Algo novo tinha acontecido naquela manhã.
Não havia sido seu despertador que, como todos os dias, tocou as 8:15
da manhã com alguma música brega da radio 1.
Também não havia sido seu café da manhã, que como
todos os dias, tinha sido composto por torradas com geléia de damasco
e leite.
Também não tinha sido suas roupas. Não eram nem novas nem
velhas, eram apenas as suas roupas.
Também não tinha sido a caminhada de quinze minutos até
a escola que ela realizava em vinte e cinco por ser devagar pelas manhãs.
Por fim, não tinha sido sua escola, que continuava aquela mesma prisão
imensa e cheia de presidiários barulhentos.
No entanto, a novidade estava na sala de aula.
Ela não prestou atenção à aula de matemática
(não que ela geralmente prestasse). Havia algo novo para se prestar atenção.
Algo mais interessante.
Do outro lado da sala estava sentado esse aluno novo que vestia calças
largas e pólo listrada de azul escuro e branco.
Tão igual a todos e tão diferente de todos.
A classe fingia ignorar a presença da novidade, mas ela sentia no ar
a curiosidade da turma, inclusive dela mesma.
Ela não entendia o porquê de todo aquele interesse que ela sentia.
Ele era novidade? Sim.
Ele era bonito? Sim, em excesso.
Ele sabia como pentear um cabelo? Sim.
Ele sabia como se vestir? Também.
Mas assim como ele, vários outros também sabiam.
Seus olhos não saíam daquele garoto calado e deslocado, que ainda
nem tinha notado sua existência porque ainda estava assustado demais com
tantas novidades.
O sinal tocou. Ela tirou o lápis da boca, o olhar malicioso do rosto
e a mochila do chão.
Torceu para que ela e o cara novo tivessem a mesma aula do próximo período
e saiu da sala perseguindo ele com o olhar no meio daquele formigueiro que se
formava no corredor.
Ouviu seu nome e virou-se automaticamente, perdendo sua mais nova distração
de vista.
- ! – Ela ouviu um Chris gritar enquanto acenava com os braços
a poucos metros dela.
Chris: ex-namorado; eterno rolo; a pessoa que ela mais amava no mundo; a pessoa
que mais a amava no mundo; seu melhor amigo. E sim, alguém mais bonito
que o resto do mundo.
Ele era pouco mais alto que ela; forte e encorpado no ponto certo; cabelo castanho
claro e curto; olhos azuis e um casaco Zoo York preto.
- Chris! – Ela acenou e andou contra o fluxo de ferozes alunos até
o garoto.
Cumprimentaram-se.
Chris sorria mais do que o normal. Seus olhos claros brilhavam mais que o normal.
Sua hiperatividade estava mais hiperativa que o normal.
Ela sorriu. Sabia o que ele tinha conseguido.
- É o que eu estou pensando? – perguntou já sorrindo
também. Ele apenas sorriu com mais força e balançou a cabeça.
– Ah! – Ela exclamou antes de pular no colo de Chris para um abraço
de comemoração.
Chris tinha uma obsessão há algumas semanas: dormir com a professora
de psicologia, Angie.
ainda não sabia se o que ele sentia pela professora era algo sério
ou apenas mais uma vontade; o que sabia era que estava feliz por ele.
- Depois você vai ter que me contar tudo! – Ela falou antes de soltá-lo
e de ser levada pela maré de blusões da Gap até a sala
de aula de psicologia.
Chris não precisaria contar nada a ela.
Angie, a tão desejada professora de psicologia, estava sentada em sua
mesa com um sorriso que rasgava sua face, mas lhe caía super bem. Ela
até parecia mais bonita. Não que não fosse. Ela era o membro
mais novo do quadro de funcionários da escola e era facilmente confundida
por uma aluna com franja e cabelos castanho claros, olhos azuis e meio esbugalhados.
Chris era bonito demais para ela, mas não sabia se quem pensava isso
era uma totalmente neutra ou uma ex-namorada e melhor amiga do cara
em questão.
Ela quase se esquecera do aluno novo. Só lembrou-se dele ao notar sua
ausência.
Eles não teriam aula de psicologia juntos.
Na verdade, eles também não teriam história ou inglês
juntos, já que ela passou o resto da manhã sem vê-lo.
