pela sua cabeça que há minutos atrás sua namorada estava a ponto de surtar por causa de outras partes do corpo dele que entraram em sua calça.
- ! – levantou-se e gritou ao vê-la. Parecia extremamente bêbado segurando uma caneca de cerveja grande demais.
- ! – Ela respondeu achando graça. Nunca tinha visto ele tão alterado. Olhou para Tony que tinha um sorriso debochado na face. – O que você deu para ele? – Ela perguntou num misto de desconfiança e preocupação.
olhava dela para April e Tony com uma expressão engraçada no rosto.
- , senta no meu colo? – Ele pediu.
- Não, . – Ele pareceu extremamente desapontado já que ela respondeu sem dar-lhe muita atenção pois estava brava com Tony que divertia-se com a embriaguês de
- Juro que não dei nada para ele! – Tony defendeu-se levantando as mãos no ar. – Nada que eu também não tenha tomado e nada ilícito... – Ele mexia as sobrancelhas enquanto falava.
era amiga de Tony há tempo o bastante para saber de sua resistência a bebida e a outras coisas mais. Ele precisava de uma adega inteira para realmente se embebedar.
, claramente, não tinha a mesma sorte.
Ela riu sozinha, beijou a cabeça do garoto e se sentou em seu colo. Não tinha mais o que fazer a não ser tentar divertir-se.
- Onde está todo mundo? – Ela perguntou.
- Foram para uma balada com umas garotas. – respondeu enquanto dava pequenos beijos no braço de . – Elas foram achando que o Chris era um produtor musical.
riu alto, com um pouco de pena das garotas enganadas. Só não teve mais porque elas estavam com quatro garotos lindos.
Abriu a bolsa e de lá tirou seu maço de Camel. O isqueiro em formato de ficha de poker falhou da primeira, mas depois acendeu o cigarro.
Logo após a primeira tragada, alguém do pub apareceu para lembrá-la da nova lei que proibia que qualquer um fumasse em qualquer lugar fechado.
Ela sempre se esquecia da estúpida lei sem sentido.
Levantou-se do colo de e o pegou pela mão para que ele o acompanhasse até o lado de fora, apesar da temperatura próxima de zero que deveria estar fazendo lá.
- ! – Tony gritou antes que os dois se afastassem. – Você pode dirigir a bosta motorizada?
Uma chave pendurada num chaveiro dos Beatles voou em sua direção e ela fez uma careta.
- Sério mesmo que sobrou para mim? – Ela perguntou pois odiava dirigir aquele protótipo degradado de caminhão.
Isso não tinha anda a ver com o fato dela não ter carteira de motorista ou a idade mínima exigida para dirigir.
- Na verdade, sobrou para o , mas se você quiser chegar viva em casa, você deveria dirigir. – Tony arregalou os olhos em uma de suas típicas expressões exageradas.
Ela não teve escolha a não ser enfiar a chave na bolsa e empurrar as pesadas portas do lugar para encontrar um ar gélido.
Parecia mais frio, mas dessa vez, ela não se esqueceu do casado.
Por ser domingo, mais de onze horas da noite e por estar muito frio, a rua estava vazia.
passou seus braços por sua cintura e a abraçou enquanto ela tragava seu querido Camel. O efeito da maconha já tinha passado e as poucas cervejas que tinha tomado não a embebedaram. No entanto, ela sentia seu corpo muito vivo e muito relaxado ao mesmo tempo, graças as descargas de adrenalina que a possível gravidez de April a causaram.
Os braços de a confortavam, o vento acariciava seu rosto e o cigarro ficava mais agradável em tempo de frio. No entanto, ela o jogou no chão antes mesmo que ele queimasse até a metade. Virou-se de frente para e viu como suas bochechas estavam rosadas por causa do frio e da bebida.
Deu um beijo em seus lábios, sentindo o cheiro de cerveja. Não se importou. Uma rajada mais forte de vento fez com que ela se arrepiasse apesar do casaco grosso que chegava até os seus joelhos. abriu seu casaco e a abraçou dentro dele.
Poucas vezes ela tinha se sentido tão protegida.
A menina sorriu e colocou as mãos no pescoço gelado de , que os aproximou mais e iniciou o beijo.
quebrou o beijo e a olhou com os olhos embriagados, distantes mas ao mesmo tempo carinhosos.
- Vamos arrumar alguma coisa pare beber. – Ele falou decepcionando um pouco a menina que estava aproveitando aquele momento romântico. , no entanto, parecia ter tomado gosto pela bebedeira.
O casal entrou numa pequena lojinha atulhada onde se vendia de tudo. Desde cartões postais com a foto do Big Ben, a salgadinhos tipo nachos, a garrafas de vinho barato vindas de algum país da Europa Oriental. Esse últimos seria a compra dos dois.
entregou uma nota de cinco libras ao indiano do caixa que olhava para como se ela fosse a Pamela Anderson. Ela não entendia a atração que exercia sobre os piores pervertidos da cidade.
o olhou com desprezo e passou o braço pela cintura da garota, acompanhando-a para fora do lugar sem nem mesmo esperar o troco.
O frio aconchegante e escuro da rua os acolheu e eles se sentaram em um dos bancos da Leicester Square. se ocupava com as dificuldades de se abrir uma garrafa de vinho sem um saca rolhas e observava de longe a loucura pacífica da Picadilly Circus. Estava deserta, seus únicos habitantes eram as luzes de letreiros como o da Sanyo. Era uma cena inédita.
Com a ajuda de um canivete suíço, consegui abrir a garrafa de vinho. Ele deu um grande gole e reclinou-se no banco entregando a garrafa para . Ela não sentia vontade de beber, por isso apenas levou a garrafa à boca enquanto observava o Ben and Jerry’s logo à frente deles. Apesar do frio, teve vontade de tomar um daqueles sorvetes de chocolate com cereja, seu favorito, mas o lugar já estava fechado, assim como tudo em volta.
Ela devolveu a garrafa a que tinha acabado de ler seus pensamentos.
- Queria um sorvete de chocolate com cereja agora. – Ele falou.
Talvez fosse o frio. Talvez fosse a Stella Artois. Talvez fosse o efeito retardado da maconha. Por um segundo, o pensamento de ser o cara certo passou por sua cabeça.
Não era só pela vontade mútua de tomar sorvete. Isso seria infantilidade. Era por ela sentir-se protegida com ele, como quando ele a salvou dos olhos luxuriados do dono da lojinha; era por ela ter sempre ele em seus pensamentos; era por ela amar cada minuto que os dois passavam juntos.
Mas era uma cética.
Amor é ficção.
Ela e Chris eram uma prova viva disso. Eram almas gêmeas, na opinião deles mesmos e do resto do mundo, inclusive , e não tinham dado certo.
A paixão acaba; o amor se desgasta e casais como os pais dela surgiam. Pessoas que se acomodavam com acordar todos os dias ao lado de seu melhor amigo e nada mais do que isso.
No entanto, naquela hora, deixou toda a sua descrença de lado e chegou a conclusão de que havia muito mais do que seu ceticismo acontecendo entre eles.
Uma nuvem de fumaça saiu da boca de graças ao frio e ele prendeu o vinho entre as pernas enquanto atritava uma mão à outra. Ela encostou-se nele que a aconchegou em seu peito e beijava sua testa entre um gole de vinho e outro.
Ela não sentia mais frio. Também não sentia fome, sono ou cansaço. Não sentia nada, mas sentia tudo.
Fechou os olhos e respirou fundo enquanto o perfume dele invadia suas narinas. Passou os braços por sua cintura enquanto sentia seu coração. Batia como um compasso longo e lento.
Já o dela estava agitado demais. Ela sentia que tinha vários corações; cada parte de seu corpo emitia batimentos que pareciam elétricos.
concluiu que estava apaixonada.
No entanto, ainda não sabia bem o que pensava sobre aquilo. Estar apaixonada é algo muito relativo e vulnerável. Os altos e baixos hormonais e emocionais da adolescência podem ser facilmente confundidos com paixão.
Mas ela só tinha sentido aquela sensação uma única outra vez. Chris tinha sido o primeiro garoto com quem ela realmente se importou. Os outros eram um grande conjunto borrado, bêbado e insignificante.
começou a falar coisas sem sentido envolvendo dinossauros e Pizza Hut que fizeram a garota começar a rir do cara bêbado por quem ela estava apaixonada.
Ela o achava doce até naquele estado.
levantou-se e jogou a garrafa que ele tinha consumido sozinho na lixeira mais próxima. O recipiente de vidro caiu ali num som oco e o observou como quem observa algo muito interessante.
levantou-se para ver o que tinha de tão encantador na lixeira e riu com mais vontade ainda ao ver que a garrafa de era a única coisa ali dentro.
- Eu queria te falar uma coisa, . – falou ainda apaixonado pelo lixo.
- Fala.
sussurrou alguma coisa que ela não entendeu.
Sua pele ficava pálida nas fracas luzes públicas da praça e seu cabelo estava despenteado.
Após apurar seus ouvidos e sua atenção a menina reparou que ele não falava, ele cantava.

Where I used to sit and talk with you
we were both sixteen and it felt so right
sleepin’ all day staying up all night.

(Onde eu costumava sentar e conversar com você
Nós dois tínhamos dezesseis anos e parecia tão certo
Dormindo o dia todo e ficando acordado a noite toda)

Ocean Avenue do Yellowcard soava como uma relíquia do passado na voz afinadamente bêbada de .
Ela acompanhou a cantoria de , acrescentando desafinação e retirando ritmo da música. Ele parou de olhar para a lixeira, sorriu e a abraçou. Eles dançaram da melhor maneira que conseguiram, já que se tratavam de um menino bêbado e uma menina sem coordenação motora e não havia música de verdade.

Let your waves crash down on me and take me away.

(Deixe as suas ondas quebrarem em mim e me levarem embora)

falou baixo perto de seu ouvido fazendo a garota se arrepiar e pensar mais uma vez que ela estava no lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa.
O embriagado não percebeu a profundidade do momento e resolveu trocar o repertório, cantando alguma canção do A New Found Glory. Até esqueceu a profundidade do momento e começou a rir da cara dele.
empolgou-se e subiu na fonte, que conforme o vento, despejava gotículas frias nos dois.
Antes que pudesse avisá-lo que aquela não era uma boa idéia, desabou caindo de bunda dentro da gelada fonte central de Leicester Square.
Ela não conseguia ajudá-lo, apenas ria. Ria até perder a capacidade de respirar e de manter os olhos sem lágrimas.
Para , tombos e quedas eram as coisas mais hilárias do mundo.
Esqueça Jim Carrey ou Zach Braff, nada compensa um simples tropeção.
No meio de uma crise de risos, ela achou forças para estender a mão e ajudar a sair de sua banheirinha, no entanto, ela caiu no truque mais velho do mundo.
A água gelada impregnou suas roupas e ela sentiu que milhares de agulhas a picavam enquanto fazia questão de molhá-la mais ainda, espirrando água nela.
Ela quase ficou brava, mas como também ria incontrolavelmente de suas próprias quedas e daquela vez não seria diferente.
se aproximou e a beijou, mas os dois se separaram rapidamente porque não conseguiam parar de rir.
Não é só de paixão que vive um casal. Risos são muito importantes.
Ele se aproximou quando concluiu que conseguiria beijá-la sem que nenhum dos dois desistisse do beijo para rir. Eles estavam quentes e gelados ao mesmo tempo e aquilo formava uma combinação paradoxalmente perfeita.
Um vento mais gelado passou por ali, lembrando-os que estavam mergulhados em águas congeladas. No entanto, a presença um do outro impedia que eles se afastassem muito. acariciou sua bochecha e depois seu queixo.
- Eu te amo. – Ele falou olhando em seus olhos.
sorriu, apesar dele estar bêbado e falando só por falar, ela achava aquilo lindo.
- Eu também te amo! – Ela respondeu assim como quem fala que ama milkshake.
Ela estava possivelmente apaixonada, mas estar possivelmente apaixonada é diferente de amar alguém. Ela ainda não estava nesse estágio, e se estivesse, não desperdiçaria contando a quando o nível de álcool em seu sangue era perturbador.
beijou seus lábios e segurou seu rosto.
- Não, . – Ele falou sério e tão sóbrio quanto um juiz. – Eu te amo mesmo. – Os olhos da menina se arregalaram e de repente, ela esqueceu-se de respirar. – Não precisa responder nada. – falou e ela voltou a respirar, com dificuldades, mas voltou. – Eu só queria que você soubesse. – Ela balançou a cabeça em confirmação. Não tinha idéia que ele já estava nesse estágio. levantou-se e saiu da fonte. Ele estendeu a mão para ajudá-la. – Vamos.
aceitou a ajuda e os dois caminharam até a bosta motorizada que estava estacionada a alguns quarteirões dali.
A sobriedade que dominara minutos antes tinham ido embora e do meio do caminho para frente, teve que praticamente carregá-lo.
Uma multa por estacionamento em local inadequado estava no painel da bosta. A menina abriu o carro e acomodou no banco do carona. Ele dormiu instantaneamente.
O caminho de volta foi feito em tempo recorde.
A vida sem tráfego seria bem mais simples.
Ela estava feliz. Ela estava confusa. E no meio de sua confusa felicidade ela estava satisfeita e esperançosa.
Talvez houvesse um pouco de ficção na vida real.

Capítulo 11;

A casa estava vazia.
teve que sentar nos degraus de entrada para procurar a chave em seus bolsos.
Aquilo que ela chamava de perda total.
nunca conseguiria levantar-se para ir à aula no dia seguinte.
- Vamos, . – Ela falou ao abrir a porta. Ele abriu os olhos rapidamente, mas eles pareciam pesados demais. – Vamos, , você já está quase no seu sofá.
passou o braço de por seu pescoço e juntou todos os seus músculos na tarefa de arrastá-lo.
A menina acendeu a luz e surpreendeu-se, ou melhor dizendo, desesperou-se ao ver que aquele sofá nojento que costumava habitar a sala do McFly tinha sumido. Onde raios estaria aquilo na hora que ela mais precisava? Onde poderia um sofá se esconder? Ele era tão grande e fedido!
Ela não sabia, mas sabia que teria que arrastar escada a cima.
O contato com as roupas molhadas de molhava mais ainda as suas conforme ela o empurrava pela escada. Ela só tinha medo que caísse para trás e a levasse junto.
Tudo que ela não precisava era ficar acidentada.
Ela mal acreditou quando finalmente entrou no quarto de e o largou em cima da cama. O menino estava totalmente apagado. Ela sentou-se ao lado dele recuperando seu fôlego e com a certeza de que não faria esse tipo de esforço por mais ninguém no mundo. Certo, por Chris talvez. E por April também. Mas só. Cuidar de bêbados demanda muito esforço. não era o tipo que vomitava, pelo menos. Ela o agradeceu mentalmente por isso.
encarou a bagunça do quarto de que resumia-se a paredes azuis forradas por pôsteres e cds, revistas, instrumentos e roupas espalhados pelo chão. Ela adorava aquele quarto que cheirava ao perfume masculino que usava.
Um arrepio passou por sua espinha e ela foi até o controle de calefação ajustar a temperatura do ambiente.
congelaria até a morte se continuasse naquelas roupas molhadas. Só havia uma coisa a se fazer e qualquer pessoa faria o mesmo que ela. Ela simplesmente não tinha escolha.
tirou seu casaco e jogou-o em um espaço vazio do chão; ela subiu na cama e começou a despir .
Sem nenhum tipo de segundas intenções. Talvez um pouco, afinal ela e eram um casal e se não houvesse segundas intenções, ai sim, teriam problemas. Mas ela gostava mais de pensar nela mesma como uma pessoa legal que estava mantendo o garoto longe da hipotermia do que como uma pervertida.
As roupas de estavam mais pesadas graças à água e caiam fazendo um barulho molhado no chão. Ele acordava esporadicamente e mantinha seus olhos abertos por alguns segundos.
- Eu preciso falar com você, . – Ele falou duas vezes antes de desmaiar novamente.
Talvez ele estivesse reconsiderando o “eu te amo”. Ela não queria que ele reconsiderasse. Não mesmo.
A garota encontrava-se sentada em cima de e tentando puxar sua camiseta por seu pescoço quando acordou de novo. Dessa vez ele conseguiu manter-se acordado o bastante para deslizar suas mãos pelas pernas geladas de e para aproximá-la para um beijo.
Ele tinha interpretado suas boas intenções contra a hipotermia como outra coisa.
sempre tinha problemas de interpretação quando se aproximava de suas roupas.
Para a sorte dele, os botões da camisa de eram de pressão e ele não teve dificuldades para tirá-la. Se ele tivesse que desabotoar botões de verdade, nunca seria bem sucedido.
esqueceu-se do frio que estava sentindo. Tudo se resumia a ela e . Na verdade, tudo se resumia a ela e a um alcoolizado. Alcoolizado em excesso.
Tomada por uma onda de racionalismo e responsabilidade que fazia com que mal se reconhecesse, ela descolou a boca do menino da sua.
a olhou lotado de dúvidas com uma caras confusa típica de bêbados.
- Você está bêbado demais para qualquer coisa, . – Ela falou e fechou os olhos franzindo a testa, protestando silenciosamente.
- Mas eu te quero tanto, .
desmaiou um segundo depois; ela terminou de tirar sua roupa, deixando-o apenas com suas boxers com estampa de naves espaciais e o cobriu com o fofo edredon azul.
O cara gostava de azul.
Ela entrou no banheiro e tirou o que restava de suas próprias roupas encharcadas. Reparou que na pia dele havia mais produtos para cabelo do que num cabeleireiro.
Se ela não o conhecesse e visse aquilo, diria que ele era gay.
riu.
Ela entrou debaixo do chuveiro quente e lavou a cabeça com seu xampu e com seu condicionador; ensaboou-se com seu sabonete e sentiu-se feliz ao sentir o cheiro dele nela. Usou uma toalha com o logotipo de “De Volta Para o Futuro” como estampa para secar-se e depois vestiu uma camiseta azul clara da Billabong que ela tinha achado pendurada no armário de . A roupa também cheirava como ele.
Depois de usar seu secador e seu creme anti-pontas duplas, apagou as luzes a juntou-se a debaixo das cobertas. Ele aproximou-se e fez de seus corpos uma conchinha antes que os dois dormissem pesadamente.

Capítulo 12;

Seu corpo estava leve e pesado quando ela despertou no dia seguinte. As cobertas confortáveis tinham moldado seu corpo e eram tão aconchegantes que pareciam apêndices dela mesma. abriu os olhos deparando-se com um quarto pouco iluminado pela pouca luz matinal daquela época do ano. Ela virou-se e não achou ao seu lado. Ele provavelmente já tinha saído pela casa em busca de algum remédio para dor de cabeça.
A garota levantou-se e se espreguiçou. Achou o celular dentro de sua bolsa e descobriu que não era manhã, mas sim tarde e que ela definitivamente não iria para a aula.
Ela escovou os dentes com a escova do Scooby-Doo que ela sempre carregava na bolsa e achou , que ainda trajava apenas boxers, sentado na cama ao voltar ao quarto. Ele segurava algo parecido com um pacote de M&Ms.
- Bom dia! – Ele falou sorrindo e estendeu o saquinho de doce para ela.
- Bom dia! – Ela respondeu beijando sua boca e sentando-se em seu colo, mas rejeitando o chocolate. Estava cedo demais para comer.
- Eu queria ter te preparado café da manhã na cama, mas esse é o único alimento da casa. – apontou o M&Ms com a cabeça e uma cara desapontada. riu enquanto tinha vontade de apertar suas bochechas porque ninguém tinha levado café da manhã na cama para ela antes. Por mais que fossem apenas M&Ms, era amável.
- Obrigada mas não precisava se preocupar.
- Também tinha umas folhas velhas e mofadas de alface, na verdade.
- Deixa eu adivinhar. Essa é a semana do fazer compras?
- É. – respondeu numa careta.
era uma péssima dona de casa. Não limpava ou fazia compras e os garotos ficavam naquele estado quando ele era responsável por qualquer tarefa doméstica.
- Como está a sua cabeça? – Ela perguntou penteando o cabelo de com os dedos. Eles estavam em pé, mas não em pé do tipo tenho-estilo-e-meu-cabelo-é-o-máximo, estavam mais para bebi-muito-noite-passada-e-meu-cabelo-reflete-isso.
Estava absolutamente adorável e o deixava sexy de uma maneira mais natural.
- Ótima. – Ele respondeu levantando uma sobrancelha. – Por quê? – Estranhou a pergunta.
- Por quê? – perguntou exagerando seus gestos. – Talvez porque ontem você tenha bebido toda a bebida alcoólica do Reino Unido? E isso inclui a Irlanda do Norte!
curvou os lábios envergonhado e com vontade de rir. Os irlandeses eram uns bêbados mesmo.
- Hum... – Ele balbuciou. – Talvez eu me lembre disso. – Ele brincou. – Mas por incrível que pareça, eu me sinto muito bem.
balançou a cabeça em descrença. Nenhum humano chegava ao estado que ele tinha chegado na noite anterior e não sofria com a ressaca. Ela tinha carregado ele escada acima. Ele merecia sentir dores.
- Nem uma dorzinha? – Ele fez que não com a cabeça. – , amigo, preciso te informar que você é uma aberração da natureza. – Ela brincou e fez cara de superior.
- Não posso fazer nada, eu nasci assim, mas você escolheu se sentar em uma aberração da natureza e usar a camiseta dela!
pegou na barra da roupa e começou a brincar com o tecido, fazendo leves cócegas na coxa da menina.
Ela curvou os ombros e colocou uma das mãos na boca.
- Não deu para te perguntar ontem porque você estava desmaiado, mas você me empresta a sua camiseta azul da Billabong?
- Claro que empresto. – falou abraçando-a mais apertado e beijando seu pescoço. – Falando em ontem à noite, obrigado por ter cuidado de mim. – Ele olhou em seus olhos com a expressão envergonhada.
- Não precisa agradecer. – deu um beijo em sua bochecha.
- Tem certeza que não quer M&Ms? – Ele perguntou, mas não queria M&Ms. jogou os M&Ms no chão. – Eu sei que não foi um banquete, mas não precisava ser grossa. – falou confuso, mas apenas fingindo que estava magoado.
- Eu não quero comer agora, eu tenho uma idéia bem melhor.
Ela sabia bem o que estava fazendo, apesar de não ter planejado ou pensado nada. Ela puxou a camiseta que vestia pela cabeça e esperou a reação de . Ele parecia sério e por um segundo ela teve medo de ser rejeitada. Nunca mais o perdoaria por tal humilhação. Estava totalmente vulnerável e em suas mãos.
- A sua idéia é realmente melhor. – Ele respondeu tentando esconder o sorriso de satisfação que lutava para permanecer em seu rosto.
acomodou-se no colo de sem pressa; seus lábios juntaram-se sem pressa; suas bocas abriram-se sem pressa; suas línguas deslizaram sem pressa; suas mãos devanearam sem pressa; pararam e afastaram-se sem pressa; olharam-se e sorriram sem pressa; acomodaram-se melhor na cama, sem pressa; a cueca e a calcinha sumiram sem pressa; o preservativo surgiu sem pressa; beijaram-se; juntaram-se; encaixaram-se; ofegaram e suspiraram sem pressa.
A pressa é inimiga da perfeição.
E eles concordavam, já que o que fizeram sem pressa, tinha sido perfeito.
Com pressa, eles quiseram ser perfeitos de novo.

Capítulo 13;

estava com a cabeça apoiada no peito de e apenas resquícios restavam do sol.
estava acariciando as costas de e apenas resquícios restavam do mundo exterior.
Eles não eram egoístas, mas só se importavam com eles mesmos. Era reflexivo e recíproco.
- . – pensou que aquela era a hora de falar algo bonito e profundo, mas ela só tinha uma coisa em sua cabeça. – Onde está o sofá da sala?
Ele riu e depois fez uma cara que misturava vergonha e arrependimento.
- Ele meio que queimou.
- Queimou?
parecia fazer um esforço tremendo para falar aquilo.
- É que a gente tem uma brincadeira e o objetivo é atirar bolas de papel em chamas. – nem sabia o que falar. Parecia que ela estava conversando com Joey Tribiani ou então Chandler Bing. – A gente aprendeu em Friends.
- Vocês são bizarros. – Ela falou antes de ter uma crise de riso imaginando o sofá em chamas.
Contudo, uma dúvida veio a mente de . Ela ainda ria, mas outra coisa não saía de sua cabeça. As risadas cessaram. Será que se lembrava de suas ações na noite passada? Ele tinha dito a ela que a amava e ela achava que era só por ele estar extremamente bêbado, mas mesmo extremamente bêbado, ela queria que ele a amasse. Ela também queria que ele se lembrasse disso.
Uma curiosidade misturada com uma agonia tomou conta de seu corpo e algo tinha que ser feito, afinal, aquela agonia curiosa tinha tirado um pouco da perfeição que ela estava sentindo.
Ela sentiu-se meio brava.
– Hum... – não sabia bem como tocaria no assunto. parou de dedilhar suas costas e voltou sua atenção a ela. – Você se lembra de tudo que aconteceu na noite passada?
Nada sutil, , mas poderia ter sido pior.
- Lembro... – Ele respondeu sem confiança. - Mas eu também lembro de alguns momentos que eu apaguei. – Completou sem graça.
- Você se lembra de quando nós caímos na fonte? – Ela perguntou como quem não queria nada. Afinal, se ele não se lembrasse, ela poderia contar de sua queda e eles pelo menos ririam.
- Lembro.
- Lembra de tudo?
- Tudo. – respondeu. Ele já sabia onde ela queria chegar e deixou aquilo claro.
- Ah. – Foi só o que ela falou porque se ela continuasse com a boca aberta iria humilhar-se. Ela olhou para o outro lado.
- .
- Hum? – Ela voltou sua atenção a ele novamente. Estava desconfortável e começou a morder seu lábio inferior por não ter nada mais para fazer.
- Eu lembro do que eu te disse ontem a noite e eu ainda te amo.
a olhou mostrando uma mistura de sentimentos que ela nunca tinha reparado antes. Carinho, admiração, amor e paixão se misturavam em seus olhos claros. No entanto, ele parecia não esperar nada em troca; parecia falar aquilo para, simplesmente, ser o mais sincero possível. Ela sentia que ele nunca mentiria para ela.
Ela também nunca mentiria para ele. Por isso que ela não falou o que tinha vontade de falar, já que se falasse, estaria mentindo.
não respondeu “eu também te amo”.
De uma hora para a outra, ela deixou de sentir-se bem nos braços dele. Não era justo.
não esperava nada em troca, mas ela queria dar algo em troca. Ou melhor, falar algo em troca.
Ela levantou-se atordoada, enrolando-se no lençol e parou em frente a janela. Não sabia o que pensar; o que fazer; sabia apenas o que sentir, mas não sabia como. Pelo menos não tão cedo.
assistiu vestir as boxers de naves espaciais através do nublado reflexo na janela. Ela sentia-se nublada.
- Hei. – falou parando atrás dela e acariciando seu braço. – Você não precisa se sentir obrigada a falar qualquer coisa, ok? Eu sei que ainda é cedo. Muito cedo mesmo e eu sei que essas coisas não acontecem rápido assim, mas comigo aconteceram e eu só achei que você deveria saber.
- Eu... Eu não sei... Eu quero... Mas... Quer dizer...Você... Eu acho... Eu... Desculpe. – A garota gaguejou.
As nuvens invadiram suas palavras e ela não sabia quais usar. Ela levou as mãos a cabeça e a abraçou.
- Não se preocupe com isso.
- Obrigada.
- Vamos fazer tudo sem pressa, certo?
- Sem pressa. – Ela concordou.

Capítulo 14;

A aula de matemática daquela manhã não tinha sido muito interessante. , a única razão de acordar tão cedo para fingir que prestava atenção na aula, tinha faltado. Ela queria tanto vê-lo, mesmo que tivessem se visto pela última vez há menos de doze horas, quando ele a acompanhou até sua casa na noite anterior.
O professor de sotaque galês e simpatia nula preenchia qualquer coisa em sua mesa quando a garota decidiu que a vida era mais do que números que não faziam sentido; ela levantou-se e pediu um passe para ir ao banheiro.
Por trás de seus óculos de lentes imundas, seus olhos azuis celeste a olharam com escárnio e ele lhe entregou o passe. Ela sorriu falsamente e saiu da sala.
O corredor estava vazio e seus passos ecoavam em direção a escada de incêndio. Ela aproximou-se da grande e pesada porta preta, olhou para os dois lados e ao assegurar-se que tudo estava limpo, abriu a porta e se esgueirou para dentro o mais rápido e silenciosamente possível.
Subiu aqueles intermináveis degraus até a porta do telhado e a abriu. Duvidou de sua escolha ao sentir o frio que fazia. O vento parecia ainda mais forte ali em cima.
- Hei! – Chris a chamou de perto de uma das grandes máquinas cuja função ela desconhecia.
- Chris! – Ela o cumprimentou ao aproximar-se.
Ele estava embrulhado em um velho cobertor da mãe de April que eles mantinham ali para situações como aquela: muito frio e pouca vontade de aprender. As engrenagens do motor mantinham a máquina aquecida e servia como um aquecedor para quem encostasse nela.
sentou-se ao lado de Chris, ele abriu o cobertor para que ela se aquecesse também e os dois encostaram no motor que fazia tanto barulho quanto a bosta motorizada.
Chris passou a mão por suas costas e ela se acomodou em seu peito. Já era um lugar tão conhecido e seguro. Era como sua casa.
- Será que algum dia nós vamos tomar jeito e começar a assistir aulas? – Ele perguntou e respondeu apenas uma risada. Chris estendeu a garrafa de whisky para ela. – Quer?
- Obrigada. - Ela aceitou já que o cobertor e o calor da máquina não estavam aquecendo-a o suficiente. Deu um gole generoso e sentiu sua garganta queimar e seus olhos lacrimejarem. O primeiro gole de whisky sempre era complicado para ela, mas nada que o segundo gole não resolvesse.
Tirou uma das mãos geladas do bolso, assim como seu maço de Marlboro Light e o isqueiro em forma de ficha de poker. Cigarro combina com frio; cigarro combina com whisky. Não tinha como ela não fumar naquele momento.
Acendeu o cigarro e deu a primeira tragada que é sempre a melhor pois parece que leva embora o peso das costas.
- Quer? – Ela estendeu um cigarro a Chris.
- Quero, obrigado. – Ele pegou o cigarro, colocou-o na boca e depois encostou-o ao de , acendendo-o.
- Conseguiu convencer alguém como produtor musical outro dia? – Ela perguntou ao se dar conta de que ela e Chris não se viam desde a noite do show do McFly no pub.
Ela tinha chegado tarde demais na noite anterior e naquela manhã, tinha acordado atrasada e Chris já tinha saído de casa.
- Pior que convenci! – Ele falou feliz soltando fumaça pelo nariz. Ela adorava quando ele soltava fumaça pelo nariz, mas não sabia bem o porquê. – Mas não consegui nada, as meninas tiveram que ir embora duma hora para outra e eu acabei dormindo sozinho em casa, eu e meus peixes! Até você me abandonou! – Chris imitou uma cara de sofredor.
- Ow, pobre Chris! – Ela falou com a voz falsa e o abraçou apertado. – Ficou sozinho com os peixes chapados dele.
- Eu já parei de dar maconha para eles! Pára de zoar! – Ele falou meio sério, meio rindo.
Sério porque era verdade que ele costumava jogar o resto de seus baseados para os peixes e também porque ele tinha parado de fazer tal coisa; rindo porque peixes chapados pareciam algo anormal até para ele.
- Então... – Ele falou no meio de um gole de bebida. – Você e o ... me parece sério.
- Hum. – fez uma careta pois não sabia bem o que responder. Ela apagou o cigarro no chão e arremessou a bituca longe. – Não sei, mas acho que sim. – Ela sorriu. Não conseguiu não sorrir quando sua mente foi invadida pelas memórias que ela guardava com .
- Isso é muito injusto. – Chris falou sério e meio bravo. A menina olhou para ele em dúvida e ele esclareceu-se num tom debochado. – Você está quase namorando e eu fico sem a minha estepe!
riu e pegou em sua mão.
- Vamos arrumar uma nova estepe para você, ok?
- Por favor, se não, daqui a pouco vou ter que arrumar uma namorada! – Ele falou de forma arrogante e riu.
- Você falou igualzinho ao Tony agora.
- Eu sei, foi de propósito.
Um barulho chamou a atenção dos dois para a porta e eles avistaram April vestida num casaco cor de vinho invejavelmente quente dirigir-se rapidamente a eles.
Ela nem os cumprimentou, apenas pegou a garrafa de whisky da mão da amiga e acabou com o que restava dela de uma só vez.
Chris e a olharam assustados.
- Terminei com o Tony. – Ela falou e logo depois ouviu-se o barulho da garrafa espatifada no chão que ela tinha acabado de arremessar.
- Como assim? – Chris perguntou, mas também tirou as palavras da boca de . April era absolutamente apaixonada por Tony (apesar de tudo) e o que eles ouviam parecia uma loucura.
- Terminei. – Ela falou tirando os cachos do rosto. Seus olhos azuis pareciam tão decididos quanto assustados. – não conseguia falar nada, apenas olhava para a amiga implorando por mais explicações. – Cansei dele! Cansei dele não me dar valor, cansei dele me trair, cansei daquele senso de humor horrível e cruel dele... – A garota tinha pequenos acessos de raiva e dava socos no ar enquanto falava. – E eu conheci outro cara.
- Jura? – perguntou mais do que interessada. Elas eram melhores amigas e não há nada que melhores amigas gostem de conversar mais do que sobre garotos. – Quem é ele?
- O nome dele é Josh e ele é irmão...
- Ele é irmão da garota com quem o Tony te traiu alguns meses atrás. – Chris completou, achando aquela situação tão estranha quanto .
- É, ela mesma. – April respondeu fingindo naturalidade, mas achava aquilo tão perturbador quanto seus amigos.
- E o Tony? – perguntou. – Como ele reagiu?
Então April fez uma perfeita imitação de Tony.
- Tem certeza? – Ele perguntou de forma arrogante, sem se importar. – Para mim tanto faz, eu estava te fazendo um favor de namorar com você.
- Ele não falou isso! – reagiu indignada.
- Falou! Odeio ele, odeio ele! – April falou descontando toda sua raiva esmagando mais ainda a bituca do falecido cigarro de Chris.
Essa foi a última coisa que viu, ela levantou-se e correu para a sala da aula de literatura. Botou a cabeça no vidro da porta e ficou acenando até que Tony a visse e pedisse um passe para deixar a sala.
Era fácil saber em que sala de aula Tony estaria. Enquanto ele estava no colégio, ele dividia seu tempo entre o telhado, o refeitório e a sala de literatura. Ele só assistia às aulas de literatura.
Ele saiu da sala e a olhou desconfiado, mas não recebeu resposta alguma a não ser, ser arrastado até o armário de produtos de limpeza alguns metros ao lado. Tony usava seu casaco cinza com listras brancas e uma calça jeans skinny que faria outros caras parecerem gays, mas ele ficava parecendo um rock star. E ele se achava no direito de se comportar como um também. Como um rockstar cretino, mais especificamente.
A menina abriu a porta e empurrou Tony para dentro. Ela ouviu o barulho de vassouras caindo e fechou a porta antes que alguém os notasse. Derrubou mais vassouras ainda tentando procurar o interruptor de luz, e mesmo assim, não o achou.
O forte cheiro de desinfetante de pino a deixava meio tonta.
- O que você está fazendo, ? – Tony perguntou com sua voz impaciente e ela sabia que se pudesse ver seus olhos, eles estariam impacientes e entediados.
- Como você fala aquelas coisas para a April, Tony?- Ela perguntou enquanto sua raiva transforma-se em desânimo. Ela já tinha tido aquele tipo de conversa com Tony tantas vezes que nem tinha mais forças.
A escuridão permitiu que ela visse Tony virando os olhos e fazendo uma cara entediada, mas ele não respondeu nada pois um esfregão caiu de uma das prateleiras superiores, obrigando o menino a dar um passo para frente, e prensar a amiga contra a porta.
Ela não tinha certeza do quanto daquilo tinham sido culpa do esfregão.
Talvez fosse o cheiro forte do desinfetante; talvez o whisky que ela tinha tomado estivesse estragado; ou talvez ela estivesse louca mesmo, mas quando Tony aproveitou-se da proximidade para acariciar seu rosto, ela não se afastou ou o xingou, ela fechou os olhos. O perfume de Tony era mais forte do que o cheiro de desinfetante e ela quis aproximar-se ainda mais porque era bom. Muito bom. Ele era alto, por isso ficou na ponta dos pés e Tony inclinou sua cabeça para baixo para que eles se beijassem.
Fisicamente, ela considerou o beijo perfeito: a ideal porção de doçura misturada com a ideal porção de agressividade. Tudo estava na medida certa. Bem, quase tudo.
Por causa de tal perfeição que ela quebrou o beijo, sorriu, abriu a porta e correu o máximo que pode até a porta de saída. Tony gritou seu nome, mas ela continuou correndo. Não estava brava com ele, muito pelo contrário, estava feliz. Ela não tinha sentido nada, absolutamente nada. Ela deveria sentir alguma coisa com um beijo como aqueles, mas a única coisa que sentiu foi uma vontade imensa de ver e dar um beijo que fizesse ela sentir e não apenas considerar.
Porque ela o amava. Ela amava .

Capítulo 15;

chegou sem fôlego a casa mais destruída da Belmont Hill. Ela tinha corrido durante todo o caminho, mas estava sem fôlego por causa de sua descoberta e não de sua falta de forma.
Tudo estava claro; absolutamente claro. Tudo sempre esteve claro, ela só tinha dificuldades para interpretar tanta claridade, mas aquilo era o passado.
Graças a perversão e falta de caráter de Tony, e a um momento de fraqueza, ela conseguira enxergar toda aquela clareza.
E ela amava a clareza.
Apesar de estar usando apenas uma camiseta azul clara Vans e um casaco fino (ela não tinha tido tempo de ir até seu armário pegar seu casaco de frio e sua mochila), ela não sentia um pingo de frio.
tocou a campainha e apoiou seus braços em seus joelhos pois ela finalmente sentia as conseqüências de bancar a atleta. Não estava acostumada a fazer tantos esforços físicos assim. A última vez que praticara esportes tinha sido alguns meses antes, quando sua mãe a obrigara a fazer aulas de pilates.
- Oi, ! – Ela falou assim que o garoto abriu a porta. Seu tom parecia o de Chris, hiperativo, e ela nem tinha tomado remédio algum.
- ! – Ele falou surpreso por vê-la e passou a mão no próprio cabelo, bagunçando-o.
- O está ai? – Ela perguntou ansiosa para ver o cara que ela amava. Sim, amava. – Ah! Oi, ! – Ela cumprimentou o menino que aparecera atrás de .
- Oi, . – Ele parecia tenso e diferente daquele cara doce de sempre.
- Hum. – limpou a garganta. – O saiu. Você pode voltar mais tarde?
- Ah. – Ela suspirou desapontada. Não iria ver o cara que ela amava e toda aquela correria digna de filme tinha sido por nada.
- Entra, , você espera por ele aqui. – falou sentando-se no sofá.
É, agora tinha sofá. Agora que ela não carregava um cara que pesava uns quinze quilos a mais do que ela, havia um sofá na sala.
Talvez ela pudesse fazer uma surpresa para ou coisa que o valha.
- Acho melhor não! – respondeu nervoso e curvou os lábios confusa. nunca estava nervoso ou sério. Ele era o palhaço da banda. – A gente vai ensaiar agora.
- Mas o nem está aqui, como vocês vão ensaiar? – Ela perguntou quase rindo. parecia perturbado e alguma coisa estava acontecendo.
- Boa pergunta. – falou a como se o desafiasse. – O nem está aqui, nós não vamos ensaiar. Entra, .
Ela olhou para esperando alguma aprovação, mas ele olhava nervoso para .
entrou e sentou-se na poltrona ao lado do sofá novinho onde estava sentado.
Ela sentia-se nervosa. Ela não deveria sentir-se nervosa porque ela finalmente tinha descoberto que amava , mas aqueles dois estavam tirando ela de seu perfeito estado mental.
- O que está acontecendo? Está tudo bem com o ? – A menina perguntou tentando entender o que acontecia.
saiu da cozinha e olhou para a situação com a expressão atordoada. O que quer que estivesse ocorrendo, ele sabia o que era.
- Nada! – respondeu com voracidade e olhares que poderiam matar . – E está tudo certo com o .
- , pára com isso, cara! – falou levantando-se e gesticulando. – A gente não pode mais deixar isso acontecer!
Talvez eles estivessem drogados, ela pensou.
- Não pode deixar o que acontecer? – A garota perguntou, pois drogados ou não, eles estavam deixando-a preocupada. Realmente preocupada.
Os meninos ignoravam suas perguntas e olhavam-se com intensidade, migrando seus olhares intensos para a garota de quando em quando, como que checando se ela tinha entendido alguma coisa de suas palavras, seus olhares e sua pequena guerra implícita.
Ela não tinha.
apenas assistia à cena, parecendo tão nervoso quanto ela e os outros dois.
- , a gente não tem esse direito! Eu sou o primeiro a falar que está tudo errado, mas é o quem tem que resolver isso!
- O que o tem que resolver? – Ela perguntou cruzando os braços e sentindo as forças faltarem em suas pernas. Aquilo não podia ser bom.
olhou para ela e colocou uma das mãos na cabeça, que mexia freneticamente.
- Você está certo. – Ele finalmente falou olhando para e passando por um conflito interno. Os dois pareciam ter chegado a um acordo, no entanto. – Mas ele vai ficar puto.
- Eu sei. – falou e sentou-se no lugar mais próximo da poltrona de . sentou-se ao seu lado.
Eles estavam deixando-a apavorada.
- O que está acontecendo?
A meiguice de , o humor de e o charme de tinham dado lugar a três caras sérios e apreensivos.
- ... – começou a falar cuidadosamente, medindo suas palavras. – Você já reparou que o sempre tem muitos compromissos? – Talvez ela tivesse reparado, mas nunca tinha se preocupado com aquilo. Será que ela deveria ter se preocupado? Ela fez que sim com a cabeça. Sentia sua testa enrugada e as mãos trêmulas. – Hum... – Ele não sabia como continuar.
- Nem sempre que ele fala que vai ensaiar com a gente, ele está ensaiando. – ajudou o amigo.
- Vocês estão tentando me dizer... – Ela tinha medo de completar a frase. Sua cabeça já tinha completado o pensamento, mas aquilo doía demais para ser colocado em palavras. – Vocês estão tentando me dizer que ele tem outra?
Os dois garotos ficaram envergonhados e desconfortáveis.
- . – falou. – Você é a outra.
Ela sentiu a casa de paredes brancas e tralhas no chão girar. A poltrona xadrez parecia queimá-la, no entanto, ela não conseguia se mexer.
- O não veio para Londres só por causa da banda, ele veio também por causa da namorada dele. – explicou.
“Namorada dele”
Aquelas palavras pareciam tão estranhas. Ela era namorada dele. Bem, eles nunca tinham conversado sobre isso ou oficializado, mas parecia bem claro para ela que os dois estavam juntos.
- Ele namora com essa garota de Bristol há três anos e ela se mudou para Londres alguns meses atrás, por isso que nós nos animamos para virmos também. – completou e colocou a mão no joelho de .
Ela não conseguia falar nada, mas sua cara deveria estar expressando toda a confusão que dominava sua cabeça, já que os três olhavam para ela preocupados.
- Na verdade a gente só veio para cá porque ele insistiu. Ele queria ficar perto dela. – completou e pensou que fosse vomitar ali mesmo e destruir o novíssimo sofá.
Mas ela não vomitou. Ela respirou fundo e não sentiu o ar penetrar seus pulmões. Aquela sensação era horrível e não tinha nada a ver com o fato do oxigênio não estar mais chegando às suas células.
- E ai, ele conheceu você e ele anda igual um maluco desde então porque não sabe o que fazer da vida. – Disse .
teve a impressão que as paredes se aproximavam, que o cheiro de garotos, pizza velha e cerveja aumentava. Parecia que ia sufocar, que nunca mais respiraria na vida.
Ela levantou-se, abriu a porta e saiu da casa.
A ausência de paredes e cheiros não fizeram com que ela respirasse melhor. Rumou até sua casa sem saber bem para onde ia. Estava no piloto automático e automaticamente, pressionou os braços contra o próprio corpo quando uma rajada de vento mais fria passou por ela.
- ! – Ela reconheceu a voz de atrás de si, virou-se e o viu correndo em sua direção. – Espera, por favor.
O garoto a alcançou e colocou uma de suas mãos em seu ombro. Ela mal o conhecia, mas sentiu-se um pouco melhor.
- Olha, eu sei que nada que eu te falar agora vai fazer você se sentir melhor, mas você tem que saber que o não é um canalha, ele é um cara legal que acabou se metendo numa confusão imensa.
- Se você for defender ele, pode ir embora. – Ela falou se irritando com as últimas palavras do garoto. A rainha poderia falar tudo o de melhor sobre naquele momento que ela não aceitaria e ainda a mandaria à merda.
- Não, , por favor. – falou com os olhos preocupados e infelizes assim que eles chegaram a casa dela.
cavou o vazinho de flores da entrada em busca da chave reserva, já que ela tinha saído como uma maluca da escola e a sua tinha ficado dentro de seu armário. não entendia o que se passava e a olhou como se ela precisasse ser internada.
Ela abriu a porta e tinha esperanças de chegar até o sofá, mas não conseguiu: desabou no primeiro degrau da escada. fechou a porta e sentou-se ao seu lado. Nell nem pulara ou atacara ninguém daquela vez. Sentou-se do outro lado de sua dona e a olhou com os olhinhos desesperados e solidários.
Ela não tinha forças para nada, não tinha forças nem para chorar. Ela nunca tinha chorado por nenhum homem e, pelo jeito, aquele fato não iria mudar.
- Eu não acredito que por todo esse tempo eu me enganei tanto sobre ele. – Ela finalmente conseguiu desabafar. – Ele falou que me amava ontem...
Ela sentia-se cada vez pior e mais enganada. Cada vez mais, o último mês parecia uma mentira gorda e horrível.
- Ele te ama de verdade. – falou, mas ela não prestava muita atenção. Escutava-o, mas as vozes dentro de sua cabeça falavam mais alto. – É o que ele diz e é o que parece.
- Sabe o que eu fui fazer lá? – Ela perguntou ignorando-o e sentindo um desconfortável nó na garganta.
- Não.
- Eu fui falar para ele que eu o amava!
A dor de ser enganada passava a se misturar com raiva. Uma raiva tão grande e forte que ela tinha que extravasar de alguma maneira. As lágrimas pareciam ter sumido de seu corpo, por isso ela arremessou o que tinha na mão, ou melhor, no bolso: seu celular. Ele bateu na porta azul de sua casa causando um pequeno hematoma nela. Não sabia e não se importava com os resultados sobre o celular.
a olhou apreensivo e ela desconfiava que ele temesse ser o próximo a sofrer com sua raiva.
Do outro bolso, ela tirou o cigarro e o isqueiro. Ela costumava gritar com pessoas que fumavam dentro de sua casa, apesar de fumante, ela odiava que sua casa cheirasse porcamente. No entanto, ela nem se importou.
Ela tragava compulsivamente e depois passava longos minutos apenas segurando o cigarro com a cabeça apoiada sobre as mãos enquanto torcia para tudo aquilo ser apenas um sonho ou uma brincadeira sem graça.
- Eu sinto muito. – falou e colocou a mãos sobre seu ombro.
- Obrigada por estar aqui comigo, .
Os dois nunca tinham conversado de verdade antes. Estavam sempre bêbados demais, chapados demais ou então, simplesmente sem o interesse de conversar sobre algo que não fosse corriqueiro e sem importância.
- Tudo bem.
- Você quer alguma coisa? – Ela perguntou. De uma hora para outra o espírito hospitaleiro de sua mãe migrou para seu corpo. – Tem cerveja, refrigerante na geladeira...
Ele fez que não com a cabeça
- Não, obrigado, , não se preocupe comigo.
- Hum, cigarro? – Ela estendeu o meio pacote de Marlboro Light para ele, porque na sua cabeça ele tinha que aceitar alguma coisa. Ela morreria se ele não aceitasse alguma coisa. Ela não sabia bem o porquê daquilo. Talvez ela estivesse transferindo sua raiva para situações aleatórias.
Talvez o garoto tivesse vontade de fumar, talvez ele pressentisse a transferência de raiva, mas aceitou o cigarro.
- Obrigado.
Por mais que estivesse sendo gentil e ajudando-a a manter um mínimo de sanidade e equilíbrio, sentia que precisava ficar sozinha; precisava chegar em seu quarto e atirar coisas nas paredes; precisava vestir roupas confortáveis e precisava encarar o teto escutando músicas cantadas por vocalistas que sofrem de problemas psicológicos.
- Eu acho que preciso ficar sozinha, . – Ela falou levantando-se e começando a subir a escada.
- Tudo bem. – Ele respondeu, mas não se mexeu.
- Hum... – Ela murmurou sem saber o que falar. – Você pode ir embora.
Ela tinha medo de parecer estar expulsando a única pessoa que estava ao seu lado, mas ao mesmo tempo, ela realmente tinha que ficar sozinha com os últimos acontecimentos caóticos.
- Não! – Ele falou decidido. – Eu prefiro ficar por aqui pelo menos até o Chris chegar.
teve vontade de pegá-lo no colo como se faz com algum filhotinho. Aquilo era muito legal da parte dele e ela provavelmente seria grata para sempre.
- , você é adorável. – Ela falou, mas tinha certeza que soava falsa, porque só conseguia pensar em seu quarto. – Mas eu juro que vou ficar bem.
- Eu tenho certeza que você vai, mas a sua televisão é bem legal. – Ele mentiu e apontou para a televisão da sala. Ela sorriu quando achava que nunca mais sorriria na vida. – E eu estou com vontade de passar a minha tarde assistindo televisão num lugar limpo.
desceu os poucos degraus que a separavam de e ali mesmo, naquele segundo, ela teve certeza de que tinha um novo amigo. Um amigo de verdade.

Capítulo 16;

não jogou nada longe. Ela também não vestiu roupas confortáveis ou escutou músicas tristes. Ela só conseguiu encarar o teto e reparar no jogo de esconde-esconde que as luzes pareciam brincar conforme as horas passavam.
Ela queria conseguir pegar no sono para que o tempo passasse mais rápido, para que aquela dor passasse mais rápido, para que ela voltasse a ser ela mesma e não simplesmente mais uma com o coração quebrado.
A imagem de aparecia diante de seus olhos toda vez que eles ficavam pesados o suficiente para se fecharem e ela ficava nervosa demais para adormecer.
O pior de tudo era que ela não seria a única magoada. Uma outra garota que tinha um namorado há dois anos, e que provavelmente achava que ele seria o pai de seus filhos, estava sendo traída. A cada segundo que se passava, as chances daquela garota ficar dois anos mais arrasada que ela eram maiores.
Ela era a outra; ela era aquela que todos chamariam de biscate e ela nem tinha consciência de seus atos.
Não seria ela quem contaria alguma coisa a namorada oficial de . Ela não se importava na verdade. Queria que ele morresse, queria que ela morresse, mesmo que nem seu nome soubesse. Queria que ela morresse, mesmo sabendo que ela era apenas mais uma vítima daquele típico triângulo amoroso.
Certo, ninguém precisava morrer, mas eles poderiam pelo menos muda-se para o Quênia.
A quem ela queria enganar? tinha que morrer!
Ela pegou o rádio-relógio da mesa de cabeceira e o jogou com força na parede.
Ela não se importava por ter destruído também a tomada que tinha sido arrancada junto com o aparelho e seu fio.
Também não se importava com o buraco em sua parede.
Nem que dali para frente ela não saberia mais as horas já que seu relógio estava quebrado em uma dezena de partes.
finalmente conseguiu pegar no sono, se é que aqueles cochilos conscientes poderiam ser chamados de sono. Ela ouviu a porta do quarto se abrir, mas não abriu os olhos. Seu corpo estava mole demais.
Sentiu o cheiro e o toque característicos de Chris assim que ele deitou-se ao seu lado e a abraçou.
Ele não falou nada, não precisava.
suspirou sentindo-se mais segura e menos ordinária com a presença dele que apenas beijou seu ombro e a abraçou mais apertado.
O sono longo e pesado aproveitou-se de sua sensação de segurança para dominar seu corpo e sua mente. Ela não sonhou nem se mexeu. Sua mente atribulada cedeu ao seu corpo exausto.
Ela acordou como quem acorda de um sono milenar. Sentia-se revigorada e cheia de energia. Bem, seu corpo estava revigorado e cheio de energia. Sua cabeça lembrava dos últimos episódios de sua vida como se eles estivessem entrado no ar meses, anos atrás.
Como num flashback, ela lembrou-se de tudo e fechou os olhos tentando adormecer novamente.
Quando ela dormia, ela esquecia-se de tudo.
Chris não estava mais lá e o cômodo estava extremamente escuro. Se ela ainda tivesse um relógio, ele lhe diria que já era madrugada. Mas ela não tinha, portanto, ela apenas supôs aquilo.
Ela levantou-se, foi até a janela e abriu as cortinas que, provavelmente, tinham sido cuidadosamente fechadas por Chris. Os telhados cinzas e as árvores marrons ficavam amarelos com a luz que vinha dos postes. Tudo parecia calmo e frio. Ela via as finas gotas de garoa dançando perto das lâmpadas.
Pegou seu ipod e, para sua sorte, algo melancólico e sofrido começou a tocar: qualquer uma daquelas músicas todas iguais do Secondhand Serenade.
Bem apropriado.
Ela sentou-se ali no pequeno sofá próximo a janela e observou todas os contorcionismos das folhas, dos galhos e das gotas. A cena pacífica do exterior pouco combinava com suas sensações interiores.
A voz do vocalista unida aos harmônicos instrumentos formavam um belo par que de certa forma, a reconfortava.
Os fones no ouvido a levavam para o seu próprio mundo autista cujos únicos habitantes eram a música e seus pensamentos.
Por isso que ela assustou-se ao ver sentado ao seu lado. tirou os fones do ouvido sob o olhar apreensivo do menino.
Ela queria jogá-lo na parede como ela tinha feito com seus aparelhos eletrônicos; ela queria gritar com ele, mas ela não conseguiu fazer nada além de respirar.
Horas ou segundos se passaram. Ela não tinha certeza. Nenhum dos dois tinha a coragem necessária para enfrentar aquele momento.
sentia que não acreditaria em explicação alguma de . Tudo que vinha dele parecia faltar com a verdade, até sua respiração. Ele respirava um ar cheio de culpa e incertezas que parecia mais falso do que tudo.
Além da falta de coragem, também sentia falta de vontade.
Ela levantou-se e caminhou até a porta, apontando o caminho para . Os olhos desesperados deixaram o sofá e caminharam até ela. Ela percebeu que um deles estava roxo e inchado.
Não pôde deixar de sentir um certo prazer sádico com o novo acessório de .
- Quem fez isso em você? – Ela perguntou.
- O Chris.
sorriu e quase perdoou o amigo por ter aberto a porta para .
- Ele deveria ter deixado o outro lado do mesmo jeito.
Apesar de apenas um olho roxo, a aparência de era a pior possível. Seu cabelo estava perfeito, suas roupas também e, se não fosse pelo olho roxo, seu rosto também estaria. No entanto, sua aparência nunca esteve pior. não sabia bem como entender ou explicar aquele fenômeno.
- Você precisa me ouvir, . – Ele falou numa voz que nem parecia a sua.
- Agora não, . - Os olhos tristes do garoto encararam o chão, mas ela continuava vendo apenas mentiras. – Vai embora, por favor.
- Posso te procurar amanhã? – Ele perguntou com a luz do corredor acentuando seus defeitos.
fechou a porta, voltou para o sofá e para o espetáculo das árvores, da chuva e do Secondhand Serenade.

Capítulo 17;

A manhã seguinte chegou rapidamente, já que quando ela recebeu a visita de , a madrugada já tinha aparecido há tempos.
O celular de Chris vibrou na mesinha de cabeceira anunciando a hora de levantar-se. ouviu aquele ruído que parecia distante, Chris se mexeu lentamente; tirou seus braços da cintura da menina; mexeu-se preguiçosamente; beijou seu pescoço causando-lhe um agradável calafrio; levantou-se e caminhou até a porta do quarto.
- Chris. – o chamou, sentando-se rapidamente na cama ao reparar que ele estava de saída.
- Volte a dormir, . – Ele falou com suas boxers verdes e sua pele rosada com sardinhas. – Fique em casa hoje.
Ela abraçou os próprios joelhos. Não tinha vontade de ficar em casa, muito menos sozinha. Pela primeira vez na vida, ela queria ir a escola.
estava fazendo estragos irreparáveis em sua personalidade. Calhorda.
- Eu não quero ficar sozinha aqui. – Falou levantando-se. Sentia-se mais mole do que normalmente sentia-se nos primeiros minutos da manhã.
Chris deixou a porta e caminhou até a amiga. Ele parecia sonolento e preocupado.
- Você sabe que ele provavelmente vai estar lá, né? – Ele perguntou puxando-a para um abraço.
Um abraço apertado que veio em boa hora. Ajudava a garota a ficar em pé sem tanto esforço e aquecia seus sentimentos que eram dominados pelo gelo.
Era engraçado como Chris tinha usado o pronome indefinido “ele” sem nenhuma referência anterior e ambos sabiam exatamente de quem ele falava. Qualquer um saberia de quem ele falava.
- Sei, mas eu não posso evitar essa conversa para sempre e esse quarto está me fazendo mal. - Ela olhou em volta e teve ódio de cada centímetro quadrado que a cercava. Era seu quarto; sua cama e suas coisas. Tudo aquilo que sempre lhe fez bem e pareceu acolhedor fazia com que ela sentisse azia e tontura.
- Você sabe que eu te amo mais do que qualquer um, né? – Chris perguntou com seus grandes olhos azuis encarando os olhos inchados e com olheiras da menina que não tinha dormido o suficiente para recuperar-se de algo que ela chamava de .
sorriu e fez que sim com a cabeça. Ela sabia. Ela o amava mais do que qualquer um.
Chris beijou sua testa, recolheu sua roupa que estava no sofá azul claro próximo a janela e deixou o quarto.
Um banho e algumas horas mais tarde, se viu na situação que ela tinha tentado evitar assim que acordou, estava sozinha. Ela, o cobertor da mãe de April e seus pensamentos irados e magoados.
Ela chegou ao colégio e foi direto para o telhado. Chris e April tinham se revezado para lhe fazer companhia, mas os dois estavam fodidos demais em biologia para perderem uma aula.
Falando em fodidos, suas próprias notas estavam tão baixas que ela nem as sabia. Ela não tinha nem assistido metade das aulas dadas naquele semestre.
E ela não dava a mínima.
Também não dava a mínima para o frio e o vento naquele telhado estúpido. Não mesmo.
Chris conseguiu distrai-la conversando sobre assuntos agradáveis e cuidadosamente escolhidos ao acaso por ele. April, no entanto, após tantos anos junto de Tony, tinha absorvido certas características dele como o egocentrismo. Ela passou o tempo todo falando sobre Josh e sobre como ele era o máximo. Em qualquer outra ocasião, iria adorar ouvir os relatos da amiga, mas aquela não era a hora para ela ouvir sobre a vida amorosa alheia.
Ela meio que quis esmurrar April. também. Mas April saiu correndo para o laboratório de biologia onde um sapo esperava para ser dissecado e o merda do poderia estar em qualquer lugar. Ela esperava que fosse no inferno.
Um ruído chamou sua atenção até a porta e Tony apareceu vestindo um cardigan cor de vinho que deixava seus olhos quase transparentes. A menina ficou feliz por ver uma face amiga, por mais que fosse a de Tony.
- Hei. – Ele falou num tom doce; com uma expressão doce.
Aquilo era novo. Talvez os danos irreparáveis que tinha causado já estavam afetando o seu senso de julgamento.
- Hei. – tentou sorrir para fingir que estava tudo bem. Desconfiava que Tony não tinha acreditado.
Ele sentou-se ao seu lado e tirou a mochila das costas; lá de dentro, tirou uma garrafa de vodka.
Amigos assim não têm preço.
- Achei que você estivesse precisando disso. – Ele falou passando a pesada garrafa a amiga.
Amigos assim não têm preço mesmo.
- Precisava mesmo. Não tem mais nada no esconderijo. – Ela falou com os olhos ardendo e o corpo aquecido graças ao álcool. Vodka pura as dez da manhã era hardcore até para eles.
Sim. Procurar a bebida no esconderijo tinha sido a primeira coisa que ela tinha feito ao chegar ali.
Tony juntou-se a ela debaixo do cobertor e entrelaçou sua mão a da amiga. Inacreditavelmente doce. Talvez já fosse o efeito da vodka, mas ele já parecia doce antes.
- Sinto muito pelo que aconteceu. – Ele falou e ela gostou daquele Tony meigo e gentil.
- É. Eu ainda tenho que conversar com o e resolver essa situação de uma vez por todas. – respondeu preocupada, aflita e ansiosa e pela primeira vez, calma. Tinha que por um ponto final naquela situação.
- Eu não estava falando disso, exatamente. – Ele falou brincando com seus dedos gelados. olhou para ele e para como as pontas de sua franja escura contrastavam com sua pele branca e com a bochecha rosada. – Estava falando do que aconteceu entre nós. – Tony falou baixo e ligeiramente envergonhado. Ela sentia que estava diante de uma nova pessoa. – Nosso beijo.
tinha se esquecido completamente daquele episódio, mas era típico de Tony conversar sobre algo que tinha a ver com ele.
Narcisista.
- Hum, tudo bem.
- Eu sei que eu vivo falando e te provocando e apesar de ter sido perfeito, eu fiquei morrendo de medo.
- Medo? – perguntou notando vulnerabilidade em Tony pela primeira vez.
- De estragar tudo. De você não querer mais nem olhar para a minha cara.
- Não se preocupe, está tudo bem.
- E eu sinto muito pelo . – Tony falou sem olhar em seus olhos. Era como se ele não permitisse que ela visse por inteiro aquela faceta gentil e totalmente honesta. – Ele parecia um cara legal de verdade. Eu geralmente sei reconhecer quando os caras são canalhas.
O fato era que nem ela nem ninguém esperava uma atitude como aquelas vindo de . Ele era o cara que não matava aula; ficava apenas bêbado, não desmaiava como eles (excetuando a noite que Tony o embebedou) e tratava tão bem a ponto de ela apaixonar-se em tão pouco tempo. Vagabundo.
- É claro que você sabe, você é um canalha. É sua obrigação reconhecer os seus companheiros.
- Exato. – Ele respondeu como o Tony de sempre, com seu típico olhar frio e superior.
A garrafa de vodka já estava pela metade e sentia-se zonza e distante enquanto seu amigo parecia totalmente sóbrio, já que ele era muito mais resistente ao álcool do que ela. Óbvio que pessoas normais já estariam em coma alcóolico enquanto os dois estavam “zonza” e “totalmente sóbrio”. Eles não tinham uma banda mas viviam o rock and roll lifestyle, de certo modo. A escola estragava tudo.
Ao invés de continuar a entreter e animar a amiga, Tony tirou algum livro de título complicado do Satre da mochila e começou a lê-lo. Estava absolutamente concentrado e a menina quase riu com o seu descaso.
A concentração de Anthony era tamanha que ele até esquecera-se da vodka que agora estava sob pleno controle de . Ela agradecia porque quanto mais bebia mais tudo aquilo parecia longe.
Escapismo.
puxava fiapos da manga de seu casaco quando Tony largou o livro e lhe deu um abraço apertado. Aquela demonstração de afeto a pegou de surpresa e parecia tão sincera que uma lágrima quase caiu de um de seus olhos.
Quase porque ela ainda não conseguia chorar. Provavelmente, era alguma deficiência vitamínica. Ela era chorona e tinha chorado desesperadamente algumas semanas atrás com Doce Novembro. No entanto, quando o drama era real e estava ali, nem uma gota.
O sinal tocou, e ainda abraçado a amiga, Tony falou:
- Eu tenho que ir. É aula de literatura.
- Tudo bem. – Ela respondeu fingindo não se importar por ficar sozinha, abandonada e traída.
Não conseguia chorar mas conseguia fazer dramas.
Tony levantou-se, arrumou os fios de cabelo que o vento teimava em desarrumar e deu um beijo na testa de .
- Se algum dia você quiser continuar o que a gente começou no armário dos produtos de limpeza, é só me avisar. – Ele falou no seu típico tom malicioso e piscou para a garota.
- Vai embora, Tony! – Ela gritou meio brava, meio rindo.
Porque Tony era Tony e ele não ficaria bonzinho de uma hora para a outra.
Aquela vodka parecia pesada demais. Ela colocou a garrafa no chão, mas mal conseguia olhá-la. Sentia que poderia vomitar se mais uma gota encostasse em seu corpo. Tentou olhar para a outra direção, mas apesar do frio e do vento, sentiu calor. Muito calor. Um calor incontrolável. Arrancou o cobertor que a envolvia e com ele cobriu a garrafa, resolvendo dois problemas de uma só vez. Mas ela ainda não sentia-se bem. Tudo culpa da porra do .
se levantou, mas suas pernas a deixaram na mão e ela caiu de joelhos no chão. Apesar de ter conseguido hematomas (que ela só encontraria depois), não sentiu nenhuma dor. Seu estômago parecia furado e o álcool de seu corpo parecia ferver. Aquilo nunca tinha acontecido a ela antes, mas talvez ela tivesse a necessidade de vomitar. Certo, já tinha acontecido, quando ela tinha doze anos e ela e April embebedaram-se com a cerveja da mãe de Chris. Desde então, ela orgulhava-se de ser alguém que não vomitava quando ficava bêbada.
Passado. filho da puta.
A ânsia chegou até a sua garganta mas algo a impediu que saísse. Sentindo-se o último ser da Terra, a menina deitou-se no chão e encarou as nuvens acima de sua cabeça. Estavam cinzas e se movimentavam rapidamente devido ao vento. Ela imaginava que seu estômago estivesse igual: uma nuvem esponjosa encharcada por vodka que mexia-se violentamente dentro de seu corpo.
O calor não passava, por isso ela tirou o casaco que vestia, ficando apenas de camiseta numa temperatura baixa de outono.
fechou os olhos esperando que tudo estivesse acabado quando ela os abrisse de novo. Que seu mal estar físico e psicológico passasse num passe de mágica. Contudo, quando ela abriu os olhos, viu a cabeça de a observando e sua ânsia finalmente completou seu destino. Ela virou a cabeça para o lado e vomitou tudo o que havia em seu estômago ou seja, álcool.
Sua garganta ardia, sua boca sentia o gosto da desgraça e seus olhos finalmente encheram-se de água. Aquelas não eram as lágrimas que ela esperava, no entanto. Eram apenas gotas causadas pelo esforço que seu corpo havia feito e não pelo esforço que sua alma tinha feito.
segurou seu cabelo, mas seu toque só fazia com que ela sentisse mais enjôo. Ela afastou-se rapidamente e limpou a boca com o único líquido que tinha ali. Ela devia estar cheirando como uma alcoólatra profissional.
Ela parecia uma, com certeza.
Com seu corpo e sua cabeça esgotados, a garota encostou-se no parapeito do prédio e afundou sua cabeça em suas mãos. Seus cabelos pareciam ter vida própria e insistiam em cair em sua cara.
Ela o ignoraria.
a observava com os olhos preocupados e ela sentia-se humilhada pois ninguém nunca a tinha visto numa situação como aquela. O maldoso destino escolheu que entrasse ali e não Chris, ou April, ou até Tony.
- Você está bem, ? – perguntou e recebeu em resposta um olhar lotado de ódio pois a garota tinha interpretado sua pergunta como um uso infeliz de sarcasmo. Pelo menos o episódio do vômito tinha feito com que a sobriedade voltasse a seu corpo. Ela não sabia se aquilo era bom ou não, já que pelo jeito, teria que enfrentar a temida conversa sem nenhuma ajuda. – A gente precisa conversar.
Ela fez que sim com a cabeça pois precisava tirar aquele peso das costas. Precisava ouvir suas explicações para voltar a sua vida. sentou-se em sua frente e ela reparou que não apenas um olho estava roxo, os dois estavam.
Ele estava uma bagunça.
- O Chris que te socou de novo? – Ela perguntou contendo o sorriso.
- Tony. – falou num tom que deixava bem claro que estava cansado de apanhar.
amou a hipocrisia de Tony que era tão cafajeste quanto e ainda o agredia.
- Comece a falar, . – Ela ordenou.
- Quando eu tinha doze anos eu me mudei para a casa onde meus pais vivem hoje em dia lá em Bristol. – Que merda! Ele iria contar a história da vida dele? - A Helen era nossa vizinha e nós viramos amigos. – Helen. Esse era o nome da biscate, então. Mas a biscate da história era ela e não a tal da Helen. Nome feio, de gente velha. - Ela me apresentou ao , ao e ao e eu me adaptei a escola nova, ao bairro novo e eu sempre gostei muito dela, mais do que eu já tinha gostado de qualquer pessoa que não fosse a minha mãe. – Ele falou numa tentativa de piada, mas apenas ele riu. Idiota. – Mas nós só éramos amigos porque nós éramos muito novos e morríamos de medo de tudo. A gente passou um tempo meio afastado, quando eu acabei me concentrando muito na música e nas festas, mas três anos atrás nós nos reaproximamos e começamos a namorar e eu tinha certeza que nada nunca ia me separar dela e que minha vida já estava traçada. – suspirou. Ouvir tudo aquilo a abalava porque ela tinha certeza, que pela primeira vez, não havia mentiras entre eles. – Eu ia ficar com ela para sempre. Mas ai, ela teve que se mudar aqui para Londres e a única saída que eu encontrei foi usar a banda como desculpa para ficar perto dela. Tudo estava bem e como eu sempre pensei que seria de novo, mas ai eu conheci essa outra garota que chamou a minha atenção no minuto que eu coloquei os pés naquela sala de matemática. – parou de olhar o chão e encarou os brilhantes olhos de . Seu coração estava apertado e apreensivo para escutar a parte em que ela se envolvia na história. Já sabia todo o enredo, mas era como se ouvisse a história pela primeira vez e quisesse saber o trágico fim. – Ela tinha esse brilho, essa confiança e essa aura de mistério que me atraíam como um imã. – Ele falou com um sorriso na boca e uma cor na bochecha. – Quando ela olhava para mim eu sentia faíscas a minha volta e eu não acreditei quando ela veio falar comigo. Além de tudo, ela era legal e simpática e me apresentou os amigos e eu deixei de ser o cara novo e deslocado para me sentir como alguém do grupo. As faíscas ficavam cada vez mais fortes e eu percebi que não pensava mais na minha namorada e evitava suas ligações. Uma culpa terrível tomou conta de mim e ela se misturava com a imensa curiosidade e desejo de conhecer cada vez melhor a garota misteriosa. Ela resolveu fazer uma festa e eu sabia o que aconteceria se eu fosse para a festa. Eu ia trair aquela garota que, até alguns dias antes, eu pensava que seria a minha futura esposa. – Talvez ela devesse vomitar de novo. - Decidi que por mais que a garota misteriosa me atraísse, me deixasse desconcertado e mais feliz do que eu nunca tinha sido, eu não poderia fazer algo tão asqueroso quanto aquilo. – Alarme falso. Ela não queria vomitar. Ela achava. - Decidi que não ia para a festa e que, para me sentir totalmente sem culpa, sairia com a Helen. – sentiu sua cara transformar-se numa careta e a vontade de vomitar voltar. – Fomos no cinema e eu nem me lembro do que o filme se tratava porque eu só conseguia pensar em outra garota. Eu precisava dela, nem que fosse só para ter ela por perto, para escutar sua voz e a sua risada. O filme acabou e eu deixei minha namorada na casa dela. Passei em casa, peguei meus amigos e cheguei à festa. A garota misteriosa era também imprevisível e quando eu consegui processar tudo o que estava acontecendo, eu estava num banheiro, realizando o meu desejo secreto, beijando-a. Não consegui mais me afastar dela desde que isso aconteceu, mas eu não tinha a coragem de terminar com a Helen. Ela sempre me pareceu o oposto de você. – finalmente parou de se referir a ela como “garota misteriosa”. – Sem confiança ou auto-estima, frágil e carente. Ela ficaria arrasada se eu terminasse o relacionamento de três anos, mas eu tentei. Tentei incontáveis vezes porque eu queria ficar com você sem que nada atrapalhasse. Eu tinha me dado conta de que eu te amava e de que o que eu sentia pela Helen não passava de carinho. Alguma coisa sempre me atrapalhava e ai, eu tentei contar para você o que estava acontecendo. – o olhou com curiosidade. – Mas eu estava bêbado demais e pelo o que eu me lembro, minha coragem só deixou que eu falasse “preciso te falar uma coisa” e você não deu importância, afinal eu estava totalmente bêbado. As coisas saíram do meu controle, eu comecei a mentir para você para poder ver ela, mentir para ela para poder ver você e meus amigos começaram a me pressionar, mas eu não conseguia fazer nada até que eles fizeram por mim. O que eu fiz não tem explicação ou justificativa, mas eu queria te pedir desculpas por ter te magoado. Desculpa, . – falou pegando um sua mão.
Racionalmente, falava para si mesmo que aquele era um erro horrível e irreversível, mas ela deu sua outra mão a , iluminando seu rosto.
Emocionalmente, ela estava em pedaços, mas acreditava em cada uma das palavras de e sentia-se tocada por elas. Parecia uma heroína retardada romântica.
- Como a gente fica então? – Ela perguntou.
- , você quer ser a minha namorada?
- Você já terminou com a Helen? – Ela perguntou já sabendo a resposta e sentindo a garganta falhar ao proferir aquele nome.
- Não. – Ele falou aflito. – Mas eu vou fazer isso hoje mesmo.
- Certo, pergunta de novo, então. – Ela falou num sorriso.
Nenhum dos dois conseguia evitar o sorriso, a sensação de alívio e de que tudo ia ficar certo. Tudo estava certo.
- , você quer ser a minha namorada?
- Quero, . - aproximou-se para um beijo ou um abraço, mas ela levantou-se meio cambaleante. – Antes de qualquer coisa, eu preciso ir para casa, tirar essas roupas e esse cheiro de Courtney Love de mim!
- Eu não me importo. – Ele falou puxando-a pela cintura para mais perto.
- Eu me importo. – respondeu afastando-se, em seu caminho até a porta.

Capítulo 18;

O ditado “o que não mata te deixa mais forte”, diferente de outros ditados, que são facilmente negados pela realidade, é sempre verdadeiro.
Era o que pensava, pelo menos.
Ela não tinha nem duas décadas de vida e nunca pôde reclamar de nada. Seus pais sempre lhe deram conforto e carinho, mesmo de longe; sempre teve amigos por quem ela morreria e nunca teve um problema que não fosse resolvido por conversas ou por um bom baseado.
Certo, ela era uma garota festeira e que gostava de coisas ilícitas, mas não era viciada em nada. Cigarro, talvez, mas era algo totalmente contornável com a compra de chicletes de nicotina e alguma boa vontade da parte dela.
Mas o que importava era que toda vez que sentia que tinha caído e que estava no fundo do poço, no fim, quando tudo estava acabado, ela sentia-se mais forte e mais completa.
Ela desembaraçava a ponta de seus cabelos úmidos, enrolada em uma toalha branca e imensa enquanto pensava nisso.
Ela respirava melhor e sentia ter um melhor julgamento sobre seus problemas: coisas pequenas eram tratadas como coisas pequenas e coisas grandes eram tratadas como coisas grandes.
Simples.
Chatear-se porque aquela par de calças não está mais servindo?
Nunca mais. Ela simplesmente comeria um iogurte de sobremesa ao invés de um chocolate na próxima semana.
Chatear-se porque o cara que você ama a engana.
Aquele era um motivo para chatear-se. Era uma coisa grande que seria tratada como algo grande. Para sua sorte, ela já tinha tratado daquilo. Já tinha quebrado eletro-eletrônicos, enchido a cara, vomitado e perdoado ele.
Totalmente saudável.
Ela sentia saudades e se fechasse os olhos, nem precisava se concentrar muito para sentir seu cheiro.
Aquela história de passar mais tempo no telhado do colégio do que na sala de aula acabava com seu cabelo. Ela teve que cortar um nó do tamanho de um pêssego com a tesoura.
Vento.
Fenômeno natural totalmente desnecessário.
Após jogar metade de seu cabelo no lixo (graças ao vento e ao seu nó), caminhou até seu quarto e tropeçou naquela toalha feita sob medida para o Hagrid. Onde a mãe dela tinha comprado aquela bosta?
Sua janela estava embaçada do lado de dentro e molhada do lado de fora. Ela podia ver pequenas gotículas finas de chuva que ganhavam cor sob as luzes amareladas da rua.
Estava ridiculamente frio do lado de fora, mas ela ainda tinha que sair de casa.
Vestiu-se com jeans, o casaco verde de gnomos que Chris tinha comprado para ela com desconto de funcionário na David and Goliath e a horrorosa bota/galocha vermelha de April que estava há semanas e por alguma razão desconhecida, tinha caído no seu gosto. Separou um casaco mais grosso e comprido para usar na rua e jogou coisas essenciais na bolsa estampada comprada em Camden.
- ! – Chris gritou do andar inferior. – A pizza está pronta!
- Estou descendo!
achava magnífico ter Chris como roomate. Ela não precisava assar a pizza congelada! Chris fazia aquilo por ela!
Certas coisas adquirem valores imensos quando não se sabe ligar o forno. Ela já tinha tentado dezenas de vezes, mas o máximo que conseguia era acender a luz e disparar o timer.
Chris já se encontrava na mesa da cozinha e enfiava metade duma fatia de pizza de peperoni na boca. Ele ainda não sabia que tudo já estava bem e surpreendeu-se ao ver a amiga vestida com um sorriso e roupas de sair. Ele a fitou da cabeça aos pés e sorriu como ele sorria quando era seu namorado. Ela poderia ter ficado constrangida, mas Chris e sua boca cheia estavam engraçados demais.
- Hei. – Ela cumprimentou.
- Bonito casaco. – Ele falou. Mas ela sentia que Chris estava morrendo de curiosidade pelo sorriso.
- Obrigada. - Ela respondeu sentando-se. Já tinha uma fatia de pizza em seu prato. – Foi presente do meu ex. – Ela fez charme para deixá-lo cada vez mais curioso.
- Certo, pare de enrolar. O que causou essa mudança de humor?
- Eu e o conversamos. – A cara de Chris fechou-se ao ouvir o nome do outro garoto. – E nós nos resolvemos! – completou fazendo seu porre e toda aquela conversa parecerem algo simples.
- O quê? – Chris perguntou deixando parte dos peperonis de sua pizza caírem. – Por quê? – Um misto de descrença e escárnio formavam sua expressão.
O ambiente conhecido e amigável da cozinha de sua própria casa tornou-se frio e inóspito. Ela esperava um sorriso e uma piada, não Jack Nicholson em O Iluminado.
- Ele me pareceu tão sincero, tão arrependido, Chris. – respondeu largando seu pedaço de pizza no prato. Sentia-se encurralada. Seu tom desculpava-se por ela ter perdoado . Ela odiou Chris por fazê-la usar aquela tom.
- Mas, ... – Chris começou a falar e desistiu de sua pizza. Largou-a no prato e depois deixou sua cadeira, derrubando a almofada vermelha no chão. – O cara te enrolou por mais de um mês! Ele enganou você, ele enganou os seus amigos, ele fez todos acreditarem que você era tudo para ele e depois os amigos dele... – Chris enfatizou a palavra “amigos”. – te contam que ele tinha outra! Se não fossem por eles você e todos nós ainda estaríamos pensando como o é legal, como o é carinhoso, como o gosta dela, como o faz a feliz, como o é talentoso, como o é mais responsável que todos nós, como eu queria ser o !
encarou seu prato, mas a última coisa que passava por sua cabeça era pizza.
Por um segundo, a sensação de que ela tinha tomado a decisão errada a aterrorizou. Ela já previu todo o arrependimento, a raiva e o sofrimento que aquilo causaria. Ela não queria nada daquilo.
O arrependimento passou e ela conhecia Christopher bem demais para entender perfeitamente o que estava acontecendo.
Chris estava com ciúmes, assim como há mais ou menos um ano atrás, ela tinha agido feito uma maluca quando ele começou a namorar sério com uma garota perfeitamente normal e adorável chamada Carrie.
- Chris, por favor, pare. – Ela falou calmamente encarando as costas de Chris que apoiava as mãos na pia da cozinha. – Você sabe que você é a pessoa que eu mais considero nesse mundo... – Chris virou-se e ela aproximou-se tentando encarar seus olhos que fitavam o chão e evitavam os dela. – Exceto pelo Keanu Reeves, você sabe... – A menina tentou fazer uma brincadeira e por incrível que pareça, Chris passou sua atenção a ela e suas bochechas definidas ficaram coradas tentando esconder uma risada. – Você melhor do que ninguém sabe o quanto o me magoou – juntou suas mãos as dele. - mas agora eu estou te contando antes de qualquer um, que nós estamos juntos de novo e eu estou feliz. Ele me pediu em namoro.
Chris arrancou suas mãos da proximidade da amiga, cruzou os braços e a olhou com uma expressão que não sabia interpretar. A única coisa que sabia, era que ele não estava feliz.
- Então, é assim? – Seus olhos azuis poderiam parecer frios num primeiro instante, mas a raiva que passava por eles os tornava quentes e assustadores. – Foi só o cara te pedir em namoro que você já perdôo ele?
- Chris, não é assim.
O jeito que ele falava distorcia toda a situação. A garota sentia-se perdendo o controle. Aquilo não deveria acontecer. Chris sempre a apoiava. Até quando ela fazia burradas como fazer um piercing idiota no lábio! Aquilo ele apoiou, mesmo depois de ter infeccionado e inchado.
Ele caminhou com passos pesados até a sala. cruzou os braços sem saber o que fazer, observou-o aproximar-se da janela e acompanhar os faróis dos automóveis que levantavam uma pequena cortina de água ao passarem pelas poças.
– Escuta. – Ela caminhou até ele e parou ao seu lado. Estava com dificuldades para terminar aquela sentença. Não queria magoá-lo queria que tudo voltasse ao normal. Ela era péssima com conflitos. A sala estava pouco iluminada, mas ficava colorida graças a mistura de brancos e vermelhos que vinham do trafego. As feições bonitas de Chris estavam travadas. Era sempre um baque para ela vê-lo daquele jeito pois ele era simplesmente, a pessoa mais feliz do mundo. – Eu sei o que estou fazendo, ok? – Ela completou tirando a mão de Chris de seu bolso e unindo-a a dela. Ele desviou o olhar, mas não negou o contato. Parecia bravo demais para encará-la. Parecia odiá-la demais. – E eu sei que você só quer o melhor para mim, mas eu sou feliz com o e agora vamos ser só eu e ele sem namoradas antigas interferindo. – Chris afundou a cabeça na mão livre e a menina beijou sua testa sentindo o agradável cheiro de cereja de seus cabelos. – Eu ia ficar muito mais feliz e segura se você me apoiasse. Eu não posso fazer nada sem o seu apoio, Chris.
E essa era a verdade. Ela aparentava independência, mas sem Chris, ela provavelmente não faria nada. Precisava de alguém para falar que tudo estava bem. Precisava de alguém sempre ali; alguém que com certeza, a salvaria se ela caísse.
Esse alguém era Chris.
E era isso que fazia deles o que eles eram. Uma amizade incondicional que se unia com um amor incondicional. O apoio incondicional era apenas uma conseqüência.
- Eu não gosto disso. – Chris finalmente falou. Sua cara era infeliz e sua voz infantil. – Você sofrendo por ele. Eu não sabia como me comportar ontem. Eu cheguei em casa e o estava aqui, ele me contou o que aconteceu e eu fiquei totalmente cego de raiva! Tão cego que eu dei um soco nele! – Ele falava muito rápido.
- Eu vi que você deu um soco no , obrigada, aliás. – Ela sentia dó por agora, mas na noite anterior, aquilo tinha sido sensacional.
- Não! No não! Quer dizer, depois eu dei um soco no , mas antes eu dei um soco no ! – Chris falou transparecendo culpa e nervoso.
- No ? – indagou sem acreditar. – Por que você bateu no ?
- Eu já falei eu fiquei cego! Mas eu já pedi desculpas para ele. – Ele falou com simplicidade. – Ai o veio atrás de você e eu fiquei realmente bravo e o rosto desforme dele confirma isso agora. Depois eu subi e vi você triste como eu nunca tinha visto e eu odiei aquilo! Porque eu nunca faria aquilo com você.
- É claro que não, Chris. – Os dois juntaram suas mãos e encararam-se nos olhos. – Você nunca fez nada nem parecido com isso e eu só tenho lembranças boas do nosso relacionamento, mas eu tenho que seguir em frente e a pessoa que eu encontrei para me comprometer foi o .
O garoto parecia mais convencido, apesar da expressão indigesta da face.
- Isso é difícil para mim, . – Chris falou num tom gago caminhando até o sofá. Ele acomodou-se com a ex-namorada ao seu lado. – Você é a pessoa que eu mais amo no mundo e eu fico doente só de pensar que agora você está com um cara que já te machucou e em quem eu não confio mais. Além disso... – Chris iniciou a frase e depois emudeceu. Ele bateu as pernas com agitação no chão e depois levou uma das mãos a boca e a outra a cabeça.
- Fala, Chris. – o encorajou com a mão em seu joelho. – Você sabe que pode me falar qualquer coisa.
- Além disso eu estou com muito ciúmes! – Ele finalmente admitiu num tom envergonhando e culpado, gaguejando um pouco.
riu.
- Isso é normal, Chris! Lembra quando eu quase te levei à loucura ano passado? Porque você estava namorando aquela garota?
- É, você foi uma péssima ex-namorada naquela época. – Ele falou num sorriso que escondia o nervoso. - Mas acho que o que eu sinto é diferente. Não é exatamente ciúmes do ou de qualquer outra pessoa. Mas eu moro com você e eu vejo você todos os dias e às vezes, eu sinto essas saudades misturadas com uma incontrolável vontade de te beijar e ter você bem perto de mim. – O garoto admitiu sem encará-la.
não sabia bem como agir, já que se não estivesse tão envolvida com , ela e Chris ainda estariam com toda aquela história de amizade com benefícios e ela ainda o amava, além de ainda sentir-se atraída por ele. Mas ela não o queria, não daquela maneira. Não naquele momento.
o abraçou e ele retribuiu acariciando seus cabelos.
- Own, Chris. – Ela ronronou. – Independentemente do status do nosso relacionamento, eu sempre vou te amar e nós sempre vamos estar juntos. Você sabe disso, certo?
Ele fez que sim com a cabeça.
- Mas eu vou ficar de olho nesse . – Falou com má vontade.
- Isso. Fica sim! Porque eu não estou acostumada com namorados cachorros. – Os dois soltaram-se e sorriram. – Só estou acostumada com namorados viciados. – Ela o provocou.
Chris virou a cara e os olhos.
- Você sabe que eu estou praticamente limpo agora.
- Eu moro com você, Chris! Claro que eu sei. Você não treme e não parece mais ligado à tomada 220! - Os dois riram. – De qualquer maneira, eu estou feliz que você esteja parando. Eu sei que seu vício nos remédios nunca foi fora de controle, mas acho que você reduziu na hora certa.
Chris fez que sim com a cabeça e encostou seus lábios aos dela naturalmente, dando-lhe um selinho que a perturbou por um segundo. Aquela demonstração de afeto após a última fala dele parecia um convite para problemas. No entanto, Chris agiu tão naturalmente quanto se tivesse apertado sua mão.
- Vamos. – ele falou levantando-se e puxando a amiga pela mão. – Nossa pizza já deve ter esfriado.

Capítulo 19;

As finas gotas de chuva espatifavam-se em sua face. Eram geladas e impiedosas. Os poucos metros que separavam as duas casas da Belmont Hill mostravam-se mais longos do que de costume.
Alguns carros passavam por ela e tinha certeza sobre a pergunta que eles se faziam: “O que essa garota faz fora de casa tarde da noite com esse tempo? E por que raios ela está usando essa galocha horrível??”
Bem, a galocha não tinha sido planejada, tinha sido mais um impulso do que um plano, mas tinha acabado como uma boa escolha, já que graças a ela, ela não molharia suas meias ou calças com a nojenta água da enxurrada.
Além disso, ela estava ali para retomar sua vida e não era uma galocha que a ajudaria ou impediria.
Ainda de longe, ela avistou as luzes da sala dos McFly e apertou o passo pois ela queria chegar rápido e aquela chuva estava começando a tirá-la do sério. Convenhamos, ela tinha acabado de tomar banho. Se ela realmente quisesse outro, ela teria entrado no chuveiro novamente.
Ela murmurou qualquer coisa ruim sobre o clima e atingiu a varanda suja de seus amigos. Olhou para cima, para o quarto de e suas luzes apagadas. Tudo parecia muito pacífico naquela andar; no de baixo, o colorido da televisão formava formas engraçadas que ela podia ver pela janela.
Ela tocou a campainha e depois guardou suas mãos já frias no bolso.
- Olha quem está aqui! – a cumprimentou feliz ao encontrá-la na soleira de sua porta. Sua expressão estaria mais feliz se não houvesse um olho roxo, talvez amarelo em sua face que geralmente tinha aquela beleza clássica e charmosa.
- Own, ! – Ela mal conseguia olhar para o garoto machucado. – Desculpe, desculpe mesmo! Eu sinto muito! Eu já até conversei com o Chris. – Ela tentava se explicar enquanto o abraçava e fazia qualquer coisa como dar um beijo em seu olho saudável.
Eca, ela não beijaria um olho todo podre. Por mais que a culpada do olho podre seja ela (indiretamente) e que fosse um cara legal.
- Tudo bem, . – Ele respondeu praticamente rindo dela. – Não é tão ruim quanto parece, acredite.
Ela sorriu sem graça.
abriu caminho para que ela passasse pela porta e sentisse o ar quente que tomava conta da casa.
- Obrigada por ter ficado lá em casa ontem. – Ela falou notando que a casa parecia fazia, a não ser por ela, e algum filme do Hugh Grant que ele assistia na televisão. Ela sempre o tinha considerado um cara mais do tipo filmes de ação do que comédias românticas. Tinha se enganado, pelo jeito.
- Não tem o que agradecer. – Ele falou enquanto a menina despia seu casaco que mostrava-se inútil longe da chuva e do frio. – Eu não ia poder deixar você sozinha, eu me sentiria muito mal.
sorriu agradecida e aproximou-se de para mais um abraço. Ele era mais alto que ou Chris e ela esticou os pés para alcançá-lo. Devia ter a altura de Tony.
- Então... – Ela falou assim que os dois se afastaram. – Hugh Grant e Sandra Bulock? – riu e encarou a televisão com as bochechas rubras. – Não fazia idéia que esse era o seu tipo de filme.
- Não é! – Ele explicou-se. – Mas eu liguei a televisão e estava passando isso e eu achei interessante e... e... – ele não completou a frase graças a sua falta de jeito.
- Tudo bem, , você não me deve explicações sobre o que você assiste, mas eu prometo não comentar isso com ninguém.
- Obrigado. – Ele respondeu ainda com as bochechas avermelhadas e um sorriso envergonhado nos lábios.
olhou em volta a procura dos outros moradores da casa (e de um deles especialmente).
- Hum... – Ela murmurou. – Onde está todo mundo?
“Todo mundo”. Imparcial o bastante. Ela poderia estar lá para conversar sobre coisas engraçadas com ou ter uma conversa profunda com .
- O está no quarto dele. – respondeu de prontidão e balançou a cabeça em sinal de entendimento. Talvez fosse bom que alguém já soubesse que ela não queria conversar sobre coisas engraçadas com ou sobre coisas profundas com , mas que ela queria , independente do tipo de conversa que fossem ter. Ela não precisava ser imparcial com . – Ele vai ficar feliz por te ver. – O garoto completou e ela fez o mesmo sinal com a cabeça novamente. Sentia-se melhor agora que sabia que realmente o veria. – Ele está meio confuso. – riu.
- Confuso?
- Sim. Ele não entendeu bem se você perdoou ele ou não. disse que você saiu correndo falando qualquer coisa sobre a Courtney Love.
- Ah! – A garota exclamou com a boca aberta. Não sabia se achava aquilo muito idiota ou muito engraçado. – Bom, eu vou lá tirar todas as dúvidas do . – Ela respondeu inocentemente e a olhou indecentemente. – ! – Ela o repreendeu.
- Bom... – Ele falou ignorando o olhar que a garota lançou-lhe. – Vai logo que eu estou tentando assistir uma comédia romântica e você já fez eu perder partes muito importantes. – Ele falou ironicamente.
A porta do quarto de estava fechada e ela observou a claridade que ocupava o corredor vinda dos vitrais antigos e mal cuidados da escada.
A bolsa e o casaco em suas mãos eram importantíssimos, impediam que ela levasse as unhas à boca e se sentisse nervosa. Bem, mais nervosa.
Ela estava naquele estado. Não estava nervosa. Não estava tranqüila. Estava a um passo dos dois estados de espírito e precisaria ultrapassar aquela porta para saber qual das duas emoções venceria.
Ela não bateu.
Acomodou a bolsa e o casaco em apenas uma mão e com a outra abriu a maçaneta com firmeza e delicadeza para que o ruído fosse mínimo.
sempre esquecia de fechar as cortinas e aquilo a ajudou pois as luzes da rua garantiam a iluminação ideal no cômodo. Era forte o bastante para que ela enxergasse o menino dormindo pacificamente embrulhado em seu edredon azul e fraca o bastante para que seus olhos não se machucassem e pudessem cair no sono rapidamente.
depositou sua bolsa e seu casaco em uma cadeira próxima a janela, tomando cuidado para que os cds que estavam ali em cima não desabassem e fizessem um escândalo que a entregassem.
Ela tirou as galochas e caminhou até a cama. Antes de sentar-se, cruzou os braços e observou o sono do namorado.
Ela tinha um namorado agora. De novo, ela estava comprometida e como em todo começo de relacionamento, ela sentiu-se boba, feliz, amedrontada.
O cabelo fino do menino estava despenteado e cobria sua testa; sua pele poderia parecer branca demais ou então, quase dourada. Ela não sabia ao certo.
deitou-se ao lado de e continuou encarando-o, talvez ela pudesse fazer aquilo até adormecer ou até ele acordar.
- Hei. – Ele falou em certo momento. Sua voz estava baixa e calma, talvez confusa e feliz. terminou a palavra com um sorriso que não mostrava seus dentes, mostrava apenas suas bochechas, seus lábios e seus olhos doces.
- Hei. – Ela respondeu imitando .
Ele se mexeu e acomodou-a em baixo das cobertas. Ela aproximou-se de reparando que ele usava boxers listradas e uma camiseta branca.
O menino suspirou e acomodou uma de suas mãos em sua cintura e a outra em seu rosto. Ela agradava seu pescoço que estava morno e agradável e aquecia sua mão ainda fria.
- Eu ainda não consegui terminar com a Helen. – Ele falou baixinho e ela podia notar o medo em sua voz. O medo de que ela mudasse de idéia, o medo de que tudo fosse por água abaixo novamente. Mas ela tinha que dar-lhe créditos pela sinceridade. Era tudo o que ela mais queria depois de todo aquele drama digno de programas ruins que vão ao ar às tardes para que desocupados finjam ter algum compromisso.
- Tudo bem. – Ela respondeu. Não ficou brava ou chateada pois sabia que tudo ainda era muito recente e não esperava que ele terminasse com a garota antes do dia seguinte. A menina julgou que aquela era a oportunidade perfeita para a sua confissão. Se ele estava sendo tão honesto, ela não poderia tratá-lo diferentemente.– Eu beijei o Tony. – Diferentemente de , que reagiu calmamente à declaração, se mexeu desconfortavelmente, mordeu o lábio e coçou a cabeça. – E foi maravilhoso. – Ela completou e ele a olhou com a testa franzida e os olhos pedindo socorro. – Mas eu não senti nada, eu só senti que eu te amava. – Sua expressão relaxou-se e pensou que tinha enxergado um princípio de sorriso. – Depois eu vim para cá correndo te contar e foi quando eu encontrei o , o e o .
- Eu sinto muito. – Ele falou e o arrependimento parecia palpável.
- Eu também.
Ela aproximou-se mais e o abraçou apertado. Seu cheiro que há minutos atrás era apenas memória, era realidade.
As pessoas costumam falar que a realidade é dura e injusta. Tudo falso. A realidade é como um abraço aconchegante e seguro, com cheiro de sabonete e fragrância masculina, e som de chuva e respiração.
- Eu amo você, . – Ele falou próximo ao seu ouvido e a menina fechou os olhos sentindo sua respiração tão parecida com a dela, sentindo o calor de seu corpo tão parecido com o dela, sentindo seus sentimentos tão parecidos com o dela.
- Eu também amo você, .