O sinal da última aula antes do almoço soou, saiu da sala
e a primeira coisa que viu, foi o garoto novo. Seu armário era em frente
à sala de inglês.
Que sorte a dela.
Caminhou até ele, tomando cuidado para que ele não a visse e recostou-se
no armário ao lado do dele, fazendo com que a porta aberta escondesse
seu rosto.
- Oi, menino novo! – Ela falou assim que ele fechou a porta com força.
Ele se assustou.
- Oi, menina velha! – Ele falou depois de recuperado e incerto sobre sua
reação.
Ambos sorriram. Ele grato por ter recebido a atenção de alguém
naquele ambiente inóspito que é uma escola; ela grata por ele
não ter se assustado com sua ousadia e cara de pau.
- Queria te chamar para almoçar comigo e com os meus amigos... –
Ele a analisava, mas ela sabia que estava bem, não havia com o que se
preocupar, já que seu cabelo estava preso por um rabo de cavalo, os cílios
estavam espessos pelo rímel Bourjois e o corpo estava em seu peso ideal
graças as aulas de pilates que sua mãe a tinha obrigado a fazer.
– Juro que nós não mordemos. – Ela completou.
Seus olhos os deixavam tontos; o movimento e o barulho excessivo ao redor os
deixavam tontos. Eles se causavam tontura.
Ela gostava daquilo.
- Só se você prometer que vocês não mordem mesmo.
– Ele falou encostado no armário, com apenas uma das sobrancelhas
levantadas. Delicioso, na opinião de .
Depois de o assegurar que ninguém o morderia, os dois caminharam lado
a lado pelo corredor até o refeitório do colégio.
- Meu nome é , aliás. – Ela falou e lhe ofereceu a
mão.
- . – Ela a apertou e sentiu seu corpo todo aquecer, formigar, aquecer,
formigar...
- O que você veio fazer aqui nesse fim de mundo chamado Coventry High?
– Ela perguntou ironizando o fato de seu colégio estar na zona
mais movimentada da cidade.
- Eu acabei de me mudar para Londres, sou de Bristol. Vim para cá para
tentar alguma coisa com a minha banda.
Logo ela se deu conta de que estava lidando com o que ela gostava de chamar
de “pacote completo”: bonito, talentoso, bem humorado e doce.
- Vocês estão morando juntos? – Ele fez que sim com a cabeça.
– Só meninos? – Repetiu o movimento e ela imaginou o pardieiro
que não devia ser a casa deles. Sua cabeça fez um movimento reprovador
automático e soltou uma risada.
- Não é tão ruim quanto você imagina...
- Duvido!
Ele arregalou os olhos.
- É, na verdade é tão ruim quanto você imagina, se
não for pior. – Ele sorriu colocando as mãos no bolso. –
Mas é divertido e não tem pai nem mãe por perto então
a gente pode fazer basicamente tudo.
Ó o rock and roll lyfestyle.
- O que você toca? – tinha uma certa fascinação
pelo mundo da música, apesar de ser apenas uma fã e não
saber nem como tocar caixinha de fósforos.
- . – respondeu com os olhos brilhando. Ele levava aquilo
a sério. Ela achava aquilo fascinante.
- Legal. E onde está o resto da sua banda? – Ela perguntou observando
como ele andava com as mãos no bolso e olhava para tudo curioso. Só
não mais curioso do que ela, que estava praticamente interrogando o garoto
novo. – Você é a única pessoa nova que eu vi aqui
hoje. – completou.
Ele deu uma risada.
- Devem estar dormindo ainda, eles já terminaram a escola e só
se focam na música agora.
Ela deu uma risada.
- Ou seja, festa todos os dias? – Ela perguntou e ele confirmou com a
cabeça com uma cara infeliz de quem queria se dedicar apenas a música
também.
Quem poderia culpá-lo?
É o rock and roll lifestyle.
O refeitório parecia mais o local de refeições de um hospício
do que de um centro de ensino, mas ela já estava acostumada com aquilo.
O cheiro enjoativo de milhares de salsichas enlatadas parecia mais forte do
que tudo.
Na ponta esquerda do salão ela avistou a mesa onde ela comia desde sempre.