Capítulo 20;

A dinâmica do horário do almoço estava mudada. A comida continuava ruim; o cheiro, péssimo e o local, lotado e barulhento. No entanto, não apenas , , Chris, April e Tony sentavam-se na mesa do canto esquerdo do refeitório.
Com o fim do relacionamento entre April e Tony, ambos fizeram questão de superar o passado rapidamente.
Ou pelo menos fingir que tinham superado.
De um lado da mesa, remexia sua bandeja coberta por uma fétida carne de carneiro, sentada entre Chris e : seu ex e seu atual, respectivamente. Pode até parecer mentira, mas os três conseguiam se divertir bastante juntos. Chris, mesmo após ter perdido a confiança no outro cara, continuava a pessoa mais sociável do mundo e isso significava que qualquer um os julgaria melhores amigos caso os visse por ai. , apesar do olho roxo (que já era invisível), não sabia da declaração que seu amigo tinha feito a sua namorada, deixando bem claro que tinha ciúmes e que, às vezes, queria que ela fosse mais do que sua amiga.
tinha achado melhor omitir aquele pequeno detalhe do namorado, já que Chris nunca mais tinha tocado no assunto e tinha voltado a ser ele mesmo: seu ex-namorado, melhor amigo e colega de casa.
Do outro lado da mesa, o antigo casal continuava sentando-se lado a lado, mas eles tinham novos acompanhantes.
Naquela semana, Tony estava enrolado com uma garota do primeiro ano, que apesar de mais nova, aparentava a idade deles e tinha longos cabelos cacheados e ruivos que combinavam perfeitamente com seus olhos verdes e suas roupas que de uma maneira atual, lembravam os anos 60 e a deixavam com a cara de quem estava fazendo um editorial de moda. Seu nome era Amy.
April já tinha terminado com Josh e agora passava a maior parte de seu tempo com Sean. Ele tinha cabelos curtos castanhos que estavam sempre cobertos por um chapéu cinza que garantia a ele uma imagem boêmia e charmosa. Seus olhos eram castanhos no centro, verdes nas bordas e absolutamente hipnotizantes. Ele era o tipo de garoto gentil e que se importava com uma garota. Exatamente o que a melhor amiga de precisava.
Bem, o que qualquer garota precisava.
Apesar de todas as complicações afetivas envolvendo aqueles amigos, eles ainda conseguiam conversar animadamente sobre Jamie T e suas músicas que pareciam ter sido escritas por algum deles sobre alguma noite de suas vidas.
Alguns realmente não se importavam, outros atuavam muito bem.
O sinal bateu e, automaticamente, os sete levantaram-se, saíram do refeitório, caminharam até o fim do corredor e escalaram as escadas de incêndio. Todos já estavam muito acostumados com aquilo, principalmente , Chris, Tony e April. que até algum tempo atrás fingia ser um bom aluno, agora passava a maior parte de seu tempo no telhado; os dois novos agregados não pareciam se sentir nem um pouco culpados por estarem perdendo a aula de psicologia ou a aula de química.
Subiram as escadas conversando alto como se não tivessem uma preocupação no mundo, até que ao chegarem na último andar, amontoaram-se ao trombar com a porta.
Estava trancada.
Aquilo estava errado.
estudava ali há anos e aquela era a primeira vez que aquilo acontecia. A garota nem sabia ao certo como reagir.
Ninguém sabia.
Tony forçou a maçaneta com o rosto transtornado.
- Desde quando eles trancam essa porta? – perguntou para ninguém e para todos.
Recebeu uma série de respostas sem sentido e confusas.
Os sete encostaram-se na parede em silêncio. Realmente não esperavam por aquela.
Escola com aula. Parecia uma combinação improvável e desagradável.
- O que a gente vai fazer? – Chris perguntou atordoado encarando os degraus a sua frente.
- Acho que nós vamos fazer o que as pessoas geralmente fazem na escola, Chris. Elas vão para aula. – Respondeu Tony, que apesar de confuso não deixava de ser cínico.
- Eu nem sei que aula tenho agora. – comentou dando-se conta que não tinha ido a quase nenhuma das aulas após o almoço naquele ano letivo.
Ela certamente teria problemas quando seus pais checassem a caixa de e-mails.
- Você tem geografia, . – Chris respondeu tirando a cabeça da menina dos hábitos virtuais de seus pais e levando-a para a dúvida de como raios Chris sabia aquele tipo de coisa.
O resto do grupo teve os mesmos pensamentos e dúvidas de e olharam para Chris com os olhos estreitos.
- O horário das suas aulas está pendurado na geladeira de casa! – O menino defendeu-se ficando um pouco gago.
Chris sempre ficava gago quando ficava nervoso.
Era lindo.
O silêncio voltou a tomar conta daquelas escadas que de repente, ficaram pequenas demais para todos eles.
- Acho que nós devemos ir, então. – Disse April.
- Para onde? – Tony perguntou perdido e Chris o olhou criticamente, provavelmente, lembrando-se de uma das últimas falas do garoto : “Acho que nós vamos fazer o que as pessoas geralmente fazem na escola, Chris.”
- Para a aula. – Ela esclareceu.
- Ah. – Alguns exclamaram num coro decepcionado.
O exótico grupo arrastou-se escada abaixo e separou-se na medida que cada um foi para a sua sala.
parou logo após entrar no corredor. Ela não sabia onde as aulas de geografia estavam sendo ministradas naquele semestre.
A menina sentiu-se mal. Seu comportamento irresponsável já estava passando dos limites. Era divertido e até glamuroso, dependendo do ponto de vista, mas no fim, ela era apenas mas uma aluna medíocre e preguiçosa que nem sabia onde ficava a sala de aula.
Patético.
- É por aqui. – falou parado perto de uma grande porta que levava à outra ala do prédio. Parecia que tinha lido as dúvidas sobre localização da namorada em sua testa.
- Ah. – Ela balbuciou sem graça, mas grata e o seguiu.
esperou que ela o alcançasse e entrelaçou suas mãos.
Ele estava naquela escola havia poucos meses e já ensinava a ela, que estava ali havia anos, o que ela deveria saber de cor. Aquilo não poderia continuar. Sua vida não podia girar em torno de namorado, amigo e festas.
Não que aquilo não fosse extremamente legal.
Seus pais a matariam e levariam seus restos mortais ao Peru se ela repetisse o ano. realmente não queria seu corpo apodrecendo em algum país subdesenvolvido.
Eca.
O casal penetrou num corredor vazio. Duas grandes portas de vidro no fim do lugar geravam um degradê de luzes: perto delas, muito claro e longe, muito escuro. Toda a extensão das paredes eram cobertas por armários cinzas e brilhantes que refletiam a luz do exterior.
A cabeça de esqueceu-se de suas preocupações quando parou de repente e a beijou. Ela ainda delirava a cada beijo, mesmo após tudo o que já tinham passado juntos, tanto os bons quanto os maus momentos. Ela acariciou o rosto dele com as mãos enquanto sentia as dele em seu quadril. Eles quebraram o beijo num sorriso.
- Achei que nós já estivéssemos atrasados para a aula de geografia. – comentou para provocá-lo.
- Só um pouco. – respondeu dando pequenos passos que os levaram a trombar nos armários fazendo um barulho oco e metálico. Ela nem ouviu o ruído. provavelmente não tinha ouvido nada também pois os dois estavam concentrados neles mesmos, em como a sensação da boca do outro era agradável, como a sensação de proximidade de seus corpos parecia tão ideal.
Algum aluno saiu de uma das salas fazendo com que os dois se assustassem e se afastassem. Deram as mãos e caminharam por mais alguns metros. A menina sentiu as bochechas corarem, mas não sabia ao certo o porquê, só sabia que era uma sensação engraçada pois vinha acompanhada de um sorriso.
- Você está quieta hoje. – Ele comentou.
- Eu acho que preciso levar a minha vida mais a sério. – Ela respondeu séria e chateada, lembrando-se de seus pensamentos anteriores e esquecendo-se do sorriso e da sensação engraçada.
parou a caminhada subitamente e a encarou com o olhar preocupado.
- O que você quer dizer? – Ela sentiu algo parecido com desespero no tom de voz do cara que ela tinha beijado segundos atrás.
- A escola, as festas, essa história de acordar de porre toda semana... Eu acho que cansei. – Ela respondeu tentando ignorar a estranha reação dele.
soltou um suspiro aliviado assim que ela completou a frase.
Ela o olhou curiosa. O que ele teria pensado para ficar tão transtornado?
- Por um segundo eu tive a impressão que você fosse terminar comigo. – A resposta veio mias cedo do que ela imaginava. Ele sorriu, deu um beijo em seus lábios e acariciou seu rosto.
Os sentimentos guardados das últimas semanas pareceram tomar conta dela, mas ela permaneceu rígida. Organizava suas futuras ações silenciosamente enquanto pesava cada palavra e cada gesto.
Ele sabia o que estava fazendo; sabia que estava errado e que ela não gostava. Por que simplesmente não acabava logo com toda aquela putaria que ele mesmo tinha armado?
Talvez ele estivesse acomodado.
Aquele pensamento deixava atormentada. A situação tinha saído de seu controle de novo.
- Bem, eu tenho motivos para terminar com você. – respondeu esperando pela reação de .
- Tem mesmo. – Ele respondeu aparentando muita calma. Bem diferente de antes.
Um certo ódio penetrou o corpo de , mas ela tentou fazer de tudo para que ele apenas aparecesse e não explodisse.
- Você me prometeu uma coisa, . – Ele mordeu os lábios e encarou os próprios pés com a expressão culpada. – Eu só te perdoei por causa dessa promessa, mas você ainda não fez nada e a cada dia que passa eu me sinto pior ainda do que quando tudo isso começou.
Pronto. Ela tinha desabafado. A melhor parte é que tinha mantido o controle. , no entanto, estava com os olhos arregalados e alertas.
Aparentemente, a aula de geografia seria substituída por uma discussão da relação.
Ótimo.
- Eu sei. – Ele falou num suspiro e pareceu um pouco mais calmo. – Eu sei que está tudo errado, que você merece muito mais do que isso! Não está certo eu estar com você e com a Helen ao mesmo tempo... – A menina virou os olhos ao escutar o nome da outra. Ou da oficial, nesse caso.
- O problema não é esse, ! – Ela o interrompeu já sentindo problemas para manejar seus sentimentos. – Certo, esse também é o problema, mas o pior é que antes eu tinha a desculpa de ser a garota enganada, agora não! Você não repara na situação que você está me colocando? – escutava atento conforme seu tom de voz ficava mais alto, agudo e histérico. – Além de eu estar com o namorado de outra, eu sei que o cara já era comprometido antes mesmo de me conhecer! Eu posso parecer com alguém que não liga para moral e certos costumes, mas eu ligo para isso e eu tenho dó daquela garota que é a pessoa que mais vai sofrer no dia que essa história tiver um fim!
- Eu concordo com tudo o que você está falando e me sinto o pior canalha do mundo por ter colocado vocês duas nessa situação. O problema é que eu amo demais as duas! – falou sem nem ao menos perceber o absurdo que tinha acabado de sair de sua boca. manteve-se com a boca aberta, chocada demais para se mexer. A reação dela fez com que ele reparasse no estrago que tinha feito. – Não, ! – Ele falou no segundo que ela voltou a si mesma, xingou mentalmente e sua mãe e virou as costas andando para qualquer local longe dele. O menino alcançou-a e a impediu de afastar-se com uma das mãos. – Eu não me expressei bem! Eu amo a Helen como uma irmã, uma amiga, mas você, você faz com que eu em sinta bobo, me dá calafrios, arrepios, depois faz com que eu me pegue pensando em passar toda a minha vida do seu lado e eu fico imaginando onde nós vamos morar um dia, que tipo de música vamos escutar juntos e se vamos ter brigas típicas de gente que está junto a muito tempo... – As expressões de e de que estavam preocupada/irada acabara por transformar-se em sorrisos idiotas. – Como pelo sabor da pizza. – completou. – Eu te amo tanto, . – Ele falou pegando em suas mãos. – E eu só preciso do momento ideal para esclarecer as coisas e não machucar tanto outra pessoa por quem eu sinto um carinho muito grande.
Ele estaria fodido se ela também não o amasse tanto. E se ela não sentisse com cada centímetro de seu corpo que ele falava a verdade.
- Tudo bem.
Cada um sabe onde se mete.

Capítulo 21;

A parede descascada da cabine do banheiro a distraia. A superfície que costumava ser azul clara parecia mais um dálmata graças a tinta que sumira com o tempo. A garota podia ver desenhos ali.
Ela realmente estava ficando maluca, mas poderia jurar que aquela falha em particular, que ela encarava há alguns minutos, parecia-se com o príncipe Charles.
Bem, qualquer coisa disforme parece com o príncipe.
escutou a porta do banheiro abrir-se e fechar-se rapidamente. Passos rápidos caminharam até os reservados. Ela se perguntava quem seria. Poderia fazer contorcionismo e abaixar-se para tentar espionar o tênis da pessoa, mas ela sabia que mais cedo ou mais tarde descobriria quem era.
A mancha do príncipe moveu-se e Chris entrou no reservado onde encontrava-se sentada fumando um Marlboro Light cujo cheiro a enjoava. Ela encarava uma mancha que ela já tinha apelidado de Charlie e pensava na pocilga que ela chamava de vida.
- Hei. – Chris a cumprimentou dando um beijo em sua testa. Ele estava com aquela jaqueta horrorosa e amarela que parecia a roupa de trabalho de um construtor. Seu cabelo estava bonito e penteado de uma maneira diferente. Ela podia ver sua testa. Ela amava sua testa por nenhum motivo em particular. – Achei que você não matasse mais aula.
- Eu também. – Ela respondeu desanimada esquecendo da testa do menino. Tentava procurar Charlie, não o achava desde que Chris fechara a porta atrás si. Toda aquele tempo encarando-o e ela nem o achava mais.
Até os pequenos prazeres eram negados a ela.
O banheiro interditado do primeiro andar era o novo lugar para se matar o tempo.
Ou a aula.
O telhado tinha sido trancado pela diretora com nanismo e obesidade mórbida.
chegava a sentir saudades do vento gelado e da vista para nuvens escuras.
Tony tinha descoberto aquele banheiro um dia depois da interdição do telhado (Ele realmente se negava a assistir à aula de física.) e não podia ter deixado seus amigos mais felizes (Eles realmente se negavam a assistir à aula de física.)
E lá estava , a menina que tinha prometido a ela mesma que nunca mais mataria aula, fumando no reservado de um banheiro interditado, enxergando faces reais na porta do cubículo.
Fundo do poço.
- Eu queria conversar com você. – Ele falou sério com um tom de voz que ela tinha escutado poucas vezes saindo de sues lábios.
mexeu seu corpo sentado na incômoda tampa da privada, preocupada com o que o amigo tinha a dizer. Eles moravam juntos. O assunto deveria ser urgente para que ele resolvesse ter uma conversa séria num cubículo de um metro quadrado.
Não sobrava muito espaço com uma privada, um cesto de lixo e os dois lá dentro.
- Claro. – Ela apagou o cigarro já irritada por seu cheiro, sua fumaça e sua falta de efeito. Todo o principio de fumar não é defumar-se, mas sim relaxar-se, o que não estava acontecendo.
Obviamente.
Charlie poderia comprovar.
- Eu estou adiando essa conversa há semanas. – Chris dava um pequeno passo para um lado e outro para outro. Todo o percurso que o minúsculo espaço permitia. – Da última vez que eu falei sobre isso com você, você não reagiu tão bem. - A dica estava ali. . O assunto era . Por um segundo, a garota sentiu-se aliviada. Era hora de desabafar. – Eu tento gostar do , de verdade, eu me divirto com ele, mas eu não agüento ver você assim!
Ele apontou para ela e imaginou como sua imagem devia estar deprimente. Ela apenas encarou os olhos bondosos e claros de Chris e balançou a cabeça concordando.
Seu orgulho tinha sido um empecilho entre ela e uma conversa com Chris. Conversa que ela precisava que ocorresse, mas ele a tinha avisado desde o começo que aquilo era um erro e ela não o tinha escutado. Sua paixão cegante e sufocante a impediu de escutá-lo e ainda a impedia de tomar uma decisão mais séria e correta.
Sentimentos estúpidos e inúteis.
- Eu me sinto muito mal, Chris. – Ela finalmente vomitou as palavras antes mesmo que ele iniciasse a tal conversa séria. – Eu odeio essa situação, odeio ter que dividir ele, odeio que eu seja a outra, odeio que tem outra garota que não sabe de nada disso, apesar de estar envolvida até o pescoço, odeio que ele ainda não tenha feito nada, odeio que ele tenha prometido uma coisa e não tenha cumprido, odeio que eu amo ele e que eu agüento essas coisas todas só para estar perto dele! – Seu tom de voz começou alto e calmo e terminou alto, neurótico e agudo.
Chris abaixou-se ficando de sua altura. Ele apoiou os braços em seu joelho e a fitou com a testa enrugada. Era bom ter alguém como ele ali. Era muito bom.
- Eu também odeio que eu não consigo chorar. – completou.
Ela já tinha tentado, já tinha até se esforçado, mas as lágrimas pareciam esconder-se dela. Ela estava seca bem quando seus sentimentos afogavam-se numa enxurrada.
Odiava os paradoxos da vida.
- Você precisa criar coragem e conversar com ele... – Chris ia continuar a frase, mas foi interrompido pela ex-namorada.
- Eu converso com ele sobre esse assunto praticamente toda semana.
Desculpas, desculpas e mais desculpas.
- Você precisa conversar pela última vez então. – Chris falou incisivamente. Ele a olhou sério. Parecia mais um treinador puto com o seu jogador do que qualquer outra coisa. Mas era aquilo mesmo que ela precisava. – Ou você ou ela. Eu não vou mais ver a pessoa que eu mais amo no mundo sofrendo por isso.
tinha a impressão de que se de se dependesse de Chris, já estaria longe dali com dois olhos roxos.
Ela jogou os braços em seu pescoço e ele apertou sua cintura. fechou os olhos e sentiu o coração de Chris batendo em seu peito, logo ao lado do seu. Era como se ela tivesse dois corações. E era fantástico.
Fantástico ter alguém para defendê-la, protegê-la e amá-la.
Seu cheiro de perfume misturava-se com cheiro de baunilha. Chris sempre cheirava a baunilha. Ela não sabia o porquê ou como, mas amava.
Ela amava tantas cosias nele e o amava tanto que chegava a doer.
- Obrigada, Chris.
Os dois soltaram-se ao ouvir a porta do banheiro abrir-se novamente. Ambos voltaram suas atenções para os passos agudos que se aproximavam. O barulho de sapato feminino era claro no chão de azulejos.
April abriu a porta do reservado segundos mais tarde revelando as sapatilhas azuis que geravam o ruído. Ela usava uma calça cinza justa, uma blusa rosa escura e um casaco verde.
Ela e Chris pareciam prontos para torcer para a seleção brasileira.
Ela os olhou com a testa enrugada.
- Estou interrompendo alguma coisa? – April perguntou sem graça.
percebeu que do ângulo da amiga, ela e Chris provavelmente pareciam próximos demais. Bem, eles estavam próximos demais, mas não havia nada romântico entre eles.
Era o que ela pensava, pelo menos.
- Claro que não. – Chris respondeu e sorriu para a amiga. Sorriu da melhor maneira que conseguiu, pelo menos. – Estava conversando com a sobre aquilo que nós discutimos outro dia.
April fitou-lhe com uma expressão que juntava pena a preocupação.
Era o fundo do poço mesmo.
April, a garota cujo antigo namorado tratava como excremento, sentia pena dela.
O sinal bateu cortando o silêncio. Chris levantou-se e falou:
- Preciso ir. Tenho aula de química. Preciso de nota. – Ele fez uma cara tristonha e fofa.
- Você precisa de nota em tudo, Chris! – comentou rindo do amigo que costumava ser irresponsável e desligado. Bem, que costumava ser como ela.
- Eu sei. – Ele fez uma careta com a boca e coçou o cabelo. – Te amo. – Ele falou beijando-a na bochecha.
- Também te amo. – respondeu assistindo-o acenar para April e afastar-se com as mãos no bolso.
Ela acompanhou o olhar de April que acompanhou os passos de Chris.
- Você tem muita sorte de ter o Chris. – April disse assim que o barulho da porta se fechando chegou a elas.
- Nós duas temos.
- Não, é diferente. Eu sou amiga do Chris, você é amiga, colega de quarto, ex-namorada e alma gêmea. Ele morreria por você e o jeito que ele te olha me dá até arrepios.
April mexeu os ombros num tremelique e fechou os olhos. Ela realmente tinha tido um arrepio.
Como que numa onda contagiante, repetiu os últimos movimentos involuntários da amiga. Sentia uma sensação estranha como se só depois de tanto tempo ela realmente entendesse sua relação com Chris e a maneira como ele se sentia em relação a ela.
- O Chris é tudo para mim. – Ela respondeu simples e sinceramente.
- Mas eu não queria falar com você sobre o Chris, queria conversar sobre o . - April aproximou-se e recostou o corpo na divisória do lado direito de que respirou fundo preparando-se para mais uma conversa séria e esquecendo-se de Chris.
- Eu preciso conversar sobre isso mesmo.
- Eu sei melhor do que ninguém o que você está passando. Essa coisa de dividir o cara que você ama, de não saber se ele está com os amigos ou com a outra, de sempre ter aquele medo de que qualquer hora ele vai preferir a outra e não você. – Ela soltou uma risada. – Eu fui namorada do Tony! Todos os anos de relacionamento foram assim! Eu sei que eu nunca fui a única. Sempre soube. Desde a primeira semana de namoro. Bom, mas o que eu quero dizer é que eu entendo esse sentimento super forte que faz com que você tolere tudo isso, mas você tem o meu exemplo e o do Tony. Não quero que você e o terminem como nós, com o relacionamento totalmente destruído e com tanto ódio um pelo outro.
concordou com a cabeça. Sabia reconhecer quando uma pessoa era uma autoridade no assunto.
De chifres, April entendia.
A amiga sorriu e passou a mão pelos cabelos da amiga, colocando uma mexa atrás de sua orelha.
- Eu tenho muita sorte de ter você também, April.
- Claro que tem! Você está usando a minha galocha... – olhou para os próprios pés e riu ao vê-los dentro da famosa galocha vermelha de April. – e a minha jaqueta!
olhou para a brilhante jaqueta preta que a lembrava a Kate Moss. Realmente, era ela de April, mas para que ter amigas se você nem pode dividir suas roupas com elas?
Além disso, as sapatilhas azuis que April usava eram dela.

Capítulo 22;

A respiração barulhenta, o coração disparado, o corpo úmido, os olhos fechados, um movimento rítmico que não seguia partitura alguma.
Ela rolou de cima de seu namorado e encarou o lustre bege no teto acima de sua cabeça. Seu corpo voltava a vida real, sendo puxado por sua cabeça que nunca abandonava a vida real.
Nunca.
A mão quente de tateou a cama até encontrá-la. Seus dedos deslizaram por suas costas e ele aproximou-se novamente. Seus olhos doces pareciam não apenas olhar, mas também admirar. Era meio esquisito.
- O que você está fazendo, ? – perguntou sentindo suas bochechas corarem graças ao excesso de atenção.
- Nada. – Ele sorriu com os lábios e com os olhos, que pareciam expressar tudo o que ele pensava. – Eu só gosto de olhar para você.
Ela sorriu e virou os olhos com vergonha de ser observada tão de perto. Poucas coisas valem a pena serem observadas bem de perto.
abraçou e sentiu seus lábios em seu pescoço. Poucas coisas valem a pena serem “tocadas” bem de perto.
valia.
O zumbido do celular vibrando na mesa de cabeceira tirou a atenção do garoto do seu pescoço. Os dois encararam o aparelho com preguiça e levemente incomodados por terem sido incomodados.
- Deixe tocar. – Ela falou.
fechou os olhos e sua cara se fechou em preocupação. O barulho não parava e parecia cada vez mais alto e insistente. Ela se sentia extremamente incomodada. Ele beijou o canto de seus lábios com pressa e num movimento rápido, afastou-se para o outro lado da cama e abriu o celular dando as costas para ela.
- Oi! – Ele respondeu naquele tom de voz que odiava. Odiava mais do que tudo. Era doce, atencioso, carinhoso e ele só o usava com uma pessoa: Helen. – Eu sei que eu estou atrasado – Ele olhou para o relógio no pulso esquerdo. - mas é claro que eu não te esqueci. - A menina virou para o lado oposto do namorado, agarrou-se ao lençol branco da cama e dobrou seu corpo nu em posição fetal. Fechou os olhos e cobriu as orelhas com as mãos. Não agüentava ouvir aquele som ou ver aquela cena. – Nós podemos fazer o que você quiser. – sentou-se na cama e com força tirou a parte do lençol em que estava sentado. Ele olhou para trás e a encarou sem mostrar nenhum tipo de culpa por estar conversando com sua namorada oficial na frente de outra garota nua. – Eu estou indo para a biblioteca do colégio. – Mentiroso cafajeste. – Demorei para atender porque não estava achando o celular dentro da mochila. – deu passos pesados pelo quarto bagunçado enquanto procurava por suas roupas. Já tinha achado o sutiã verde com estampa de sapatilhas de balet rosas, a calça jeans, a camisa xadrez em tons de rosa e a jaqueta cinza. Onde estava a porra da calcinha? – Eu também estou com muitas saudades. Muitas mesmo. – Ela vestiu o sutiã, a camisa e a jaqueta e vasculhou o quarto com os olhos sabendo que precisava fazer alguma coisa. Aos pés de , ela achou a imbecil calcinha com uma estampa idiota de sushis. Em uma questão de segundos ela estava totalmente vestida. - Também te amo. Já estou saindo. Te amo muito. – Ela escutou falar e depois fechar o celular enquanto ela vestia seus novos nikes-retrô-cinza-e-lilás-presente-de-Chris e pendurava a bolsa de bolinhas nos ombros.
- Escuta aqui... – Ela se ouviu falando com as unhas furando os ombros de e os olhos tentando fazer o mesmo com seu rosto. – Isso acaba hoje. – Ele a olhava assustado, pego de surpresa. Suas mãos não a tocavam ou tentavam defender-se, apenas esmagavam o celular e a colcha. – Se até essa noite você não terminar com ela, você não precisa mais se preocupar com isso. Você não vai mais ter escolha porque eu vou te desprezar para sempre e você vai poder ficar para sempre com a sua namoradinha sensível e frágil!
Ela não agüentava mais aquelas desculpas ridículas de um cara folgado que se acomodou com duas garotas. Não agüentava mais ouvir que ainda não era a hora certa, que a Helen estava passando por um momento difícil na faculdade ou com a família ou com os amigos. Não agüentava mais ouvir como ela era frágil e poderia fazer loucuras caso ele a deixasse.
queria que ela se fodesse. Essa era verdade e ninguém poderia culpá-la por querer ter seu namorado só para ela e odiar com todas as forças sua “sócia”.
concordou com a cabeça conforme ela soltava lentamente suas unhas compridas e recentemente manicuradas de seus ombros.
Minutos atrás ela estava com a cabeça apoiada neles.
A menina saiu do quarto rapidamente e bateu a porta atrás de si. Desceu as escadas em praticamente dois saltos.
, e estavam sentados no confortável e já imundo sofá. Seus olhos, antes na televisão, agora estavam nela e suas sobrancelhas se levantaram com estranhamento.
- Você está bem, ? – perguntou.
Ela sentia-se eufórica e com calor; seu corpo tremia e suas mãos pareciam geladas; seu pulmão parecia não dar conta de todo o ar que ela respirava e sua boca estava entre aberta.
- Eu estou ótima! – respondeu num sorriso e numa respiração profunda. Estava mesmo.
Ela acenou para os garotos que pareciam ter visto um fantasma e saiu da casa sorrindo. Tudo se resolveria. Para o melhor ou para o pior, mas tudo se resolveria. Na verdade, ela estava tão certa da sua última ação que nem mesmo se importava com o pior. Caso ele escolhesse a outra, ela tinha certeza que ficaria tão brava com o garoto que esqueceria qualquer traço de amor ou atração que pudesse existir entre os dois.
Ponto.
Era o que ela pensava, pelo menos...
Tinha certeza, no entanto, de que as coisas não poderiam continuar como estavam. Aquilo estava matando ela.
A tarde estava fria e ela se perguntava porquê não vestia algo mais quente que uma simples jaqueta. O céu estava branco, tomado por nuvens que escondiam o sol mas não representavam perigo de chuva. As árvores estavam praticamente nuas e o que pareciam toneladas de folhas cor de caramelo amontoavam-se pela rua e pela calçada.
Ela dividia sua atenção entre seus pensamentos e o barulho que as folhas esmagadas faziam sob seus calçados.
- Hei, ! – virou-se para trás ao ouvir a voz de . – Me espere! – correu com as calças jeans caindo e mostrando suas boxers brancas; a camiseta branca Famous Stars and Straps estava amassada. – Hum... – Ele murmurou. – Você quer tomar um café ou alguma coisa assim?
- Claro! – Ela respondeu animada pela companhia, mas curiosa com o comportamento do amigo. Não que nada daquilo importava, pois a partir daquele momento, sua vida voltaria aos trilhos certos.
Isso ai.
sorriu e passou as mãos pelos cabelos curtos e lisos. Ele a encarava curioso; percebia que algo acontecia.
- Eu dei um prazo para o . – Ela o informou mal contendo a própria agitação.
- Ah! – Ele exclamou. – Agora eu entendi o porquê de você estar agindo como o Chris! – falou numa risada. Suas mãos estavam em seu bolso.
A menina riu e tentou controlar o próprio comportamento. Podia imaginá-la tão agitada e retardada quanto Chris em companhia de remédios. Ela sorriu; fechou os olhos; sentiu o vento bater em seu rosto e mexer em seus cabelos e respirou fundo sentindo o ar penetrar profundamente em seus pulmões.
- Bem. – Ela completou ao se sentir mais como ela mesma do que como seu ex-namorado. – O que importa é que se ele não terminar com ela até hoje, está tudo acabado e eu vou poder continuar com a minha vida.
Ela sempre imaginou que as frases “está tudo acabado” e “continuar com a minha vida” seriam mais dolorosas de serem proferidas tão próximas, mas a verdade era que ela estava errada. Era extremamente libertador.
- Isso ai. – balançou sua cabeça afirmativamente. Olhava para o chão como se refletisse sobre a situação. – A verdade é que você é uma garota fenomenal. – Ele a encarou com as bochechas rosas e ela sorriu fitando o outro lado da rua por vergonha. – E você é minha amiga, e apesar do ser meu melhor amigo, ele está totalmente perdido. – voltou toda a sua atenção para novamente. – Você realmente precisava se impor e controlar a situação. – O menino pareceu extremamente ajuizado e bem centrado naquela hora.
- Acho que você está certo. – falou contente pela sua decisão fazer sentido para outra pessoa que não fosse ela. Ela tinha agido no calor da raiva e do desespero, mas pelo menos, tinha dado certo.
passou o braço pela sua cintura e lhe deu uma espécie de abraço.
Os dois acabaram por chegar ao simpático e pequeno café que ficava do outro lado dos jardins onde eles se esparramavam após a aula. A área verde estava vazia, a não ser por algumas caras familiares da escola que ignoravam o friozinho e fumavam maconha sem muitas preocupações.
pagou o seu capuccino e o chocolate quente da amiga e os dois sentaram-se nas desertas mesas do lado de fora do estabelecimento. Um arrepio passou pela espinha da menina no segundo que seu corpo encostou no metal gelado da cadeira.
- Tem certeza que você não quer ficar lá dentro? – perguntou sentando-se ao seu lado e aquecendo as próprias mãos no seu copo tamanho “venti”.
- Tenho.
A verdade era que ela gostava de sentir a temperatura fria ao seu redor, gostava do vento, gostava da sensação de ser menos do que tudo aquilo. Gostava de sentir seus pelos arrepiarem, suas mãos esfriarem e sua bochecha se avermelhar. sentia-se mais viva e ela precisava daquela sensação.
tirou um maço de Lucky Strike de seu bolso e levou um cigarro a boca. O garoto tateou os bolsos em busca de um isqueiro enquanto pedia permissão com os olhos para furtar um bastonete de câncer. fez que sim com a cabeça enquanto finalmente acendia o seu com um isqueiro transparente. O garoto soltou uma fumaça espessa de suas narinas e o entregou para a amiga que em poucos segundos sentiu-se ainda mais viva do que antes. Aquele treco que provavelmente a levaria a morte algum dia fazia com que ela sentisse cada parte de seu corpo mais relaxada e alerta à vida.
A vida era extremamente irônica.
Por isso que por mais que ela estivesse feliz e tranqüila, ela também estava com muito medo. Medo de que as coisas não dessem tão certo quanto ela esperava.
Toda a euforia de minutos antes estava dando espaço para o medo, apesar de ela não estar arrependida. A garota fez uma careta involuntária e assistiu o líquido passear dentro do isqueiro conforme ela o mexia em sua mão.
- Não se preocupe, . – pegou em sua mão que pousava em cima da mesa. – Tudo vai dar certo. – Ele falou tranqüilamente enquanto jogava cinzas no chão e, aparentemente, lia os pensamentos da amiga.

Capítulo 23;

O colchão de molas e o edredon faziam da cama dela um lugar quente e ridiculamente confortável. No entanto, ela não conseguia se deitar. Estava sentada com pernas de índio e as pontas dos dedos na boca.
Suas unhas sempre eram as principais vítimas das crises.
Olhou para o pulso esquerdo pelo que parecia ser a milésima vez.
11:45.
Em quinze minutos, o prazo de estaria terminado. Ela não tinha especificado meia noite, mas “Se até o essa noite você não terminar com ela, você não precisa mais se preocupar com isso.” parecia explicitar tudo.
já tinha tentado de tudo para se distrair: televisão, internet, livro e, acredite ou não, lição de casa. Não importava a atividade, não conseguia concentrar-se em nada. Cenas da última tarde reprisavam dentro de sua cabeça. A garota pensava em todas as versão diferentes de frases que ela poderia ter falado e ela sentia que enlouqueceria se continuasse com aquele tipo de coisa na cabeça.
Já estava feito e só não teria entendido bem o recado se tivesse retardo mental. Não era o caso dele, não mesmo.
Chris estava num pub com alguns amigos da David And Goliath e tinha até convidado a ex-namorada para acompanhá-lo, mas ela rejeitou o convite. Caso contrário, estaria comendo as próprias unhas encarando um canecão de Stella Artois num pub lotado de gente desconhecida e barulhos que não deixariam sua cabeça ter pensamentos esquizofrênicos em paz.
Se é que aquilo era possível.
A menina levantou-se da cama e caminhou até o seu espelho. Ele era grande e ela via desde a ponta de seus dedos do pé até o reflexo do teto atrás dela. A moldura grossa e roxa estava empoeirada, mas não era esse o problema. Ela não gostava daquilo que via. Ela mal conseguia se reconhecer no reflexo nervoso e preocupado.
Seus olhos encontraram o relógio novamente.
11:50.
desceu as escadas carregando apenas um casaco e uma bolsa xadrez com utensílios indispensáveis dentro. Ela colocou suas coisas no sofá forrado de pelo canino onde Nell dormia (babava) pacificamente. Aquilo nunca aconteceria se seus pais estivessem ali. A cadela nem tinha autorização para estar na sala, imagine no sofá...
Nell abriu os olhos ao percebê-la e começou a abanar a cauda freneticamente. Dali a pouco ela levantaria vôo.
- Hei, Nell, vamos jantar, querida? – perguntou sentindo-se um pouco mal por ter atrasado tanto o jantar do cão que pulou do sofá e correu para a cozinha. O animal ficou esperando que a dona despejasse o bocado de ração no pratinho rosa enquanto sua língua parecia apenas pendurada em sua boca.
fez carinho na cabeça peluda de Nell e olhou para o microondas.
11:55.
Sua casa estava escura e ela deixou apenas a luz da porta de entrada acesa antes de batê-la as suas costas.
Havia estrelas no céu. As nuvens de mais cedo tinham sido dispersadas pelo vento que agora a obrigava a vestir o casaco de linha com estampa de coraçõezinhos.
Ela continuava com frio.
De dentro da bolsa, ela tirou o maço de cigarros, mas teve dificuldades para acender um deles por causa da ventania.
Ela finalmente tragou e reparou como a rua estava escura: metade dos postes estavam com as lâmpadas apagadas.
Ela culpou o vento novamente.
O vento era sempre o culpado.
Aquele clima mais parecia um castigo.
Um ônibus com a propaganda do musical do Senhor dos Anéis passou por ela iluminando melhor o seu caminho por breves momentos.
chegou ao quarteirão da casa de e a avistou de longe. As luzes da frente estavam todas acesas. A casa geralmente se encontrava no breu para que eles economizassem na conta de luz.
A garota sentiu sua respiração parar, seus olhos piscarem e ficarem secos e ela tropeçou nos próprios pés, confusa demais para caminhar normalmente.
Algo estava errado, mas não era culpa do vento ou do clima.
Um táxi estava parado em frente à residência. e uma garota de cabelos castanhos claros ondulados conversavam de mãos dadas e sorrisos na boca.
Helen.
sentiu uma forte ânsia de vômito e fechou os punhos numa tentativa de controlar-se.
Eles não tinham terminado (obviamente) e, daquele ângulo, pareciam nojentamente apaixonados e felizes.
Do outro lado da calçada, a “namorada” espiã do garoto deu alguns passos para trás tentando esconder-se perto de uma velha árvore. No entanto, ela trombou (atropelou) uma lixeira cuja tampa desabou no chão acompanhada dum estrondo.
Sua respiração parou novamente.
Seu namorado e a namorada dele – que coisa errada - olharam diretamente para ela que ainda não tinha conseguido respirar ou nem mesmo piscar.
e Helen voltaram a conversar e a se tocar, convencidos de que um gato estava fazendo barulhos e estragos demais durante seu passeio noturno.
finalmente soltou a respiração, mas não conseguia desviar o olhar. Piscar seria pedir demais. Queria ver cada detalhe daquela garota que a tinha superado, que tinha sido a escolhida no lugar dela.
Ela era bonita. não enxergava detalhes claramente, mas via uma garota de aparência alta, magra e doce agarrada ao pescoço de seu namorado. Seus cabelos longos caíam em seus ombros delicadamente e brilhavam muito. Muito. Ela usava jeans, tênis puma e um moletom rosa claro.
Parecia tão normal, tão única, tão feliz.
Ela a odiava com todas as suas forças.
Um carro passou em alta velocidade e ela sentiu-se iluminada por seus faróis. Seus olhos finalmente fecharam-se. Já ardiam pela falta de movimento.
Mas ela não poderia mais ficar ali.
Olhou para trás e reparou que estava em frente a cerca viva de um jardim. Os arbustos pareciam perfeitos para camuflagem.
Ela amava a natureza.
Com certa dificuldade, ela se enfiou no meio das plantas sem nem ligar para a lama, o resto de água da chuva, o frio e a coceira que as folhas e os galhos lhe causavam. Eles estavam se beijando.
Sua respiração não parou, ela acelerou-se e seus joelhos fraquejaram a ponto dela imaginar-se caindo em cima do varal de roupas de alguma família.
Seu , vestindo a camiseta polo listrada, a mesma do dia me que se conheceram, estava com a língua na garganta de uma idiota com o cabelo brilhante.
Ela poderia ficar careca.
Vaca.
Eles se beijaram novamente e, depois, a garota entrou no táxi e acenou para o menino que, parado no meio fio, perdia o automóvel de vista.
mal podia acreditar em tudo aquilo. Depois de todo aquele tempo com ele, ela tinha certeza absoluta que ela era a garota que ele amava, que ela seria a escolhida!
Certeza. Certeza!
Mas a verdade é que ela deveria ser apenas mais uma fonte de diversões e festas infinitas.
também não se mexia. Ele finalmente coçou a cabeça e encarou os próprios pés naqueles tênis de andar de skate (coisa que ele provavelmente nunca tinha feito).
Ela o viu mexendo em seu bolso e tirando o celular de lá.
sentiu o bolso de trás de suas calças vibrarem no mesmo segundo. Ainda bem que estava no modo silencioso.

Ela o viu caminhar para dentro da casa enquanto, por algum motivo desconhecido até mesmo para ela, ela atendia a ligação.
- ?
- Oi.
- Você está me ouvindo?
- Estou.
- Sua voz está estranha. – Talvez seja porque ela está no meio da Floresta Negra e tenha acabado de comprovar que ele não prestava mesmo. De verdade. Oficialmente.– Bem, está resolvido, eu terminei com ela.
Comprovadamente.
Cachorro, canalha, cafajeste, cuzão-viado-filhodaputa!!!!!
não falou nada daquilo, mas ouviu sua voz falar:
- Posso te ligar mais tarde?
Antes mesmo de uma resposta, ela desligou a chamada e desligou o aparelho.
Ela precisava fazer alguma coisa!
O que ela ia fazer?
Ela não poderia ficar paralisada dentro dum arbusto por muito tempo.
A menina pensou por alguns segundos e depois saiu de seu esconderijo decidida, tomando o caminho oposto de sua casa.
Já sabia para onde iria.
Ela estava muito, muito brava. Nem conseguia pensar no quanto magoada estava, só pensava no quanto brava, irada, puta estava.
Meses de sua vida perdidos. Ela nunca recuperaria aquele tempo. Tempo que ela poderia ter gasto estudando, trabalhando, conhecendo gente nova, festejando ou bebendo até cair e nem se lembrar do nome .
caminhava rápido. Nunca tinha caminhado tão rápido e estava a um passo de correr.
Suas unhas quase perfuravam suas mãos tamanha era a força que ela empregava em fechar seus punhos. Ela podia sentir suas bochechas ardendo e sua cabeça girar.
Ela parou em frente a uma casa que costumava ser branca, mas agora, as trepadeiras cuidadosamente podadas tomavam conta dela. Era linda. Sua porta e suas janelas eram vermelhas e as luzes estavam todas apagadas, exceto por uma. A janela no piso superior mostrava-se fracamente iluminada.
Sem nem cogitar tocar a campainha, a menina começou a escalar as paredes com a ajuda do suporte das trepadeiras. Ela já tinha feito aquilo antes e não foi difícil atingir a janela. Ela a abriu tomando cuidado para não despencar e depois, praticamente vomitou ela mesma para dentro do cômodo.
- O que você está fazendo aqui? - Tony perguntou parado a sua frente com os braços cruzados. Parecia estar ali assistindo seu esforço desde o segundo que ela colocou os pés em seu jardim. Ela se levantou e tentou se recompor. – E por que você trouxe a Floresta Amazônica com você? – Ele perguntou chegando perto dela e tirando folhas e mais folhas de seus cabelos.
Eles não brilhavam.
Ela não respondeu nada.

Capítulo 24;

Tony vestia apenas boxers brancas com uma engraçada (ou gay) estampa de guitarras multicoloridas.
Seu quarto estava quente e agradável. Não ventava e não fazia frio como do lado de fora, mas suas roupas úmidas graças aos arbustos a incomodavam e faziam com que ela não se sentisse totalmente aquecida.
O lugar era pintado de um amarelo claro e os móveis eram brancos. O computado estava ligado do outro lado do cômodo. Crystal Castles saía das caixas de som e ela quase tinha vontade de dançar com o som da voz - ou dos grunhidos - da vocalista.
O tapete marrom embaixo de seus nikes imundos parecia fofo. Ela queria afundar seus pés nele. O piso de madeira branco do resto do quarto era extremamente limpo. Desde que seus pais se mudaram, ela não sabia o que era limpeza. A cama estava coberta por aquela colcha divertida (pervertida) que era estampada por dois corpos nus, um cara de costas e uma garota de frente.
A menina admirou a expressão curiosa e surpresa na face do amigo. Ele não tinha idéia do que estava acontecendo.
Ela também não.
A menina virou-se de costas e começou a fechar as cortinas enquanto Tony desistia de tirar folhas de seus cabelos e sentava em sua cama, encarando-a.
Após garantir que nenhum curioso poderia vê-los, tirou os tênis e as meias, jogando tudo no chão.
Tony observava e fitava com atenção cada movimento seu. Seu olhar mudou de confuso para aquele tarado que era o que ele tinha em seu rosto por pelo menos 70% do tempo.
caminhou até ele e abaixou-se para aproximar seus rostos. Tony colocou suas mãos em seu quadril e a puxou para o seu colo. Suas bocas se encontraram e se abriram no mesmo segundo. Uma mistura de desejo, muitos sentimentos guardados e emoções reprimidas gerava algo entre os dois que superava as faíscas. Era algo mais parecido com chamas.
- Eu sabia que era só uma questão de tempo. - Tony falou quando largou sua boca e começou a beijar seu pescoço.
- Cala a boca, Tony. - Ela o calou com outro beijo.
Ele tirou o casaco de coraçõezinhos (e folhinhas) e o deixou de lado. passava suas mãos por seu cabelo fino e macio enquanto Tony fazia com que os dois se movessem vagarosamente para o meio da cama. Ele quebrou o beijo e percorreu sua barriga com suas mãos causando-lhe arrepios. Ela perdeu a blusa e depois a calça enquanto a cueca de guitarras ia parar longe de seu dono. Suas mãos seguravam as costas do garoto com força conforme ela ia parando de ter pensamentos e passava a ter apenas sensações.
Tony tirou sua calcinha e depois seu sutiã enquanto ela beijava seu pescoço. Seus olhos estavam fechados e abriam-se apenas eventualmente mostrando flashs de uma cena amarela, agradável e doce.
Doce como a vingança, é claro.
Cada centímetro de seu corpo que Tony tocava, cada suspiro que ele lhe arrancava, cada segundo que ele fazia ela pensar exclusivamente nele e não em significavam um namorado (ou ex-namorado) machucado. Muito machucado.
Doce. Doce. Doce.

abriu os olhos, mas demorou pouco mais de um segundo para se localizar. Já havia amanhecido. Olhou para os braços que a abraçavam e para a cheirosa camiseta branca com alguma estampa psicodélica que ficava imensa nela; sentiu a respiração lenta e silenciosa perto de seu pescoço.
Ah sim... Tony.
Por mais agradável e aconchegante que aquela cena pudesse parecer, a garota sentia-se estranha. Talvez brava. Não apenas por ser a encarnação de Lúcifer na terra, mas também porque sua vingança só tinha feito com que ela voltasse a sentir-se bem momentaneamente. Apenas momentaneamente.
A manhã seguinte mostrava-se tão dolorosa quanto a noite anterior.
A imagem de e Helen estava tatuada em seus pensamentos enquanto a companhia de Tony já não a entretinha tanto quanto antes.
Um vazio parecia ocupar o espaço de seus órgãos. Sentia-se oca, a não ser por seu coração que de tão apertado, parecia ter diminuído de tamanho.
Beleza, ela estava se transformando no Grinch!
Era apenas uma questão de tempo até ela se mudar para um penhasco e começar a infernizar os habitantes de um floco de neve.
fechou os olhos e respirou fundo.
Seu companheiro também respirou fundo e a abraçou mais apertado. Ela realmente tinha necessidade de um abraço naquele momento. Talvez a ajudasse a ignorar sua metamorfose numa coisa verde com o coração atrofiado. A menina acariciou aqueles braços que faziam com que ela se sentisse um pouco mais como uma merda e menos como uma merda tóxica.
Agora ela compreendia o porquê das garotas viverem atrás de Tony. Compreendia, sabia, entendia. Profundamente.
Se houvesse uma prova, ele tiraria a nota máxima.
Sem mais comentários.
Contudo, nada daquilo importava. O que ela queria era sentir-se bem de novo. Ela nem seria exigente e ter vontade de ser feliz. Bem já bastava. Queria pensar no futuro (imediato ou distante) e ter a esperança de um dia não ter mais tatuagens em seus pensamentos ou dores cardíacas. No entanto, a única coisa que parecia certa em seu futuro mais do que incerto eram tatuagens e dores.
Puta merda.
- Bom dia. - Tony falou em seu ouvido passando os lábios pela ponta de sua orelha. Sua voz era sonolenta e amável.
- Bom dia.
O menino fez com que ela virasse para encará-lo de frente. Seus olhos estavam semi cerrados por causa do sono o que não o impediu de, delicadamente, começar a tirar a camiseta que ele a tinha emprestado na noite anterior.
Talvez ela devesse, precisasse, necessitasse se distrair um pouco.

O vazio não estava saciado, mas estava contido.
despejou todo o seu peso sobre o corpo de Tony. Não tinha forças para agüentá-lo sozinha. Suas pernas estavam entrelaçadas e ambos lutavam para retomar suas respirações e seus batimentos cardíacos. Tony passou suas mãos por toda as suas costas e beijou seus ombros. Ela entrelaçou seus braços em volta de seu pescoço com mais força e soltou sua respiração.
Estava infeliz extremamente infeliz. O vazio contido dava lugar à culpa, à sensação de que toda aquela situação era extremamente errada.
O que ela estava fazendo?
Em menos de 24 horas ela tinha dormido com dois caras. A cara de decepção e nojo de seus pais veio a sua cabeça enquanto imaginava o que os dois fariam caso soubesse de metade das coisas que ela fazia. Eles ficariam arrasados.
Ela se desvencilhou de Tony e recostou-se na cabeceira da cama tomando o cuidado de cobrir-se até o pescoço com o lençol.
Sentia muita vergonha. Estava arrasada.
- O que o fez? - Tony perguntou incisivamente sentando-se ao seu lado.
A menina, de tão absorta em seus pensamentos, mal o entendera.
- O quê?
- Isso obviamente é sexo de vingança. Eu tento dormir com você desde que eu entrei na puberdade e só agora você concordou... - Ele falava com seu jeito direto e objetivo.
Ele era ridiculamente esperto. Sem uma palavra tinha entendido toda a situação.
- Ele não terminou com a Helen e falou para mim que tinha.
engoliu em seco após abrir-se. Tudo aquilo era uma bosta.
- Adoro o imbecil do . - Ele falou com malícia no rosto.
- Cala a boca, Tony! - retrucou irritada. Não tinha vontade de falar, muito menos sobre aquele assunto.
Seus momentos de distração estavam oficialmente acabados e a mágoa estava de volta, para fazer companhia a vergonha e à culpa.
Não se culpava por estar magoando o filho da puta do - longe disso - nem por estar literalmente usando Tony - ele realmente não se importava - mas sim pelo o que ela estava fazendo a ela mesma.
Onde aquela situação pararia? Ela dormiria com toda a cidade?
Um arrepio de nojo e asco passou por ela. Queria arrancar sua pele e queimá-la.
A companhia de Tony não lhe fazia mais bem. Ela sentia-se suja e sem importância.
A garota fechou os olhos e repetiu para si mesma, como se fosse um mantra : "Eu não estou aqui. Eu não estou aqui."
Ao invés de visualizar um local paradisíaco, como pessoas normais fariam, só viu a bosta do e a merda da Helen.
Puta que pariu!
levantou-se procurando suas roupas e as vestiu conforme as achava. Estavam absolutamente imundas de barro e restos mortais de plantas.
Puta que pariu!
Precisava de um cigarro. Precisava mais sair dali.
- Quando eu vou te ver de novo? - Tony perguntou encarando seu corpo que agora estava coberto por roupas. Ela tinha certeza que ele a visualizava absolutamente nua.
Puta que pariu!
resolveu rir. Ela não chorava mesmo, teria que extravasar as emoções de alguma maneira.
- Acho que você não entendeu, Tony. Isso não vai acontecer de novo. - Ele fechou a cara. Parecia em choque. Não estava acostumado com a rejeição.
- Como assim? - O menino perguntou. - Não foi bom? - Ele estava totalmente convencido de que tinha sido. Bem, ela também.
- Foi. - Ela prolongou essa pequena palavra o máximo que pode. Tinha que escolhê-las bem. - Mas... - Apenas ao som dessa conjunção adversativa, Tony já parecia parar de respirar. O cara achava que o mundo todo rodava ao seu redor. - Eu não quero você. - Ela finalmente completou, doesse a quem doesse.
Ele a olhou como se ela tivesse acabado de atacá-lo com uma faca.
O estado de espírito de fazia com que ela tivesse vontade de ser grossa e rude, mas o pervertido do Tony não merecia o seu mau humor. Ele era quem mais a tinha ajudado, na verdade. Não que ele não tivesse se aproveitado...
- Olha, Tony... - Ela aproximou-se dele e a olhou com o seu melhor olhar fraterno e ajuizado. - Você ama a April e ela te ama. - Tony desviou o olhar. - Eu sei disso, você sabe disso, ela sabe disso, todos sabem disso! - Os lábios de seu amigo contorciam-se em caretas de desprezo. Ele era um bom ator. - Você devia voltar para ela, ser sempre honesto e sincero, parar de trair e ser feliz junto com a garota que nasceu para te agüentar!
Ela tentou dar o seu tom mais animado a sua fala esperando que a porra da novela daqueles dois acabassem. Sua própria novela já a atordoava.
Pessoas normais falam "eu te amo" ou então "vamos pedir comida chinesa?" depois do sexo; ela mandava o cara voltar para a namorada.
Tony ainda não a olhava. Podia sentir seu orgulho ferido apenas de encará-lo, mas alguém tinha que abrir seus olhos! E ela tinha falado que ele tinha sido bom!
levantou-se e juntou suas coisas. Tony ainda não tinha movimentado um único músculo desde seu discurso. Ela aproximou-se, beijou sua bochecha levemente e depois falou:
- Quem sabe se a gente não tivesse se envolvido com outras pessoas tão seriamente, se fosse em outros tempos, se nós não fôssemos tão amigos, se tudo não fosse tão complicado, a gente poderia ter se dado bem juntos de verdade, Tony.
Ela falou apenas para deixá-lo menos bravo, mas uma pontinha dela acreditava em cada palavra que Tony tinha acabado de escutar.

Capítulo 25;

- Chris? – perguntou ao achar o amigo com apenas a bunda (vestida numa calça xadrez em tons de azul e vermelho) para fora da geladeira. Era como se o eletrodoméstico o tivesse sugando para uma outra dimensão.
- A gente precisa mesmo ir ao supermercado! – Chris falou saindo de dentro da geladeira. Ele vestia uma camiseta amarela onde se lia “Night child” e, em sua cabeça, estava um desses chapéus/gorros forrados de pele que cobrem até as orelhas e são usados por esquimós. A cabeça de Chris lembrava uma estátua da Ilha de Páscoa dentro daquilo. Estava absolutamente adorável. Ela amava suas roupas totalmente estilosas e descombinadas. – Só tem um iogurte nojento de nozes da Weight Watchers, que provavelmente foi comprado pela sua mãe meses atrás, e restos de pizza e comida chinesa que já devem ter criado fungos.
- Eu sei, mas a gente não gosta de supermercados. – Ela respondeu sentando-se na cadeira branca de almofada vermelha da cozinha. Estava, no mínimo, desanimada. Ainda estava com aquela roupa meio úmida e suja de terra. Ainda estava sendo enganada por seu “namorado” e ainda tinha acabado de dormir com um de seus melhores amigo.
Chris fez uma careta que demonstrava seu imenso sofrimento. Os dois odiavam supermercados. Sempre se perdiam, não achavam o que procuravam e acabavam comprando coisas inúteis como copos plásticos para café (com tampas!).
- Vamos, a gente pode ir pelo caminho por dentro do Greenwich Park e eu te pago uma raspadinha! – Ele falou num sorriso e estendeu sua mão para sua amiga praticamente sem vida.
Ela não poderia dizer não. Chris ficava tão lindo com aquele chapéu e ela realmente amava a raspadinha do Greenwich Park. A vermelha, é claro. A azul parecia o vômito de um extraterrestre.
- Tudo bem. Eu só quero tomar banho antes. – Ela falou pegando sua mão e levantando-se.
- Vai logo antes que eu morra por desnutrição. – Ele brincou acompanhando-a até a sala. – Você passou a noite na casa do ? – Chris perguntou tirando um cd gravado de uma caixinha e colocando-o no parelho de som.
Hadouken! começou a tocar enquanto pensava na melhor maneira para desconversar. Ainda era cedo demais para conversas sobre os últimos acontecimentos.
O menino começou a dançar sozinho, se divertindo como nunca e esquecendo da resposta que sua amiga o devia.
Ufa.
parou no pé da escada e o assistiu. Um sorriso brotou em sua face e um calor percorreu seu coração.
- Chris? – Ela o chamou já do meio da escada. – Por que você está usando esse chapéu ridículo?
- Não é ridículo! É estilo! – Ele respondeu balançando sua cabeça no mesmo ritmo de Liquid Lives.

A ida ao supermercado tinha sido pior do que a menina previra. A raspadinha, seu único estímulo, estava abusadamente doce e ela jogou o copinho de 4 libras no primeiro lixo que encontrou.
Ela e Chris caminhavam sob uma baixa temperatura de outono e seguravam as sacolinhas laranjas do Sainsbury’s. Para variar, tinham comprado inutilidades: um repelente de mosquitos (não há mosquitos em Londres, muito menos no inverno, mas a embalagem era tão bonitinha!) e um colchonete verde para praticar yoga (qualquer um dos dois preferiria morrer e ir para o inferno antes de praticar atividades físicas, mas a cor combinava tanto com aquela fase new rave da música!).
Chris falava, falava e falava. escutava algumas palavras e concordava. Murmurava “huhum” de vez em quando, mas sua cabeça estava longe dali. Estava em suas decepções. Tanto aqueles causadas pelos outros quanto aquelas causadas por ela mesma.
Já na Belmont Hill, ela avistou April subindo a rua, na direção oposta aos dois. Ela caminhava rapidamente e foi só quando sua mão estalou um tapa na face de que ela reparou seus olhos cheios de lágrimas e ódio.
- Sua vaca! – April gritou logo em seguida. A boca de estava aberta e seu cérebro não parecia ligar os pontos para entender a situação óbvia. – Você dormiu com ele! Como você pode dormir com o Tony? – As palavras saíam praticamente irreconhecíveis da boca da garota, tamanha era a quantidade de lágrimas e soluços que as acompanhavam. Se ela não entendesse depois dessa, poderia internar-se. Ela fez menção de bater na imóvel amiga (ex-amiga?) novamente, mas Chris soltou as sacolas que vinha carregando e a impediu, segurando seus braços e acalmando-a. April sentou no meio fio tendo uma verdadeira crise nervosa enquanto o garoto olhava para com descrença, nojo e desprezo no olhar. Ele não falou nada, mas nem precisava. – Você sabia, todo mundo sabia que eu ainda amava ele! Você tinha a obrigação de saber isso, já que você é a minha melhor amiga! – April soluçou passando a mãos no rosto e tentando (sem sucesso) secar sua enxurrada de lágrimas.
mal conseguia se manter em pé ou respirar sozinha. Aquilo não devia estar acontecendo. Ela já estava fodida o bastante, não precisava de mais um escândalo, mais uma decepção, mais uma dor.
A situação era tão crítica e horrível que ela sentia-se entorpecida, como se aquilo não estivesse realmente acontecendo, mas fosse apenas uma cena ruim de um filme péssimo. O cenário ficou embaçado e ela se sentia mal.
Com um pequeno tremor, seu corpo trouxe sua mente de volta à vida. Ela olhou em volta. April ainda estava sentada na calçada e chorava como um recém nascido apoiada em Chris. Chris olhava do chão para a amiga chorona, da amiga chorona para a amiga vaca. Era daquele jeito que ele a enxergava. Ela podia sentir a decepção palpável que Chris estava sentindo.
Apenas alguns segundos tinham se passado, mas pareciam horas.
Ela se deu conta que Tony estava bem a sua frente assistindo a cena com a expressão séria e o olhar realizado.
entendeu tudo. Tudo mesmo.
Ele tinha contado tudo a April apenas para prejudicá-la, para se vingar da rejeição. Ele era muito pior do que ela imaginava. Sempre soube de sua tendência para a canalhice, mas aquilo tinha ultrapassado todas as suas expectativas. Ela era amiga dele! Como ele pôde ter feito algo tão baixo com ela? Ele sabia que ela estava totalmente confusa e desequilibrada quando apareceu em seu quarto.
Um nó segurava a garganta da garota e ela não conseguia nem gritar, muito menos falar.
Tony aproximou-se e sentiu medo. Medo das coisas que ele ainda seria capaz de fazer; medo de ter sido tão próxima de uma pessoa tão perigosa.
- Não foi culpa minha. – Ele falou com o olhar frio, deixando bem claro que pouco se importava. – Foi você mesma que falou para que eu voltasse para ela e fosse sincero sobre tudo.
A cabeça de mexeu-se em negação. Ela se negava a acreditar que tudo aquilo estava acontecendo com ela. Negava-se a acreditar que seus amigos tinha se transformado em pessoas que a faziam sofrer e que ela fazia sofrer; negava-se a acreditar que suas palavras usadas com boas intenções há algumas horas atrás tinham sido distorcidas até o ponto de April estar basicamente desidratada de tanto chorar.
Ela colocou a mão direita na testa e percorreu seus cabelos com ela. Virou-se de costas, como que para fugir daquilo tudo. Seus olhos piscaram e sua respiração falhou outra vez.
parecia assistir a toda aquela cena desde o começo. Seus olhos estavam fixos como se fossem de vidro; seus lábios estavam entreabertos e toda aquela cena fazia com que ela tivesse vontade de gritar desesperadamente.
Seu sangue ferveu ao vê-lo. Tudo o que ela não precisava era vê-lo. Virou-se de costas para o garoto novamente, deixou as sacolas escorregarem de suas mãos e tentou aproximar-se de April.
- Não chegue perto de mim, vadia!
- April, você precisa ser racional. – arrumou forças e serenidade para falar. Alguém tinha que ser racional, já que ela não era, apenas fingia ser.– Vocês não estavam juntos; vocês terminaram faz meses e eu só dormi com ele uma vez, não é como se eu tivesse um caso com ele! – Sem querer, desdém saiu de sua voz e ela arrependeu-se no mesmo instante. Aquilo só deixaria sua amiga mais irada.
- Duas vezes! Eu sei que foram duas! Ele me contou tudo, tudo! Sabe o que você é? – April perguntou com os olhos mais vermelhos do que azuis. – Além de vagabunda e alguém que não se pode confiar, você é egoísta! Só porque o merda do seu namorado – April apontou o lugar onde continuava parado como um fantasma. – E a merda da sua vida amorosa só te fodem, você quis que a minha fosse tão ruim quanto a sua! Parabéns, , você conseguiu. – Ela não chorava mais, apenas exalava ódio. - Eu nunca vou te perdoar por isso. Nunca!
A garota levantou-se catando os restos de sua dignidade e tomou o caminho para sua casa. queria ter alguma coisa na ponta de sua língua para desmenti-la, mas não tinha. Apesar do seu intuito nunca ter sido magoá-la de propósito, suas ações acabaram resultando em uma tragédia para sua melhor amiga. Nenhuma palavra consertaria aquilo.
Tony seguiu April.
Chris levantou-se e pegou todas as sacolas laranjas que encontravam-se espalhadas pelo asfalto e entrou dentro da casa.
ocupou o lugar que antes era de April e fez seu corpo despencar de exaustão emocional. Ela colocou as duas mãos na cabeça e a apoiou nos joelhos. Daquela vez ela realmente tinha estragado tudo, magoado todos. Queria gritar, e chorar, mas nada além de desespero mudo saía de seu corpo.
Ela levantou a cabeça e deu de cara com . Ele continuava com a mesma expressão extremamente surpresa, chateada e magoada de antes, mas ela não se sentia nem um pouco mal por ele. No entanto, seu olhar era tão melancólico que a incomodava.
- Por que você está me olhando desse jeito, ? – Ela perguntou imaginando formas de matá-lo e depois se matar. – Você é o único que não tem moral nenhuma para me julgar. Você é muito pior do que eu. – Ele a escutava atentamente e tinha a impressão de que cada palavra o machucava mais. Ótimo! – Você teve infinitas chances para consertar o seu erro, mas você só coe;pido! Uma noite de erro e o mundo desabou na minha cabeça! A culpa disso tudo é sua! – Seu dedo apontou diretamente para o peito do menino.
Depois do discurso, recuperou o fôlego e sentiu-se imbecil por falar sobre culpa. Era algo tão infantil, mas em sua cabeça, ela lutava para afirmar que ela não era uma vaca, ela era uma pessoa legal. Mas ela tinha agido como uma vaca e era por isso que ela precisava culpar alguém. Ela não era a garota que dormia com o namorado da melhor amiga!
- Eu ntinuou errando, e me magoando! Eu só cometi um erro! Um erro r&aacutacho melhor a gente desistir de tudo. - Foi o que ele disse com a voz embargada.
Era como ler o jornal de ontem.
- Eu já desisti faz tempo.
balançou a cabeça, ainda exalando dor e caminhou lentamente em direção a sua casa. Daquela vez, ela não iria acompanhá-lo com os olhos e com o coração (por mais cafona que isso soasse), ela tinha dado o primeiro passo oficial para deletá-lo de sua vida.

Capítulo 26;

“Vou passar uns tempos na casa do Sid.
Chris.”

Ela releu o bilhete pela milésima vez. O pedaço branco de papel já estava surrado a ponto de se rasgar, já que após cada leitura, ela o amassava com toda a força de seus dedos. Segundos depois, o abria e o relia.
tinha trombado com o miserável bilhete na porta da geladeira naquela manhã. Ela ainda não sabia como tinha se arrastado até a escola; como tinha se vestido; se alimentado (certo, ela não tinha conseguido se alimentar e parecia que nunca mais conseguiria) e como estava agüentando ser ela mesma.
Sua primeira visão ao colocar os pés na propriedade escolar foi a de Tony e April sentados em um dos bancos próximos às quadras. Eles estavam de mãos dadas. Aparentavam felicidade e incômodo, ao mesmo tempo.
Pelo menos, ela não os tinha separado. Muito pelo contrário, antes dela ter ficado com Tony eles nem se falavam e agora, pareciam bem mais próximos.
Ninguém a agradecia por esse tipo de coisa!
Tudo bem!
ajeitou a alça da bolsa estilo carteiro em seu ombro enquanto passava pelo casal. Tony sorriu maliciosamente sem que April percebesse, já que ela estava ocupada demais em matar a sua antiga melhor amiga com os olhos. Ela segurou a mão do namorado com mais força, como se, a qualquer segundo, alguém ( ) pudesse pular em cima dele e roubá-lo para sempre.
Ela dirigiu-se para o seu armário, já que ela geralmente assistia as aulas da manhã
Por que ela estava na escola? Aquele não era dia de ir para a escola!
O arrependimento de ter saído de seu quarto só piorou quando seus olhos encontraram os de Chris, no outro lado do corredor. Ele conversava com o tal do Sid, esse garoto de óculos que estava sempre vestindo uma toca e peças de roupas escolhidas ao acaso (ao acaso mesmo). Assim que Chris a avistou, seus olhos a encararam por uma fração de segundos e depois desviaram.
Ele nem conseguia olhá-la.
poderia agüentar tudo, menos a indiferença de Chris. Esse tipo de coisa estava acima de sua capacidade de regeneração.
Antes mesmo de chegar ao armário com a fechadura quebrada que ela possuía, a garota deu meia volta e pegou as escadas até o primeiro andar. Ela sentia sua face arder e suas mãos tremerem e foi um alívio quando ela abriu a porta onde se lia “interditado” em letras garrafais.
dirigiu-se para o seu reservado favorito, aquele com o príncipe Charles, e bateu a porta atrás de si. Ela encostou-se na parede e bateu a própria cabeça algumas vezes nela, como se ela conseguisse inventar uma maneira de voltar no tempo e não cagar tudo daquela maneira. As pancadas ficavam cada vez mais fortes, mas ela não sentia dor alguma. Seus sentimentos estavam tão machucados que as dores físicas tornavam-se pequenas e insignificantes.
Ela fechou os olhos e os apertou, nenhuma lágrima. Aplicou mais força e mesmo assim, não conseguia expelir os metros cúbicos de lágrimas acumulados ali.
Ela falou qualquer palavrão baixinho e sentou-se no vaso sanitário; tirou os cigarros da bolsa e acendeu um; fechou os olhos para aproveitar o máximo possível da nicotina, mas o que ela precisava mesmo, era geralmente Chris quem conseguia com os seus contatos marginais.
Ela colocou a mão no bolso do casaco e de lá tirou o perverso pedaço de papel que naquele momento se resumia a um estágio anterior ao papel reciclado.
fechou os olhos e obrigou ela mesma a pensar em qualquer cosia que não fossem problemas. Qualquer coisa. Seus pais vieram a sua cabeça e uma saudade imensa tomou conta dela. Seria bom tê-los por perto para ajudá-la a se levantar e, até, a não fazer tantas besteiras. Pela primeira vez, ela teve vontade de visitá-los no Peru. Ela não faria isso. O máximo que faria seria pegar um trem até Coventry e pedir asilo na casa de sua tia. No entanto, se sair de casa já era um suplício, imagine sair da cidade. Era melhor ficar uns dias sozinha, refletindo sobre a sua ignorância, e com o tempo as coisas se acertariam.
Assim ela esperava.
Ela ficou imaginando o que seus pais poderiam estar fazendo naquele exato momento. Era um pouco mais de nove horas na Inglaterra, no Peru, não devia passar das 6 da manhã. Logo eles acordariam e iriam para alguma ruína inca/maia/asteca/egípcia/caralho-que-o-parta interessantíssima.
- Srta. ? Srta. ? – Uma voz insistente a trouxe de volta para a realidade. abriu os olhos lentamente e enxergou um borrão muito parecido com a diretora balofa. Parecido demais. Ótimo. – Você pode me acompanhar, por favor. – Ela completou em tom sério dando as costas para a garota que não pôde deixar de encarar com nojo a sua bunda coberta por um tecido floral do tamanho da Oceania.
apagou o cigarro no chão e o deixou ali mesmo. Foda-se a limpeza. Ela levantou-se colocando sua bolsa no ombro e não conseguiu deixar de se perguntar por quê. Por que Deus a estava perseguindo? Por que de uma hora para a outra ele tinha passado a odiá-la?
Ela seguiu a Sra. Gordon pelo corredor escuro que saía do banheiro e depois pelo corredor claro das salas de aula. Ela avistou entrando numa sala com a mochila nas costas. Ele a olhou profundamente por um segundo e depois sumiu porta adentro.
A sala da diretora era um atulhado de pastas, papéis e coisinhas fofinhas como esculturinhas de gatinhos, porta retratinhos com fotinhos de criancinhas e coisinhas rosinhas em toda a parte.
Olá, profissionalismo.
- Sente-se, por favor. – Ela falou enquanto ela mesma se sentava numa confortável cadeira estilo eu-sou-a-chefe. A menina depositou sua bunda (bem menor do que a da outra) em uma cadeira dura (bem menor do que a da outra). – Não são nem dez da manhã e você já cometeu três infrações, Srta. . – Três? Tudo aquilo? – Você estava fora da sala de aula sem permissão, você estava em um local proibido para alunos e você estava fumando em propriedade escolar. – Hum. Aquele dia ficava cada vez mais agradável. – Eu não sei se você pode continuar assim, . – Ela falou numa tentativa de tom maternal. – As suas notas... – Ela abriu uma pasta rosa que estava bem a sua frente, sem nem ter a boa vontade de esconder que o flagra no banheiro tinha sido arquitetado. – São uma desgraça! Você tem mais faltas do que presenças e ainda tem todos esses problemas com disciplina! – Se problemas com disciplina fossem só o que ela tivesse... – Eu mandei fecharem o telhado e na mesma semana vocês já descobriram o banheiro interditado do primeiro andar! – ocupava-se apenas em ouvir, respirar e permanecer sentada. Talvez ela devesse ter se obrigado a comer. Suas forças estavam realmente acabando. – Eu sei que você não é a única que mata aula naquele lugar, mas é você a que menos devia fazer uma coisa dessas! – Ela pegou um papel e passou os olhos por ele. – O Sr. Stonem pode ter tantas faltas quanto você, mas as notas deles são impecáveis, a Srta. Richardson ainda tem algumas notas baixas, mas todos os professores relatam que ela está se esforçando como nunca! O Sr. Poynter ainda é um bom aluno, apesar de ter matado algumas aulas com você e o seu grupinho e, finalmente, o Sr. Miles é outro que me preocupa muito, mas que ultimamente, parece ter criado juízo. Ele não vem mais drogado para a escola e aparece nas aulas. Tenho certeza que essa mudança logo vai refletir em suas notas. – Ela falou de Tony, April, e Chris, respectivamente, num sorriso forçado. – Mas eu acho que você já desistiu de mudar, se é que um dia você tenha tentado... e eu não posso ter alunos como você perto dos outros. É como uma única maçã podre que apodrece todo o cesto. Essa é uma decisão que já foi tomada há algum tempo, todos os professores e orientadores concordaram comigo. Você não é mais bem vinda aqui na Roundiew College. – Ela finalizou seu discurso cruzando as mãos em cima da mesa pacientemente.
Será que ela estava com tanta fome que seu ouvido estava passando informações erradas para o seu cérebro?
Aquela seria a única explicação que uma sentada na beira da cadeira com as mãos agarradas às suas bordas poderia admitir naquele segundo.
Ela não podia ser expulsa! Muito menos quando toda a sua vida já estava resumida a escombros.
- Desculpe. – Ela ouviu sua própria voz falar. – Eu acho... talvez... – Ela gaguejou. Estava difícil demais de pensar. – Hum, você poderia repetir? Eu não entendi.
- Não tem o que não entender, Srta. . Você está expulsa. – Ela levantou-se enquanto perguntava-se se seu corpo estava tão em estado de choque que tinha perdido seus movimentos. Ela nem piscava. – Agora, se você me dá licença, eu tenho outros assuntos para tratar. – A mulher caminhou até a porta e a abriu. obrigou seu corpo a voltar a se mexer juntando todas as suas forças. Elas eram pouquíssimas. Pegou sua bolsa que estava no chão e a pendurou em seu ombro. Parecia mais pesada do que antes, enquanto seu corpo parecia mais leve e sem vida do que antes. – Você pode deixar a chave do seu armário e os livros que você deve na biblioteca na secretaria. – Ela falou assim que passou por ela. – Toda a sua documentação escolar vai estar pronta em cerca de um mês, mas só vai poder ser retirada pelos seus pais.
Ela concordou com a cabeça.
O que mais poderia fazer?
Sua cabeça estava tão congestionada por pensamentos que parecia oca. Seu cérebro estava desfeito, provavelmente.
Ela atingiu o corredor vazio e silencioso. O chão estava tão limpo que ela podia ver seu reflexo no chão. Seus passos faziam barulhos que a incomodavam. Ela levou a mão à boca e notou o quão secos estavam seus lábios. Seus olhos também pareciam secos; secos e pesados. Ela os fechou por um segundo sentindo seu corpo extremamente cansado, dolorido e pesado. Seus olhos abriram-se de novo, mas todo o simétrico corredor tinha se transformado em imagens embaralhadas. Ela sentia calor, frio; frio e calor. fechou os olhos, e aos poucos, sentiu suas pernas cedendo, assim como seus olhos e sua mente perturbada.

- Ah! Você acordou! – A enfermeira de 146 anos de idade que trabalhava naquela escola desde 1854 comemorou com um sorriso sincero e um brilho em seus pequenos olhos azuis enrugados. A cabeça de doía muito e era difícil focalizar em um único ponto por muito tempo. Ela reconheceu o lugar que estava. Era a enfermaria da escola. Estava deitada numa maca e coberta por um cobertor grosso. Mesmo assim, morria de frio. – Você estava muito fraca e desidratada. – A velhinha falou. – Nós tivemos que te colocar no soro. – olhou para o seu braço esquerdo da onde saía aquela espécie de robô ligada a um fio ligado a outro robô. Ela desviou o olhar. Era fraca para agulhas, sangue e etc. – A sua sorte é que um inspetor estava no corredor que você desmaiou bem na hora que você caiu! – Ela praticamente bateu palmas.
- Quanto tempo eu tenho que ficar aqui? – Sua voz saiu seca, arranhando sua garganta.
- Se você estiver se sentindo bem, na hora que o soro terminar você pode ir embora!
Ela olhou para o robô que sustentava o pacote de soro. Faltava pouco menos de metade do líquido. Ela não agüentaria tanto tempo. Precisava sair dali naquele minuto!
- Você quer que eu ligue para alguém vir te buscar? – A velhinha perguntou virando-se de costas, provavelmente procurando sua ficha. - Ai, o dia está tão agradável hoje! – A idosa mais feliz do mundo exclamou ainda de costas enquanto dizia para ela mesma que ela conseguiria. Ela era corajosa. – Eu amo a primeira nevasca do ano!
contou até três, fechou os olhos, respirou fundo e os abriu de novo. Num movimento rápido ela arrancou a agulha do soro de seu braço e olhou para a janela. Pequenos flocos de neve dançavam sobre um cenário cinzento. Pronto! Ela tinha conseguido. Com toda a sua habilidade (nenhuma), ela descobriu-se e um segundo mais tarde, carregou sua bolsa até a porta e a abriu. Antes de disparar corredor afora, ela falou (sentindo-se um pouco mal pela velhinha fofa):
- Não, não precisa. Não tem ninguém para vir me buscar.

Capítulo 27;

- ? – Ela exclamou assim que o garoto atendeu o telefone. Sua própria voz estava um pouco trêmula. – Eu preciso de um favor. Você pode vir aqui com a bosta motorizada?
- Claro. – Ele respondeu hesitante. – Aonde você quer ir?
- Quando você chegar a gente conversa. – Era melhor não dar muitos detalhes muito cedo. – Você pode vir agora? – Ela perguntou e olhou em volta. Estava sentada nos degraus da frente de sua casa e a fraca claridade do dia começava a dar lugar à forte escuridão da noite.
- Posso, estou saindo.
- Vou te esperar lá fora.
- Tudo bem. Beijos.
- Beijos.
fechou o celular e encarou tudo a sua volta, inclusive seus pés. Ela calçava All Stars encardidos - devido ao uso praticamente incessante – com estampa de ovelhinhas. Ela coçou a cabeça. Não devia tê-lo escolhido bem naquele dia.
Sua vida estava tão bagunçada que ela mal podia se lembrar de bons momentos naquele lugar. E eles tinham sido muitos, afinal, ela tinha passado a sua vida inteira ali!
Tudo a entristecia. Nada a confortava.
Nell, que estava sentada ao seu lado, apoiou sua cabeçona peluda em sua coxa e sentiu uma pontada no peito. Ela acariciou a cadela que estava extremamente quieta. Era como se ela soubesse que alguma coisa estava para acontecer.
Seu peito doeu mais e ela abraçou Nell. Não se importava de estar demonstrando carinho excessivo por um animal no meio da rua e também não se importava de estar congelando sua bunda - e o resto de seu corpo – naquela geladeira gigante que estava a Inglaterra. A neve tinha parado de cair pela manhã, mas o ar estava gelado e as ruas continham os restos molA?l???hados da nevasca.
Aquilo seria mais difícil do que ela imaginava, mas seria para o seu próprio bem.
Ela acendeu um cigarro e pegou o celular novamente. Apertou o número 1 em sua discagem automática – Chris. Ele não atendeu. De novo. Novamente. Outra vez.
Ela fechou os olhos e balançou a cabeça em negação. Aquilo doía tanto.
Ela podia enfrentar a traição e a falta de caráter do cara por quem ela estava apaixonada; ela podia agüentar o fato de ter magoado sua melhor amiga para sempre; ela podia conviver com a decepção que Tony representava, mas ela não podia nem enfrentar, nem agüentar, nem conviver com a indiferença de Chris.
Ela abraçou Nell novamente e fechou os olhos com vontade porque fazia muito tempo que ela não recebia um abraço de verdade. Mas o fato era que, o abraço de Nell era tão bom quanto o de qualquer outra pessoa. Ela tinha ganhado a cadela em seu aniversário de 12 anos e desde então, ela a alimentou todos os dias (bem, quase) e principalmente, a amou todos os dias.
Apesar do temperamento retardado e agitadíssimo de Nell – que às vezes, até a lembrava o de Chris – ela sempre estava ali ao seu lado, fazendo companhia, a alegrando e a entendendo profundamente.
Mesmo com os olhos fechados e a cabeça abaixada, ela escutou o automóvel se aproximar. Levantou a cabeça com a vista embaçada e viu os contornos daquela van podre onde o McFly se locomovia. estava no banco do motorista vestindo uma grossa jaqueta preta, um cachecol cinza e um boné bege. Ele pulou do carro assim que a viu.
Ou assim que viu suas malas.
Na verdade, ela só tinha uma mala. A outra era de Nell.
se levantou e caminhou eA?l???m direção a ele carregando Nell, sua bolsa e uma das malas. Tentou evitar o olhar confuso do amigo.
- O que você está fazendo? – Ele perguntou com os olhos arregalados quando ficaram frente a frente.
desviou e abriu a porta de trás da van, onde depositou a mala e fez com que Nell pulasse ali dentro. Ainda sem coragem de contar a ele sobre seus planos, ela voltou aos degraus e, com toda a sua força, arrastou sua mala vermelha de rodinhas degraus abaixo.
Obrigada pela ajuda, !
Tudo bem que ele estava confuso, mas uma pequena ajuda física de um cara que devia ter 1,80 metro não custava nada!
Ela quase caiu no chão, mas conseguiu colocar a mala no automóvel e voltar-se para .
- Eu preciso ir embora, . – Ela falou torcendo para que ele a entendesse e não tornasse as coisas mais difíceis.
O menino cruzou os braços e a olhou entristecido.
- Eu sei que as coisas estão difíceis, , mas você tem certeza disso? – acariciou seu braço com doçura. – Talvez se você tentasse conversar com todo mundo... – Ele sugeriu, mas parou de falar assim que balançou a cabeça negativamente.
- Faz mais de uma semana que você é a única pessoa que fala comigo, . – Ela admitiu notando como realmente se sentia solitária. Um vento muito frio passou pelos dois e apertou o sobretudo vermelho contra o seu corpo. – O Tony e o não me interessam. – Ele a olhou significantemente qA?l???uando ela citou seu amigo, mas não falou nada. – A April e o Chris evitam as minhas ligações. E eu, obviamente, não preciso mais me preocupar com o colégio. – Ela quase riu.
ficou mudo. Não havia nada que ele falasse que desmentisse os fatos. Nada mais a segurava em Londres.
Ele respirou fundo e perguntou:
- Para qual aeroporto vamos? – Ele forjou um sorriso. Ela achou fofo da parte dele.
- Gatwick. – Ela também forjou um sorriso.
entrou no carro e deu a volta para entrar no banco do passageiro.
Ela estava esmigalhada. Essa era a verdade. Sentia-se entorpecida. Ela poderia acordar a qualquer momento. Aquele estava sendo o maior sonho – pesadelo - de sua vida. Mais de uma semana aflita, magoada e sozinha.
Respirou fundo e apoiou a cabeça no vidro sujo do carro. Sentia a respiração eufórica de Nell em seu cotovelo. Ela tentava passar por entre os bancos da frente a todo custo. Sentia os olhares cautelosos e indagadores de .
precisava fugir de tudo e todos, principalmente dela mesma. Do jeito que as coisas andavam, ela era um perigo para a sua própria saúde física e mental.
Ótimo, ela era a Pink.
Super!
Ela precisava de colo. Ela precisava de seus pais e seu trabalho em outro continente era uma ótima desculpa para que ela fugisse.
Nell, não se sabe como, conseguiu esgueirar-se para o banco da frente e antes que pudesse gritar, a cadela se instalou pacificamente em seu colo. Aquilo não estava confortável. Um cão de 15 quilos que sofria de gases se esparramava nela.
Contudo, ela passou os braços pelo pescoço de NelA?l???l e a abraçou forte. Aquilo estava confortável.
Ela ia deixando para trás todos aqueles lugares que ela conhecia bem. A casa de , o Sainsbury’s, a escola, o jardim...
Ela estava aliviada por aquilo. Só não estava mais porque ainda tinha que tratar sobre alguns assuntos com .
- Hum. – Ela limpou a garganta. – ?
- Quê? – Ele desviou os olhos da rua e a encarou.
- Eu preciso de um favor.
- Não, , eu não vou com você até o Peru! – Ele falou alto e debochado arrancando uma risada de . Ela mal se lembrava de como se ria. – Eu posso até te levar até o aeroporto, mas eu não vou atravessas o Atlântico! – Ela o agradeceu mentalmente por ser o máximo. – Fala, . – Ele finalmente falou sério.
- Hum. – fez caras e bocas. – A Nell.
- O que tem a Nell?
- Eu não posso levar ela para o Peru. – Ela estudava o garoto para interpretar suas reações.
Seus olhos se arregalaram e ele a encarou.
- Oh! – Ele exclamou com a expressão preocupada. – Você quer que eu cuide dela?
Ela fez que sim com a cabeça.
- Eu sei que é pedir muito, , mas eu não tenho outra opção. – Ela fez cara de coitadinha para ajudar no processo de convencimento.
O carro freiou num sinal. brincou com as imensas orelhas de Nell.
- Não se preocupa, , eu sempre quis um cachorro e meus pais não deixavam eu ter um. Eu vou cuidar beA?l???m dela!
- Ah! – Ela exclamou feliz e aliviada. – Obrigada mesmo, . Eu vou ser grata para sempre. – Ela agradeceu meio exagerada.
O silêncio tomou conta do ambiente enquanto ela via a atmosfera do lado de fora parecer cada vez mais gelada. Tudo ficava cinza e úmido. As pessoas andavam mais rápido e sorriam menos.
ligou o rádio e a voz de Alex Turner explodiu nas caixas de som, mas não era Arctic Monkeys que tocava na rádio. O primeiro single do projeto paralelo de Alex com o cara do The Rascals a lembrava das músicas de James Bond. Ela nunca se lembrava do nome da banda. Era algum nome comprido.
A voz marcante de Alex proferia aquelas palavras que a atingiam em cheio. Uma melodia rápida com uma música triste. Uma relação amorosa que não deu certo e agora o vocalista dizia que “há afeição para alugar”.
A canção chegou ao fim e a voz irritante do radialista a lembrou o nome do duo: The Last Shadow Puppets.
Kaiser Chiefs começou a tocar e os dedos de dançaram na direção, cantarolando em silêncio.
Eles chegaram à rodovia que levava à Gatwick. Um emaranhado de pistas duplas, viadutos e pontes. Aquelas placas imensas e depois a visão de aeronaves pousando e decolando.
O automóvel entrou no estacionamento. pegou um cartão na catraca que falava qualquer mensagem numa voz simpática com sotaque tipicamente londrino forçado.
Ele estacionou a van numa região mais vazia do estacionamento, longe das famílias que a lembravam Doze É Demais e dos casais que a lembravam Simplesmente Amor.
Obrigada, .
Ele A?l???retirou a chave do contato e a encarou com a expressão triste e preocupada.
Do lado de fora, os pálidos raios solares davam seus últimos suspiros e a escuridão tomava conta. Tudo estava cinza escuro, mas eles ainda conseguiam enxergar bem mesmo com as luzes apagadas.
- Que horas é o seu vôo? – Ele perguntou já que nem tinha se mexido.
- 6:35.
Os dois olharam para o relógio. Não passava das quatro. Era incrível como os dias duravam pouco naquela época do ano.
- Acho melhor você já entrar e fazer o check in. A gente pode tomar um café e fumar um cigarro enquanto espera. – Ele comentou agradando seus cabelos e depois a cabeça de Nell.
- Não, é melhor você voltar para casa. Você deve ter algum compromisso. – Ela falou apenas por força do hábito. Não queria que fosse embora. Nem ele nem Nell.
- Eu quero ficar com você até você embarcar. – Ele respondeu e teve vontade de abraçá-lo.
- Vamos, então. – falou sem muita vontade.
Cães não podiam simplesmente entrar no aeroporto.
Ela abraçou Nell com mais força. Sussurrou declarações de amor e saudades em suas orelhas caninas, abriu a porta do carro e, com força, levantou-se carregando a pesada cadela.
O vento gelado a machucava e a fina e gelada garoa pareciam penetrar sua pele, retirando seu calor e a lembrando da rigidez do mundo. Como se ela tivesse esquecido desse fato por um segundo nas últimas semanas.
abriu a porta traseira da bosta motorizada e soltou Nell ali dentro. Enquanto a donaA?l??? sentia seu coração se despedaçar, a cadelinha a encarava com os olhos grandes demais e chocados demais. Se ela falasse, provavelmente perguntaria: “O que está acontecendo? Por que você está com essa cara miserável e está me deixando sozinha nessa van fedida?”
acariciou a cabeça de Nell mais uma vez enquanto se sentia a pior pessoa do mundo. O pior de tudo era que ela morreria de saudades. A cadela era como parte da família.
colocou a mão em seu ombro.
- Eu vou cuidar bem dela. Prometo. – Ele falou antes de afastá-la do carro e fechar a porta.
Nell soltou uma espécie de grunhido e depois se jogou contra a porta
Céus. Aquilo estava pior do que ela tinha previsto.
já tinha tirado a mala de e a arrastou conforme os dois se distanciaram dos gritos sofridos de Nell.

O check in já tinha sido feito e a bagagem sido despachada quando e atingiram a área de fumantes do aeroporto com dois copaços de café como companhia.
Os fumantes eram absolutamente mal tratados e discriminados, por isso, essa área era do lado de fora do prédio. Nada legal quando a temperatura está abaixo de zero.
Os dois sentaram-se num banco de concreto. Um executivo de terno, celular e um infarto eminente era a única alma fumante que os acompanhava.
tirou seu cachecol e enrolou-o no pescoço da amiga, que em outra situação recusaria e se fingiria de orgulhosa, que nem estava sentindo frio.
- Obrigada. – Ela respondeu. Acendeu um cigarro e o passou para o garoto que tinha as bochechA?l???as queimadas pelo frio. Seus olhos muito claros pareciam acompanhar o clima e ficar mais claros conforme a temperatura abaixava.
- Obrigado. – Ele respondeu recebendo o cigarro e dando um gole em seu café.
ajeitou o cachecol com aquele agradável cheiro de em volta de seu pescoço e depois acendeu seu próprio cigarro.
Frio, café e cigarro foram feitos um para o outro.
Faltava pouco mais de uma hora para o seu vôo e de meia hora para o seu embarque.
- Você tem certeza, ? – perguntou pela segunda vez naquele mesmo dia. – A menina simplesmente fez que sim com a cabeça, sem encará-lo. A despedida de Nell tinha sido difícil demais e ela já não tinha mais certeza de nada. E se fosse apenas uma questão de tempo até seus amigos a perdoarem e tudo voltar ao quase normal? Contudo, ao mesmo tempo, ela não agüentava mais aquela situação e aquela solidão. Ela precisava de férias. – Eu sei que provavelmente ainda é cedo demais para você ouvir isso e você vai me odiar por alguns segundos, mas eu moro com o . – tragou com força e fez uma careta com a menção daquele nome e com a alta quantidade de fumaça em sua boca e em seu nariz. – Ele ficou realmente mal com toda essa história, terminou com a Helen... De verdade, dessa vez, eu vi ela saindo chorando de casa. – não queria ouvir nada daquilo. Nada! – Ele ama você e vai ficar transtornado quando descobrir que você foi embora. – colocou as mãos na cabeça tentando realmente não dar ouvidos ao seu amigo. Ela observou a fumaça espessa delirar do seu lado. – Bom, eu já falei, mas você tem que fazer o que você achar melhor.
A garota continuou em silêncio e fez que sim com a cabeça. Ela tinha muita vontade de chorar. Sentia as lágrimas a ponto de transbordarem e seu peito carregado pela pressão. Nada acontecia, no entanto.
Toda aquela situação era horrível.
pegou sua mão e a entrelaçou a dele.
Eles ficaram daquele jeito – de mãos dadas, em silêncio, congelando – até que o prazo de embarque de já tinha passado em quinze minutos.
Os dois caminharam devagar até o portão de embarque que não era longe dali.
- Acho que eu preciso me despedir agora. – falou com seu passaporte e sua passagem na mão.
- Acho que sim.
a abraçou apertado e ela sentiu-se grata por ter achado alguém tão especial quanto ele. O garoto a tinha ajudado nos piores momentos e ela nunca esqueceria daquilo.
Após alguns minutos abraçados, os dois se separaram.
começava a tirar o cachecol para devolvê-lo quando ele a impediu.
- Não! Fica para você! – Ele falou enrolando o tecido de maneira desajeitada nela.
- Você sabe que o Peru é um país tropical e que lá é verão nessa época do ano, né?
- Sei, mas é para você não se esquecer de mim. – Ele respondeu docemente encarando os próprios pés.
A?l??? o abraçou novamente. Dessa vez, rapidamente, mas era apenas um agradecimento. Deu as costas e caminhou até a funcionária do aeroporto que conferia as passagens.
A mulher mandou que ela entrasse no corredor, e olhou para o lugar onde tinha deixado . Ele continuava ali e sorriu para ela.

Talvez fosse a despressurização do avião, talvez fosse aquele ambiente hostil, apertado e lotado de gente estranha, talvez fosse o cara tentando enfiar o estojo de no compartimento de bagagem e talvez fosse o cheiro da bala de baunilha da mulher ao seu lado que tinha feito a garota sentir aquela onda tomar conta de seu corpo. Ele ficou trêmulo e a não se sabe quantos mil pés de altitude, sentiu as lágrimas molharem seu rosto. Elas vinham carregadas de tanta dor e incerteza que respirar ficou difícil. Seus soluços eram altos e totalmente descontrolados. Tudo parecia mais errado do que nunca. O gosto salgado das lágrimas passava por sua boca o que só fazia com que ela perdesse mais ainda o controle sobre ela mesma.
A mulher da bala de baunilha passou a mão por sua cabeça e começou a falar.
- Ninã, no chore! Yo tenho medo de avião también! No, no!
Foram as piores 14 horas de choro ininterruptas de sua vida.