Seus amigos já estavam lá, discutindo qualquer coisa super importante
como em qual casa eles se reuniriam para ficarem bêbados até a
morte no próximo final de semana.
Ela se sentou em seu lugar habitual, em frente a Tony e April; ao lado de Chris.
sentou-se ao seu lado.
- Todo mundo... – Ela falou com o olhar curioso de seus amigos sobre ela
e sobre o “intruso”. – Esse é o , ele é
novo. – Ela respirou e sorriu. – , esses são Chris,
April e Tony!
April: melhor amiga de desde as fraldas; cabelos escuros e cacheados que
só deixavam seus olhos mais azuis. Ela sorriu encantadora como sempre
para .
tinha uma pequena preocupação de se interessar mais
em sua amiga pacote completo versão feminina do que nela.
Mas Tony era o namorado de April. Não que isso fizesse muita diferença
para ele que já tinha dormido com metade da escola. Sua namorada estava
apaixonada demais para se importar. Ele era o “alpha dog” daquele
lugar. Todos queriam ser ele, todos queriam estar com ele e festa só
era festa se ele estava lá. O tipo de cara que sempre se dá bem,
independente do que tenta fazer. Era convencido, egoísta e egocêntrico.
Não prestava, mas era seu amigo.
Ele olhou para de cima a baixo, estudando o quanto esse novo cara poderia
prejudicá-lo em sua posição no grupo. Tony julgou-o inofensivo
ou então foi com a sua cara, já que seus olhos azuis gelados pareceram
quase simpáticos quando sua boca pequena e naturalmente avermelhada falou
algo como “ E ai, cara?” antes que ele passasse a mão pelo
seu cabelo fino e preto.
A união da hiperatividade, da felicidade e da simpatia de Chris fizeram
com que ele começasse a falar sem parar com , deixando uma
até meio zonza no meio de tudo aquilo. Eles falavam sobre o Guiness Book
ou qualquer coisa parecida.
O almoço passou rápido como uma canção do início
da carreira do Green Day, e mesmo assim, conseguiu se entrosar com aquelas
quatro pessoas que já estavam entrosadas há anos.
estava feliz; sua companhia era agradável; ele era um presentinho
aos olhos e tudo o que ela queria era saber tudo sobre ele. Mas achava melhor
ir com calma para ele não achá-la uma patética desesperada.
- Que aula você tem agora, ? – Tony perguntou a ele e
olhou para seu amigo já sabendo o que ele pretendia.
tirou um papel de seu bolso e conferiu seu horário.
- Cálculo...Falando nisso, alguém sabe aonde é a sala de
cálculo?
- Também tenho cálculo agora, eu te levo lá. – April
falou levantando-se da cadeira.
- Shiu, April! – Tony falou com toda a sua sutileza. – Escuta, ,
as vezes a gente vai para o último andar da escola para relaxar depois
do almoço... – Tony tinha uma característica própria
que achava o máximo: ele falava com os olhos. E seus olhos falavam
a : “Foda-se a aula.”
April virou os olhos; e um brilho passou pelos de .
- Acho melhor não. – Ele respondeu sem aquele brilho cheio de adrenalina
de antes. – É meu primeiro dia e eu vou tentar causar uma boa impressão.
sorriu e só parou de sorrir quando pensou no quanto idiota ele
deveria estar parecendo. Durante toda a sua vida ela conviveu com pessoas irresponsáveis
e foi irresponsável. A preocupação de fez com que
ela se encantasse mais ainda com ele.
Tony o olhou com seu característico olhar de descaso. Ele provavelmente
nem fazia mais de propósito, era automático.
- Beleza. – Falou. – Mas se mudar de idéia é só
subir todas as escadas de incêndio. – Ele completou.
Os cinco saíram do refeitório e sentiu alguém tocar
seu braço. Era e ela sorriu.
- Queria te agradecer. – Ele falou com seu olhar angelical.
- Agradecer o quê? – perguntou já no corredor. Estava
vazio, a não ser por eles; todos já estavam em suas salas.
- Por ter sido a primeira pessoa a ter sido legal comigo!
Antes que ela pudesse pensar em qualquer resposta que não fosse um simples
“de nada”, sumiu corredor acima com April e Tony a puxou
em direção as escadas de incêndio.