Capítulo 28;

Nem com os olhos fechados ela via escuridão. Tudo era claro e quente. Ela via pequenas manchas em toda aquela claridade. Sentia o fim das suas costas úmido pelo suor e o resto de sua pele, oleoso por causa do protetor solar fator infinito.
Bem vinda a um país tropical.
Talvez o Peru não fosse tão ruim quanto ela imaginava.
A menina abriu os olhos, e mesmo com os seus Ray Ban, ainda tinha dificuldade para mantê-los abertos sem que os sentisse sendo destruídos.
Bem vinda a um país tropical no verão.
A piscina de água incrivelmente azul (graças aos azulejos incrivelmente azuis) se estendia aos seus pés. Uma leve brisa conseguia formar minúsculas marolas, mas não conseguia refrescá-la.
Não havia praia alguma em Machu Picchu, onde ficava sua casa, mas havia piscinas. Muitas piscinas.
Os vidros da casa brilhavam atrás da sua. Um reflexo atingiu diretamente o olho direito de e ela decidiu que era melhor fechá-los novamente e se afundar ainda mais na espreguiçadeira forrada por tecido impermeável listrado de azul com branco.
A casa dos pais de ficava afastada das ruínas, dentro de um condomínio fechado onde 98% dos moradores eram estrangeiros. Aquele lugar não tinha nada a ver com a imagem que ela tinha do país. As casas eram imensas e imponentes, os gramados verdes e homogêneos, tudo tinha sido planejado e construído no modelo dos ensolarados subúrbios californianos.
Super latino.
Sua casa não fugia dos padrões das vizinhas e ela nunca tinha tido tanto espaço em toda sua vida. Havia biblioteca, escritório para o seu pai, escritório para a sua mãe, adega, sala de jantar, sala de almoço, sala de visita, sala de televisão, sala de ginástica e esses cômodos básicos que o resto dos mortais também possui.
Bem vinda a um país tropical cuja moeda é desvalorizada.
As partes favoritas de eram, sem dúvidas, a piscina (no canto esquerdo mais distante da menina e mais próximo à sala, ficava essa espécie de bangalô do tipo estou-na-Tailândia, e embaixo dele, uma jacuzzi) e o seu quarto (quarto + closet + banheiro + jacuzzi).
Muito obrigada, senhor Jacuzzi.
Apesar de tudo, o congelante frio londrino ainda estava dentro dela, afinal, ela estava ali fazia pouco mais de uma semana. Não tinha ligado para ninguém e ninguém tinha ligado para ela. não sabia se isso era bom ou ruim.
Seus pais se assustaram quando um táxi despejou a filha deles (irreconhecível por causa dos olhos inchados e agarrada a um cachecol cinza apesar da amena temperatura de 36º) apareceu de surpresa em sua porta.
Ela estava tão exausta e arrasada que sua única vontade era abraçá-los e dormir. Foi o que ela fez. Vinte e duas horas depois, quando ela acordou (agora, inchada de tanto dormir), ela contou sobre sua expulsão e apenas comentou sobre um desentendimento com April, Tony e . Ela não teve coragem de mencionar Chris.
Seus pais foram até mais compreensíveis do que ela podia esperar. escutou um sermão sobre responsabilidade e futuro e prometeu se matricular em uma escola britânica onde estudavam todos os moradores em fase escolar do condomínio.
Tinha sido aquilo. Sem gritos, perguntas ou sangue.
Ela desconfiava que eles tivessem medo de escutar a verdade.
Não os culpava.
O barulho da empregada depositando uma bandeja na mesa circular de vidro ao lado dela a despertou de seus pensamentos.
Bem vinda a um país tropical cuja mão-de-obra é barata.
- Gracias. – Ela respondeu à mulher gordinha de meia idade metida num uniforme rosa.
A mulher de nome facilmente esquecível e olhos que brilhavam muito sorriu para ela.
estudou o líquido vermelho que preenchia a jarra de vidro. Esses sucos de frutas excêntricas eram sempre uma surpresa. Sua garganta estava seca, mas ela tinha preguiça de dar dois passos até a mesa.
Talvez se Consuelo - ou qualquer que seja o nome daquela criatura fofa - voltasse...
Ela fechou os olhos novamente. Já sentia aquele biquíni cor de vinho, que sua mãe tinha comprado para ela, úmido por causa do calor. Aumentou o som do ipod que tocava Rock Kills Kid, Hope Song, mais especificamente.
Destino ou ironia?
O cd já tinha começado de novo e a voz de Jeff Tucker se lamentava na música Paralyzed quando a menina abriu os olhos de novo, bem a tempo de ver um objeto rasgando o ar a sua frente, batendo no cabo do guarda-sol sol e explodindo na piscina fazendo um pandemônio com a água.
levantou-se, arrancando os fones dos ouvidos, com o coração acelerado para observar uma esfera verde fosforecente – também conhecida como bola de tênis - boiando em sua piscina.
Um barulho de galhos se quebrando e folhas se movimentando levou sua atenção para a cerca viva que separava sua casa da do vizinho. Um cara bronzeado e loiro que vestia apenas um calção de piscina tinha acabado de pular as plantas e espantava as folhas de seus cabelos quando seus olhos se levantaram e a viram. Ele fez uma cara de pânico.
- Hei. – Ele gritou ainda de longe. Ela reparou em como sua pele era dourada enquanto ele coçava a cabeça com uma mão e a barriga com a outra, aparentando constrangimento.
- Hei. – Ela respondeu de volta. Estava incrivelmente curiosa.
Porque curiosidade é o sentimento mais comum para se sentir quando alguém invade a sua propriedade.
- Desculpe pela invasão. – Ele falou num delicioso sotaque americano enquanto se aproximava. – Eu geralmente venho buscar as bolas que eu mando para cá, mas está sempre vazio. – Ele finalmente chegou e não conseguiu deixar de notar seus olhos azuis claros, seus cabelos loiros manchados pelo sol e seus músculos, que na opinião dela, eram exatamente no ponto (nem muito fortes, nem muito fracos). – Prazer. – Ele esticou sua mão em sua direção. – Mitch Oliver, seu vizinho, pelo o que eu entendi.
- , sua vizinha pelo o que eu entendi. – Ela respondeu apertando seus dedos e sendo simpática. Mais simpática do que o normal.
Isso ai, você nem tem problemas o suficiente, !
Os lábios dele se curvaram num sorriso e a garota agradeceu por estar usando óculos, assim podia fitá-lo o quanto quisesse parecendo apenas um pouco pervertida.
Certo, ela tinha muitos problemas, a maioria deles causada pelo fraco que ela tinha por meninos. Ela era uma fã deles! Uma super fã! Groupie! Mas ao mesmo tempo, ela estava começando uma vida nova, não voltaria para a Inglaterra ou para seus problemas tão cedo e precisava de novas amizades!
Ela não tinha culpa nenhuma se a amizade tinha surgido em seu jardim no corpo de um americano gostoso.
- Eu vou ter que dar um mergulho na sua piscina agora. – Ele falou interrompendo o contato ocular e apontando a tanque de água com a cabeça.
- Fique à vontade.
assistiu o garoto e seu calção Billabong cinza escuro mergulharem graciosamente na água. Um segundo depois, ele saiu de lá bagunçando o cabelo com a mão e espalhando goticulas de água. Seu corpo brilhava e seus cabelos estavam mais escuros por estarem molhados.
Ela o assistiu caminhar até a mesa, deixar a bolinha passeante em cima dela e se servir de suco. Tudo bem que ela tinha falado para que ele ficasse à vontade, mas calma ai!
- Hum! – Ele murmurou com a face saciada e depois falou uma palavra em alguma língua desconhecida que ela nem tinha entendido. Provavelmente tinha acabado de contá-la o nome da fruta exótica. – Agora me conte, o que uma inglesa com falta de melanina como você faz por aqui? – Mitch perguntou sentando-se em uma das cadeiras acolchoadas em volta da mesa.
Seu sotaque e a falta de capacidade de pegar cor realmente a entregavam.
- Meus pais já estão morando aqui há mais de um ano e eu resolvi passar um tempo aqui com eles. – Ela respondeu simplesmente.
Nenhum motivo que envolva drogas e promiscuidade.
Claro que não.
- Pela sua cor, você não está aqui há muito tempo, né? – Ele falou limpando um pouco de suco que tinha sujado o canto de sua boca. – Quando você chegou?
- Não mesmo, eu cheguei aqui faz um pouco mais de uma semana. – Ela levantou os óculos agora que estava embaixo do guarda-sol. O garoto analisou seus olhos. – Mas e você? Por que está aqui?
- Eu estava jogando squash e eu realmente não sei jogar squash. Você já sabe o resto da história... – Ele respondeu tirando uma com a sua cara. Ela fez uma cara que misturava desprezo e risada. Ele riu deixando seus dentes brancos e perfeitos a mostra. – Eu estou aqui há seis meses e eu vim para cá porque meu pai foi transferido de Nova York para o cu do mundo!
Mitch se esticou na cadeira e passou a mão por seus cabelos.
- Não me parece ser tão ruim assim.
- Não é mesmo, contanto que você tenha as companhias certas. – Ele sorriu charmoso e a menina sentiu suas bochechas arderem. – Você vai para a British School of Peru? – Ele perguntou e agradeceu pela mudança de assunto.
A menina puxou pela memória, lembrando-se de seus pais comentando sobre a escola.
- Essa mesma.
- Que ano?
- Último.
- Ótimo, nós podemos ir juntos! Acabei de ganhar um carro novo...– Ele sorriu charmosamente de novo. sorriu, contente por estar tendo uma conversa amigável após tanto tempo. Aquele garoto fazia com que ela se esquecesse do passado e dos problemas. – Hum... – Mitch fez um movimento engraçado com as sobrancelhas. - O que você vai fazer hoje à noite, ?
- Vou sair com você. – Ela respondeu tentando imitar suas sobrancelhas e recolocando seus óculos.
- Boa resposta! – O menino se levantou, caminhou até sua cadeira e beijou sua bochecha. Ele cheirava bem. Protetor solar mais desodorante. – Te pego às dez. – Ele caminhou de volta para os arbustos, mas parou no meio do caminho. – Você se importa se eu usar a porta dessa vez?
- Nem um pouco! – Sua cabeça acompanhou sua fala.
Mitch piscou seu olho esquerdo. mordeu seu lábio.
- Não se esquece de tomar esse suco! Está delicioso! – Ele falou antes de sumir pela porta de vidro da sala.
Delicioso mesmo.

Capítulo 29;

O chão acarpetado debaixo de sua bunda já a incomodava. Estava sentada na mesma posição fazia tempo demais. se levantou e esticou sua coluna como uma grávida de gêmeos. Estava velha demais para aquelas coisas. Seus ossos fizeram um barulho aterrorizante que só ela escutou.
Ainda bem.
- Hei! Hei! Onde você pensa que vai? – Mitch e seu sotaque americano perguntaram do chão enquanto ela dava dois passos para se aproximar do espelho oval pendurado na parede rosa. – O jogo ainda não acabou!
- Só vou me esticar um pouco. – respondeu com os olhos do garoto penetrando os dela enquanto Lucita descartava alguma carta.
O quarto de sua amiga era do tamanho da sala de sua antiga casa. Tudo tinha tons de rosa e lilás. Uma cama tamanho king size lotada de almofadas fofas ficava no meio do lugar. Já era noite, as luzes estavam apagadas e a iluminação vinha das dezenas de luminárias espalhadas pelo quarto e do poste da rua. A janela estava fechada garantindo uma temperatura gostosa e gelada graças ao ar condicionado.
Apesar dos 30 graus no exterior, a pele da menina se arrepiava de quando em quando.
Era uma delícia.
Seu reflexo era tão diferente do que ela tinha meses atrás que nem ela mesma tinha se adaptado por completo. Sua pele que antes era tão branca quanto a de um doente, agora tinha um tom dourado que ela nunca pensou ser possível. A regata branca só destacava sua nova cor e deixava aparente a marca do biquíni que era prova viva de sua nacionalidade.
A televisão de plasma estava ligada e passava CSI com legendas em espanhol. Ninguém prestava atenção.
O ipod de Lucita estava conectado às caixas de som e de lá ecoava o primeiro cd do The Thrills. Combinava bem com todo aquele constante clima de praia longe da praia.
Tanto pela cidade...
Seus cabelos estavam mais compridos. Ela não os cortava desde que aterrissara. Ignoremos as pontas duplas. Sua cor também estava diferente, apesar dela não ter passado tintura alguma nele. O excesso de sol tinha deixado suas pontas bem mais claras que suas raízes.
Ela ajeitou os shorts de cetim azul escuro no corpo e se deparou com o olhar de Mitch nela novamente. virou os olhos e os deles brilharam junto com um sorriso.
- É a sua vez, . – Ele falou apontando as cartas na mesa (ou no chão) para ela.
Mitch ainda usava um calção Hurley xadrez cinza e azul de ir à piscina, uma camiseta branca e um chapéu de feltro bege. Seus cabelos com múltiplos tons de loiro ultrapassavam o acessório e caíam harmoniosamente logo acima de suas sobrancelhas. Seus olhos azuis ficavam destacados graças ao seu bronzeado que conseguia ser mais forte do que o de sua amiga.
voltou para o lugar onde estava inicialmente, em frente a Lucita e ao lado de Mitch. Eles jogavam qualquer jogo de cartas e a única coisa que ela sabia era que com aquelas que ela tinha, não ganharia nunca!
- Eu estou com fome. – Disse Lucita enquanto fingia pensar muito nas táticas do jogo.
- Eu não estou, na verdade. – Ela respondeu à amiga esticando os braços e sentindo como seu corpo doía. Não tinha nenhum motivo em especial, apenas aquela sensação quase gostosa de exaustão que um dia sob o sol costuma causar nas pessoas. Ela, Mitch e Lucita costumavam revezar. Cada dia ficavam na piscina de um deles. Às vezes, iam à piscina de alguma outra pessoa ou na da escola. – Estou pensando em ir para casa. – Ela completou olhando para o relógio e reparando que já passava das duas da manhã.
Lucita passou a mão na barriga e levantou as sobrancelhas numa expressão engraçada. A menina tinha longos cabelos muito pretos e muito lisos. Uma franja reta acabava logo acima de seus cílios. Seus olhos eram tão pretos quanto os seus cabelos e brilhavam mais do que qualquer outro que já tivesse visto. Ela vestia um vestido cinza complementado com colares espalhafatosos feitos com sementes. Parecia uma índia ou qualquer coisa do tipo, mas era espanhola. Seu pai era o cônsul do país na cidade. Era Lucita e seu espanhol como língua mãe quem salvavam e Mitch todas as vezes que eles saíam da bolha que se resumia ao condomínio e à escola britânica que freqüentavam.
Oito meses ali e não sabia muito mais do que palavras básicas do idioma.
Muy bien.
- Você está com fome, Mitch? – Ela indagou ao menino que assistia à televisão com uma aparente concentração.
- Também não e também acho que vou para casa. – Ele respondeu mexendo em seu chapéu e fazendo charme. Mitch se levantou e parou perto de . Eles tinham praticamente a mesma altura. Ele, talvez, fosse alguns centímetros mais alto. O garoto passou os dedos levemente em seu quadril, causando-lhe cócegas.
Evitando uma sessão de movimentos incontidos e gargalhadas descontroladas, deu um jeito de controlar Mitch, brincando com seus dedos e entrelaçando suas mãos.
- Vocês vão me fazer comer sozinha? – Lucita perguntou parada na porta de seu quarto. Ela enfatizou a última palavra com um drama extra, ainda mais para alguém com três irmãos.
Aparentemente, não há camisinhas na Espanha.
Ou os pais de Lucita não curtem televisão.
- Eu vou. – respondeu pegando sua bolsa de vinil escandalosamente vermelha e levantando as pontas dos pés para alcançar a testa de sua amiga e lhe dar um beijinho na testa. Ela era quase meio palmo mais alta do que .
- Eu também. Desculpe, querida. – Mitch respondeu e fez o mesmo que .
Lucita fingiu uma imensa decepção tanto com a face quanto com as mãos, arrancando risos de seus amigos e, depois, dela mesma.
Os três desceram os degraus de mármore claro, iluminação amarelada e um grande quadro psicodélico da escada de Lucita.
O hall estava escuro e a garota nem acendeu a luz, já que alguma claridade vinha da escada, dos outros cômodos e da rua. Ela abriu a porta e se despediu de seus amigos com beijinhos na bochecha.
procurou a mão de Mitch assim que a porta se fechou atrás dos dois. Estava gelada comparada ao clima da rua. Oficialmente, é inverno em agosto naquela parte do mundo. Um inverno que as pessoas andam por ai como se estivessem na praia.
Seu caminho era iluminado pelas luzes dos impecáveis jardins e pelos postes.
Ele a olhou com o canto dos olhos e sorriu, apenas curvando os lábios. A menina retribuiu.
Os dois caminharam sem muita vontade de se separar. Fazia muito silêncio, a não ser por um ou outro aparelho de irrigação que, do nada, começava a molhar gramas muito mais bem cuidadas do que reservas florestais em perigo de extinção.
Um minuto depois, chegou à frente da sua casa. Suas imensas paredes eram beges; a porta deveria ser chamada de portal, pois era imensa e feita de madeira, vidro e ferro; havia um vitral grandalhão logo acima dela, e da rua, ele deixava que você avistasse um lustre elegante pendurado no teto.
Lucita morava na mesma rua que ela e Mitch, apenas alguns quarteirões mais distante. Aquilo meio que tinha ajudado os três a construírem uma relação bem próxima. Dois deles especialmente.
Antes de se aproximarem da entrada, o casal sentou-se no meio fio da calçada. Mitch pousou sua mão na perna da menina que enganchou seu braço ao dele.
Ela amava tê-lo por perto, amava vê-lo todo dia, amava saber seus hábitos e gostos, amava que ele se importava com ela.
Mitch abaixou sua cabeça e levou seus lábios até suas mãos, que continuavam unidas. Ele deu um beijinho na de . A garota retribuiu com um em seu pescoço, o local mais próximo dela naquela posição.
Beat it, do Michael Jackson e não do Fall Out Boy começou a tocar.
Porque retrô está na moda e punk pop é tão 2005.
Mitch tirou o seu celular do bolso, sorriu ao olhar para o número na tela e o levou a sua orelha.
- Hei! – Ele respondeu num tom de voz doce enquanto , que sentia seu corpo cada vez mais debilitado, abraçava os próprios joelhos e apoiava sua cabeça neles. – Fiquei esperando você me ligar o dia todo! – As pequenas pedrinhas que compunham o asfalto eram realmente... pequenas. A menina não entendia como era possível que milhões de micro pedras formassem uma superfície tão lisinha. – Nada. Está bem! Estou indo! – Ele exclamou enquanto sua amiga tentava contar a quantidade de irrigadores naquele quarteirão. Contar as crianças passando fome no Zimbábue traria melhores resultados. – Também te amo, Paolo.
Ah sim!
Mitch era gay. Totalmente. Absolutamente. Oficialmente gay.
E Paolo, o filho de um artista plástico italiano, era seu namorado.
Foi um choque quando, algumas horas depois de conhecer um cara lindo com um flerte – como diria sua mãe – mais do que decente, eles se beijaram e a garota teve a impressão de que um prato teria feito um trabalho melhor. O cara olhou para o chão decepcionado e sussurrou que não gostava de kiwi, mas sim de banana.
Em outras palavras, é claro, mas as metáforas de Adam Levine sempre são bem-vindas! .
O caso era que, até conhecer , Mitch fazia de tudo para manter as aparências. As cantadas eram parte desse processo. Por algum motivo, ele sentiu que poderia confiar nela o suficiente para contar-lhe um segredo que poucos sabiam.
Poucos meses depois, com o estímulo da nova amiga, ele saiu do armário e nunca mais encostou em um kiwi.
Capítulo 30;

tinha acabado de descobrir esse fabuloso canal de televisão americano chamado E! Entertainment Television. Não conseguia mais comer, dormir ou ir ao banheiro sem antes ligar a televisão e ver o que a Jessica Simpson ou a Nicole Ritchie tinham vestido ou comido. Ou deixado de vestir de e de comer. Dependia do humor delas.
Certo. Mentira. Ela não estava tão viciada asism, mas tinha virado uma grande fã da programação recheada de fofocas sobre as celebridades mais toscas que uma sociedade pode ter. As legendas em espanhol a incomodaram no começo, contudo no estado de adição que ela se encontrava, já não faziam diferença.
Ela assistia a uma reportagem sobre a espantosa perda de peso de Mariah Carey quando sua mãe invadiu a escura sala de televisão.
- A pizza chegou, . – Ela falou enquanto acendia a luz e equilibrava duas caixas de pizza em seus braços.
A garota fechou seus olhos com força. Tinha passado a tarde toda se enchendo de cultura inútil e deliciosa. Mitch tinha saído com Paolo, e Lucita estava acompanhando os pais em qualquer tipo de convenção oficial da Espanha no país.
Numa careta, ela abriu o olho esquerdo. A televisão de um milhão de polegadas estava desfocada e ela só conseguia reconhecer seu mais novo canal favorito por causa da voz da apresentadora Giuliana Rancic. Os tons de verde do sofá e das cortinas agrediam seus olhos, apesar de serem de um tom ameno que a lembrava roupas de exército.
Valerie sentou-se ao seu lado e abriu seu olho direito para que a sala voltasse a ter foco.
Os cabelos curtos de sua mãe estavam molhados e com um cheiro agradável de xampu. Eles eram alguns tons mais escuros do que o de (ainda mais depois de todo aquele sol). Ela usava um vestido estampado em tons de vermelho e roxo. Sua pele tinha uma cor bonita graças ao sol diário que tomava no trabalho há tantos anos. Era bonitona e quebrava totalmente o estereótipo de arqueóloga nerd-parasita-social.
Falando em nerd, Teddy entrou no cômodo carregando (ou sendo carregado por) copos, guardanapos e uma garrafa de Coca-Cola. Ele vestia uma bermuda bege igualzinha uma que Mitch tinha e uma camiseta onde a silhueta de Marlon Brando era acompanhada pelas palavras “The Godfather”. O homem passava pela crise dos 42. Sim. Seu aniversário de 40 anos foi tranqüilo; o de 41 também, mas ele pirou no de 42 e passou a usar camisetas moderninhas e bermudas que adolescentes homossexuais também usam. Que vergonha. Seus cabelos castanhos claros, antigamente, eram quase loiros e, agora, estavam salpicados de fios brancos e cinza. Era uma pessoa meio atrapalhada e derrubou guardanapos por todo o seu caminho, desde a cozinha até o sofá da sala de televisão.
sempre soube que seus pais não eram iguais aos demais. Eles se importavam com coisas que os outros nem sabiam que existiam e ignoravam outras que fazem progenitores normais perderem horas de sono. Não costumavam ter refeições sérias ou regradas. Geralmente, comiam comida que faz mal a saúde assistindo televisão que faz bem ao cérebro.
- Eu não vou assistir isso, filha! – Seu pai reclamou assim que conseguiu se livrar das coisas que carregava.
- Eu não quero saber se a Anna Montana está namorando um cara mais velho ou não! – Sua mãe o apoiou.
- É Hanna Montana, seus sem cultura! – respondeu e passou a televisão para o The History Channel.
Eles se contentaram com um documentário sobre Luís XVI, mas sua filha sabia que era só uma questão de tempo até eles encontrarem algum erro ou então fazerem algum comentário desagradável ( “O Stu ganhou tanto peso!” ) sobre o Mestre Doutor Stuart Dean da Universidade de York.
Apesar de ser obrigada a descobrir detalhes da vida de Hanna Montana apenas mais tarde, estava feliz. Ela gostava de olhar para os lados e se ver cercada por aquela pessoas que a amariam apesar de qualquer coisa. Ela poderia matar alguém, traficar drogas e maltratar filhotes de cachorro; ainda assim, eles estariam ali. Um pouco emputecidos, mas estariam.
Era engraçado assistir sua mãe comer uma fatia de pizza sem prato ou talheres e continuar com uma aparência elegante e educada. Engraçado como ela nunca enchia o copo inteiro de qualquer bebida. Ela sempre colocava dois ou três dedos, pois achava que não agüentaria, mas acabava enchendo o copo a cada trinta segundos. Era a pessoa mais inteligente que sua filha conhecia, mas não dispensava algumas tardes de compras por mês. Arqueólogas também são mulheres!
Também era engraçado como seu pai era o oposto de Valerie. Metade do queijo de sua pizza estava em seus óculos, que estavam pendurados em seu peito por uma espécie de cordinha. Era uma cena típica dele: ficar colocando e tirando os óculos porque ele enxergava com eles de perto e sem eles de longe ou vice-versa. Ele também não era o típico arqueólogo. Era um nerd, mas não se encaixava no perfil dos filmes de Indiana Jones. Era fã de Joy Division e até brigava para comprovar a superioridade da banda em relação ao New Order. Gostava de quadrinhos e, às vezes, passava na porta de seu escritório e podia ouvir as gargalhadas. Se sua mãe entrasse ali, ele daria um pulo e estaria lendo algum livro entediante.
- Como anda a escola? – Ele perguntou no intervalo.
- Cansativa! – respondeu num suspiro. A verdade era que agora ela entendia o porquê das pessoas não irem às festas por falarem que estão cansadas. Estudar é exaustivo! Ela ficava mais cansada com uma hora de física do que com três dias sem dormir em alguma daquelas festas que ela freqüentava. – Mas tudo bem. Só está mais difícil para mim porque eu, basicamente, não fiz nada desde que aprendi a ler e a escrever.
Sua mãe a jogou um olhar reprovador e seu pai riu com a piada exagerada. Bem, na verdade, nem era tão exagerada assim. Já que depois que ela aprendeu o alfabeto, ela parou de se esforçar.
O que vinha depois era lucro! Contudo, esse lucro não parecia muito melhor do que uma imensa dívida no momento.
Sua escola não era muito diferente da sua anterior, apesar do oceano que as separava. As aulas eram bem parecidas, com a diferença que ali, ela tinha mais aulas de espanhol e de coisas estranhas do tipo: cultura local. Seus pais foram às alturas quando viram esse tópico do currículo escolar.
Os alunos, no entanto, eram realmente diferentes dos que ela encontrava na Hampstead College. Cada um tinha um sotaque diferente, um traço diferente, uma roupa diferente. Alguns mal falavam inglês e iam para as aulas acompanhados de um pequeno exército particular de seguranças.
- Só se esforce o máximo possível, filha. Para que você recupere esse tempo perdido. E, por favor, eu te imploro, tire nota em história! – Ela pediu com as mãos unidas como se fosse numa prece.
Os três gargalharam.
- Está bem, mãe. – Ela concordou apesar de história ser uma das matérias que ela mais tinha dificuldade. Era tudo tão sem regras! – Ah! – Ela lembrou-se de algo que poderia interessar seus pais. – Entrei para o time de corrida da escola.
- Verdade, filha? – Seu pai perguntou deixando a televisão de lado. Mal podia esconder seu contentamento. – Que ótimo!
- Uhum. – Ela fez que sim com a cabeça. – A Lucita já participava do time fazia tempo e sempre insistiu para que eu fizesse um teste. Acabei fazendo e fui aceita.
- Acho bom mesmo que você tenha uma atividade física. – Sua mãe comentou. – Sei muito bem que a última vez que você fez qualquer coisa parecida foi naquele dia que te obriguei a me acompanhar na aula de pilates. – Ela a encarou com o olhar reprovador.
- Que mentira, mãe! – A menina respondeu ofendida. O único problema é que na realidade, era a mais pura verdade.
- Você vai ter que treinar quantas vezes por semana? – Teddy questionou.
- Duas vezes, por uma hora e meia. – Ela respondeu já se sentindo exausta por antecipação. – Mas a Lucita falou que nas vésperas das competições eles treinam todos os dias.
- Vai ser pesado, mas vai te fazer muito bem, filha. – Valerie falou colocando uma mexa de cabelo atrás da orelha. – Você não vai conseguir viver sem depois!
- É o que falam...
- Agora vamos ao que interessa! – Os olhos de Valerie brilharam e ela checou se seu marido estava prestando atenção na televisão. Estava. – Como vão os meninos?
O pai de as lançou um olhar “ameaçador” e soltou uma tosse forçada.
Ele não era o tipo ciumento. Nem havia motivo para ser ciumento.
- Eles estão bem. – “Longe de mim” ela deveria completar.
A menina tinha considerado a homossexualidade de Mitch como um sinal. Um sinal para que ela tivesse menos problemas, menos confusões, mais calma. Desde então, ela foi rude com qualquer garoto que a tratasse bem, principalmente o lindo irmão mais velho de Lucita, que era mais bonito do que Diego Luna e Gael Garcia Bernal. Juntos.
Provavelmente estava com fama de encalhada azeda.
Ela não podia querer outra coisa.
Mentira e sua mãe sabia muito bem daquilo pelo olhar que ela lhe deu.
- Mas e o trabalho? – A garota mudou de assunto. – Como foi essa semana? Acharam alguma múmia?
- Filha... – Sua mãe falou docemente enquanto recolhia guardanapos sujos da mesinha de centro em frente a eles. – Você sabe que os incas não costumavam mumificar os seus defuntos. – Ela se levantou carregando caixas vazias de pizza.
- Bem, na verdade... – Seu pai começou a falar com o dedo indicador para o alto. – Em algumas situações eles mumificavam...
- Raras, Teddy! – Sua esposa o interrompeu categoricamente. – Você pode levar os copo, querido?
- Hum... – Ele murmurou aceitando a derrota. – Posso sim. – Ele respondeu recolhendo os três copos e a garrafa vazia de refrigerante.
- Você vai sair hoje, ? – Sua mãe perguntou parada na porta.
- Não, vou ficar quietinha em casa. Sozinha. – Em sua cabeça, a última palavra tinha saído bem menos deprimida do que ela soou na realidade.
- Certo. – Sua mãe respondeu meio constrangida.
- A gente precisa ler umas coisas, filha, mas nós poderíamos fazer alguma coisa depois... – Seu pai falou com um sorriso adorável. – A gente pode assistir ao E! True Hollywood Story sobre O Poderoso Chefão! – Um sorriso largo invadiu a cara de . – Eu vi na revista da programação que vai passar mais tarde!
- Está combinado então! – Sua mãe concluiu feliz e os dois sumiram no corredor iluminado por luzes amareladas. – Teddy! Você derrubou metade do saco de guardanapos pelo corredor! – ela escutou a voz de sua mãe reclamar ao longe e riu sozinha.
alcançou o controle remoto e se espreguiçou antes de trocar de canal. Estava passando o E! True Hollywood Story do P. Diddy ou qualquer que fosse o nome que ele tinha escolhido naquela semana. Ela o desprezava e não conseguiria passar a próxima hora descobrindo quantas vezes ele tinha sido preso ou tinha comido a Jennifer Lopez.
Avistou o notebook preto descansando em cima de uma mesa de canto.
Nada melhor do que internet para se distrair quando o hip hop domina a programação da televisão.
Em um pulo, ela estava sentada no outro sofá com o aparelho no colo. Fazia tempo que ela não mexia na internet. A internet era um meio de comunicação. tinha medo de se comunicar.
Fechou os olhos e batucou as teclas levemente. Estava ponderando o que poderia ou não fazer. Concluiu que, basicamente, só poderia checar seu e-mail (aquele feito depois que ela se mudou para o Peru) e escutar alguma radio no last.fm. Qualquer coisa além disso, significaria contato com uma parte enterrada de sua vida. Ela sabia que algum dia teria que lidar com aquilo, mas ainda não se sentia preparada.
Respondeu e-mails de Mitch, Lucita, do seu pai (piadas sem graça e um texto sobre a agricultura dos celtas ou maias ou qualquer que fosse o povo que ele estudava) e de pessoas da escola enquanto o last.fm tocava a rádio com as suas recomendações. A partir do histórico de músicas que ela já tinha escutado pelo programa, eles selecionavam bandas poderiam interessá-la.
Notas marcadas de uma guitarra iniciaram essa canção. Ela já tinha escutado aquilo antes. A bateria entrou. Ela com certeza já tinha escutado aquilo antes!
Seu coração parou e depois entrou em disparada.
Talvez ela estivesse tendo um ataque do coração.
A tela do computador denunciava que ela estava escutando a música I Wanna Hold You da banda McFly.
Ela tirou o notebook do colo e o largou no sofá. Precisava das mãos livres. Precisava se abanar e tê-las preparadas para protegerem sua face quando suas pernas falhassem e ela caísse no chão. Mesmo estando sentada.
Uma foto de caras muito conhecidas acompanhavam o nome da música e o da banda, além de uma pequena descrição.
“McFly é composta por , , e . A banda alcançou sucesso após o seu primeiro single (Five Colours in her Hair). Atualmente, estão em turnê pelo Reino Unido e o seu mais novo single – I Wanna Hold You – é sucesso nas rádios britânicas.”
I Wanna Hold You!
É claro que ela se lembrava!!
A música que tinha escrito para ela no dia que ele apareceu de surpresa em sua porta enquanto ela jogava strippoker!!!
A música que ela tinha escutado uma dezena de vezes quando ela os assistiu tocando!!!!
Aquela cuja letra falava que ele derreteria as calotas polares e as assistiria inundar a terra só para mostra para ELA o quanto ele valorizava o seu amor.
não conseguia mais respirar. Não conseguia segurar as lágrimas. Não conseguia escutar aquelas palavras escritas para ela reverberando por toda a sua sala.
Fechou o aparelho com força e saiu correndo do cômodo. Mal enxergava o caminho a sua frente. Seus olhos estavam embaçados; sua boca sentia o gosto salgado de lágrimas e seu corpo levava choques.
Passou pelos escritórios de seus pais e, para sua sorte, as portas estavam fechadas. Subiu as escadas o mais rápido que pôde e encontrou seu quarto.
Se ela tivesse acendido a luz, teria encontrado um lugar inteiro branco, acompanhado apenas pelo necessário: cama, mesa de cabeceira com uma luminária robótica, escrivaninha com uma luminária robótica e um armário embutido na parede sem nenhuma luminária robótica. Graças a Deus. Mas ela não acendeu a luz, apenas fechou a porta e deslizou para o chão. Sentia que suas pernas não a agüentariam por muito tempo.
Até aquele instante, ela só tinha chorado por Chris, por April e até por Tony. Ela sentia tanta raiva de e se preocupava tanto com os outros, que acabou se esquecendo dele. Era como se o garoto estivesse escondido bem no fundo da gaveta por aquele tempo todo.
Alguém tinha aberto a gaveta e ela não sentia mais raiva. Sentia-se triste, sentia sua falta, sentia que sua cabeça estava cheia e seu peito, vazio. Extremamente vazio, a ponto de ela sentir dores.
O vazio a queimava por dentro.
Ela nem reparou que a porta tinha se aberto. Só notou a presença de Mitch quando ele agachou e a abraçou. Palavras saíam de sua boca, mas ela não conseguia escutá-las. Só escutava o barulho de sua respiração complicada e a voz dele, de . Aquela voz que sempre tinha falado coisas doces para ela, mesmo que o dono dela agisse de maneira totalmente oposta.
- Eu não consigo respirar. – Ela falou com a face no ombro do amigo. Sentia que mãos seguravam seu pulmão e o impediam de trabalhar direito.
Ele acariciou seus cabelos e depois, foi bombardeado por toda a história de . Bombardeado, pois ela não falava sobre ela há meses, desde que conversara com no aeroporto. Ninguém ali sabia o que tinha se passado em sua vida na Inglaterra. Nem seus pais, nem Lucita e nem Mitch.
tinha tentado ser forte. Tinha tentado recomeçar sua vida. Tudo estava aparentemente certo. Aparentemente pois ela mesma se enganava fingindo que estava feliz. No entanto, no fundo, ela sempre soube. Sempre lhe faltou um pouco de ar, um pouco de chão, um pouco de , de Chris, de April e de Nell.

Capítulo 31;

Era estranho escutar inglês saindo da televisão - sem sotaque americano; sem legendas.
Ela morria de saudades da E!, mas nunca esteve tão feliz por assistir um desses programas toscos da BBC 2 sobre um casal procurando a perfeita casa para se viver em Londres. Nem cultura inútil havia ali, mas ela amava até os comerciais! Eram sobre produtos que ela conhecia e que não eram esquisitos!
Além disso, ela amava a voz da mulher que ao fim de cada atração da E4 falava algo como: “Next on E4...”
Não há lugar como a sua casa.
se enrolou mais ao edredon branco com ovelhinhas que lembravam bonequinhos de palitinho. Estava com mais frio do que jamais tinha sentido.
Um ano convivendo com temperaturas acima de 30º diariamente faz com que qualquer coisa abaixo de 10º se pareça com morte iminente.
Olhou pela janela e viu o céu acinzentado e carregado. Poucas pessoas andavam pela rua. Era um domingo muito frio e você via na cara de cada pedestre que ele só estava ali porque alguém - o trabalho, a fome, a namorada carente - o estava obrigando. Caso contrário, estaria em casa, assistindo o cara da previsão do tempo mandando você não sair de casa por causa das baixas temperaturas e da possibilidade de nevascas.
Todo inglês ama estar informado sobre o tempo. Ama.
Ao mesmo tempo em que aquele lugar era praticamente tudo o que ela conhecia e fazia sentir-se segura, era estranho estar de volta após tanto tempo, acontecimentos e mudanças.
Tudo estava igual, mas tudo estava diferente.
Foi estranho caminhar até o Sainsbury; foi estranho encontrar tantas variedades de produtos nas prateleiras do supermercado. No Peru, ela tinha que usar o carro para tudo e não encontrava aquele chocolate aerado sabor menta que ela tanto amava.
Ela conhecia o caminho como conhecia a ela mesma. Aliás, conhecia melhor, já que a cada dia que se passava, concluía que se conhecia cada vez menos.
Gostava que as casas de sua rua fossem todas iguais. Gostava que cada morador a “customizava”, fosse pela presença de um jardim bonito ou de uma terra seca, suja e sem vida. A casa que ela lembrava como a mais destruída da rua estava totalmente diferente. diminuiu a velocidade de seu passo ao se aproximar dela. A grama estava verde (até onde era possível para aquela época do ano), tudo parecia limpo e havia uma bicicleta de criança estacionada próxima aos degraus da entrada.
Eles provavelmente tinham se mudado, já que eram famosos. Seu coração doeu um pouquinho, mas a garota fechou os olhos, sacudiu a cabeça e seguiu em frente com passos rápidos.
Apesar das lembranças, ela gostava de tudo aquilo. Também gostava das calçadas todas certinhas e ela amava (muito) que os carros estivessem do lado certo!
Ela passou seus primeiros meses no Perú entrando do lado do motorista quando ia de carona e do de carona quando iria dirigir. Estaria perturbada para a vida por causa daquela direção no lugar errado!
A pior parte, no entanto, era que ela tinha aprendido a dirigir do lado errado. Um longo processo de superação.
Mitch insistiu para que ela aprendesse, tirasse carta e pudesse dar carona para ele. O garoto andava um tanto quanto preguiçoso, por isso emprestou seu carro para ela e a ensinou a usar a mão direita para trocar as marchas e mexer no painel. Essa foi a parte fácil. A difícil mesmo era andar na rua na pista que vai quando você está indo. E vice-versa.
Impossível.

encarou seu teto e concluiu que era uma pessoa totalmente diferente da pessoa que tinha deixado aquela cidade em uma tarde tão fria quanto aquela, há mais de um ano atrás.
Não só porque ela conseguia dirigir ao contrário e antes não.
Graças a um calendário louco usado no Perú, seu ano escolar não tinha terminado em junho, como seria normal na Europa. Em dezembro, ela tinha terminado a escola para sempre. Seis meses atrasada. Ela deveria ter se formado em junho caso ainda estivesse ali, mas devido ao seu histórico, ela merecia e precisava de mais aulas. Nada mais justo que ela se esforçasse pelo menos um pouquinho.
Estava bem mais próxima de seus pais. Ela sabia o que se passava em suas vidas. Eles sabiam o que se passava na dela. Já sentia saudades. Não só deles, mas também das mordomias que a presença deles significava. tinha que resolver sozinha todo tipo de problemas relacionados à casa em Londres. Acredite, é melhor ficar castigada em casa por seus pais estarem putos do que tentar ter um diálogo com um eletricista.
Fato.
Tinha ganhado novos amigos, mas racionalmente, ela sabia que nunca mais os veria. O que importava era que Mitch e Lucita tinham sido um capítulo importante de sua vida e ela nunca mais os esqueceria. O primeiro principalmente, que ficou sabendo de toda a sua vida e a ajudou como ninguém. Toda vez que ela via alguém sapateando – certo, não era muito freqüente – ela se lembrava de Mitch, cujo hobbie era sapatear.
Gay, né?
A última vez que ela tinha encostado num cigarro havia sido no aeroporto de Londres, quando tinha a companhia de Harry e esperava por seu vôo. Teve um tempo de sua vida, que já tinha se conformado com uma morte prematura devido a um enfisema pulmonar. Ou por ser atropelada a caminho da lojinha onde ela geralmente comprava seus cigarros.
Nunca tinha passado pela sua cabeça que ela conseguiria, que ela seria uma pessoa livre, mas ela conseguiu! Não que tivesse sido fácil, já que ela escolheu a pior época para largar um hábito que já fazia parte dela mesma. Quando ela estava mais sozinha, mais sensível e mais vulnerável foi quando ela enfrentou as crises de abstinência.
poderia mentir e falar que foi por vontade própria e por nenhum outro motivo que ela tinha largado o cigarro, mas não iria. O principal motivo da menina ter parado de fumar tinha sido seus pais. Ela sabia que não poderia sustentar aquele vício debaixo do mesmo teto que eles. Ficariam arrasados, devastados, preocupados e muito bravos. A garota que apareceu de surpresa, expulsa do colégio na porta deles, não teria muita moral para desobedecê-los.
Quase um ano mais tarde, toda vez que passava por um fumante na rua, ela fechava os olhos, respirava fundo e inalava o cheiro da fumaça.
Nojento, certo?
Nem tanto para uma ex-fumante em recuperação. Ela podia sentir o gostinho, a sensação, e tinha que correr para outro lugar e tirar aquilo da cabeça se quisesse continuar livre.
tinha se mantido longe das drogas também. Não que ela fosse uma viciada antes, mas ela estava numa fase de sua vida que não se encaixava com becks e balas. Não tinha sido difícil ficar sem, mesmo com Mitch e Lucita fumando maconha freqüentemente. Não sentia vontade, não combinava mais com ela ou com a sua vida.
Bem, ela estava de volta. Pronta para começar a trabalhar no setor de eventos da Tate Modern.
Yes!
Não.
não estava exatamente animada, mas poderia ser pior. Bem pior. Desde sua inauguração, a Tate sempre fora seu museu favorito na cidade. Ela só não se sentia preparada para trabalhar. Ainda mais que ela nem sabia ao certo qual seria sua função e quem seriam seus chefes e colegas.
Seus pais tinham mexido alguns pauzinhos e encontrado esse emprego para ela, já que ela se negou a ir para a faculdade.
Só esperava não foder com tudo daquela vez.
Era só o que faltava.

Sua casa parecia abraçá-la, mas era difícil estar num lugar tão cheio de lembranças que ela não poderia recuperar. Ela vinha dormindo em sua sala há dois dias, desde que desembarcou. Ia até seu quarto apenas para tomar banho, se trocar ou pegar qualquer coisa. Não conseguia encarar todas aquelas fotos, aqueles objetos.
A sala parecia mais neutra, mas sentia seu coração apertado e uma certa sensação de sufoco.
Talvez ela ainda estivesse sofrendo pelo fuso horário.
Certeza que era aquilo.
Sentindo uma coceirinha no estômago, levantou-se largando o edredon no sofá. Sentiu frio, apesar da temperatura agradável ali dentro. Ainda vestia as calças jeans, e uma camiseta com estampas de cowboys, índios, cavalos e coisas ligadas ao faroeste que ela tinha colocado para ir até o supermercado. Era estranho não estar usando pijamas. Espreguiçou-se e já se dirigia até a cozinha para comer os restos da pizza do dia anterior quando alguém bateu na porta.
Ela coçou a cabeça fazendo com que seus cabelos que agora passavam do meio das costas balançassem. Abriu a porta pronta para sentir pena do entregador da Fedex obrigado a trabalhar, quando viu Chris.
Era como se cada parte de seu corpo estivesse congelada e a temperatura não tinha nada a ver com aquilo.
- Então é verdade. – Foi o que ele falou antes de virar as costas, descer os degraus e andar como um raio rua acima.
- Chris! – gritou quando saiu do choque. – Chris! – Ela desceu os dois primeiros degraus quando reparou que estava com as suas meias de coqueirinhos. Puta que pariu. – Chris! – Ela ainda gritou antes de voltar para dentro da casa e vestir a primeira coisa que achou, a galocha vermelha de April. Puta que pariu! – Chris! – Ela gritou antes de bater a porta atrás de si e sair correndo atrás do menino. – Chris!
o avistou já umas cinco casas de distância dela. Correu o mais rápido que pôde. Sentia seus músculos sendo forçados ao extremo. Aquele frio machucava seus braços descobertos.
finalmente se aproximou e tocou seu braço. Estava com medo que ele a ignorasse, mas ele parou e voltou-se para ela. Com as mãos no joelho, a respiração rápida e sentindo até calor, ela notou como seu coração disparou mais ainda quando seus olhos pousaram nos dele.
Vestia um casaco grosso (e muito feio) estampado com bandeiras de vários países. Seu cabelo estava daquele jeito que ela amava. Curto, mas comprido. Penteado, mas bagunçado.
- Por quê? – Ele gritou enquanto perfurava seus olhos. – Por que você tinha que estragar tudo? – se endireitou e cruzou os braços. Sentia sua pulsação em cada parte de seu corpo. – Por que você tinha que ter dormido com o Tony? Você poderia ter dormido com qualquer um! Qualquer um! – Chris gesticulava e falava cada vez mais alto. – Mas não! Você teve que dormir com o meu melhor amigo! Com o ex-namorado da sua melhor amiga! Você não sabe que isso significa problema? – abraçou a ela mesma, pois o calor havia passado e ela sentia agulhadas de frio. Não teve tempo de vestir um casaco. Olhou para o chão, sem coragem de encarar os olhos de Chris novamente. – Olha para mim! – Chris ordenou e ela voltou a fitar seus olhos azuis e enfurecidos. – E você tinha que ir pro outro lado do mundo? Você não podia ter ficado e resolvido toda essa situação? Você me deixou sozinho! Eu nunca pensei que fosse ver a minha vida... – Sua entonação foi enfática na última palavra. – fugir de mim. Eu pensei que nós sempre fossemos estar juntos! – A garota se sentiu a pior pessoa do mundo. Queria que um buraco se abrisse para que ela pudesse pular ali dentro, parar de ser machucada pelos outros e machucá-los - De uma hora para a outra eu te odeio e você está longe! Eu odeio o Tony e bato nele! A April me odeia e pára de falar comigo! Eu bato no e não posso mais nem conversar com os amigos dele! – quase teve vontade de sorrir. Tony e apanhando era uma imagem agradável. – Você me deixou sozinho! – A última frase saiu num tom tão agressivo que ela teve medo que a próxima ação do garoto pudesse ser um empurrão ou coisa parecida. Os olhos de já ardiam por segurar as lágrimas quando ela sentiu um pingo em sua bochecha. Mas não era apenas um pingo. Ela ainda não estava chorando! Reparou que o cabelo de Chris se enchia de pequenos flocos brancos. Suas lágrimas começaram a rolar na medida em que seu corpo ficava mais gelado com a neve que ficava cada vez mais grossa. Chris olhou para o céu e fechou seus olhos. Parecia em extremo sofrimento. Os abriu novamente e a encarou. Ela sentiu seus olhos estudarem cada linha de seu rosto, cada fio de seu cabelo e cada curva de seu corpo. – Você... Eu... – Gaguejou e em seguida, respirou fundo. – Certo. Pássaros podem voar muito alto ou eles podem cagar na sua cabeça. – sentiu sua testa se enrugar. – É! Eles podem quase voar no seu olho e fazer você sentir medo, mas quando você olha para eles e você vê que eles são bonitos... e é isso que eu sinto por você. – Ele terminou o discurso com a respiração pesada. Parecia exausto.
Talvez ela estivesse ficando louca. Talvez ela tivesse dormido por alguns segundos, mas não estava entendendo absolutamente nada.
- O quê? – Ela perguntou.
Chris mordeu seu lábio inferior e balançou a cabeça.
- Você.
- Sobre o que você está falando, Chris?
- Você! – Ele respondeu mais impaciente. – É como se todas as estrelas no céu, todas as folhas nas árvores... – Ele olhava em volta, como que procurando por exemplos. – Todos os pedaços de galhos quebrados que fazem você tropeçar, todos os pedacinhos de grama... – Ele parecia cada vez mais nervoso, mas era um nervoso diferente do de alguns minutos atrás. Estava nervoso por não estar se fazendo entender e não por causa dela. Já era uma melhora. – Tudo o que importa no mundo! Isso é o quanto eu gosto de você.
quase riu dela mesma por causa de sua lentidão e burrice. É claro. Estava totalmente claro! Suas lágrimas, que até ali transbordavam desespero, mal eram percebidas, pois elas transbordavam felicidade agora. Por estar tão feliz, ela não conseguia se importa com nada que não fosse ela e Chris. Ele estava certo. Tudo ficou claro depois de suas palavras que pareciam traduzir tudo o que ela sentia, mas nunca tinha conseguido entender ao certo. Tudo importa, até as coisas mais simples, e é a união delas que faz com que as coisas funcionem. Ela só funcionava com Chris e aquilo era óbvio. Ele quem sempre esteve ao seu lado, quem a tratou melhor do que ninguém, quem a amou de verdade. O melhor era que tudo era recíproco. Bem, na maior parte do tempo. Quando ela não estava com outro, não estava estragando sua vida com seu melhor amigo, ela o tinha amado incondicionalmente e nunca o tinha magoado.
Lá dentro, ambos sempre souberam que eram certos um para o outro.
Ela era o pássaro de Chris e estava na hora de mostrar que ela não iria atacá-lo.
Seu corpo soltou um barulho estranho que misturava uma respiração aliviada, um soluço e uma risada.
Chris soltou um parecido, exceto pelo soluço e a próxima coisa que ela sentiu foram seus braços em volta do pescoço do garoto, suas pernas em seu quadril e os braços dele em volta de sua cintura. Seu toque já aqueceu a garota que podia sentir como ele respirava no mesmo ritmo que ela.
- Eu sinto tanto, tanto, tanto, tanto, Chris! – Ela falou com a cabeça ainda apoiada em seu ombro. – Eu preciso tanto que você me desculpe porque eu estou tão arrependida! – Suas lágrimas recomeçaram a cair por uma série de razões opostas. Felicidade; arrependimento; tristeza; raiva. Ela soltou suas pernas do corpo dele e voltou para o chão. – Faz mais de um ano e não teve nem um dia que eu não me arrependi do que eu fiz, não lamentei pelo rumo das coisas, não senti uma imensa saudade de você...
Os olhos que a encaravam não eram mais furiosos ou descontrolados. Eram aqueles olhos que ela conhecia e amava há anos; eram doces, gentis, sinceros e apaixonados. Isso que eles sempre foram, mesmo quando ela não percebia ou fingia para ela mesma não perceber.
- Eu também te amo. – Ela completou sorrindo.
Num mesmo impulso, os dois deram um passo para frente e a menina sentiu seu corpo gelado voltar à vida novamente por estar encostado ao dele. Carinhosamente, Chris tirou alguns cabelos que o vento tinha se encarregado de colocar em seu rosto. Ela fechou os olhos sentindo seu toque em sua face e em sua cintura, onde ele havia repousado sua mão.
A ventania estava tão forte quanto a neve e ela podia até escutar seu barulho, que teria sido assustador caso ela não estivesse tão protegida por Chris.
podia sentir o calor de seu rosto cada vez mais perto. Os lábios mornos de Chris encontraram seus lábios frios. Os dois sorriram e balançaram levemente suas cabeças, enquanto suas bocas viravam cada vez mais uma só. Beijá-lo era algo, ela tinha acabado de concluir, que já fazia parte ela. Sabia onde cada pequena curva estava, onde cada canto começava e terminava, assim como cada movimento do menino seria.
Eles eram simplesmente perfeitos um para o outro, assim como alguém já havia dito a tempos atrás.
Perfeitos.