- Tony! – Ela exclamou tentando acompanhar o ritmo acelerado que o amigo
subia as escadas. – Quem disse que eu queria cabular aula?
- Seu histórico. – Ele respondeu empurrando as pesadas portas e
fazendo a claridade machucar seus olhos. – Você sempre cabula aula.
Ela só pode rir e pensar que aula de biologia não era tão
importante assim e que não faria mal nenhum dar uma relaxada antes da
próxima aula.
e Tony sentaram-se apoiados na caixa d’água. Ele apoiou a cabeça
em seu ombro e ela passou a mão por seus cabelos como se ele fosse um
garotinho de 3 anos. Olhou para o céu; claro e nublado ao mesmo tempo.
Fechou os olhos e só os abriu ao ouvir a voz de Tony.
- Você gosta do cara novo.
- Está tão na cara assim? – Perguntou um pouco envergonhada
e fez uma careta.
- Está. – Ele se acomodou de forma que conseguisse olhar em seus
olhos.
- Bosta.
- Torce para ele não ter ficado a fim da April. – Ele falou apenas
para atormentá-la e conseguiu. Sabia que April era uma espécie
de utopia real para os homens. Se é que aquilo existia.
- Vai se foder, Tony! Você é o cara mais perturbado que eu já
conheci! Você está falando da sua namorada...
Ele apenas sorriu e mexeu as sobrancelhas como quem fala: “Sou perturbado,
mas o mundo me ama.”
- O fato dela ser minha namorada não muda nada. – Ele falou e colocou
a mão no pescoço de , acariciando-o e olhando para ela como
se ela fosse um apetitoso bolo de chocolate.
Tony era incorrigível e se perguntava porquê era amiga dele.
Aquela não era a primeira vez que ele tentava ficar com uma das suas
melhores amigas, que por um acaso, também era a melhor amiga de sua namorada.
Nada que causaria muitos problemas, como se pode notar.
Ela colocou a mão na perna dele e se aproximou o bastante para que ele
fechasse os olhos e ouvisse:
- Você não presta, Tony.
Ela adorava ser uma das únicas pessoas que não fazia exatamente
o que Tony queria. Quem sabe aquilo levaria um pouco de realidade a sua vida
onde todos o idolatram.
levantou-se e andou até o esconderijo: uma velha caixa de papelão
onde eles mantinham cigarros, bebidas e qualquer coisa que pudesse ser útil
naquele telhado. Nada lícito, é claro.
- Você ainda vai mudar de idéia, ! – Ouviu Tony falar
enquanto tirava cigarros, isqueiro e uma garrafa de whisky barato pela metade
da caixa.
Sentou-se novamente ao lado do amigo e lhe entregou a garrafa enquanto lutava
para que o isqueiro vagabundo acendesse o cigarro.
- Por quê o Chris não veio? – Ela perguntou assim que conseguiu
sua primeira tragada.
- Tinha aula de psicologia. – Tony falou da maneira mais pervertida que
alguém poderia falar uma palavra comprida como “psicologia”.
Os dois riram e ele passou a garrafa para ela.
O líquido ardia enquanto passava por sua garganta e ela sentiu-se tonta
na mesma hora. Whisky era forte demais para ela. E ela sabia disso desde sempre.
Tony riu da cara dela, que tomou outro gole que pareceu menos forte do que o
primeiro e deitou sua cabeça no colo dele. Tony pegou o cigarro de sua
mão e ela fechou os olhos, protegendo-os da claridade que os atingia
diretamente agora.
- Por que você faz isso, Tony? – Ela perguntou a pergunta que já
havia sido perguntada tantas outras vezes.
- O que, ?
Ele lhe devolveu o cigarro.
- Trair tanto a April.
Silêncio. Ouviu ele virar um generoso gole.
- Não sei.
A mesma resposta de sempre.
E ela sabia que ele não estava mentindo, era, simplesmente, quem ele
era.
- Você ama ela? – Ela insistiu, ou melhor dizendo, a pequena concentração
de whisky em seu sangue insistiu.
Para a sorte de Tony, os dois ouviram o sinal. Um barulho que mesmo longe ainda
soava extremamente irritante.