Capítulo 32;

subiu as escadas que levavam ao seu novo apartamento com passos rápidos, mas pesados.
Estava muito brava.
Vestia um adorável vestido com listras brancas e verdes claras. Seu modelo, com alcinhas, era tão romântico que ela se sentia pronta para ir a um pique-nique ou qualquer programa do tipo, mas seus pés pisavam em cima de tênis de corrida da Nike.
Fim do romantismo.
Ela parecia uma cópia desesperada da Lily Allen.
Tudo porque, num desses lapsos de loucura que atinge os ingleses quando o verão chega, ela resolvera ir almoçar no Saint Jame’s Park.

A menina sentou-se na grama, tirou os seus All Stars com estampas de ovelhinhas – seus favoritos - e mexeu seus dedos do pé dentro da meia super camuflada - curta e da cor de sua pele. Mais de uma hora mais tarde, depois de um sanduíche de atum com pepino do Tesco, uma latinha de Fanta Laranja e um longo cochilo, ela acordou com as bochechas ardendo pelo sol. Tudo bem que ela não era mais albina, mas torrar no sol sem nenhum tipo de proteção ainda não era possível. Assustada por ter perdido a hora, já que ainda tinha que voltar para o trabalho a algumas estações de metrô de distância, ela demorou alguns segundos para notar que seus tênis preferidos tinham sumido. olhou para todos os lados e procurou em todos os cantos. Tinham evaporado, como num passe de mágica.
Ou sido roubados, como num passe de falta de segurança.
Para sua sorte, ela carregava em sua mochila o outro par de tênis, já que geralmente voltava para o parque nos fins de tarde para correr – hábito adquirido no Peru.

Estava muito chateada. Sentia-se irada, invadida, desrespeitada e ficava imaginando alguma garota ridícula com alguma roupa pink ridícula usando seus lindos tênis de ovelhinha. Eles ficariam ridículos nela!
- Oi, ! – Sam, seu vizinho, a cumprimentou ao passar voando por ela. Ele era um coreano de quase 30 anos que aparentava ter 17. Trabalhava em uma loja especializada em quadrinhos asiáticos do outro lado da rua, usava óculos escuros brancos da Channel e uma bolsa da Calvin Klein. A descrição pode parecer a de alguém que interessaria Mitch, mas esse era simplesmente o estilo coreano de se vestir. Ou seja, não ter nenhum.
- Hei, Sam. – Ela respondeu sem nenhuma empolgação. Além de tudo, estava certa de que ele não a tinha escutado, já que logo em seguida ouviu a porta de entrada do prédio batendo.
Os degraus largos e não tão limpos passavam rapidamente por ela, assim como os corrimões bonitos de aço escovado e as paredes cor de vinho desbotado. O segundo andar finalmente chegou e ela enfiou sua mão na bolsa preta de veludo em busca da chave. Uma das orelhas da corujinha vermelha que servia de chaveiro espetou sua mão e ela finalmente enfiou a chave na fechadura e abriu a porta preta recém-mal-pintada por Chris.
tinha se mudado para o lugar com Chris fazia pouco mais de um mês. O garoto já vivia ali há quase um ano e o flat tinha a sua cara.
Era um tanto quanto psicodélico.
Incrustado entre um restaurante coreano e um bar estilo karaokê japonês, estava essa porta azul que passava despercebida pelos olhos famintos de quem só freqüentava Chinatown em busca de comidas com cheiro de curry. O prédio cinza, com linhas e detalhes clássicos, tinha sido construído há mais de cem anos – segundo Chris – mas já tinha passado por dezenas de reformas e os dois o adoravam.
não foi a única que teve a vida mudada enquanto estava longe. Chris tinha sido promovido na David And Goliath e estava super feliz com sua nova função e seu novo salário. Ele tinha se destacado tanto como vendedor e se adaptado tanto ao estilo da loja, que seu gerente o tinha escolhido para ser uma espécie de pesquisador. O trabalho do garoto era reportar para os estilistas da loja o que os consumidores comiam, bebiam, escutavam, assistiam e faziam. Levando em conta que os consumidores da David And Goliath eram justamente pessoas como Chris, tudo o que ele fazia era freqüentar festas, pubs, shows e qualquer outro lugar onde jovens se acumulavam para se divertir.
Isso é que ela chamava de condições de trabalho.
Além disso, Chris não ia mais para escola. Não, não era porque ele tinha se formado. Porque ele não tinha.
Poucos meses depois da expulsão de , ele também fora expulso. Sua acusação: roubar pílulas da enfermaria do colégio.
Talvez Chris ficasse levemente agitado de vez em quando, seus olhos ficassem com pupilas inchadas e suas mãos com dedos trêmulos.
lembrava ter feito uma cara chateada após o recebimento dessa última novidade, mas ele tinha garantido que o fato dele não ter se formado não tinha feito diferença alguma em sua carreira e as pílulas estavam sob controle.
Como sempre.
O flat tinha apenas uma sala imensa, uma cozinha, um quarto, um banheiro e um lavabo, mas era tudo muito espaçoso.
A primeira coisa que se via ao abrir a porta de entrada era a parede do fundo, que na verdade era uma janela. Os vidros iam do chão até o teto e mostravam letreiros coloridos e aqueles portais tipicamente orientais que decoravam a rua. Ela gostava da atmosfera daquele lugar. Dependendo do horário, aqueles com menos visitantes, era como estar na Ásia, já que a maioria das pessoas que moravam e trabalhavam ali eram orientais.
Ou artistas alternativos.
Ou adolescentes independentes demais para sua idade.
A parede do lado direito era toda grafitada e havia sido feita por um amigo de Chris. gostava das cores fortes e dos desenhos que ela não compreendia bem. Encostado aos desenhos, estava um imenso sofá amarelo. Imenso de verdade. Ela nunca tinha visto um móvel daquele tipo que fosse tão espaçoso. Uma família de vietnamitas poderia construir sua vida ali. Almofadas com estampas de pop art que ela tinha comprado na loja de presentes da Tate se amontoavam bagunçadas em apenas um dos lados do sofá. Uma televisão grande de plasma enfeitava a parede do lado oposto, que era estampada com listras grossas pretas e brancas de papel de parede.
Bem ao lado da porta de entrada, se abria a entrada da cozinha, que consistia em uma geladeira, uma cafeteira e um balcão - a única coisa que a separava da sala.
Ainda bem que eles não cozinhavam e, portanto, não faziam frituras.
- Cheguei! – Ela gritou, mas não ouviu resposta. Olhou para o relógio. Já passava das seis. Chris já deveria estar em casa.
A garota se arrastou até o sofá e largou seu corpo nele, escutando o barulho da água passando pelos encanamentos antigos do prédio. Seus olhos encararam a escada de corrimão vermelho que começava ao lado do balcão da cozinha e subia até o mezanino, onde uma deliciosa cama estilo futon dividia o espaço com uma gravura de Light Red Over Black de Mark Rothko.
Chris provavelmente estava no banho. O banheiro ficava no mezanino. Ela escutou de longe uma música do MGMT que vinha do banho de seu namorado.
Assim que e Chris se reencontraram, após todos os erros e baixarias, eles decidiram – ou melhor, eles sentiram - que deveriam ficar juntos. Precisavam ficar juntos!
Ela tirou as meias e os pavorosos tênis da Nike dos pés e os escutou caindo no chão. Eram tão pesados que faziam um barulho alto.
Recolheu suas pernas e as abraçou. Fechou os olhos e apoiou sua cabeça em seus joelhos. Escutava o movimento da rua, mas sua cabeça só conseguia pensar no dia que tinha ganhado os calçados. Conseguia se lembrar de cada detalhe da ocasião.
Tinha sido o último domingo de verão daquele ano. O céu ainda tinha um tom abusadamente azul e havia poucas nuvens brancas por ele. Era impossível estar na rua sem óculos escuros. Chris usava um par laranja, estilo Ray Ban, que tinha sobrado da festa da noite anterior. Ela usava um desses óculos imensos de armação branca que a lembravam o Willy Wonka.
Que atire a primeira pedra quem não tem uma queda por qualquer acessório que o Johnny Depp use.
Eles estavam em um daqueles bancos dos jardins atrás do Palácio de Wetminster. A sua frente, estava o Tâmisa com suas águas sempre escuras, a London Eye e todos aqueles edifícios que os turistas amam fotografar; do lado, as pessoas praticavam rugby, liam jornal, comiam sanduíches ou dormiam; acima, as folhas grossas das árvores centenárias filtravam todo o sol e o calor, deixando o quarto banco da esquerda para a direita, um lugar agradável.
tirou os óculos e aproveitou um pouco daquela sombra iluminada – não havia melhor definição.
Chris se levantou e gritou qualquer coisa como: “Já volto!”. Antes mesmo que a garota pudesse processar o que estava acontecendo (ela estava com uma terrível ressaca), ele estava longe, caminhando em direção à avenida.
Ela se lembrava de ter se perguntado para onde Chris tinha ido e por que raios aquela garotinha estava usando aquela fantasia de joaninha?
Uma menina de uns quatro anos de idade saltitava por ali como se fosse um inseto grande demais. Fofo demais também.
não sabia o porquê da escolha excêntrica, mas aquela criança era adorável.
Torceu para que ela não se aproximasse, no entanto. Crianças a perturbavam.
Ela deu um pulo quando sentiu duas mãos cobrindo os seus olhos.
- Feche os olhos. - A voz de Chris falou e ela se tranqüilizou agradecendo por não ser nenhum velho psicótico com problemas de relacionamento.
Seus lábios se curvaram num sorriso e seus olhos se fecharam. Ela sentiu seus cílios fabulosamente longos (obrigada, L´ancome) tocarem a pele abaixo dos seus olhos.
- Fechou? – Ele quis confirmar.
- Fechei. O que é? – Ela perguntou cheia de curiosidade.
- Não abre, em? – Chris frisou e ela sentiu suas mãos deixarem seu rosto e seu corpo se movimentar, saindo de suas costas e sentando-se ao seu lado. – Só abra quando eu mandar.
- Está bem, Chris! – Respondeu com a voz impaciente enquanto sentia a movimentação a sua volta.
- Ok, pode abrir.
Seu corpo se virou para o lado esquerdo e ela viu Chris sentado com um sorriso fofo no rosto. Apenas alguns segundos depois que ela reparou no que havia entre os dois: um par de All Star azul claro com estampa de ovelhinhas repousava no banco.
Ela levou a mão na boca.
Eram tão lindos!!!
Ela amava All Stars e tinha fixação por ovelhas.
Era o melhor presente do mundo.
- Chris! – miou e o abraçou. – Você não precisava!
Antes mesmo que ele respondesse, a menina o largou e começou a experimentar o presente.
Ele riu.
- Claro que precisava! Olha como você está feliz! – Ele respondeu assistindo sua
(na época) ex-namorada andar para lá e para cá com os novos calçados como uma criança que acabou de ganhar tênis que acendem luzinha.
- Obrigada, Chris!
Como eles eram lindos!!!
- De nada. – Ele se levantou. – Eu preciso ir, . – Ele falou sério. Ela já sabia aonde ele iria. Chris ia comprar “suplementos” para a festa daquela noite com aquele cara que fingia vender livros em uma das pontes que cortam aquela espécie de rio que passa por Camden Town.
Bem, alguém tinha que fazer o trabalho sujo e Chris era o mais simpático de todos e conseguia descontos.
O cara costumava cobrar mais caro de Tony.
Chris não deixava que ela o acompanhasse e aquilo já a tinha deixado meio brava. Ela odiava e não respeitava proibições, mas aquela era diferente, já que se tratava de Chris e era fofo ele tentar protegê-la de uma coisa que só parece perigosa, mas não é.
Até o príncipe Harry conseguiria comprar maconha em Camden Town com tranqüilidade.
Os dois apenas se olharam e ela balançou a cabeça.
Já podia ver nos olhos de Chris – mesmo por trás daqueles óculos bizarros – o quanto ele já estava animado para a próxima festa.
Chris a encarou nos olhos com intensidade. sentiu aquela sensação engraçada, uma mistura de dor de estômago com arrepios, que ela sentia de vez em quando ao estar próxima do garoto. Um beijo geralmente procedia a essa sensação que, apesar de parecer angustiante, era extraordinária.
O menino se afastou, no entanto, e ela acenou para ele um pouco antes que ele desse as costas a ela.
riu de si mesma e daquilo que sentia. Era algo tão intenso que ela não poderia explicar ou entender, tinha apenas que rir.
Ela se aproximou do muro que a separava do rio. Aquela construção que devia estar ali há séculos batia em sua cintura e ela sentia a superfície áspera e fria do concreto embaixo de seus braços. Uma leve brisa soprou levando seus cabelos para trás e ela a fechar seus olhos.
A sensação de um toque em seu braço a despertou de volta para a realidade. Ela virou-se encontrando Chris. Ele provavelmente havia esquecido alguma coisa. No entanto, ele se aproximou, pousou sua mão livre em seu quadril e deslizou a outra até seu pescoço.
Ela sorriu fingindo (ou não) malícia nos olhos. Chris também sorriu, mas suas bochechas estavam levemente mais avermelhadas do que o normal. Ela achava lindo quando conseguia constrangê-lo por uma coisa tão normal como um beijo.
levou seus dois braços até seu pescoço e os entrelaçou a ele. Chris abaixou levemente a cabeça para que seus lábios se encostassem, se percebessem e depois se abrissem.

- Hei! – Chris gritou do mezanino. Vestia apenas uma calça jeans acinzentada que tentava cobrir suas boxers verdes escuras com estampas de folhinhas verdes claras. Secava (bagunçava) seus cabelos com uma toalha branca. Ela podia sentir o cheiro de xampu, sabonete, desodorante, perfume e baunilha dali. Não escutava mais a voz eletrônica do MGMT.
- Hei. – Ela respondeu sem nem ao menos se mexer, apenas moveu os olhos para apreciar seu namorado. Afinal, ela era a namorada e tinha direitos!
- Aconteceu alguma coisa?
- Roubaram o meu All Star de ovelhinhas.
- O quê? – Chris perguntou preocupado enquanto pendurava a toalha no corrimão de qualquer jeito e descia rapidamente os degraus. – Mas você está bem? – Ele perguntou já na sua frente. – Te machucaram? – Seu namorado agachou no chão e segurou suas mãos.
- Não! Está tudo bem, Chris. – Ele se levantou e sentou-se ao seu lado, entrelaçando seus dedos.
A menina lhe contou a história completa e olhou feio para ele quando ele riu da parte que ela pegava no sono.
- Não fica assim, . – Chris falou beijando levemente seus lábios.
Ela queria poder simplesmente obedecê-lo, mas os calçados tinham um tremendo valor sentimental para ela, apesar dela nunca ter se dado conta de como se importava com eles e do quanto eles significavam para ela até aquela tarde. Parecia besteira e frescura, mas ela estava chateada de verdade.
O menino beijou sua testa e ligou a televisão. Ela reconheceu o fim do filme Crash pela linda música do Stereophonics que fechava a película. Letras e mais letras desfilavam pela tela e dançavam ao som da voz rouca do vocalista.
Chris levantou-se e aumentou o som até que os barulhos agitados do exterior fossem calados. Ele agachou-se novamente e pegou em sua mão.
- Eu só queria que você dançasse comigo. – Ele falou sorrindo. Seus cabelos estavam mais escuros e brilhantes por estarem molhados. sorriu, mas fez que não com a cabeça. – Eu acho, sabe, que dançar é a melhor coisa no mundo. Certo? Porque deixa o seu corpo saudável, mas também, deixa a sua cabeça melhor, então... Eu só... Você vai se levantar e dançar ou só... por favor. – Ele finalmente concluiu sua proposta.
Não tinha como negar. Primeiro porque ela amava quando ele se embaralhava com as palavras, gaguejava e fazia pausas para se organizar; segundo porque ela gostava bastante daquela música e terceiro porque ela faria basicamente qualquer coisa por Chris.
esticou sua mão para que ele a puxasse e levantou-se já se instalando em seu corpo fresco. Sua mistura de perfumes parecia mais forte do que nunca e a menina o abraçou forte, fechando os olhos e sentindo suas mãos em seu quadril. Os dois começaram a se movimentar lentamente ao som da canção. gostava de como os dois tinham a altura perfeita um para o outro. Gostava que ele fosse mais alto que ela, mas que ela não precisasse ficar de ponta de pé para beijá-lo ou abraçá-lo. Gostava de como seu peitoral tinha o tamanho certo para que ela coubesse entre ele e seus braços e se sentisse segura. Gostava de abrir os olhos e enxergar seu cabelo castanho avermelhado encontrando com sua pele salpicada por sardas.
Chris era o seu rainbow smile - o seu sorriso de felicidade profunda em meio à tristeza.
- Eu te amo, Chris. – Ela falou beijando seu ombro enquanto o abraçava.
Chris fazia todas as pequenas nuvens negras de afastarem dela.
- Eu também te amo, . – Christopher falou acariciando seus cabelos. Poucos dias atrás ele tinha confessado que os amava compridos daquele jeito.
Ela escutou Chris respirando fundo, sentiu seu corpo se mexendo não só no ritmo da música, mas também no de sua respiração.
Os intermináveis créditos faziam com que Maybe Tomorrow se repetisse várias vezes, mas ninguém estava reclamando da monotonia.
- Vem aqui. – Chris falou, afastando-se lentamente e a puxando pela mão. O garoto a guiou escada acima e os dois pararam em frente à cama.
acariciou o rosto do namorado e fechou os olhos. Mesmo daquele jeito, poderia falar onde estava cada uma das suas sardas.
As mãos de Chris subiram por suas costas até o zíper de seu vestido. Seus lábios se tocaram levemente e apenas brincaram de encostar um no outro. Sua roupa caiu no chão quando suas bocas se abriram. Ele acariciava seu quadril, sua cintura e ela, seus cabelos. Ela gostava da sensação que eles causavam em suas mãos, ainda mais molhados. Era refrescante, mas sua mão deslizou por sua barriga e encontrou o fecho do sinto marrom de sua calça.
Chris beijava seu pescoço enquanto os dois se ocupavam de se livrar das roupas dos outros. Com essa tarefa cumprida, ambos deixaram seus corpos caírem na cama, suas peles se atritarem, seus pelos se arrepiarem e suas respirações se agitarem.
Talvez amanhã ela pudesse achar seu caminho para casa...
Mas a verdade era que ela já estava em casa, já estava nadando no oceano e tudo estava bem.


Capítulo 33;

Mesmo com todas aquelas aves super perigosas soltas por ali, o Saint James Park ainda era o seu parque favorito.
Ela gostava de descer na estação de metrô Charing Cross, caminhar até a Trafalgar Square e se sentar por alguns minutos no patamar de uma de suas fontes ou então nas escadas de alguma das estátuas.
se sentia perto de tudo, já que não importava o lado que ela olhasse, ela via alguma coisa legal, como a National Gallery e aquele portal que ela não sabia o nome, mas que levava até o Palácio de Buckingham e era cercado pelo Green Park e o Saint James Park.
Costumava caminhar lentamente da praça até o parque. Amava aquele asfalto vermelho. Amava como aquela avenida era larga e as pessoas e carros pareciam pequenos nela.
Assim que encontrava os gramados e alamedas do Saint James, no entanto, começava a correr. Sua velocidade era menor no começo, já que ela precisava se aquecer se não quisesse ser vista no chão em posição fetal por causa de uma câimbra.
Sua participação do time de corrida da escola no Peru tinha lhe garantido um novo hábito. Um novo vício talvez.
Ela nunca conseguia se livrar dos vícios.
Bem, apesar de Chris reprovar os seus exercícios no Saint James (certa vez, o pequeno Chris de seis anos de idade foi agradar o “patinho” e acabou levando uma bicada na mão – ainda bem que foi na mão) e aconselhá-la a correr no Green (que era ao lado e só era habitado por animais normais e não aves assassinas), a menina nunca teve vontade de correr em outro lugar. Achava o Green Park muito verde.
Jura?
Ela odiava que a grama sempre estava grande demais, felpuda demais.
Bem, além de seu inexplicável amor pelo Saint James, Sid (o garoto que hospedou Chris por uns tempos naquela fase negra) trabalhava como caixa em um dos restaurantes do parque e guardava a mochila com roupas sérias e de trabalho de enquanto ela corria.
Ninguém quer correr carregando uma mochila, quer?
O parque sempre está lotado àquela hora, principalmente no verão. Todos os londrinos sentem aquela necessidade incontrolável de sair de casa sem tantos casacos e de não se molhar pela neve ou pela chuva gelada.
Londrinos sempre se molham, mas na primavera e no verão, a chuva é menos congelante.
Ela tinha que ultrapassar o que pareciam centenas de engravatados que respiravam fundo e afrouxavam suas gravatas conforme sentiam os raios de sol aquecerem seus corpos. Turistas vestiam roupas mais confortáveis e tiravam fotos até de coisas toscas como um banco.
Ultrapassando a área dos lagos, que é sempre a mais lotada, atingiu a dos grandes gramados salpicados por espreguiçadeiras. Ali era mais fácil de correr. A pista era mais ampla e era reduto de quem corria ou andava de bicicleta.
Era mais fácil de se movimentar sem baratas tontas americanas ou patos atacando crianças.
O sol já estava bem mais ameno. Ainda estava claro, mas os raios não incidiam diretamente em seus óculos escuros de armação branca (aqueles que a lembravam o Willy Wonka) como antes.
Standing In The Way Of Control do The Gossip explodia dos fones do seu iPod que se encontrava cuidadosamente protegido em uma daquelas pochetes de braço (qualquer que fosse o nome real do treco). A voz da vocalista balofa era aguda e grossa ao mesmo tempo, o ritmo repetitivo e agitado a ajudava a manter um ritmo na corrida. Um ritmo forte, cada vez mais rápido. Ela gostava de testar o próprio corpo, seus limites. Gostava de sentir que poderia desmaiar, mas acabava resistindo por mais quilômetros de exercícios. Sentia a boca seca e o suor escorrendo por seus músculos que pareciam em chamas.
Porque é quando nos colocamos a frente do controle que nós vivemos as nossas vidas.
O acompanhamento frenético do The Gossip foi substituído por uma música bem mais tranqüila, calma e até relaxante. Isso que dá deixar o ipod no shuffle.
I Will Follow You Until The Dark do Death Cab For Cutie tinha uma letra profunda e bonita, enquanto seu ritmo era todo conseqüência de um violão. Ela sentia que a voz do vocalista iria abraçá-la.
Suas pernas finalmente perderam o poder, perderam a força. cambaleou até um gramado e largou seu corpo por ali. Seus olhos se fecharam, já que ela se sentia cansada demais para agüentá-los abertos. Seu pulmão trabalhava rápido para levar oxigênio para todo o seu corpo.
Sua respiração inquieta era alta e parecia fazer mais ruído do que tudo o que estava sua volta.
Um cigarro seria legal.
A grama úmida ajudava seu corpo a se refrescar, apesar dela ter a impressão de estar embrulhada em um cobertor elétrico, tamanho era o calor que sentia. Os shorts de lycra que, naturalmente, já eram grudados às suas coxas, pareciam mais apertados do que nunca; sua camiseta larga e branca estampada com um desenho meio macabro de uma coruja estava molhada de suor em suas costas.
Ela queria que o céu e o inferno decidissem iluminar o “não” em suas placas de disponibilidade.
Não podia deixar de se sentir feliz por ter alguém como Chris ao escutar aquela canção. Ela o seguiria até o escuro.
Com a respiração um pouco mais normalizada, ela esticou o corpo (no fim ela tinha acabado no chão em posição fetal – com ou sem aquecimento, com ou sem câimbra) e se espreguiçou, arrancando os fones do ipod de sua orelha. No entanto, seu coração disparou novamente quando ela se deparou com pêlos, babas, latidos e energia. Muita energia.
- Nell!!!!! - A menina gritou ao abrir os olhos e reconhecer aqueles pêlos, aquelas babas, aqueles latidos e aquela energia. Rapidamente, ela levantou seu corpo assustado e focou seus olhos exaustos naquela Cocker branca e marrom que ela tanto amava e sentia falta.
tinha acabado de sofrer uma experiência de quase morte (seria suicídio?), por isso, ela achava que seria perdoável o fato dela só ter se perguntado de onde o cão tinha surgido alguns (poucos) minutos depois.
Nell provavelmente não tinha caminhado da casa de (onde quer que fosse) até ali.
Curioso.
A garota levantou a cabeça em busca do amigo e sofreu outra experiência de quase morte.
levantou-se num salto ao ver a poucos metros dela. Seus olhos a fitavam arregalados, mas ao mesmo tempo, perdidos. Ele estava em choque, assim como ela.
Por que ele estava com Nell???
deu alguns passos para trás enquanto reparava em como seu pulmão tinha entrado em pane e em como ficava bem com aquele cabelo mais comprido, com aquela bermuda tão larga que mostrava as boxers estampadas em cores escuras e o cinto amarelo e com aquela camiseta azul da Hurley.
Contudo, a próxima coisa que ela reparou foi que estava no chão, esmagada debaixo de dois caras, seus patins, joelheiras, cotoveleiras e capacetes.
Deus, eles pesavam toneladas!
- Sua louca! – Um mais magrelo falou enquanto notava o sangue que saía de seus cotovelos ralados pelo asfalto. Puta que pariu. – Sai da ciclovia!
- Sai daqui, seu imbecil! – Uma voz que ela conhecia respondeu ao cara em tom mal humorado. – Você que tinha que ter olhado por onde andava! – Ele completou enquanto a vareta sobre rodinhas acelerava em direção oposta mostrando o dedo do meio para os dois.
Depois falam que os ingleses são educados.
Ela levou a mão a cabeça, sem nem ao menos saber quem ela mesma era ao certo.
Aparentemente, ela tinha invadido a ciclovia enquanto fugia do olhar de seu ex.
Tudo estava muito confuso.
Em um segundo ela estava correndo, no outro estava no chão, no outro estava com Nell, no outro surgia como um pop up de internet e no outro ela estava no chão de novo!
Qual era a dessa fixação dela com o chão!?
Era como voltar para o jardim de infância.
O patinador mais gordinho levantou-se com dificuldade e resmungou alguma coisa parecida com “corno” antes de seguir o amigo.
Haa! Na verdade é o oposto disso.
aproximou-se e abaixou-se a sua frente, enquanto ciclistas e patinadores retardados desviavam dos dois.
- Tudo bem? – Ele perguntou pegando em sua mão e assustando-a. O corpo de esquivou-se automaticamente e olhou sem graça para o chão.
Seu coração parecia uma bateria.
- Acho que sim. – Ela respondeu finalmente alcançando sua mão e conseguindo ficar em pé, apesar da corrente de arrepios causadas pelo toque de seu ex-namorado.
Nell assistia toda a cena atenta e sentada na grama. Ela sabia se comportar de vez em quando. Era sua dona quem não sabia como deveria se comportar naquela situação.
Os fones de seu iPod estavam destruídos, seus cotovelos e joelhos ardiam e brilhavam num tom de vermelho escuro. Seu corpo inteiro doía, mas a pior parte era o estômago vazio e o coração totalmente descontrolado.
- Você precisa lavar isso. – falou examinando os machucados da menina e depois olhando em seus olhos. sentia que ia cair novamente. desviou o olhar com rapidez. – Vamos. – Ele falou tocando seu ombro e se dirigindo até Nell.
- Para onde? – perguntou enquanto prendia Nell com a coleira.
Sentia que estava numa das obras de arte sem sentido da Tate Modern. Ela não conseguia se concentrar ou entender a situação.
- Para a minha casa. Eu moro a um quarteirão do parque.
- Não! – praticamente gritou. a olhou com os olhos estreitos. Ele mordeu o lábio, constrangido. – Não, eu acho que não é necessário. Eu posso lavar num bebedouro ou na pia do banheiro.
- Tem sangue escorrendo pelo seu braço e você vai precisar de um spray anti-séptico – O garoto deu a cartada final. Ele tinha a expressão de quem acaba de ganhar um jogo de poker.
Instantaneamente, sentiu o fio espesso de sangue descendo de seu braço direito.
Puta merda.
- Ok. Vamos.
Royal flush.
olhou para os dois lados antes que ela e atravessassem a bosta da ciclovia. Ele apertou mais seu ombro nesse instante. Ela não gostava da mão dele ali. Ela não gostava dele ali. Ela sentia que algum órgão vital seu tinha sido rompido e tinha parado de funcionar depois de sua queda.
Ou então, estava abalada por estar reencontrando uma pessoa que ela achava que já tinha esquecido e superado.
Achava. Ela se lembrou de como tinha ficado há alguns meses atrás, quando escutou certa música de certa banda.
Por que ela sempre achava as coisas erradas?
Ela se desvencilhou da mão dele e sentiu ficar constrangido outra vez.
Bem, os dois estavam constrangidos desde o segundo que se viram.
, e Nell encontraram a larga avenida de asfalto vermelho. Os carros passavam em alta velocidade e eles apertaram o botão do semáforo de pedestres. O céu começava a ficar com um tom de azul mais fraco e a temperatura começava a ficar mais agradável.
Agradável para os outros, já que sentia que iria derreter e depois explodir dentro de sua pele. Ela não conseguia nem falar.
Aparentemente, também não, já que os dois não trocaram nenhuma palavra.
A luzinha verde delimitando um homenzinho se acendeu e eles puderam atravessar a pista e depois subir as escadarias que ficavam próximas ao portal.
- Você não comentou que esse um quarteirão envolvia escadas. – comentou mal humorada e nervosa, mas seu estado de espírito não tinha nada a ver com a distância que precisaria caminhar.
- Falei que era a um quarteirão do parque. – respondeu olhando-a com o canto do olho. – Essas escadas ainda fazem parte do parque.
conhecia aquele lugar. Era o caminho que usava quando não tinha preguiça de andar de sua casa até o Saint James. Uma espécie de atalho para quem queria ir da região do Soho até a dos parques. Geralmente era quieta e calma, já que não passavam carros ali. Uma estátua de alguém com uma espada e uma pose heróica ficava bem no meio da via e diversas casas de ar antigo, clássico e bege se alinhavam impecavelmente.
Voltando ao silêncio, eles viraram à direita, numa rua mais movimentada. parou em frente desse pequeno prédio feito em pedra e escalado por trepadeiras. Ele abriu o portãozinho preto que o separava da rua. subiu os degraus seguindo o menino e reparando em folhas verdes escuras caídas sobre eles. Olhou para cima se deparando com uma bonita árvore. Ela era alta e suas folhas tinham um tom especialmente verde graças à época do ano.
Ele abriu a porta preta e encontrou um saguão elegantemente decorado em vermelho e azul marinho. Apesar do prédio ser baixo (ela tinha contado apenas três andares), apertou o botão ao lado das portas douradas do elevador. Era praticamente um espelho tamanha a sua limpeza.
pode examinar o reflexo de .
Seu coração parecia despencar de seu peito.
Talvez ele tivesse sido o órgão machucado.
Ele se abaixou e agradou a cabeça de Nell, brincando com suas orelhas. A cadela abanava a cauda e dava pequenos pulinhos.
Lindo!
Puta que pariu, quanto um elevador num prédio pequeno daqueles poderia demorar?
Ela observou ele se levantar e virar a cabeça levemente para a direita, observando a menina que também o observava, mesmo que ele não soubesse.
Quando pensou que fosse desmaiar, as portas se abriram acompanhadas por uma suave campainha.
O cubículo era composto pela porta dourada, duas paredes de mesma cor e um espelho no fundo. se via de todos os ângulos. Nada legal quando se está com uma roupa tosca de corrida e há sangue te manchando.
apertou um dos poucos botões do painel, o número 3.
Foi a vez dela observá-lo com mais atenção e sem a ajuda de reflexos. Ele olhava para os próprios pés num daqueles tênis gordos e fitava a bonita linha definida de seu queixo enquanto assimilava todas as novidades a sua frente.
Certo. Ela não estava assimilando absolutamente nada, já que o máximo que conseguia fazer era lutar contra seu corpo que devia estar tendo espasmos neurológicos que levavam suas pernas a fraquejar, seu coração a disparar e suas mãos a suarem e tremerem.
Espasmos neurológicos. Isso mesmo.
Não era porque ela sentia aquela mesma curiosidade da primeira vez que o viu na aula de matemática, não era porque ela estava constrangida como no dia que ele a encontrou de lingerie na varanda, não era porque ela estava sem fôlego como no dia que saiu correndo para contar que o amava, não era porque ela sentia uma tonelada de sentimentos novos e velhos se instalando em seu peito e fazendo sua cabeça girar.
Claro que não.
Espasmos neurológicos. Certeza que essa doença existia e ela estava sofrendo dela. Certeza.
A campainha soou novamente, tirando a atenção de do queixo perfeito de e a atenção dele do carpete ou do pedaço de grama que sujava as pontas de seus tênis.
O hall branco era espaçoso. Sua decoração seguia o mesmo estilo da que a menina tinha visto no térreo.
O que raios ele estaria fazendo naquele prédio chique e elegante?
Dinheiro não compra só o chique e o elegante, compra também o legal e o moderno, o que combinaria melhor com o perfil toco-numa-banda-pop de .
Ela sentiu-se feliz por ter parado de pensar no queixo do menino para pensar em um tópico que envolvia menos emoções.
Ótimo. Um queixo lhe trazia emoções.
Daqui a pouco ela estaria fazendo poesia sobre uma caneta hidrográfica marrom ou coisa do gênero.
destrancou a porta branca de madeira decorada por molduras do mesmo tom e material. Tudo com aquele ar de casa de avós ricos.
Para a surpresa de , as paredes do apartamento guardavam uma espaçosa sala decorada com móveis modernos que cheiravam a revista de design. Um quadro ocupava toda a parede do fundo da sala: dois retângulos em tons de preto ou marrom flutuavam simetricamente em um retângulo maior vermelho. Se parecia bastante com a obra de Mark Rothko que havia sido comprada do acervo da Tate por um comprador anônimo cerca de um mês atrás.
- Wow! – exclamou suspirando pela tela.
Pena que ela não tinha talento para a música e se contentava com a gravura de imitação pendurada em uma das paredes do quarto que ela dividia com Chris.
A primeira coisa que Nell fez ao ser liberada de sua coleira foi correr desesperadamente pelo apartamento e depois se jogar com as patas para cima no sofá forrado por tecido preto.
Ainda bem que era preto. Nell tinha sujado até seus olhos com terra do parque.
- Vem por aqui. – a chamou ignorando que ela só tinha olhos para sua parede.
A menina o seguiu reparando no resto da sala: quatro grandes janelas arredondadas divididas entre duas paredes, uma televisão entre duas delas; uma lareira entre as outras; um sofá no meio (o preto habitado por Nell); instrumentos musicais e caixas de som ao fundo.
Vasculhou o local por sinais de Helen: uma foto, um casaco esquecido...
Não achou nada.
Aquela situação a estava matando.
Eles passaram por uma porta onde ela espiou uma cozinha e por outra que levava a um corredor. Aparentemente, não havia janela alguma no local e a visão de só voltou a conviver com a luz quando abriu uma porta branca que escondia um banheiro.
O lugar era forrado por azulejos verde musgo; suas louças eram brancas; seus metais num tom fosco de prateado. Seguia o estilo moderno e clean do resto do apartamento.
O menino fez com que ela se sentasse na privada e tirou o que parecia ser um kit de primeiros socorros de baixo de sua pia.
Até outro dia sua casa não tinha nem sofá.
Isso é que é evolução.
molhou gases com água da torneira e se abaixou na frente de . Ela sentiu suas mãos acompanhadas pela sensação morna da água em seus joelhos e depois em seus cotovelos.
Suas memórias de infância a contavam que aquilo deveria arder, mas ela não sentia dor alguma. Seu toque já não a assustava, apenas fazia com que seu corpo formigasse de um jeito agradável. Seus olhos fitavam a expressão concentrada de , que parecia empenhadíssimo em retirar qualquer vestígio de sangue dela.
- Faz quanto tempo que você voltou para Londres? – Ele perguntou sem tirar os olhos das gases.
o agradeceu mentalmente pela quebra daquele silêncio. Por mais que ela soubesse que seria dificílimo manter um diálogo sem gaguejar ou falar besteiras na frente dele, era melhor do que o clima pesado que o silêncio causava.
- Quase seis meses. – Ele balançou a cabeça. – Por que você acabou ficando com a Nell? – Ela perguntou ao escutar as patinhas da cadela passeando pelo piso de madeira do corredor.
- Bom, tinha um motivo para a mãe do não deixar que ele tivesse um cachorro. – Ele respondeu arremessando as gases sujas no lixo. – Ele é alérgico.
- Ouch! – Foi só o que ela exclamou imaginando seu amigo espirrando com a cara inchada.
- É. Assim mesmo. – concordou colando um curativo em seu joelho. – Eu tive que trancar a Nell no meu quarto até que a gente se mudasse. A cara dele ficou irreconhecível de tão inchada.
Apesar da situação desagradável para , ela sorriu por dentro ao saber da preocupação de com Nell e com seu amigo.
- Parabéns pela banda.
- Obrigado. E você? O que está fazendo?
- Estou num emprego que meus pais me arrumaram no setor de eventos da Tate Modern. – Ela respondeu antes de escutar seu celular apitar.
O aparelho estava pendurado em seu braço, junto com o ipod.
A tela piscava o nome de Chris.
Seu estômago deu piruetas. Tinha se esquecido completamente de seu namorado. Aquilo a deixou mal.
- Oi, Chris. – Ela atendeu desconfortável.
- Oi, só liguei porque você estava demorando. – escutou o barulho de vídeo game atrás dele. – Está tudo ok?
- Está sim. Eu só tive um pequeno contratempo e precisei passar num lugar. – levantou os olhos dos curativos que ele colava nela.
- Hum... Tudo bem, mesmo?
- Tudo sim, daqui a pouco estarei em casa.
- Vem logo. Te amo.
- Eu também – Ela falou antes de fechar seu aparelho.
- Como está o Chris? – perguntou colando o último curativo que restava.
- Bem.
- Vocês estão juntos, né? – Ele indagou enquanto se levantava e arregalava os olhos.
- Como você sabe?
- Você praticamente parou de respirar enquanto falava com ele e você não contou o que tinha acontecido ou que você estava comigo porque você sabia que ele ficaria bravo com você.
Ok, senhor sabe-tudo.
Ela o encarou brava enquanto ele lavava as mãos.
- Tanto faz. Como está a Helen? – Ela perguntou numa tentativa de se vingar. Super adulta.
- Não sei. – Ele secou as mãos numa toalha preta. – Eu terminei com ela de verdade pouco depois de... – Ele gaguejou, fitou-a e depois desviou o olhar. – Bem, daquilo tudo o que aconteceu. – levantou-se com dificuldades de se movimentar com aqueles adesivos em sua pele e com aquele diálogo. – Eu tinha esperanças que você fosse me perdoar e voltar para mim, mas eu descobri que você tinha ido para o Peru no mesmo dia.
sentiu seu corpo congelar. Os olhos de fitaram os seus como que se quisessem lê-los. Ela perdeu o fôlego e encarou o próprio pé.
- Hum... – Ela murmurou. – Acho que eu preciso ir.
Ainda olhando para o chão, ela passou por e saiu do cômodo com velocidade (bem, a maior possível após um acidente).
- , espera! – falou e a alcançou ainda no corredor. Suas costas estavam coladas as paredes e a mão do garoto estava em seu braço. Seus corpos estavam tão próximos que ela podia sentir a respiração dele arfar. – Eu... eu... – Ele gaguejou. – Eu queria te ver mais vezes... de novo. – Ele completou acariciando o braço da menina com suas mãos frescas e recém-lavadas.
levantou os olhos do chão e encontrou os de que praticamente os perfurava, devido à intensidade de seu olhar.
A outra mão do menino alcançou sua cintura e fechou os olhos enquanto sentia o cheiro bom e familiar de . Ele ficava cada vez mais forte. Ela ficava com cada vez mais calor. Seus lábios estavam tão próximos que ela podia senti-los, mesmo sem tocá-los.
- Acho melhor não. – Ela respondeu ao ter a impressão de sentir cheiro de baunilha. Estava ficando maluca. Seu estômago se embrulhou e seus músculos ficaram rígidos. Ela saiu andando decidida, atingindo a claridade da sala. a seguiu. – É melhor eu ir embora. Está tarde. – Ela completou já em frente à porta. Só não a abria porque não avistava chave alguma.
Merda.
surgiu as suas costas e os dois movimentaram-se de maneira estabanada e constrangida até que ele destrancasse a porta e se jogasse para o hall e apertasse o botão do elevador até ter a impressão de que seu dedo iria sangrar e despencar, manchando o carpete bege.
A porta dourada se abriu em poucos segundos.
- Obrigada pela ajuda. Fala para a Nell que eu mandei tchau. – Ela falou enquanto assistia os centímetros visíveis de um com expressão triste e confusa diminuírem conforme a porta se fechava.
Ela encostou seu corpo suado e sujo de sangue na parede gelada de metal enquanto sentia a caixa movimentar-se para baixo. fechou os olhos e sentiu como seu corpo estava trêmulo.
O que estava acontecendo com ela?


Capítulo 34;

Capítulo 34;
se curvou sobre a mesa de sinuca e mirou a bolinha branca, a azul, a rosa e o buraco do lado oposto.
Ela sempre fora péssima. O taco, mais da metade (bem mais) de sua altura, parecia deslizar pelas delicadas patas de um peixe boi.
Mas, por incrível que pareça, seu desempenho estava mais do que satisfatório naquela noite.
A bolinha branca bateu com o ângulo certo na azul, que bateu na rosa e as duas foram encaçapadas no canto oposto.
- Oh wow! – Cassie exclamou com sua voz delicada por trás de seus dentes bonitos, mas grandes demais para o seu rosto magro. – Não sabia que a sinuca era um esporte popular no Peru.
conhecia Cassie fazia anos, mas a garota continuava sendo incompreensível na maior parte do tempo. Não tinham muita intimidade, mas sempre freqüentaram as mesmas festas, rodas e escola. Sempre se divertiram juntas, mas nunca ficaram próximas. Provavelmente porque Cassie não era uma pessoa fácil de se aproximar, já que passava a maior parte de seu tempo internada por causa de sua anorexia ou sua depressão e quando ela estava fora, vivia sem seu próprio mundo, falando sobre coisas como sinuca e Peru.
sorriu sem graça, não estava pronta para falar que não fazia idéia de qual era o esporte que os peruanos mais praticavam e nem estava pronta para entregar sua nova estratégia tão fácil assim. Ela era boa demais.
Sim, ela tinha desenvolvido uma estratégia. Talvez devesse até patenteá-la e ficar muito rica.
O conceito era bem simples, na verdade: transferência de sentimentos.
Ela passava as confusões que sentia por causa do reaparecimento de em sua vida para a bolinha branca.
Certeza que qualquer terapeuta/jogador profissional de sinuca aprovaria.

Poucos dias atrás, ao chegar ao trabalho, ela encontrara uma caixinha de encomendas da Fedex em sua mesa na Tate. Devia ser do tamanho de uma caixa de sapatos infantis e assim que a menina parou de brigar com o lacre (não é à toa que em O Náufrago, todas aquelas caixas apareceram impecáveis na ilha), avistou um pacote de M&Ms perdido no meio de bolinhas de isopor. Por um segundo, apenas um segundo nada fez sentido, até que ela se lembrou de uma tarde de tempo nublado passada na casa de .
Fazia tanto tempo.
virou todo o conteúdo da caixa em sua mesa (provocando a ira das faxineiras) e encontrou um bilhetinho feito à caneta azul numa folha de caderno:

“M&Ms me lembram você.”

Suas pernas amoleceram na hora que ela se lembrou de como a boca dele tinha gostos de M&Ms no dia que eles dormiram juntos pela primeira vez.
A menina não sabia o que fazer. Não sabia nem o que estava sentindo ou pensando. Sua cabeça estava cada vez mais confusa.
De uma hora para outra, a relação perfumada por baunilha que ela tinha com Chris foi invadida pelo gosto viciante de M&Ms.
sempre tinha achado impossível parar de comer os confeitos de chocolate antes que eles acabassem.
Ela achou que a melhor coisa a ser feita não era correr desesperadamente até o apartamento de e rasgar sua roupa, nem correr desesperadamente até o apartamento de e enfiar M&Ms pelo seu nariz. A melhor coisa a ser feita era ignorar tudo aquilo, jogar a merda do chocolate no lixo e esvaziar a própria cabeça.
Foi o que ela tinha feito com relativo sucesso até aquela tarde, quando recebeu outra caixa do Fedex. Essa, não era tão pequena como a outra. Na realidade, era imensa, podia servir-lhe de moradia. 687 pacotes de M&Ms se amontoavam ali dentro junto com outro bilhete:

“Você já sabe que M&Ms me lembram você, mas eu acho que você não está se lembrando de mim, por isso, tive que recorrer a uma caixa maior. São 687 pacotes: um para cada dia que pensei em você, desde a primeira vez que eu te vi até hoje.”

Essas palavras não saíam de sua cabeça, os chocolates que ela tinha distribuído pelo escritório não saíam de sua cabeça, os chocolates que ela tinha dado como pagamento para todos os artistas de rua em seu caminho não saíam de sua cabeça e o pedaço de papel com aquelas últimas palavras não saía de sua cabeça.
Ela podia senti-lo queimando a gaveta de maquiagens de seu banheiro, já que não tivera coragem de entregá-lo para ninguém do escritório ou que cantasse na rua.