Levantaram-se e guardaram as coisas no esconderijo. Seus olhares se cruzaram
e teve a impressão de ter visto uma certa culpa nos olhos geralmente
frios de Tony.
Provavelmente era impressão.
Ela achou melhor não insistir naquele assunto, afinal, não era
da conta dela.
Se nem a chifrada em pessoa se importava, por que ela deveria se importar?
- Esquece, não é da minha conta. – Falou quando eles entravam
na escada.
Tony deu um sorriso grato que não combinava com ele e os dois chegaram
no último lance de escadas, quando ouviram barulhos um tanto quanto estranhos.
Tony deu uma gargalhada e viu uma professora de psicologia entre a porta
da escada e Chris. Os dois pareciam insaciáveis. Ela riu também,
mas sua risada os delatou. O casal se separou rapidamente e uma Angie saiu de
lá batendo a porta desconcertada.
- Desculpa, Chris! – Ela falou ainda rindo. A imagem de Chris e uma professora
era hilária na opinião dela.
Ele apenas sorriu e saiu correndo, provavelmente para avisar Angie que ela não
corria riscos de ser delatada por ou Anthony Hoult.
Capítulo 2;
Sua última aula do dia, francês, passou voando graças a
parcial falta de sobriedade de
. Ela sabia que a professora falava qualquer coisa sobre o subjuntivo e ela
quase tentou prestar atenção, mas chegou a conclusão que
já sabia o essencial em francês: os palavrões.
Não há melhor língua para se praguejar do que o francês.
Ela ainda pensava em
quando juntou suas coisa em sua mochila e saiu pelo corredor. Ela queria vê-lo
de novo, ela queria falar com ele de novo, ela queria estar perto dele de novo.
Balançou a própria cabeça, preocupada com rumo que as coisas
estavam tomando quando ouviu seu nome.
- Oi,
! – Ela falou parada em frente a porta da sala e obstruindo a passagem
da manada. – Como foram as sua últimas aulas? – Perguntou
sendo cuspida da onde estava.
- Chatas. E as suas? – Perguntou enquanto andavam até a porta rumo
àquele curto período de liberdade que só duraria até
as 9 horas da manhã seguinte.
- Biologia foi muito proveitoso.
Ele riu; ela gostou de vê-lo rir. Era algo novo para ela.
- O que vocês ficaram fazendo lá em cima?
O céu agora estava ridiculamente azul e o calor a fazia lembrar-se da
viagem que fizera à Florida.
estreitou seus olhos devido a claridade e
reparou como eles ficavam mais claros e mais brilhantes no sol.
- Só conversando. – Ela achou que não pegaria bem informá-lo
sobre o whisky vagabundo. Ele mal a conhecia; pensaria que era uma alcoólatra
porra loca. Ela era apenas alternativa e amava eufemismo. – Você
devia aparecer lá qualquer hora.
- Eu vou sim. – Ele respondeu e ela teve aquela sensação
deliciosamente desesperadora de que ele não tirava os olhos dela. Ela
só não podia cair. Com sua sorte ela cairia, ela sempre se metia
nas situações mais embaraçosas nos momentos menos oportunos.
– Aonde nós estamos indo? – Ele perguntou ainda com aquele
olhar e
teve a impressão que poderia levá-lo para onde quisesse.
Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios e ela agradeceu por
estar mais interessado em sua bunda naquela hora.
- Para o parque aqui em frente. – Ela respondeu parando na faixa de pedestres
e esperando que um batalhão de táxis e carrinhos amalucados passassem.
– Nós sempre vamos para lá depois da aula.
Aquilo não era exatamente um parque; era mais um jardim. Ninguém
sabia se tinha nome ou não; só sabiam que ali ficava uma estátua
de alguém que morreu na Segunda Guerra Mundial; por isso, simplesmente
chamavam o lugar de “o parque em frente a escola”.
- Ah tá. – Talvez ela estivesse sentindo um certo desapontamento
em sua voz. Ele era tímido e apressado ao mesmo tempo.
precisava de mais tempo para entendê-lo bem; para ter certeza de onde
estava pisando. Ainda estava cedo demais.
Entrar em um parque num dia quente como aquele era uma sensação
única. A temperatura baixava vários graus, tornando-se algo suportável
para o DNA britânico e o excesso de vegetação trazia sombra
para todos, ainda permitindo que você visse o bonito céu claro.
Os dois suspiraram ao mesmo tempo e avistaram Chris, Tony e April sentados no
meio do gramado verde.
- Estávamos nos perguntando onde vocês tinham se metido. –
Tony falou maliciosamente ao vê-los se aproximar.
o olhou com o melhor olhar “cala a boca, seu puto” que ela pode
arrumar e todos deram risinhos disfarçados.
- Acabou de tocar o sinal, queria que eu viesse correndo, Tony? – Ela
perguntou antes de se jogar no chão. Sentiu-se exausta de uma hora para
a outra.
sentou-se ao seu lado.
- É claro, eu sinto sua falta.
- Você é cheio de merda, Tony. – Chris tirou as palavras
da boca de
.
- Obrigada, Chris.
Ele balançou a cabeça e ela viu aquele sorriso satisfeito dele.
Por que será?
Tony virou os olhos e acendeu um cigarro.
- Estava falando com o
, não com você,
, muito menos com você, Chris. – Ele os olhou com raiva e foi correspondido,
até que os três caíram na risada, contagiando também
e April.
- Apesar de não parecer, nós nos damos muito bem, viu,
? –
achou melhor fazer aquele comentário tosco só para o cara não
achar ela e seus amigos totais retardados.
- Eu estou vendo. – Ele respondeu olhando para eles como se eles fossem
algum tipo de malucos hilários.
Eles podiam ser malucos, mas na maior parte do tempo eram apenas mais quatro
adolescentes tentando sobreviver ao colegial.
Não há nada de hilário em sobreviver ao colegial.
April, Tony e
engataram qualquer conversa sobre qualquer coisa que
não ouvia, já que Chris contava a ela sobre Angie. Ele estava
nas nuvens por ter comido uma professora.
Isso que ela chamava de objetivo de vida.
Isso que dá ser a melhor amiga do seu ex.
- Ela ficou muito nervosa depois que a gente apareceu? –
perguntou prestando plena atenção em Chris, a não ser pelas
olhadas de canto de olho em
, pelas vezes que tentou ouvir sobre o que ele conversava e pelas vezes que
imaginou se ele era do tipo que preferia gato ou cachorro.
Chris deu uma gargalhada.
- Nervosa? – Ele levantou as sobrancelhas adoravelmente. – “O
que nós vamos fazer em relação a
e ao Anthony, Chris?” – Ele a imitou e
quase pode visualizar a cena. Riu. – Tive que levar ela para o almoxarifado.
– Ele fez uma cara pervertida tão profissional quanto a de Tony.
- Chris! –
exclamou pois se lembrava muito bem porque o almocharifado era o lugar favorito
do Chris em toda a escola. Experiência própria. – Você
anda impossível!
- Não sei. – Ele respondeu abraçando as próprias
pernas e fazendo cara de culpado.
- Você está gostando mesmo dela, né?
Chris não respondeu; apenas virou sua atenção para April.
- Na minha casa não pode ser, minha mãe só viaja semana
que vem. – Ele falou a April, que deveria ter perguntado se a festa poderia
ser em sua casa essa semana. Ou qualquer coisa do gênero.
Era óbvio que não estava preparado para admitir que gostava da
professora. Ela também não estaria se estivesse de rolo com um
professor.
Eca. Seus professores eram absolutamente abomináveis.
-
!!!!! – April fez sua voz de criança que pede Mc Lanche Feliz.
já riu porque sabia o que aconteceria. – Pode ser na sua casa de
novo?
Fazia semanas que as festas estavam sendo em sua casa, já que todos os
pais pareciam ter enjoado de viajar.
- Pooode. – Ela respondeu fingindo odiar aquelas festas cujas expectativas
os faziam sobreviver até o final de semana. Se não fossem pelas
festas eles todos já teriam virado vegetais.
Sua casa estava sempre liberada para festas, já que seus país
estavam estudando ruínas Maias de Machu Pichu, a milhares de quilômetros
de distância. Sua casa virara uma mistura de balada com pub com hotel.