A risada escandalosa de Chris a trouxe de volta para a realidade. sorriu e deu um gole generoso em sua vodka com Sprite. Ela observou seu namorado super-popular-e-simpático-e-bonito cumprimentando um milhão de pessoas. Não havia uma pessoa no mundo que não gostasse de Chris ou que não fosse com a sua cara. Não havia. Ele era legal demais, gentil demais, engraçado demais e, principalmente, festeiro demais.
Ela adorava como seus olhos sempre ficavam mais azuis na camiseta que ele vestia. Era preta, e seria básica, caso não fosse estampada com desenhos de correntes prateadas e manchas de cores berrantes.
Bem, naquele lugar, todos tinham pelo menos uma peça de roupa com alguma cor berrante, inclusive ela com sua calça skinny amarela.
Eles estavam numa Squat Party. O tipo mais surreal de festa.
O mais legal também.
Geralmente são organizadas (ou desorganizadas) em prédios abandonados ou ao ar livre e só são anunciadas horas antes de seu acontecimento. Atraem o pior tipo de meliantes, que geralmente também são aqueles que mais sabem como se divertir.
Era sensacional!
Tinham escolhido uma velha mansão abandonada para aquela festa em particular. O local era tão grande que eles tinham até montado dois ambientes ali dentro. Coisa totalmente luxuosa se tratando de squat parties. Algumas não vendiam nem bebidas, os convidados dependiam de seu próprio estoque pessoal e de dealers para conseguir se embriagar.
Enfim, , Chris e seus amigos estavam na área mais calma da festa. A iluminação não girava ou piscava, mas era vermelhada, deixando as paredes e os móveis que um dia foram muito chiques, com ar retrô. A sujeira e a poeira até ficavam mais escondidas. Uma banda cujos integrantes usavam chapéus estilosos, tocava alguma música indie com sotaque irlandês. Mesas de sinuca se misturavam a sofás e poltronas.
A típica Squat party estava no andar debaixo. Quem quer que tivesse organizado a festa era bem relacionado e tinha conseguido que The Teenagers tocasse enquanto pessoas dançavam até cair no chão por overdose.
Geração saúde.
Chris, que antes conversava animadamente com Sid, havia decidido que seu taco de sinuca era na verdade uma daquelas espadas de Star Wars. O garoto lutava contra Anwar, um garoto alto, magrelo, descendente de paquistaneses e tarado como só se pode esperar de alguém educado sob as rédeas da religião. Em seu caso, o islamismo. Os mais religiosos são sempre os mais pervertidos. Fato.
Seu namorado já tinha se entupido de pílulas, fumado um beck que mais parecia um charuto e agora, ainda completava tudo com goles intermináveis de Stella Artois.
O Chris que todos nós conhecemos e amamos.
Alguns minutos atrás, ele tinha se aproximado para um beijo (leia amasso) e reparou em como seus olhos azuis estavam avermelhados. Ela não entendia nem como ele estava enxergando um palmo a sua frente.
Jal, outra garota que desde sempre festejou com , virou os olhos ao assistir a cena. Sua pele negra ficava destacada no vestido verde. gostava dela pois ela era a pessoa mais mal humorada que já tinha conhecido. Era tão ranzinza que era hilária na maior parte do tempo. Mesmo que ela sempre te encarasse com a cara fechada quando você ria de algum comentário ácido feito por ela.
- Retardados. – Ela resmungou franzindo a testa e fazendo uma careta.
concordou antes de inclinar-se para mais uma tacada em . Quer dizer, na bola.
Seus olhos pousaram em Chris apenas por um segundo. Não queria que ele desmaiasse e apagasse por ali. Ele já tinha desmaiado em festas centenas de vezes, mas todas essas vezes, desmaiava junto, o que a impedia de se preocupar.
A ignorância é uma benção.
Sua vida careta, longe de cigarros, drogas e muita bebida tinha um lado “negativo”.
Ela encarou os garotos com reprovação e fingindo não estar preocupada, falou:
- Eles estão matando o espírito do jogo!
concluiu sua jogada, mas nem viu o resultado, apenas o ouviu. Ela tinha encaçapado algumas bolas, mas aquilo não importava. Seus olhos fitavam o verde intenso e desbotado da mesa. Seu corpo estava rígido e paralisado.
- Você falou a mesma coisa quando nós jogamos strippoker. – Uma voz muito conhecida falou enquanto sentia mãos tocarem seus quadris. A arrogância de Tony se misturava com um tom sensual e maldoso.
A menina levantou os olhos da mesa, podendo ver de relance a tensão que tomara conta de Jal, Cassie e de todos do ambiente. Bem, aqueles que não achavam que eram um jedi e/ou não estavam totalmente chapados e/ou bêbados.
Não avistou Chris em lugar algum, na verdade. Precisava dele. Precisava dele para mandar o Tony tomar no cú.
queria que Tony morresse. Cada célula de seu corpo queria que Tony morresse e sentia-se enojada por tê-lo tão próximo. Ela só conseguia sentir o cheiro de seu perfume exagerado e enjoativo e quase que num surto de náusea, ela afastou aquelas mãos de sue pele.
Ela precisava se livrar de Tony com ou sem Chris.
Na verdade, Chris não tinha nada a ver com aquela história. Tony tinha sido um problema que ela mesma criara e que ela teria que resolver sozinha, mais cedo ou mais tarde. Ele não era mais o seu amigo de muitos anos, ele era o cara que por puro ciúmes e excesso de ego trouxe-lhe problemas que mudaram sua vida, mudaram tudo o que ela conhecia. Ele não merecia nem seu desprezo.
- Pelo o que eu me lembro, você perdeu esse jogo. – Ela respondeu finalmente virando-se de frente e encarando aqueles olhos azuis gelados.
Tony parecia mais pálido e seu cabelo estava mais comprido, mas de certa forma, também estava com menos volume e sua cabeça parecia menos com um capacete. Mesmo com toda a raiva do mundo, ela tinha que dar o braço a torcer. Ele era atraente.
- Perdi mesmo, mas eu não precisei dele para ver o que eu queria. – Ele replicou deixando-a sem resposta.
Bosta.
Seria bem mais fácil se ele fosse burro e não a pessoa mais inteligente que ela conhecia.
- Saia daqui, Tony. – Ela pediu com a voz calma e determinada.
Isso é o que eu chamo de encarar os próprios problemas.
- Achei que nós pudéssemos conversar. – Ele falou passando as pontas de seus dedos no espaço de pele visível entre a calça amarela de cintura baixa e a regata branca da garota.
Mais uma vez, ele confirmava a sua falta de consideração por qualquer coisa humana. Ele não gostava dela, ele não a queria, a não ser que fosse para comê-la, criar mais intrigas e ser o centro das atenções.
Imbecil.
simplesmente saiu andando.
Não era a melhor saída, muito menos a mais madura, mas era a que ela tinha encontrado, a que ela tinha conseguido encarar naquele momento.
Deus, como ela era fraca!
Ela andou sem rumo, trombando e batendo em pessoas bêbadas demais. Precisava se afastar o mais rápido possível. avistou uma porta de vidro perto do bar e pôde ver o céu. Era o que precisava.
O ar puro invadiu seus pulmões que estavam saturados pela fumaça de todo tipo de coisa que se pode fumar.
O céu estava estrelado, mas os astros dividiam o espaço com nuvens pintadas de vermelho pelas luzes da cidade. Era bem bonito. Seria mais bonito ainda se ela não estivesse tão nervosa com ela mesma por ter fugido daquela maneira.
Estava muito escuro e ela só conseguia perceber o que ocorria a sua volta por causa dos ruídos: um casal mais animado (a interpretação de animado fica por sua conta) em um canto; um pessoal usando o nariz (a interpretação de usando o nariz fica por sua conta) em excesso em outro.
A penugem de seus braços se arrepiou conforme os barulhos desagradáveis eram abafados pelo som abafado do baixo estourado da banda. Mesmo no verão, as madrugadas não deixam de ser frias na cidade com o pior clima do universo.
- Eu achei que nós fossemos amigos. – A voz de Tony falou cheia de interesse atrás dela, assustando-a.
Não importa o quanto você fuja, os problemas sabem onde você está, sabem como te encontrar e não têm que se preocupar com o trânsito ou a greve do metrô para chegar até você.
No entanto, aquela era a segunda chance que ela esperava. Precisava provar para ela mesma que ela não era tão fraca e covarde assim.
- Nós éramos, Tony, até que eu cometi o maior erro da minha vida e dormi com você. – Ela falou ainda de costas para ele. Seus olhos estavam fechados e apoiou sua cabeça cansada em suas mãos. – Eu... – começou, mas foi interrompida.
- Ah, mas você gostou que eu lembro!
- Tony! – Ela gritou, perdendo de vez sua calma e voltou-se para o garoto. Ele a olhou surpreso, não esperava tal reação. – Você pode parar com isso por um minuto? Apenas um minuto? – Ele fez que sim com a cabeça. Por um segundo, pareceu um humano, e não Chuck, O Boneco Assassino. – Você é cruel, você é egocêntrico e egoísta. – Ele mordeu o lábio enquanto o dedo indicador de beirava o seu nariz. – É claro que isso não tira a minha culpa. Eu deveria ter previsto que mesmo com o fim do seu namoro com a April, ela ainda sentia que você era dela. Claro que deveria, mas eu estava tão maluca por causa da namorada do meu namorado que eu não consegui ver o óbvio na minha melhor amiga! O que eu fiz foi muito ruim, mas se você for pensar com clareza, não foi errado! - Era como uma diarréia verbal. Ela não tinha idéia de quando seria o fim de suas palavras. - Você estava solteiro há meses! Meses! – Sua voz atingiu um tom agudo que ela nunca pensou ser possível. – A April já estava com outro cara e eu estava me vingando do bosta do meu namorado que só o que fez, o tempo todo, foi me trair! – parou para recuperar sua respiração e viu de relance o casal animado entrando na festa. – Se nós fôssemos pessoas remotamente normais, a história terminaria por aí: dois amigos se consolando. Acontece todos os dias! – Ela gesticulou. Sua garganta já ardia de tanto falar. Ou gritar. – Mas você quis persistir nesse erro e quando eu não quis, porque tinha acabado de perceber a merda onde eu estava me metendo, você foi lá e contou tudo para a minha melhor amiga, que era apaixonada por você! Mesmo depois de eu ter te falado que você deveria ficar com ela e tratá-la melhor! – sentiu-se fraca. Sentiu que todas as forças que a sustentavam em pé tinham ido embora. Ela precisava muito de um cigarro. Tomando cuidado para não despencar, ela dobrou suas pernas e se sentou no chão. – Isso acabou com a minha vida, Tony. – Sua voz tinha assumido um tom mais calmo, baixo e expelia palavras que estavam guardadas em algum canto escondido de sua mente. – Mudou tudo para sempre, não só porque eu mudei de país e parei de falar com quatro das pessoas que eu mais amava no mundo, mas também porque eu percebi que por mais que eu pense que conheço uma pessoa, ela sempre pode me surpreender, me machucar e me trair. – Tony sentou-se com perna de índio a sua frente. Ele não emitia nenhum tipo de barulho. – Tantas pessoas erraram mais do que eu e não foram tão criticadas... Você traía a April toda semana, com todo tipo de vagabunda que passava pela sua frente, o passou meses me enrolando, enrolando a namorada de verdade dele... – Ela sentiu lágrimas se acumularem no canto de seu olho. – Eu fui sua amiga, Tony. Fui sua amiga de verdade e sempre estive por perto quando você precisou. Quando todos te criticavam eu continuei sendo sua amiga porque eu me lembro de ter visto tantas vezes a sua parte boa e doce... Por que você se esconde debaixo dessa máscara de falta de caráter?
A menina finalmente parou de falar e olhou diretamente nos olhos de Tony. Estavam alertas e chocados. Parecia que ele tinha sido atacado.
- Desculpe. – Ele falou numa voz pequena. Estava sendo sincero e sabia, mas acabou por soltar uma risada irônica e exausta.
- Desculpas não servem para nada. Já está tarde demais para isso. Além do que eu nunca vou conseguir te desculpar e esquecer tudo o que você fez, esquecer como você brincou com os sentimentos de todos os seus amigos.
Os lábios de Tony estavam entreabertos, como se ele não acreditasse que as suas desculpas estavam sendo recusadas.
- Então é isso? – Ele perguntou levantando uma sobrancelha.
- É. – A garota se levantou. Já não se sentia tão fraca. Sentia-se melhor, na verdade. Suas costas pareciam mais relaxadas e menos pesadas. – Eu não quero alguém como você perto de mim.
Respirar estava bem mais fácil e um princípio de sorriso parecia se formar em sua face.
Era um ponto final que ela esperava fazia muito tempo.
Sua mão estava prestes a encostar na maçaneta da porta quando escutou a voz de Tony mais uma vez:
- Só para você saber... Eu amava você e a April de verdade. Eu amava muito mesmo e ainda amo, na realidade. Cada uma a sua maneira. – Ele falava pausadamente. – Mas algumas vezes, as pessoas que se amam têm um tremendo talento para se fazerem infelizes.
voltou para o interior da casa e, mesmo sentindo-se aliviada por ter resolvido essa pendência, a última frase do menino a marcou e ficou ecoando por sua cabeça.


Capítulo 35;

Seus pés faziam barulho e movimentavam a pontezinha em cima de um dos lagos do Saint James. Talvez fosse melhor se ela não passasse mais por lá com tanta velocidade.
Tudo em Londres é velho e histórico. E ela tinha almoçado um kebab.
Não queria desabar junto com a ponte. Seria ainda mais humilhante do que chorar no avião.
Suas pernadas largas e rápidas faziam com que ela contornasse o lago rapidamente. As pessoas eram apenas borrões acompanhadas pela voz rouca e talvez um pouco irritante do vocalista do The Enemy. Seu ipod, com um fone novinho (já que o outro tinha sido destruído em seu tombo), estava com o seu volume praticamente no máximo.
Era quando ela corria e escutava música que se sentia melhor. Sua vida, que até pouco mais de uma semana atrás estava praticamente normalizada, tinha virado um dramalhão mais uma vez.
Por que ela simplesmente não ficava feliz com Chris?
Por que ela tinha que ficar tão balançada com o reaparecimento de ?
Perguntas totalmente pertinentes num mundo onde há 25 milhões de pessoas contaminadas pela AIDS num único continente; continente esse onde estão 90% das crianças aidéticas...
Ela tinha lido uma matéria sobre a AIDS na África naquela manhã.
Claro que ela se preocupava com Botsuana e Uganda e todos esses países de nome engraçado, mas os seus sentimentos pareciam tópicos bem mais urgentes.
Talvez ela fosse um pouco egoísta.
passava todo o seu tempo controlando seus pensamentos, impedindo-se de pensar em seu ex-namorado, aquele que a fez sofrer tanto. Contudo, sentia-se cada vez mais confusa, já que só de pensar em Chris ela sentia o seu coração abraçado e aquecido. Ele era tudo para ela! Como alguém que tem tudo pode ter vontade de trocá-lo por algo tão incerto quanto ?
Mais dúvidas de importância internacional.
Esses eram os pensamentos mais recorrentes em sua cabeça. Esses e: “Quero tirar férias.”; “Preciso comer um Twix nesse instante.”; “Que ovelhinha lindaaa!”; “Não vou comprar cigarro. Não vou. Eu não fumo, eu não gosto de cigarro... ok, eu amo cigarro, mas NÃO, NÃO, NÃO!”; “Nossa, como o Ewan McGregor está gostoso nessa foto.”
Por isso que ela gostava de correr. Quando ela corria, os milhões de pensamentos em ebulição dentro de sua cabeça pareciam se acalmar. Ela podia se concentrar apenas na música e na sensação de impacto que seu corpo sentia cada vez que um de seus pés encostava no chão.
resolveu que iria dar mais três voltas em torno do lago antes de voltar para casa. Ela sentia saudades de Chris, mesmo que eles tivessem dividido a mesma cama na noite anterior (e em todas as outras), mesmo que eles tivessem comido resto de pizza gelada no café da manhã, mesmo que eles já tivessem se falado pelo celular... Era algo que a garota não sabia como explicar. Ela simplesmente sentia sua falta. Sempre.
Seu namorado tinha programado uma pequena festa no apartamento deles naquela noite. nem sabia o motivo. Bem, tudo é motivo para festa quando se está falando de Chris.
Ela passava por perto da saída para o palácio quando um rosto de destacou daquele mar de borrões. Ele não era borrado. Era extremamente nítido, na realidade. Sua velocidade diminui (ao contrário de seus batimentos cardíacos) quando ela reconheceu cruzando o caminho a sua frente.
Ele usava uma de suas bermudas largas com uma camiseta cinza da Volcom. não podia ver a estampa com clareza, no entanto. O menino carregava dois copos de smothies de uma cor rosa alaranjada. Seus olhos se encararam e ele sorriu antes de se sentar em um banco e assistir se recompor e reiniciar sua aceleração fingindo que não estava a ponto de se jogar no laguinho só para se distrair da imagem de .
A garota não estava mais tranqüila e concentrada na música e na corrida, estava perturbada novamente.
Bosta.
Ficava cada vez mais difícil de entender a ela mesma.
fechou os olhos por um segundo e correu o mais rápido que pôde. Ela tinha esperanças de que se conseguisse uma bela dor muscular, poderia se distrair de .
A idéia de se molhar naquele lago lotado de excrementos de gansos não parecia a melhor saída.
Ela realmente conseguiu a dor muscular, mas ela não foi forte o suficiente para que seus pensamentos se dispersassem. Ainda por cima, a velocidade elevada só fez com que ela chegasse mais rapidamente ao ponto onde estava sentado.
Ótimo. Simplesmente ótimo.
Continuou ignorando o garoto. Só precisava correr mais uma volta e depois estaria livre para voltar para casa e se livrar dele.
se negava a mudar seus planos por causa de . Aquilo seria a confirmação de que ela se importava. E ela não se importava! Claro que não! Qualquer um que falasse que ela se importava era um...
Ok. Ela se importava. Ela se importava muito!!! Se importava mais com aquilo do que com qualquer outra coisa! Ela nem se lembrava de nada mais no mundo, a não ser a presença de tão perto.
Ela estava tão fodida.
Bem, até podia se importar, mas não deixaria que notasse esse detalhe.
Assim que ela passou pelo banco, levantou-se e começou a correr de maneira desengonçada ao seu lado. Músicos e esportes realmente não se dão bem, né?
- Oi! – Ele falou com a voz feliz, mas abafada pelas reclamações do vocalista do The Enemy. apenas o encarou com o canto dos olhos. Fez questão de fazer uma cara de poucos amigos. – Trouxe para você. – Ele falou entregando-lhe um dos copos de smothies. Ela aceitou. – Achei que você estivesse com sede. – Ele falou, mas não recebeu nenhum tipo de resposta. - Trouxe de pêssego, achei que você gostasse. – Ainda calada e de cara fechada, a menina jogou o copo com violência numa sexta de lixo assim que se aproximou de uma delas. – Hum... – Ele murmurou. A garota podia sentir o nervoso e a decepção em seu tom. – Eu também achei um pouco aguado, na verdade. – Ele completou antes de jogar o seu copo cheio pela metade no lixo também.
Fofo.
Não!!!!
Sentindo sua cabeça doer e seu estômago remexer-se, parou de correr subitamente.
- ! – Ela gritou enquanto arrancava os fones do ipod de seu ouvido. A música a irritava. Isso ai, a música é o problema! Ele parou a sua frente e a encarou com um sorriso no rosto. Aquilo a irritou mais ainda. - O que você quer de mim? – Ela falou num tom de voz alta que chamou a atenção das pessoas em volta.
Não que ela se importasse. Queria que todos se engasgassem e morressem.
- O que eu quero de você? – Ele perguntou sério, desaparecendo com o sorriso. – Eu quero tudo! Eu quero você! – fez uma pausa enquanto seus olhos brilhantes pareciam tentar ler a garota paralisada com cara de infeliz a sua frente. – Eu quero a sua companhia, eu quero a sua ajuda para escolher um DVD na locadora... – Ele deu uma risada e coçou a cabeça encarando o chão. Seu olhar voltou a ela, que ficava com as pernas cada vez mais fracas e o peito cada vez mais saturado de emoções. – Você não tem idéia de como tem sido difícil escolher um filme! Eu passo horas lá, olhando capas, lendo sinopses, pedindo ajuda para os vendedores, mas eu nunca consigo escolher um filme sozinho! Acabo levando qualquer um e depois de três minutos sentado no meu sofá, eu reparo que já assisti. É uma coisa horrorosa... Eu quero a sua ajuda para ir na locadora, eu quero ter uma última ligação do dia! – abraçou a ela mesma e olhou para o chão cinza aos seus pés. Não agüentava aqueles olhos nela; não agüentava aquelas palavras ou aquela dificuldade de respirar. – Quero chegar cansado em casa e te ligar, perguntar como foi o seu dia e te desejar boa noite. Mesmo que eu tenha acabado de te deixar na sua casa depois de passar o dia todo com você... É isso o que eu quero. – finalmente concluiu e deu alguns passos para frente, ficando mais próximo de sua ex-namorada. não sabia o que responder. Sentia que uma onda de palavras poderia sair de sua boca a qualquer segundo, mas ela não tinha idéia de quais seriam essas palavras. Seu corpo parecia ter morrido e estava se mantendo em pé por pura mágica. Ela tinha se esquecido de como se mexer. Conseguiu mover apenas seus olhos, mas se arrependeu no segundo que os tirou de seus tênis de corrida. Os olhos claros de pareciam escaneá-la. – Eu sinto a sua falta. – Ele falou e deu mais um passo. Se ela ainda tivesse a capacidade de se mexer, poderia encostar no menino com o simples estender de uma mão. – Eu sinto falta do seu perfume. Eu sinto falta de sentir o seu perfume em mim. – Ele sorriu docemente e desviou o olhar por apenas um segundo. – Eu lembro que toda vez que nós ficávamos juntos, você deixava o seu cheiro em mim. Ele durava horas e eu só precisava respirar mais fundo para sentir você comigo. É um cheiro só seu, que eu nunca senti em nenhum outro lugar. Não importa o perfume ou o sabonete que você use, eles nunca conseguem esconder esse aroma que é muito melhor do que eles. É algo como uma mistura de cheiro de chuva, cookies recém-assados e melão. – estranhou um pouco a descrição de seu perfume e enrugou sua testa, apesar do sorriso tímido que tentava tomar conta de sua boca. riu. – Pode parecer loucura, mas é delicioso. – Ele fechou os olhos e respirou fundo. Estavam tão próximos que sentiu o ar entrar e sair do pulmão de . – Esse cheiro...
Ele suspirou e abriu os olhos novamente antes de pôr um fim em qualquer espaço que os separasse. A pele da menina se arrepiou quando ele passou as mãos por seus braços e depois por seu pescoço. inclinou sua cabeça até que seus lábios tocassem os de . Ela fechou os olhos bem devagar e pôde assistir fechando os dele também. Ela gostava de seus cílios. Mas o fato era que ela gostava mesmo era de sua boca – macia, mas ao mesmo tempo, forte. Gostava também de sua língua. Não entendia porque as línguas eram tão discriminadas na hora de se escolher uma parte favorita do corpo. A de , assim como sua boca, era macia e forte, mas também era ágil e às vezes, era carinhosa e lenta.
Ela afastou seu rosto quebrando o beijo, mas manteve seus olhos fechados. ainda estava próximo o bastante para ela acompanhar sua respiração e para seus dedos sentirem a pulsação em seu pescoço.
- Eu te amo. – Ele falou. – E eu não vou mais errar com você.


Capítulo 36;

A cama confortável com cheiro de lençóis limpos parecia acariciar o seu corpo.
Acredite. Ela precisava de carinho.
O colchão era simplesmente tão bom que poderia ficar ali para sempre. Ela poderia ignorar a fome, o trabalho e entrar no Guinness como a Mulher Cama ou qualquer coisa do tipo. Seria famosa. Podia imaginar todo o glamour que tal posto lhe proporcionaria.
As cortinas de cores claras peneiravam os fortes raios de sol que brilhavam do lado de fora. Eles incidiam diretamente nas janelas, pois o fim do dia localizava o Sol bem na altura das janelas, quase encontrando a linha do horizonte. O quarto todo tinha uma atmosfera meio amarela. O que era agradável, pois tudo parecia meio amarelo e era quase como se tudo estivesse certo, como na música do Coldplay.
Todas as vezes que ela prestava atenção em coisas como a luz do sol – Como sua cabeça divagava! – não podia deixar de pensar que aquilo que ela estava vendo sempre fora assim. Caso não tivesse ocorrido a construção de um prédio ou coisa do tipo, alguém há um ano atrás também pôde assistir ao quarto ficar amarelo naquela mesma hora; alguém há vinte também, assim como alguém há cem anos.
E à noite, as estrelas brilhariam para ela.
Bem, para ela não, já que enquanto o lugar que estava era amarelo, ela era azul. Às vezes, não há um bom adjetivo tradicional para descrever lugares e pessoas e era nessas horas que apelava para as cores.
era uma pessoa azul naquele momento. Sentia que seu corpo doía mesmo estando naquela cama tão macia. O conforto inicial da mulher-cama já tinha passado. Sentia que estava sempre a ponto de gritar e sentia que não agüentaria mais aquela situação. Em alguns raros momentos se acalmava. Era quando sua cabeça viajava e ela ficava pensando sobre recordes, e cores como adjetivos.
Totalmente psicopata. Totalmente.
A menina fechou os olhos e sentiu a cama afundar levemente com alguém se deitando ao seu lado. Uma mão macia acariciou a dela e entrelaçou seus dedos. Não pôde deixar de sorrir.
Era bom estar ali em silêncio sentindo o calor do corpo de outra pessoa. Nenhuma palavra precisava ser dita. A falta de assunto cria situações desconfortáveis com pessoas que você não se dá bem de verdade, não se dá bem profundamente. Naquele caso, a falta de assunto não influenciava em nada. Não fazia nenhuma diferença.
- Eu estava com saudades. – falou finalmente abrindo os olhos e se voltando para o garoto. Tudo continuava amarelo e, aqueles segundos de olhos fechados e mãos dadas tinham até deixado-a menos azul e mais da cor do sol.
- Eu também. - respondeu enquanto notava como a claridade do quarto deixava os seus olhos mais claros. Ele era tão bonito... Não que ela o visse daquele jeito. Era só o que faltava... mais um homem para deixá-la azul. Não, era uma coisa diferente. No pouco tempo de amizade que os dois tiveram, o garoto deu provas consistentes de que era confiável, que a respeitava e tinha carinho por ela. Como amiga, é claro. Ser amiga não a deixava cega e ela pensava que era até mais bonito do que Chris e . Ele tinha uma beleza mais tradicional, por assim dizer. Seria bonito em qualquer época, em qualquer lugar do mundo, mas aquilo não fazia diferença alguma. – Não acredito que você não me procurou quando você voltou.
- Nem eu. – acomodou sua cabeça em cima de seu próprio braço de modo que ela encarasse os perfeitos traços do garoto com mais comodidade. – Eu cheguei aqui depois de ficar muito tempo sem falar com ninguém. Eu nem tinha mais o seu telefone... Você tinha se mudado. Logo eu voltei com o Chris e tudo estava tão certo, tão bom... – Ela suspirou. – A verdade é que eu tinha medo de chegar perto de qualquer um que me lembrasse o . Desculpe, mas você me lembra o . – Ela soltou uma risada nervosa. Aquele assunto a enervava.
- Eu sei. – Ele respondeu rindo também.
- Obrigada por ter me achado.
Estava realmente grata.
Depois que ela e se beijaram, a garota ficou totalmente perturbada. Balbuciou qualquer coisa - ela não se lembrava o que, não mesmo - e saiu correndo. gritou qualquer coisa – ela não se lembrava o que, não mesmo – e quando ela se deu conta, estava sentada no quarto banco da esquerda para direita dos jardins atrás do palácio.
Ótima escolha, .
Aquele lugar que representava uma lembrança tão doce e querida de Chris a fazia chorar descontroladamente. As lágrimas escorriam com tal intensidade que ela chegava a sentir sua camiseta molhada e as pessoas se afastando – provavelmente com medo de que ela estivesse chapada por crack ou tivesse fugido de um centro psiquiátrico.
Para sua sorte, seu celular começou a tocar Monster do The Automatic e ela o atendeu sem nem ao menos checar quem a procurava.
estava do outro lado da linha. tinha passado seu telefone para ele (sim, ele tinha descoberto seu celular também), pois estava preocupado com ela e tinha a impressão de que não o queria por perto.
Apenas uma impressão.
Foi assim que a ligação de salvou o resto do seu dia porque se ela estava se sentindo azul naquele momento, antes a cor era cinza.
Em poucos minutos, um trajando uma camiseta muito vermelha sentou-se ao seu lado. Ele segurou sua mão e a abraçou. Não saberia falar por quanto tempo, mas o céu já estava alaranjado quando os dois caminharam até o carro de e seguiram até sua casa, um flat em cima de uma loja da Banana Republic na Upper Thames Street.
Ela se odiou por ter se afastado tanto do garoto nos últimos meses; se odiou por não ter pedido ajuda; se odiou por ter ignorado sua amizade.
Bem, na realidade, naquele momento, ela se odiava por diversos outros motivos.
- Eu estava preocupado com você. Você foi embora tão arrasada e deprimida... Com o tempo eu me convenci que você estava bem. Já que estava com os seus pais e tudo mais... Até que o me ligou falando que era para eu ir atrás de você e... – Ele fez uma pausa. – Você já sabe o resto da história...
Sim. Ela sabia. Infelizmente.
Monster começou a tocar novamente. Ela levantou-se e olhou em volta, em busca de seu celular. Localizou sua bolsa em cima do pufe vermelho que ficava debaixo da janela.
- Oi, Chris. – Ela atendeu assim que leu o nome de seu namorado na tela. A culpa a corroeu novamente. Além de tudo, ela tinha esquecido completamente dele e de sua festa.
- Oi, ! Cadê você? – Ele perguntou com a voz agitada e o som de alto de algo parecido com Klaxons a sua volta.
- Hum... – A garota murmurou. – É... Eu acho que vou me atrasar. Estou aqui num pub com o pessoal do trabalho, inclusive a minha chefe. Acho que vou ter que passar mais algum tempo por aqui. – Ela mentiu enquanto encarava a bonita vista do apartamento de que mostrava um Tâmisa salpicado pelo laranja das últimas forças do sol e dos faróis dos carros que zuniam na larga avenida a sua frente.
- Ah não! Não tem jeito mesmo, ? – Chris reclamou com a voz chateada. Ela escutou a voz escandalosa de Anwar e a voz de Cassie.
- Eu vou tentar voltar o mais rápido possível, ok?
- Está bem, então. – Ele respondeu mal humorado. – Venha logo, nós estamos fazendo shots de tequila! – A voz de Chris ficou bem mais feliz com o novo assunto. – Te amo.
Ele desligou no meio de todo aquele barulho de festa
fechou o seu celular e contemplou a vista novamente. Diferente do lugar de onde Chris estava, ali estava extremamente silencioso e pacífico. Ela respirou fundo, agora, arrependida por ter mentido para o menino. Mas o que ela iria falar?
“Oi, Chris! Não fui para casa ainda porque fiz uma coisa horrível com você e não consigo olhar para a sua cara. Estou na casa do melhor amigo do cara que eu acabei de beijar. Beijos, me liga.”
Não.
Coçou a cabeça e fechou os olhos. Ela estava enterrada em metros de bosta.
A menina virou-se e encontrou sentado na cama observando-a. Sua expressão era séria e preocupada.
- Eu não sabia o que falar para ele. – Respondeu, mesmo que ele não tivesse perguntado nada. Ela sabia que ele queria uma resposta, mesmo que fosse gentil demais para fazer a pergunta.
- Eu entendo.
voltou para a cama e se sentou com pernas de índio no colchão fofo. Levou suas mãos até a sua cabeça e fechou os olhos. Só os abriu quando os sentiu ardendo e coçando. Estavam muito pesados graças a um galão de lágrimas que se espatifaram por suas pernas. Ela sentiu aquele líquido morno escorrendo por todo o seu rosto e já imaginou o quanto lindo não estava o seu delineador que não era a prova d’água.
Gata.
O curioso era que ela nem tinha percebido que estava com vontade de chorar. Sua respiração não estava pesada ou encontrando dificuldades para ser completada e, no entanto, ela poderia matar um recém-nascido afogado com toda aquela água que estava saindo de seu corpo.
sentou-se a sua frente e suas mãos tocaram as dela.
- O que eu devo fazer, ? – Sua voz perguntou num tom que nem parecia dela. Era baixo demais, fino demais, assustado demais. – O já errou muito comigo, mas é ele quem faz com que eu me sinta mais viva do que nunca, é ele que faz eu ter frio na barriga e o meu coração bater tão forte que eu posso sentir ele em todas as partes do meu corpo... Mas o Chris... – balançou a cabeça e apertou os olhos. As lágrimas caíram com mais abundância ainda. – Eu nem sei colocar em palavras o que eu sinto por ele! Ele é a pessoa que eu mais confio no mundo, uma das únicas pessoas que nunca me magoou, é tudo o que eu conheço, o que eu amo... Eu não sei falar é como... Eu me sinto... – A menina encarou os olhos atentos e preocupados de . – Eu me sinto abraçada só de pensar nele, eu sinto que eu preciso passar a minha vida inteira com o Chris para que ela tenha sentido. Nada faz sentido sem o Chris e se eu escolher ficar com o , eu não vou ter o Chris nem como amigo. Ele não vai agüentar ser trocado... Ele também precisa de mim e eu sei disso. – Ela nem sabia mais se o que estava falando fazia sentido ou não. Simplesmente despejava as palavras. - O não. Ele diz que precisa, mas eu não sei se acredito. Eu nunca mais vou ver o Chris se eu terminar com ele desse jeito. Eu não existo sem o Chris.
O garoto rodeou seu pescoço com suas mãos e foi nesse momento que realmente teve vontade de chorar. Manifestações de carinho às vezes têm o efeito contrário nela, a deixam mais sensibilizada e chorona. Seu corpo sofria pelos espasmos causados pelos soluços e pela pouca quantidade de oxigênio que conseguia chegar a seu pulmão.
Sentia o calor do corpo de acalmar cada soluço. Cada vez que seu corpo tremia o menino a apertava com mais força.
Ele fez isso até que as lágrimas voltaram a ser as únicas manifestações de seu corpo.
- Eu não posso te falar o que fazer, . – finalmente a respondeu. – Eu só posso te falar que você precisa colocar a sua cabeça no lugar para poder tomar a melhor decisão. – secou suas lágrimas com as costas de sua mão. – Essa situação que você está deve ser... Sei lá... – Ele olhou para o lado buscando vocabulário. – Agoniante, mas você é forte o suficiente para resolver isso! Eu sei que é! – concordou com a cabeça. Não exatamente por pensar do mesmo jeito que o rapaz, mas por sentir que era aquilo que ele esperava que ela fizesse. Por incrível que pareça, sentiu-se mais capaz de sair daquele buraco. – Ok? – Ele perguntou. – Promete que você vai fazer de tudo para resolver essa história da melhor maneira possível? Sem sofrimentos? – Seus olhos a penetravam, tamanha era a intensidade de seu olhar. – Bem, sem muitos sofrimentos. – Ele complementou enfatizando a palavra muitos.
- Prometo. Eu vou tentar, eu preciso tentar.
- Você não vai tentar, você vai conseguir!
Go team, GO!
sorriu.
- Valeu, . – Seus lábios se forçaram a se curvar numa espécie de sorriso.
- Não quero mais te ver chorando. – Ele falou tentando animá-la, não mais motivá-la. Ou fazê-la ganhar um troféu. concordou movimentando a cabeça. – Você tem sorte... – Ele começou num tom debochado. – Tanta menina reclamando por estar sozinha e você tem dois caras! Dois! – Ele exclamou exagerado e levou um soquinho na barriga. quase riu. – Você deu azar de eu não ser um dos interessados. – Ele deu uma tosse forçada. – Se eu fosse, você não teria dúvida alguma... – Concluiu fingindo ser metido.
- Não teria dúvidas para escolher o outro. – respondeu antes de começar a atacá-la com cócegas e os dois caírem em uma crise de gargalhadas e uma espécie de lutinha.
Rir era libertador. Sua respiração ficava difícil novamente, mas não era ruim. Era muito bom, na verdade. Seu peito ficava vazio e leve.
Assim que tinha que ser. Ela não queria mais aquele problema em sua vida. Precisava resolvê-lo. Só assim sentiria seu peito leve e vazio sem precisar das palhaçadas de seu amigo.


Capítulo 37;

abriu os olhos assustada. Levantou sua cabeça tentando reconhecer o lugar onde estava.
O quarto de não estava mais amarelo, mas sim preto. Alguma luminosidade vinda da janela permitiu que ela olhasse para o lado e encontrasse o amigo desmaiado ao seu lado. Talvez ele até estivesse roncando.
Ela pulou da cama aflita. Precisava saber que horas eram. Em dois passos encontrou sua bolsa e seu celular. Soltou um palavrão ao ficar sabendo que passava da uma da manhã.
Ótimo.
O que ela falaria para Chris agora?
Era impressionante como ela tinha essa capacidade de complicar cada vez mais a própria vida!
Ela e tinham tido a brilhante idéia de abrir uma garrafa de vinho. A verdade era que a garrafa de vinho se transformou em duas garrafas.
Já não tinha mais a sua antiga forma e a bebida a capotou. O fato era que no momento que ela sentiu o ardor do álcool nas suas bochechas, e sua leveza em seus neurônios, ela notou que estava bêbada. Estava bêbada e queria ficar mais bêbada. Bêbada até o ponto que nada importa e tudo é esquecido.
Ela não chegou até esse ponto, no entanto. O máximo que consegui foi sentir muito sono e ceder à cama macia de . Pelo jeito, ele também tinha cedido.
Sua cabeça latejava e ela ainda se sentia levemente tonta. Mesmo assim, em menos de um minuto, ela vestiu seus tênis, pendurou sua bolsa em seus ombros, escreveu um bilhete para (para que ele não se preocupasse) e saiu do apartamento equilibrando-se nas paredes que achava em seu caminho pós-bebedeira
Fazia tanto tempo que ela não tinha aquela sensação horrível e ao mesmo tempo libertadora de uma ressaca.
já tinha perdido os últimos trens do metrô quando pisou na rua. Nesse mesmo momento, gotas grossas de chuva começaram a cair do céu acinzentado e sem estrelas. olhou para cima sentindo três ou quatro gotas atingirem a sua face com tanta força que quase a machucaram.
Ela sentia sede.
Tirou uma nota de dez libras da bolsa e no mesmo segundo, uma rajada de vento a arrancou de sua mão e a levou para longe.
Queria chegar logo em casa. Estava atrasada. Estava sempre atrasada.
Olhando obsessivamente para a tela de celular para checar as horas, ela acenou para um táxi azul marinho que acelerava perto da outra esquina.
Sua mão até doeu de tanto acenar até que o automóvel parou próximo ao meio fio.
Estava perdendo sua cabeça. Estava subindo pelas paredes.
- Gerardstreetporfavor. – Ela falou rapidamente assim que se sentou nos bancos de tecido cinza felpudo.
- Calma, querida. Você tem tempo. – O senhor careca na direção falou. Na verdade não, ela não tinha tempo, mas havia algo nos olhos bonzinhos do velhinho que ela podia ver pelo espelho retrovisor que a acalmaram de verdade – Para onde você quer ir?
- Gerard Street, por favor. – Ela soltou sua respiração.
- Muito bem.
O motorista arrancou com o carro. Uma música suave saia do rádio. Uma doce voz feminina tinha como companhia apenas um piano. Era uma canção extremamente triste sobre uma garota teimosa que faz as pessoas se sentirem como ela nunca quis que elas se sentissem.
Pois é.
Apesar de estar se sentindo arrasada, ela não estava mais tão em pânico como antes. Estava apenas chateada e em dúvida.
Muito chateada. Com muita dúvida.
As ruas vazias e os sinais liberados fizeram com que chegasse rapidamente à sua rua.
Abriu sua bolsa novamente, tirou outra nota de dez de lá e a entregou ao velhinho lindinho. Ele lhe entregou seu troco e ela já ia saindo quando escutou:
- Você não tem que ter pressa. É a sua vida e de mais ninguém. Não deixe ninguém te colocar numa caixa.
A menina o encarou assustada. Suas palavras encaixavam-se tão perfeitamente com seus problemas que ela se perguntava se o velhinho bonitinho não era Deus disfarçado. Ou coisa que o valha.
Ela costumava assistir Joan Of Arcadia antes de cancelarem a série sem nenhum tipo de prepara psicológico para o fãs.
Ele sorriu docemente e desceu do carro. Assistiu o táxi azul marinho dobrar a esquina enquanto as palavras do senhor ecoavam em sua cabeça. Era como se ele ainda estivesse ali as falando.
Era a vida dela e de mais ninguém.
Ninguém.

Assim que abriu a porta, ela sentiu o impacto e escutou a reclamação de alguém. Passando por uma fresta entre a porta e a parede, ela pulou o corpo magrelo de Anwar. O garoto estava desmaiado no chão. Estava sem camisa e usava um chapéu grande e espalhafatoso. Ela não conseguia reconhecer ao certo o que era aquilo. Estava abraçado a uma garrafa de Jose Cuervo.
Viva o México!
Ela nem teve coragem de acender as luzes e constatar o canteiro de obras destruído que tinha virado o seu apartamento. O cheiro de ocre e forte de maconha lutava com o de álcool derramado e sua cabeça doeu de novo lembrando-se do vinho de algumas horas atrás;
As grandes janelas do lado oposto do cômodo permitiam que ela se localizasse e até enxergasse que havia um cara vestido numa fantasia de urso caído no pé da escada. Jal dormia em cima de sua barriga.
Em seu sofá, estavam Cassie e Sid. Eles dormiam de conchinha pacificamente e semi-nus.
Impressionante como ninguém mais respeita o sofá dos outros.
Escalando o homem urso e Jal, subiu as escadas.
Chris havia desmaiado na cama com sapatos e tudo. Ele dormia de barriga para cima com os braços abertos. Um deles estava pendurado para fora da cama, ainda segurando uma garrafa de tequila.
O coração da menina doeu ao vê-lo. Ela não acreditava que tinha beijado outra pessoa. Não acreditava na pior parte, que estava tendo sentimentos por outra pessoa.
Sentindo um nó na garganta, ela tirou seu sapato vermelho alaranjado e sua meia rosa (sim, apenas uma meia, na do pé direito). Ele nem se moveu. Chris vestia uma espécie de terno preto e uma camisa rosa com uma mancha amarela. Sabe–se lá com o que ele tinha se sujado. tirou o resto de sua roupa e o deixou apenas com suas boxers laranjas.
Sua noção de moda ficava cada vez mais insana.
A garota não pode deixar de rir enquanto o cobria com o edredon.
tomou um banho quente e demorado e vestiu seu pijama, na verdade, uma calcinha e uma camiseta do Arctic Monkeys. Deitou-se na cama apesar de não estar com um pingo de sono. Já tinha dormido bastante na casa de e agora, seus pensamentos a assombravam. Quando ela era pequena, ela nunca conseguia dormir após um sonho ruim. Sentia-se assustada e tinha medo de que se pegasse no sono novamente, teria outro pesadelo. Sentia-se daquele jeito novamente. Fazia anos que não tinha aquela sensação, no entanto, lembrava exatamente o quanto ela fazia a garota sentir-se amedrontada e sozinha.
Aquela situação era como um pesadelo e ela tinha medo de dormir e se deparar com tudo ainda mais horrível do que já estava.
Afofou a coberta que dividia com Chris e escutou a respiração alta, cansada e longe do garoto. A iluminação vinda da janela permitia que ela visse metade de sua face muito bem iluminada. As luzes brincavam de esconde-esconde em sua cama.
Sentia-se a pior pessoa do mundo por deitar-se na mesma cama que Chris após tudo o que tinha acontecido naquele dia. Era como se a sua personalidade fraca fosse contaminar a personalidade perfeita do menino.
Ela virou-se de costas para ele enquanto sentimentos cada vez mais opostos e confusos tomavam conta dela. Uma sensação horrível e gelada na boca de seu estômago também não a ajudava na missão de pregar os olhos. Obrigou-se a fechá-los, mas essa ação só fez com que a intensidade das sensações aumentasse e ganhasse novos companheiros: tremores.
O sono finalmente chegou, mas não conseguiu se instalar por muito tempo. Sua cabeça trabalhava rápido demais para permitir que ela dormisse e descansasse de fato. A menina cochilou e acordou com maus pensamentos infinitas vezes. Encarava a gravura do quadro igual ao de quando Chris se mexeu pela primeira vez desde a sua chegada. Os primeiros raios de sol começavam a pintar o seu de laranja, mas ainda eram fracos demais para iluminar o cômodo.
nem se mexeu e fingiu que estava dormindo. Não estava preparada para encará-lo consciente. Ele respirou fundo, daquele jeito tão profundo que só acontece quando você não está totalmente acordado, e aproximou-se de sua namorada, abraçando-a e encaixando seu corpo ao dela.
teve vontade de chorar.
Assim que percebeu que Chris tinha dormido novamente, se desvencilhou de seu braço e pulou da cama. Encontrou no chão o melhor lugar para se acomodar.
Quando o chão é o lugar onde você se sente mais confortável, as coisas estão realmente ruins.
Nada como o frio e a falta de espumas.
Seus olhos observavam Chris dormindo tranqüilamente enquanto seu coração se sentia esmagado. Ela precisava tomar uma decisão.
A pele avermelhada do menino começava a ficar dourada graças aos raios de sol que ficavam mais fortes a cada minuto.
Noite pesada. A noite passada tinha sido uma noite pesada. Era como se ela estivesse voltando do mundo dos mortos, ou coisa que o valha, mesmo que não tenha realmente dormido.
Até depois de uma madrugada em claro ela o amava. Amava-o de manhã, quando ele ainda estava com ressaca. Amava-o de manhã quando ele ainda estava espalhado na cama.
A vida não precisa ser tão difícil. Existem aqueles que são mais espertos que você e aqueles que usam sapatos melhores do que os seus, mas no fundo, o que todos deveriam fazer é se esquecer das calotas polares derretendo, esquecer de tudo. Contando que você esteja fazendo o melhor possível, tudo pode ser esquecido.
Todas as vezes que sua cabeça esteve em seu peito e que ela abriu um sorriso feliz. Como uma ostra e a sua pérola. Sempre juntos. Um jeito próprio de felicidade. Um amor mais alto do que palavras.
Lágrimas começaram a rolar pelo rosto da garota porque ela tinha aqueles sentimentos por duas pessoas. Ela amava intensamente duas pessoas.
se levantou e desceu as escadas em passos rápidos. Precisava de ar.
Abriu uma das portas da janelona de sua sala e pulou pra a varanda. Retirou as latinhas de cerveja de cima do sofá velho que ela e Chris mantinham ali e sentou-se no móvel, enrolando-se em uma das mantas que sempre estava por ali.
Suas lágrimas ficaram mais grossas e ela avistou o maço de Marlboro Light de Chris em cima de uma mesinha ao seu lado. Terminou com o maço de seu namorado antes de sua mente finalmente se render ao cansaço de seu corpo e ela desabar num sono pesado e merecido.
Sempre resolvendo seus problemas de maneira saudável.


Capítulo 38;

acordou sentindo a claridade em sua face mesmo antes de abrir os olhos. Ela fazia com que cada um de seus neurônios doesse. Era como se alguém os tivesse apertando e os estourando um a um. Bem devagar. Com bastante crueldade. Não era apenas sua cabeça que doía, seu corpo parecia ter sido atropelado por um daqueles soldados de Buckingham e seu cavalo com a crina mais bonita do que o cabelo dela. Ela meio que os odiava. Ela odiava tudo naquele momento.
Finalmente abriu os olhos e pensou que fosse morrer ali mesmo.
Seu cérebro estava sendo moído. Certeza.
A garota olhou a sua volta. Estava em seu apartamento, mais especificamente, no chão de sua sala. O cômodo estava bagunçado, lotado de garrafas vazias e fedia a cigarro e maconha. Ela ainda vestia um vestido azul com estampa xadrez que tinha colocado na noite anterior, antes de mais uma festa. Seu cabelo estava grudado em seu rosto. Deus, ela precisava de um banho.
Ela poderia ter ido até seu banheiro e ter voltado a sua forma humana, mas ela não tinha forças.
Ressaca filha da puta.
Sid estava deitado do outro lado da sala. Ele dormia profundamente com a barriga para cima. rastejou até ele e tirou um maço de cigarros do bolso de seus jeans. Era um cigarro que ela nunca tinha visto na vida. Era de algum outro país e palavras numa língua que ela nem sabia que existia enfeitavam a sua caixa, junto com o desenho de um cara charmoso. No outro bolso de Sid, ela achou um isqueiro vermelho.
O cigarro era horroroso, mas ela não tinha idéia de onde estavam os dela. Desde que ela tinha devorado o maço de Chris há uma semana atrás, não conseguia mais parar.
Muito bem!
encostou-se na parede e tragou o cigarro com vontade. O barulho de papel sendo lentamente queimado zunia em sua cabeça.
Cigarro estranho. Fazia o mesmo barulho que a seda da maconha.
Ela ainda não tinha se decidido. Ela continuava confusa. Ela continuava infeliz.
Não tinha tido nenhum contato com desde aquele beijo. Ela tinha pedido para que o avisasse que ela mesma procuraria ele. Quando a hora fosse certa. Quando ela estivesse certa.
O problema era que ela não sabia qual era a hora certa e ela não estava certa.
Para sua sorte, tanto ela quanto Chris tinham trabalhado muito naquela semana e mal tinham se visto. Não que ela não quisesse vê-lo, nem que ela não morresse de saudades, mas era simplesmente muito difícil encará-lo naturalmente no meio de toda aquela situação.
Por isso que na noite anterior, quando ela não achou desculpa nenhuma para evitá-lo, ela ingeriu uma imensa quantidade de álcool que garantiu que ela desabasse no começo da festa e só acordasse naquela hora.
Seu coração doía por estar fazendo aquilo com ele.
Ela encarou Chris. Seu namorado estava desmaiado no sofá. Bem, metade de seu corpo estava no sofá e a outra no chão. Ele vestia aquela camiseta que ela amava. Sim, ela amava algumas roupas de Chris. Ela era vermelha, mas não era um tom berrante de vermelho. Era um tom parecido com a cor de uma goiaba e tinha estampas de formigas.
apagou o resto do cigarro num copo plástico que estava pelo chão. Acabou que furou o copo e esparramou cinzas pelo piso. Com dificuldade, levantou-se e caminhou até Chris. Ela beijou sua testa e passou a mão por seus cabelos. Um sorriso apareceu no canto de seus lábios, mas logo sumiu porque sorrir fazia a bosta da sua cabeça doer mais.
A garota subiu as escadas e encontrou o andar de cima vazio e intacto. Lembrava-se vagamente que havia mais convidados além do Sid.
Bem, se havia ou não, eles não estavam por ali.
Ela entrou no banheiro e ligou o rádio. Sim, eles tinham um rádio no banheiro. A Mariah Carey tem uma televisão de plasma no banheiro. Por que ela não podia ter um aparelho de som ali?
O ipod de Chris estava conectado ao aparelho e assim que ela o ligou, Adam And The Ants começou a tocar. Livrou-se das roupas com aquele cheiro horroroso de bebedeira enquanto sua banheira azul se enchia de água e a voz de Adam cantava no álbum Prince Charming.
Título um tanto quanto sugestivo para alguém que tinha dois.
Entrou na banheira e sentiu a água quente amenizando seu mal estar. Mas apenas amenizando, ela odiava aquela sensação. E não era a sensação de dor em cada milímetro de seu corpo nem a sensação de que sua alma tinha saído para passear. A sensação que ela odiava era a de não saber o que está fazendo; saber o que está acontecendo, mas não saber o que fazer; não saber o que é mais certo ou mais errado e, principalmente, o medo de machucar pessoas que ela amava.
Fechou os olhos ainda não muito adaptados a luz e recostou sua cabeça. Talvez se ela fechasse seus olhos por um segundo e simplesmente tentasse esvaziar sua cabeça, se sentiria melhor.
acordou assustada, espalhando água (já gelada) pelo piso do banheiro. Não sabia quanto tempo tinha dormido, mas Adam And The Ants já tinha sido substituído por Air Traffic. Na verdade, pelo fim do álbum do Air Traffic.
Seu corpo já não doía mais, apenas sua cabeça parecia levemente mais pesada (e ao mesmo tempo mais leve) que o normal.
Enxugou-se na toalha vermelha felpuda, foi até o quarto e pegou suas roupas. Ela queria algo confortável, mas aparentemente, todas as suas roupas confortáveis estavam na roupa suja.
Ela ainda não tinha entendido todo aquele conceito de que se você não lavar a roupa, ela não se lava sozinha.
Acabou vestindo aquele vestido preto curto demais e apertado demais que ela tinha usado tempos atrás em uma festa em sua casa.
Bosta.
- ? – A voz de Chris gritou do andar debaixo.
- Oi!
- Desce aqui!
- Estou indo! – Ela respondeu enquanto desembaraçava as pontas ressecadas pela espuma de banho de seus cabelos.
Para que xampu e condicionador?
Sentindo ímpetos de cortar o seu cabelo na altura do queixo para conseguir se livrar dos nós, ela o prendeu em um coque no meio de sua cabeça. Desceu os degraus frios da escada com seus pés descalços.
Chris estava sentado sorridente em um dos bancos em volta do balcão da cozinha.
- Bom dia! – Ele falou quando se aproximou.
Seus olhos estavam levemente inchados e vermelhos, mostrando as marcas da noite anterior. Ele continuava lindo.
Chris beijou seus lábios e colocou suas mãos em sua cintura enquanto o casal encostava suas testas. Aquilo era bom. Aquilo era realmente bom e por um segundo, seus problemas foram deletados.
- Bom dia! – finalmente respondeu enquanto seus olhos se encaravam e suas bocas formavam sorrisos.
Às vezes ela se esquecia de tudo. Geralmente ela estava bêbada, mas nas outras vezes, ela estava em um desses momentos com Chris. Momentos que ela nem sabia da existência de um cara chamado , muito menos da existência da culpa por tê-lo beijado e menos ainda da dúvida entre qual dos dois seria o mais certo para ela.
- Eu cozinhei para você. – Chris falou com brilho nos olhos.
sentiu que os dela se arregalaram. Ela e Chris mal tinham panelas naquele apartamento.
- Como assim? – Ela perguntou sorrindo, ao mesmo tempo em que seus olhos pousaram em um prato de sobremesa em cima do balcão. Alguns objetos pretos não identificados jaziam (esse é o melhor verbo) em cima dele. Seu sorriso transformou-se em uma cara de dúvida. – Hum... – Ela murmurou encarando a felicidade e o orgulho de Chris. – O que é isso, Chris?
- Torradas!
- Torradas?! – Ela perguntou tocando em uma delas. O treco espatifou-se. – Mas elas estão pretas...
- Eu prefiro o termo afro-americano. – Ele brincou. – É, eu sei que deu uma queimadinha. – Confessou envergonhado.
- Está perfeito. – respondeu beijando a sua bochecha. Estava mesmo. – Obrigada.
Por que ele não tinha colocado as fatias de pão na torradeira e pronto?
Não importava. Ela tinha vontade de mordê-lo por ter feito algo tão fofo.
A menina se sentou no banquinho ao lado de seu namorado e cortou uma das torradas no meio. Talvez no centro delas ainda existisse vida.
Não.
Chris colocou um copo de suco de uma cor rosa alaranjada a sua frente.
- Do que é? Pêssego? – Ela perguntou segurando o copo antes mesmo de levá-lo a boca..
- Não, é de ameixa. Eu sei que você não gosta de pêssego. – Ele falou antes de colocar uma lata de Pringles a sua frente e jogar as torradas no lixo.
Ela realmente não gostava de pêssego. Nunca gostou. Sempre teve a impressão de estar comendo ou tomando um frasco de desinfetante ao levar qualquer coisa feita da fruta até sua boca. Desde que ela se conhecia por gente, ela odiava pêssego! Até o cheiro a enojava um pouquinho e Chris sabia disso. Chris sabia de tudo isso. Chris nunca compraria um smoothie de pêssego para ela. Ele compraria o seu favorito, o smoothie de frutas vermelhas. Ele compraria o seu smoothie favorito porque ele conhecia todas as suas preferências, até melhor do que ela mesma.
- Esqueci de te falar... – A voz de Chris a trouxe parcialmente de volta a realidade. – Entregaram esse quadro ai para você enquanto você estava no banho. – Sua cabeça apontou as costas de . Ela se virou encarando Light Red Over Black de Mark Rothko, sua obra de arte favorita, aquela que ela tinha visto na casa de umas semanas atrás. – A Tate deve ter mandado entregar. – Ele continuou. – Nem sei como eles conseguiram fazer isso entrar pela nossa porta... – mal respirava encarando a pintura que tomava toda a parede de seu apartamento. – Eu ainda estava meio bêbado quando abri a porta para eles! – Chris riu sozinho. – Eles deixaram uns M&Ms ai também. Falaram que era brinde, mas o Sid roubou eles antes de voltar para casa.
A menina sentiu a força que mantinha seu corpo sentado falhar. Ela teve que se segurar com as duas mãos no balcão para não desabar no chão. Seus olhos piscavam incontrolavelmente, como se tentassem fazer com que aquilo desaparecesse. Seu coração batucou forte dentro de seu corpo.
Precisava de ar. Precisava sair dali naquele instante!
- Eu... – Ela gaguejou e coçou a própria cabeça. – Eu... Eu acabei de me lembrar de uma coisa, Chris! – Ela falou rapidamente, sem nem olhar para a cara de seu namorado. – Eu preciso resolver uma coisa no trabalho... Agora! – Ela completou andando em direção da porta e já pegando sua bolsa vermelha de tecido atoalhado.
Chris falava alguma coisa, mas ela não conseguia entender o que era. Era como se ele estivesse falando outra língua.
só notou que estava descalça quando já tinha destrancado a porta. Olhou em volta procurando qualquer tipo de calçado e seu coração acelerou-se mais ainda ao ver um que ela nem lembrava mais que existia. Era uma galocha vermelha. A galocha vermelha de April.
Nem sabia como tinha ido para ali. Não estava ali na noite passada, mas ela a vestiu, pendurou sua bolsa no ombro e saiu correndo.

Uma dessas peruas que mais parece uma nave espacial estava estacionada em frente à casa de tijolos e janelas brancas. abriu o portão que separava o pequeno jardim bem cuidado da calçada e assistiu suas galochas vermelhas pisarem no caminho feito com pedras até a porta. Ela bateu na madeira, sentindo suas mãos fecharem-se como pequenos tatus bolas e escutando a movimentação no interior da casa.
- Olá, ! – Uma mulher de meia idade a cumprimentou surpresa, mas feliz. Apesar de estar alguns quilos acima do peso, notava-se a sua vaidade pelas roupas de marca e seus cabelos castanhos bem tratados. – Meu Deus! Quanto tempo! – sorriu sem saber ao certo o que falar e recebeu um abraço apertado. – A April nem me contou que você tinha voltado do Peru!
- Eu acho que ela não sabe. – Ela arriscou responder.
As mãos com unhas vermelhas da Sra. Richardson, mãe de April, foram até sua boca.
- É uma surpresa? – Ela perguntou animada. A menina nem teve tempo de responder, pois a mulher já empurrou-a escada acima. – Sobe, pode subir! Ela está no quarto dela. – fez que sim com a cabeça, mas não se moveu pois a mão levemente gordinha da mulher segurava seu ombro. – Espere. – Ela falou. – Malcolm! – Um cara que devia ter uns dez anos a mais que saiu da cozinha. Ele era bonito. – , querida, esse é Malcolm, meu marido. – Quando ainda falava com April, sua mãe era casada com um tal de Walter. – Malcolm, essa é a , a melhor amiga da April.
- Prazer. – Ele falou parando seus olhos não em sua face, como as pessoas geralmente fazem ao apertarem as mãos, mas em suas pernas.
Ela tinha a impressão de que esse era outro casamento da mãe de April que não daria certo.
- Vai, querida. – A Sra. Richardson (ou a Sra. Sobrenome do Malcolm?) fez sinal para que ela subisse e largou seu ombro. – A April vai ficar tão feliz de te ver!
queria acreditar em cada uma das palavras da mulher. Queria com todas as suas forças que elas fossem a verdade, mas a realidade era que ela não tinha nem idéia de qual seria a reação de April. Ela não tinha pensando nesse detalhe quando saiu de casa correndo. A única coisa que tinha passado por sua mente tinha sido o fato de que ela precisava de sua melhor amiga. Ela era a única pessoa que poderia ajudá-la àquela altura dos acontecimentos.
A menina subiu as escadas forradas por carpete cor de pêssego devagar.
Claro, pêssego.
Contou cada um dos degraus pensando que aquilo a deixaria menos nervosa. Não ajudou. Não ajudou, pois quanto mais ela se aproximava do número 17 ( freqüentava aquela casa desde sempre e sabia de cor certos detalhes), mais nervosa ela se sentia.
O corredor estava relativamente escuro, levando-se em conta que era uma tarde de verão. Todas as portas estavam fechadas pois o universo da Sra. Richardson poderia sair de seu curso caso uma porta ficasse aberta. As luzes vinham dos vitrais coloridos da escada e das janelas acima das portas daquela casa antiga.
Ela chegou até a última porta do lado direito do corredor. Decidiu que não enrolaria mais. Bateu na porta apenas para anunciar sua entrada. Nem mesmo esperou um consentimento para escancará-la.
E... Aquilo foi um erro! Foi um erro porque dois corpos semi-nus quase bateram a cabeça no teto de susto.
pôde reconhecer April e aquele cara com quem ela tinha ficado logo depois que terminou com Tony. Seu nome era Sean e achou absolutamente perturbador vê-lo sem o seu chapéu boêmio e, principalmente sem roupa alguma.
- Desculpa! Desculpa! – Ela falou olhando para o chão. – Eu vou... – Gaguejou. – Eu vou lá embaixo... Fiquei com muita sede.
Ela bateu a porta e desceu as escadas rapidamente. Entrou na cozinha com o coração disparado e com palavras (principalmente palavrões) saindo de sua boca sem que ela nem ao menos prestasse atenção nelas.
A menina apoiou as duas mãos na pia e fechou os olhos arrependendo-se do momento que decidira invadir o quarto de sua ex-melhor amiga. Como se a situação já não fosse totalmente horrível, ela ainda tinha que tornar tudo ainda mais constrangedor.
balançou a cabeça com raiva e vergonha. Quando seus olhos se abriram de novo, ela encarou a vista da janela da cozinha. Malcolm e a Sra. Richardson estavam na jacuzzy que se localizava nos jardins de trás da casa. Estavam quase tão animados quanto April e Sean. Eles conseguiam se livrar de suas roupas tão rápido quanto um casal de adolescentes.
Deus! Qual era o problema daquela família? Ninguém conseguia arrumar um quarto e TRANCAR a porta dele?
Isso era o que ela chamava de excesso de hormônios.
A menina tirou um cigarro de sua bolsa e o acendeu na chama do fogão pois não podia achar seu isqueiro em lugar algum. Isso que acontece quando você usa uma bolsa muito grande. Isso que acontece quando há pessoas demais copulando a sua volta.
Que nojo.
April fumava, a mãe de April fumava. Ela não teria que se preocupar em esconder o cheiro da fumaça, pelo menos.
estava sentada na pia, assistindo a fumaça sair de sua boca quando April apareceu na porta da cozinha. Ela não conseguiu emitir som algum. De uma hora para outra esqueceu que estava tão constrangida, mas só se lembrou do quanto estava nervosa.
Seu cabelo estava mais curto. Mal chegava até os seus ombros. Ficavam melhor daquela maneira. Ela vestia apenas uma calcinha colorida e a camiseta de seu pijama que imitava a pelagem de uma vaca. O pijama era de , na verdade e havia sido esquecido ali há algum tempo atrás.
Sua amiga também ficou em silêncio. Ela sentou-se ao seu lado na pia, pegou um cigarro do maço de e abaixou sua cabeça até acendê-lo no fogão.
As duas permaneceram em silêncio. encarava sua amiga enquanto sentia o nervoso crescer a cada tragada do cigarro dela. Foi apenas quando April terminou seu cigarro que finalmente falou.
- Por favor, fala alguma coisa.
- O que você quer aqui? – Ela perguntou secamente. Péssimo começo.
- Eu quero me desculpar de novo e quero que você me desculpe porque você é a minha melhor amiga e passar todo esse tempo sem te ver ou falar com você é como ficar sem falar com uma parte de mim mesma.
Pronto. Era aquilo. Poderia parecer egoísta ela só aparecer ali quando estava com problemas, mas a verdade era que, antes, ela tinha medo demais. Precisou de uma crise para criar coragem e encarar a garota.
Ela estava cansada de fingir que pessoas importantes não faziam falta em sua vida. April fazia falta, fazia falta, fazia muita falta e Chris faria muita falta, dependendo da decisão que ela tomasse dentro das próximas horas.
A menina tinha esperanças de que April a ajudasse, mas se não fosse possível, ela decidiria sozinha. De uma vez por todas.
- Você deveria ter pensado nisso antes de dormir com o Tony.
- Eu sei! Eu sei! - Ela já estava cansada de dar sempre a mesma explicação. – Foi uma falha imensa como melhor amiga não ter percebido que você ainda gostava dele e... – Ela parou para pensar no que falar e nada veio a sua cabeça. Nada era bom o bastante. – E... não tem explicação. Qualquer coisa que eu fale agora você já escutou em todas aquelas mensagens de voz que eu deixei quando você descobriu. Eu só posso te falar que eu me arrependo muito de tudo isso, me arrependo de ter quebrado a nossa amizade, de ter separado todo o grupo, me arrependo de não ter sido forte o suficiente para me recuperar da traição do enchendo a cara, como pessoas normais fazem, me arrependo de ter sido fraca e ter precisado dormir com alguém para esquecer de tudo, me arrependo de ter escolhido o seu ex-namorado para fazer isso, me arrependo do Tony ser aquele verme, me arrependo de ter fugido quando deveria ter resolvido tudo, me arrependo de ter demorado tanto para vir te procurar, me arrependo por não ter esperado você abrir a porta do seu quarto quando eu bati! Me arrependo de tanta coisa...
Ela tinha finalizado seu discurso com esperanças de quebrar o gelo, mas não conseguiu.
April levantou-se e parou em frente a ela com os braços cruzados. Seus olhos azuis estavam frios e bravos, mas de repente, eles ficaram tristes, desesperados, melancólicos. A menina levou a mão a cabeça.
- Eu sempre soube quem era o meu namorado. – Ela começou a despejar com a voz embargada. - Sempre. Sempre soube que eu tinha mais chifres do que... – Ela procurou um exemplo, virando os olhos. – Sei lá... Mas eu sabia que podia agüentar essas coisas porque eu amava mais o Tony do que a mim mesma e porque eu sabia que eu podia confiar em você. Eu reparava no jeito que ele te olhava, nas conversas que vocês achavam que eu não ouvia. Tinha uma época que eu sentia que o que ele mais gostava em mim era você. – Ela ficou em silêncio, talvez pensando em como aquela frase soava esquisita, mas realmente verdadeira. – Mas eu não dava a mínima para isso por que eu sabia que ele nunca ia conseguir nada com você... Até que ele conseguiu e eu nem conseguia enxergar nada na minha frente, a não ser o fato que você tinha se transformado em mais uma dessas vagabundas que dormiam com o Tony!
April começou a chorar e escondeu seu rosto com suas mãos compridas.
Num impulso, a abraçou. Por um segundo, achou que iria apanhar, até que sua amiga a abraçou de volta. Apertado. murmurava mais desculpas enquanto ela mesma sentia suas lágrimas encharcarem seu rosto.
- Eu nunca vou esquecer. – April falou ainda abraçada a . – Mas eu vou te perdoar. Eu preciso te perdoar porque eu também sinto que uma parte de mim está faltando quando você está longe.
- Obrigada. Eu te amo, amiga.
- Eu também. – Elas se abraçaram mais forte e por tempo indeterminado.
April limpou suas lágrimas enquanto pegava outro cigarro, afinal, apenas parte do peso que suas costas carregavam tinham ido embora.
Sua amiga também pegou um.
- Agora... – Ela falou dando a primeira tragada e exalando fumaça para o teto. - Eu te conheço. O que está acontecendo?
April realmente a conhecia, a entendia e a amava a ponto de perdoar o imperdoável, de ajudá-la a resolver o que não tinha solução.
sentiu que poderia falar qualquer coisa, que poderia falar tudo. Tudo aquilo que ninguém sabia, mas que tinha que ser falado e resolvido, mais cedo ou mais tarde.
E já estava tarde demais...


Capítulo 39;

Seu dedo trêmulo, mas ironicamente, seguro apertou o botão dourado ao lado do número 32.
Ironicamente. Sua vida era tão lotada de ironias.
Mas sorriu. Sorriu porque logo mais tudo estaria certo. Às vezes, a única coisa que você precisa para resolver um problema aparentemente insolúvel é uma segunda opinião. Não pode ser qualquer segunda opinião, é claro. Precisa ser o que alguém que realmente te conheça pensa; alguém que já te viu passar por momentos felizes e por momentos tristes; alguém que mesmo depois de ter sido tremendamente magoada por você consegue te perdoar e continuar te amando como uma irmã.
Isso sim é que é uma segunda opinião de peso.
Sua longa conversa com April fez com que ela chegasse ali já de noite, mas com uma decisão tomada. Tudo pareceu absolutamente claro depois de algumas dezenas de frases e abraços de sua melhor amiga.
Absolutamente claro!
Absolutamente.
Um vento frio soprava e bagunçava seus cabelos quando o barulho de estática saiu do intercomunicador da campainha.
- Quem é? – Sua voz inconfundível perguntou.
- É a .
Ela conseguiu escutar sua respiração parando do outro lado.
- Pode subir.
A porta se abriu fazendo um barulho e liberando o frescor do ar condicionado do hall do prédio. Conseguia ser mais frio do que o vento gelado do começo de noite.
Seu dedo trêmulo e ironicamente seguro apertou outro botão, o do elevador, e logo depois, outro, o do terceiro andar.
As portas de fecharam suavemente acompanhadas pelo som de uma campainha e ela pôde notar seu reflexo formando-se bem na sua frente. Não tinha nem passado em casa para trocar de roupas.
Precisava oficializar seus pensamentos o mais rápido possível.
Continuava usando o vestido curto demais e a galocha vermelha. Seus cabelos cada vez mais escuros, agora que não viam mais tanto sol quanto no Perú, caíam abaixo de seus seios. Os músculos de sua face estavam nervosos e rígidos. Afinal, ela estava segura, não calma.
Conseguia enxergar um brilho em seus olhos, no entanto. O brilho de quem sabia que estava fazendo a coisa certa.
Porque ela estava. Ela sentia aquilo até em seus ossos.
E todos esses pensamentos foram realizados na distância de três andares. Imagine se estivesse indo para um andar mais alto...
Que bom que era proibida a construção de prédios com mais de três andares naquela região.
A menina ajeitou a alça de sua bolsa e colocou algumas mexas de cabelo atrás das orelhas assim que a campainha do elevador soou novamente e as portas se abriram.
a esperava encostado a um elegante móvel que decorava o hall do terceiro andar. Ele vestia calças jeans escuras e uma camisa xadrez estilo pic-nic com as mangas dobradas até seu cotovelo. Seus cabelos estavam bagunçados e por pouco não cobriam seus olhos, que brilharam acompanhados por um sorriso.
- Oi. – Ele falou timidamente, tentando esconder o brilho no olhar.
- Oi. – Ela respondeu aproximando-se e cumprimentando-o com um beijo na bochecha e uma espécie de abraço.
Não tinha certeza sobre como agir, apesar de toda a sua segurança. Todos os tipos de cumprimento pareciam frios demais, ou então, expansivos demais.
escutou respirando fundo enquanto ela mesma sentia seu perfume invadir suas narinas.
Ele caminhou até a porta de seu apartamento, que já estava aberta, e ela o seguiu. Seus olhos a levaram diretamente para a parede bem a sua frente, aquela que antes era decorada com uma obra de arte famosa e agora parecia branca demais. Triste demais.
parou perto de seu sofá preto e a encarou com um olhar curioso. A garota olhou para os próprios pés enquanto repensava em sua cabeça as palavras que deveria emitir naquele exato instante.
Ela tinha passado todo o caminho do metrô pensando nelas e estava contente com a sua escolha. Até aquele momento. Ali, presenciando a cena que ela tinha apenas imaginado, todas as palavras pareciam ter seus significados fortes demais, fracos demais ou então, pareciam não ter significado algum. Era como se a indecisão de como cumprimentá-lo fosse apenas o início.
Colocou sua bolsa no sofá e respirou fundo, sentindo-se completa, por incrível que pareça. Completa e pronta para agir. Contudo, antes que ela fizesse qualquer coisa, outra pessoa agiu, tomando-a de surpresa.
Num movimento rápido, as mãos de aproximaram seus rostos e fechou os olhos sentindo os lábios macios de seu ex-namorado tocarem os seus. As mãos dele deslizaram por seu cabelo e pararam em sua cintura e em seu quadril, enquanto as dela contornavam seu pescoço e acariciavam seu cabelo.
Seu perfume parecia mais forte do que nunca. Tão forte que era como se ela, ele e o perfume fossem uma coisa só. Era como se não houvesse diferença entre seus corpos, entre seus cheiros, como se um fosse uma continuação do outro. se aproximou mais ainda, aquecendo aquele que considerou um beijo perfeito. Tinha a ideal porção de doçura misturada com a ideal porção de agressividade. Tudo estava na medida certa.
Era uma situação extremamente familiar.
quebrou o beijo e a menina se afastou.

Às vezes, a medida certa não é a sua medida.

Ela estava calma. Seu coração tinha seus batimentos normalizados e suas mãos já não tremiam mais.
- , eu não posso ficar com você. – Sua boca finalmente proferiu as palavras ensaiadas por duas linhas de metrô. Ele se afastou com os olhos se resumindo a pequenos riscos que e encaravam incrédulos.
- Mas você veio aqui! – Ele gaguejou com as mãos na cabeça. – Eu te beijei e você correspondeu! Foi um beijo perfeito! E... e... – Ele não conseguia terminar sua frase.
- Isso é tudo verdade, mas os meus planos eram de apenas vir aqui e conversar com você. O beijo aconteceu e eu concordo que ele foi perfeito... – não sabia o que falar a seguir. O que quer que fosse machucaria sem nenhuma razão.
Não que ele não merecesse.
O garoto percorreu a sala de um lado para o outro, ainda com as mãos na cabeça, até voltar para o lugar que estava antes e afundar-se no sofá.
podia sentir as palavras e os sentimentos em conflito dentro de sua cabeça. Ele parecia prestes a explodir.
Ela sentou-se ao seu lado e notou seus olhos vermelhos. No mesmo segundo, seu coração que já estava apertado pareceu parar. Vê-lo sofrendo a matava porque ela o amava.
Por incrível que pareça, o fato dela amá-lo e dispensá-lo fazia todo o sentido. E ela o amava profundamente. Era ele quem lhe causava borboletas no estômago. O problema era que ela não acreditava nele, não confiava nele.
- Eu te amo. – Ele falou com a voz alterada.
- Eu também te amo. – falou enquanto o menino abria a boca para iniciar outra frase. Ele se surpreendeu. O fato dela amá-lo e dispensá-lo não fazia tanto sentido para ele quanto fazia para ela. - Mas algumas vezes, as pessoas que se amam têm um tremendo talento para se fazerem infelizes.
Tony, um pensador.
- O que você fala não faz sentido.
- Claro que faz. Olha para toda a nossa história. Eu sofri quando descobri que era a outra, eu sofri quando aceitei ser a outra, eu sofri quando você mentiu para mim, você sofreu quando eu fiquei com o Tony, você sofreu quando eu fui para o Peru, eu sofri quando te vi de novo, você sofreu quando me viu de novo, eu sofri quando te beijei e trai o meu namorado, e hoje eu estou sofrendo de novo porque eu te beijei outra vez e porque eu estou te fazendo sofrer. – permaneceu em silêncio e virou seu olhar para o chão. Queria que ele falasse alguma coisa. – Você está vendo toda essa repetição desse verbo horrível que é o sofrer? – Ela perguntou já que ele fazia greve de silêncio. – Isso não está certo, . Nem para mim nem para você. Eu preciso de alguém que me ame sem me fazer sofrer, eu preciso de alguém que eu confie plenamente e você também precisa disso.
- E esse alguém para você é o Chris? – Ele finalmente abriu a boca.
- É. Esse alguém para mim é o Chris. Eu amo ele de uma maneira que você nunca entenderia. – As palavras soaram mais grossas do que ela pretendia ser.
Mas a verdade era que realmente nunca poderia entender sua relação com Chris, já que nem ela entendia aquele sentimento que parecia fazer dela quem ela era. Aquele sentimento que a fazia acordar pelas manhãs fazia tantos anos, o sentimento que sempre esteve por ali, mesmo que, às vezes, passasse por fases confusas que o reduziam à amizade.
Amizade. Quando ela e Chris terminaram, ela achou que era a decisão certa a ser tomada. Não queria passar o resto de sua vida com uma pessoa que era mais o seu melhor amigo do que seu amante.
estava errada. Chris nunca poderia ser resumido em apenas uma amizade. Era ele quem fazia seu estômago ficar gelado, mesmo após tantos anos.
E era nele que ela confiaria sua vida.
fez uma cara feia.
- Mas eu não vou mais te machucar. Eu já te falei isso. Eu já te prometi isso!
- A gente já está se machucando, . - Ele voltou a encarar o chão. copiou sua idéia e olhou para o piso de granito escuro aos seus pés. Pareciam gelados. – A verdade é que eu nunca vou te esquecer porque você marcou a minha vida. – Mesmo olhando para o chão, ela sabia que não fazia mais o mesmo. Sentia seu olhar tentando ultrapassar a cascata de cabelos que cobria sua face. – Eu te amei com mais intensidade do que eu jamais tinha amado e provavelmente nunca mais vou amar desse jeito, mas nós não damos certo. – Ela terminou e viu suas lágrimas grossas e pesadas molhando o granito do piso. – Isso acontece com muita gente.
aproximou-se e enroscou o seu braço ao dela enquanto suas mãos se entrelaçavam.
- Vamos tentar de novo. Por favor. – Ele pediu ao pé de seu ouvido.
A cabeça da menina se moveu negativamente.
- Eu não posso. Eu não quero me arriscar. Vamos terminar assim, ok? – Ela virou-se para encará-lo. passou seus braços por sua cintura. – Depois de um beijo perfeito. – tentou sorrir, apesar do choro. – Para que a gente possa se esquecer de toda a parte ruim e ficar com os momentos bons na cabeça.
- Então é isso mesmo?
- É.
- Não tem nada que eu possa fazer para mudar a sua decisão?
- Não.
a abraçou mais forte e seus lábios se encostaram por uma última vez. Apenas se encostaram.
- Eu queria poder mudar tudo. – Ele falou com suas bocas ainda praticamente coladas. – Para poder fazer tudo certo com você.
- Não adianta pensar nisso agora. – Ela se levantou e encarou uma pessoa que ela amava com o rosto transtornado e o olhar perdido.
Aquilo parecia doer tanto nela quanto nele, mas era necessário. Não podia passar mais tempo vivendo naquela situação desesperadora de não poder abraçar ou beijar Chris sem sentir-se culpada, de não poder deitar-se ao seu lado sem estar pensando em outra pessoa.
finalmente se levantou.
- Bom. – falou quebrando o silêncio constrangedor. – Eu vou pedir para algum dos transportadores da Tate buscarem o quadro na minha casa e trazerem ele para cá. – abriu a boca, mas ela ainda não tinha terminado. – Obrigada de verdade, mas eu acho que eu não devo ficar com ele.
- Ele é seu. Ele sempre foi seu. Quando eu comprei ele, eu já estava pensando em você. – Ele afundou suas mãos em seus bolsos e balançou a cabeça, fazendo com que seus cabelo se bagunçassem.
- Mas...
- Eu só peço uma coisa em troca. – coçou seu queixo e olhou para trás. Nell dormia (e roncava) com a barriga para cima. Estava confortavelmente instalada numa poltrona azul. – Você não vai levar a Nell embora, vai? – Ele perguntou com mais uma sombra passando por seus olhos. – Porque isso seria simplesmente cruel.
esticou o pescoço para observar Nell atentamente. Ela poderia mordê-la de tão linda, fofa e adorável, mas ela não poderia cuidar dela. Bem, até poderia, e provavelmente, cuidaria melhor do que cuidava dela na época que a única coisa que lhe importava era ficar muito bêbada na maior parte do tempo. Mas a cadela estava feliz com e pelo olhar do menino, ele não parecia disposto a encarar bem uma separação.
E ele já teria que superar outra.
- Não vou. – sorriu. – Ela fica melhor com você.
- Pelo menos alguém fica. – Ele respondeu acidamente. – Obrigado. – Uma certa doçura apareceu em sua voz.
- Obrigada pelo quadro. – respondeu sem graça. – Eu acho que vou indo.
balançou a cabeça e a acompanhou até a porta, de onde olhou Nell por uma última vez, de onde abraçou por uma última vez, de onde sentiu seu cheiro e sua respiração próxima por uma última vez, de onde sentiu seus braços em torno de sua cintura pela última vez e de onde sentiu borboletas no estômago pela última vez.
deveria sentir-se arrasada, mas o sentimento que invadiu cada osso de seu corpo assim que ela colocou os pés no elevador foi outro. Estava aliviada. Podia respirar com mais facilidade. Podia olhar para trás e falar que tinha vivido uma grande paixão.
Estava na hora de viver seu grande amor.

Capítulo 40;

Ela mal cabia na minúscula cabine de banheiro que se encontrava. Não que estivesse gorda.
Ainda não. Pelo menos.
Seu problema era que fazia 3ºC na rua e por algum motivo que nem ela mesma poderia explicar, tinha se enfiado no banheiro da Starbucks com seu sobretudo, seu cachecol, suas luvas e sua boina.
Alguém deveria avisá-la que não estava nevando dentro do banheiro, mesmo que fosse inverno.
Com dificuldade, pendurou seu guarda roupa em um ganchinho vagabundo colado a porta. Ela finalmente tinha espaço para fechar a tampa da privada e se sentar. Aquele seria o momento ideal para um cigarro, não fosse o fato de que alguém entraria gritando e a agredindo por fumar em local fechado e pelo fato de que ela não fumava mais. Ela tinha desistido de novo e já fazia mais de seis meses que nem ela ou Chris colocavam um cigarro na boca.
Ou um baseado, nem sequer um bong.
A vida de festas fica cansativa depois de um certo tempo. Acordar ao lado de poças de vômito perde o seu charme depois que você passa dos dezoito anos e precisa ir trabalhar no outro dia.
Nenhum chefe curte dar bom dia a Amy Winehouse. Nenhum.
O salto de suas botas batucavam o chão de azulejo aos seus pés. Sua bexiga comprimia o resto de seus órgãos depois de alguns (muitos) copos de chá de darjeeling. Deliciosos com apenas um envelope de açúcar mascavo.
Ela não tinha mais o que fazer, a não ser abrir sua bolsa e alcançar a caixinha azul com a foto de um bebê. Já tinha encarado tanto aquela criança fofa de pele rosada que dormia pacificamente ao lado das palavras “Baby Start” que poderia fechar os olhos e visualizar com exatidão a embalagem.
Seu estômago se revirava e não era culpa dos galões de chá que tinha ingerido.
Já sabia as instruções, graças a uma situação muito parecida com aquela. A diferença era que envolvia April fazendo xixi num palitinho dentro do banheiro de um pub. Apenas por precaução e para ganhar um pouco de tempo, leu novamente as instruções e, logo em seguida, as realizou.
Graças a Deus, caso contrário, sua bexiga ficaria disforme para a eternidade.
Após recolher todas as suas roupas do ganchinho, lavar a mão, secar a mão, lavar a mão de novo, secar a mão de novo, procurar uma escovinha no fundo de sua bolsa, pentear seus cabelos (que agora tinham um corte picado na altura dos ombros), guardar a escovinha, lavar a mão e por fim, secar a mão, ela pôde olhar para aquele bastãozinho que poderia parecer um termômetro ou então uma caneta estranha.
literalmente daria seu útero para ter apenas uma caneta em suas mãos.
Literalmente.
A força de suas pernas foi embora e seus braços tiveram que apoiar todo o peso de seu corpo na pia quando a palavra “grávida” surgiu diante de seus olhos. Seus olhos ficaram vermelhos e se encheram de lágrimas no mesmo segundo. Era como se estivesse sufocando, como se de uma hora para outra tivesse sido transferida do minúsculo banheiro para um aquário. Estava se afogando.
O oxigênio só voltou ao seu corpo quando uma senhora e seu perfume forte demais invadiram o banheiro. Pela fresta da porta, ela pôde ver a face ansiosa de Chris esperando-a sentado num sofá verde que tinha tudo para ser confortável, no entanto, seu namorado parecia sentado em uma pilha de pregos.
Ou seria uma pilha de fraldas?
As informações passavam rapidamente por sua cabeça. Claro que uma ponta (um iceberg) de preocupação já tinha tomado conta dela desde que se dera conta de que sua menstruação já estava atrasada há mais de um mês. Mas nessa época, ela ainda tinha esperanças de ter hormônios rebeldes ou então um câncer.
Qualquer coisa menos um feto! Qualquer coisa!
O que ela faria com um feto? Pior ainda o que ela faria com um bebê??
A violeta que ela tinha comprado no mês passado já tinha morrido. Ela não podia cuidar de uma criança catarrenta.
Não podia!

Seu copo ainda cheio de chá repousava em cima da mesa de madeira escura quando ela se deu conta de que tinha caminhado os poucos metros que separavam o banheiro do sofá onde Chris estava instalado. Já estava sentada e Chris gesticulava enquanto palavras saíam de sua boca. Ela não as entendia. Nem sequer as ouvia.
Seus grandes olhos azuis estavam bem abertos e ela notava que seu namorado estava nervoso, pois ele estava ficando vermelho. Mais vermelho do que o normal.
fez que sim com a cabeça.
- Bosta. – Ela finalmente o ouviu. – Bosta! – Ele exclamou ainda mais nervoso e derrubou o seu copo de café preto no chão. – Bosta! – Era como se a notícia fosse tomando conta de seu corpo aos poucos. Os palavrões saíam cada vez mais altos. – Bosta!!!!
Contudo, conforme as emoções de Chris ficavam cada vez mais descontroladas, a mente da menina se desligava do que ocorria a sua volta. Ela sabia que Chris estava ali tendo um chilique, ela notou que ele saiu correndo batendo a porta e também viu pela janela que ele estava chutando uma árvore. Mas tudo aquilo parecia apenas a cena de um filme de TV. A verdadeira ação se passava em sua cabeça.
Já tinha tudo programado. Tinha ouvido falar de um remédio que a menina tomava no início da gravidez e que fazia a coisa sair como se fosse uma menstruação. Ninguém mais ficaria sabendo. Ela não teria que fazer coisas sem sentido como amamentar e seu namorado poderia parar de chutar árvores.
Tudo ficaria bem.
Ela tinha apenas 19 anos. Ok. Não é como se ela tivesse 15, mas mesmo assim, ela não podia parir um monstrinho! Bem agora que seu trabalho estava legal, que ela recebia um salário decente, que ela tinha parado de ficar bêbada diariamente, que ela estava absolutamente radiante com Chris...
Tudo ficaria bem.
Como se saindo de um transe, voltou a notar os barulhos do ambiente. As conversas dos funcionários, das outras mesas, o barulho das máquinas de café e da caixa registradora.
Ela se lembrou de Chris. A última vez que o tinha visto ele estava chutando uma árvore.
mirou a janela e notou que o menino continuava chutando a árvore. A chutou mais uma vez e escorregou no chão úmido pela neve. Ela observou seu namorado encarar o céu cinza sem se levantar. As pessoas o observavam preocupadas e evitavam passar por perto dele.
Ela não poderia culpá-los.
Chris finalmente levantou-se e caminhou até a porta da Starbucks. Todos os clientes fingiram tomar café e os funcionários fingiram prepará-lo, quando na realidade, estavam com medo do cara que chutava árvores resolver chutar pessoas.
Ela não poderia culpá-los.
Chris sentou-se na poltrona a sua frente. Seu rosto estava muito vermelho, parte pelo frio, parte pela situação. Seu casaco de frio preto e bege estava ensopado e seu chapéu xadrez estava amassado. Algumas gotas caíam de seus cabelos.
- Chris, está tudo bem. – Ela resolveu tranqüilizá-lo. – Eu vou tirar.
Chris engoliu o que quer que fosse falar e respirou fundo.
- Ah bom. Bom! – Ele ficou em silêncio e encarou o copo de café derramado no chão com os olhos estreitos e perdidos.
- Chris?
- Sabe? – Ele perguntou ainda sem tirar os olhos do copo. Parecia não saber o que falar. – A gente também podia... sei lá... tentar? – Ele finalmente a encarou com algo parecido com faíscas nos olhos. nem conseguiu achar suas cordas vocais para responder qualquer coisa. – Eu sei que não estava nos nossos planos e que as nossas plantas sempre morrem e que meus peixes eram drogados e que a Nell era um pouco também... – Ele piscava muito, mas estava cada vez menos vermelho. – Mas nós mudamos muito. Nós não somos mais aqueles dois irresponsáveis que sempre fomos. Na verdade, se você for olhar bem para nós dois, hoje em dia, nós somos os maiores caretas do mundo! Nós trabalhamos, nós somos promovidos! A gente ganha mais dinheiro do que jamais imaginamos ser possível para dois loucos como nós... Eu sei que parece loucura, mas nosso filho ia ser tão bonitinho. – imaginou um mini Chris correndo por ai. Seu coração ficou apertado. – E nós poderíamos vestir ele só com fantasias e pijama. Se ele for um menino, a favorita dele vai ser a do Homem Aranha e se for menina, a de bailarina. Fora que a gente vai poder escolher o nome que for para ele ou ela! Você já imaginou todas as opções? A gente pode dar um desses nomes tipo os que as celebridades gostam, como ... – Chris olhou ao redor procurando inspiração. – Darjeeling! – Ele exclamou levantando o copo de chá e abrindo um sorriso gigante. – Também pode ser um nome mais normal tipo Chloe ou Owen. E quando ele ou ela for mais velho, nós vamos viajar todos os finais de semana para que a nossa casa fique liberada para as festas! – Ele estava a ponto de bater palmas. – Owen vai se dar tão bem com as garotas!
Chris ficou em silêncio e pensou em tudo aquilo com os olhos perdidos no piso de ladrilho estampado aos seus pés.
Talvez...
E se?
Hum...
Ela estava gaguejando em seus pensamentos. Aquilo era no mínimo preocupante. Bem, a situação era no mínimo preocupante. No mínimo...
Mas ela meio que tinha curiosidade de ver a carinha de seu bebê. Tinha curiosidade de ver se ele se pareceria mais com Chris ou mais com ela mesma; se seus olhos seriam extremamente azuis como os de seu pai, se seus cabelos teriam a cor dos da mãe. Ela poderia vesti-lo não apenas com pijamas e fantasias (ela tinha vontade de apertar crianças nesses trajes até que elas parassem de respirar), mas também poderia comprar aquelas camisetas para criancinhas a venda em Camden Town, aquelas com estampas do The Flaming Lips ou do Sonic Youth. Ela, Chris e Owen, ou então, Avery... Avery! Avery seria um nome bonito! Bem, eles poderiam ter uma tradição, assim como ela e seus pais tinham a de ir comer em China Town todos os domingos. Eles poderiam sair do restaurante e passar o resto da tarde naqueles jardins atrás do palácio, onde o bebê iria tomar sol e brincar. Ela poderia passar a noite acordada com a pequena Avery após um pesadelo e Chris poderia sair para comprar Vick VapoRub ou qualquer coisa que ela precisasse.
Não seria fácil, mas também não seria impossível.
- Eu não quero desperdiçar essa chance. – As palavras de Chris a tiraram de seus pensamentos. Ele pulou a mesa que os separava e sentou-se ao seu lado. Ela podia sentir suas roupas molhadas deixando-a molhada também. Ele segurou sua mão com determinação. Não tremia, nem estava mais vermelho. Chris parecia mais calmo do que nunca. Mais calmo do que ela jamais presenciara. – Eu não quero perder nada que eu possa fazer com você, porque tudo que nós fazemos juntos é... é... – Ele gaguejou se atrapalhando com as palavras.
- É perfeito. – completou automaticamente.
Ele fez que sim com a cabeça.
- Não quero que nada nosso se perca e esse bebê... – Chris tocou a barriga de sua namorada. – Já é nosso.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Nossa vida vai mudar muito, mas eu acho que eu quero que ela mude.
O casal fez que sim com a cabeça.
- Vai dar tudo certo.
Ele fez que sim com a cabeça. Ela fez que sim com a cabeça. O bebê fez que sim com a cabeça.
Mentira, o bebê mal passava de algo parecido com um girino.
Chris apertou sua mão e sorriu. nem tinha notado, mas um sorriso já estava instalado em seus lábios há algum tempo.
Aquela gravidez já não se parecia mais com um contratempo, parecia o acontecimento ideal, no lugar ideal, no momento ideal, como casal ideal.
Chris era a única pessoa quem poderia fazê-la pensar daquela maneira. A única pessoa quem poderia acompanhá-la naquilo. Era ele e não existia mais ninguém.
Ninguém.
Existiam memórias. Memórias que aqueciam seu peito quando vinham à tona. Ela não sentia saudades ou arrependimento. Ela só sentia uma sensação muito boa, de algo que parecia mais um sonho doce, distante e há muito tempo sonhado, mas que nunca seria esquecido.
Era aquilo que significava para ela: um sonho marcante, importante, e, apesar de doce, nublado, inesquecível.
Aquela não era mais sua vida e aquilo era bom.
gostava de sua vida atual e sentia-se confortável nela. O que mais ela poderia querer?
Tinha tido a sorte de amar infinitamente a pessoa que mais a compreendia na face da Terra. Tinha tido a sorte de ser correspondida. Tinha tido a sorte de poder confiar sua vida a ela. Tinha tido a sorte de ainda sentir frio na barriga e arrepios mesmo depois de todos os segredos já terem sido desvendados há tempos.
Tinha tido sorte.
Tinha tido sorte de ter passado por cada momento que passou. Os bons, os maus e aqueles simplesmente insignificantes. Cada um deles fez dela o que ela era naquele momento.
Ela era completa.

FIM





Olá, queridas!
Bom, eu sei que metade de vocês não gostou do final, pois esperava ficar com Dougie ou Tom ou Danny ou Harry, mas espero que mesmo assim, vocês tenham aproveitado a fic.
Essa fic é do Chris. Sempre foi do Chris. O nome do arquivo dela aqui no meu computador é “Joe”, que é o nome do ator que o interpreta. Desde a primeira cena, quando ele era apenas o ex-namorado apaixonado pela professora de psicologia, a fic já era dele.
Em alguns momentos eu pensei seriamente em mudar o fim, mas em todas as minhas histórias, a personagem principal termina com algum membro do McFly. Por isso, numa tentativa de ser original e me apegando a minha idéia original, você terminou com o Chris!
Não sei bem o que falar aqui. Tinha que agradecer infinitamente a vocês que leram, acompanharam, comentaram... A verdade é que se não há ninguém para ler, não tem por que escrever. Essa é a minha opinião. Então, obrigada mesmo por terem lido e por terem respondido tão bem a uma fic que é tão diferente das outras, que a protagonista é perturbada e politicamente incorreta. Enfim, vocês foram leitoras realmente participativas e presentes e me ajudaram bastante a continuar a escrever!
Tenho que agradecer ao eterno muso, Dougie!
Agradecer a melhor série que eu já assisti, Skins, que fez com que eu me identificasse e me encantasse com os mais diferentes personagens, especialmente o Chris!
Agradecer a uma das minhas pessoas favoritas no mundo, a Mimi. Sem ela não existiria fic. Fato. Agradecer também a Carol que sempre quebrava os galhos betando, scriptando e etc.
A dica que eu dou para que tudo faça mais sentido, é sempre escutar as músicas que são comentadas ao longo da história. Na maioria das vezes, elas deixarão tudo mais claro.
Obrigada mesmo por terem acompanhado essa história por tanto tempo.
Bem, não é porque esses foram os últimos capítulos que vocês têm que parar de comentar. Quero muito saber a opinião de vocês sobre esses dois capítulos.
Beijos, queridas.

Email: ali.broccoli@hotmail.com



Outras fics:

Getting Into You
Getting Into You - Parte II
Getting Into You - Parte III
I Think We Are Alone Now
Revolution
Just For Now
Grey Skies Turn Blue
Always And Never
Always And Never - Parte II
Always And Never - Parte III
Always And Never - Parte IV
Always And Never - Parte V
Velvet
No orkut: Comunidade.

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