- Leva os seus amigos e quem mais você quiser,
. – Ela falou encarando-o nos olhos pela primeira vez desde que começara
a conversar com Chris. Esperava que ele entendesse o que estava subentendido:
“Se você tiver uma namorada, não precisa levá-la,
aquela biscate”
Mas ele não tinha. Era o que ela achava. Era o que ela pensava.
- Eles nunca perdem uma festa. Pode deixar! A gente vai! – Ele falou animado
e
voltou a imaginar se ele gostava de gato ou cachorro.
Provavelmente, os gatos eram seus preferidos, já que eles dão
menos trabalho; ele mora numa casa com mais não sabia quantos garotos,
o que eles menos queriam era trabalho. Mas talvez ele fosse fã dos cachorros,
já que era doce como um. Ela achou meio estranho compará-lo a
um cão, mas logo voltou aos seus raciocínios.
Se bem que, gatos soltam pêlo e por isso podem dar até mais trabalho
do que um cachorro que não solta; e há cachorros absolutamente
mal humorados e chatos e gatos meigos.
-
! – A voz de Tony a trouxe de volta a realidade.
- Oi! – Ela respondeu sorridente. Todos riam dela. Sentiu suas bochechas
corarem. – Que foi?
- Onde você estava com a cabeça? –
perguntou.
- No meu cachorro. – Não era uma mentira total. Já que ela
estava pensando em cachorros e gatos.
Sim, ela era o tipo que preferia cães, mas também se derretia
por gatos.
- Nós somos tão entediantes assim,
? – April perguntou.
- Claro que não. – Tentou contornar a situação. Ela
tinha certeza que
pensava que ela cheirava tóxicos. – Estou pensando que preciso
comprar ração.
- Continuando... – Tony falou impaciente. Ele provavelmente não
daria a mínima se todos os cães do mundo evaporassem.– Sexta
ou sábado?
- O quê?
- A festa
! A festa! – Ele respondeu grosseiramente.
- Ah desculpa! Não sabia que eu tinha que ler sua mente, Anthony. –
Ela tentou usar o mesmo tom que ele tinha usado.
- Sei muito bem o que eu leria na sua. – Ele a provocou.
respirou fundo e deu o seu meio sorriso “eu não dou a mínima”
que tinha aprendido com o próprio Tony.
- Sexta, e sábado também se sobrar bebida.
Chris soltou uma de suas gargalhadas escandalosas; todos o encararam.
- Desculpa, mas nunca vi sobrar bebida em festa nenhuma que a gente dá.
Ele meio que tinha razão, mas eles arrumariam algum programa para sábado.
Só saíram dali quando começou a escurecer e a soprar um
vento gelado. April foi a primeira a se levantar porque, segundo ela, o vento
fazia seu cabelo ficar armado. Na opinião de
, ele continuava lindo como sempre. Seus amigos a acompanharam e cada um andou
em direção de sua própria casa: Tony e April para um lado;
Chris para o outro e
para um terceiro lado. Assim que sempre tinha sido, mas
logo descobriu que teria companhia para voltar para casa dali em diante.
- Você está me seguindo,
? – Ela perguntou ao reparar sua presença alguns metros para trás.
- Droga, não era para você me descobrir! – Ele entrou na
brincadeira; os dois riram juntos.
- Onde você mora? – Ela perguntou reparando em como o cabelo dele
se encontrava perfeitamente com o seu pescoço.
- Belmont Hill.
- Eu também!
Ó destino, como ele podia ser legal de vez em quando.
Os dois sorriram da mesma maneira, pensando a mesma coisa.
Entraram na Belmont Hill e seguiram em frente conforme o sol recuava. O céu
tinha aquela engraçada coloração entre o rosa e o laranja.
- Qual é a história entre você e o Chris? –
perguntou e surpreendeu
.
- Como assim?
Ele mexia nas alças da mochila e a olhava meio envergonhado. Parecia
que tinha medo do que ouviria. Ela tinha medo de responder o que deveria; tinha
medo do que ele estava pensando.
- Quer dizer... – Ele olhou para o outro lado. – Fica muito na cara
que vocês não são só bons amigos... – Milhares
perguntas passavam na cabeça de
e aquilo provavelmente transpareceu pela sua cara.
tentou se explicar melhor. – Vocês parecem perfeitos juntos.
ficou calada. Abriu sua boca para falar qualquer coisa e depois a fechou. Aquilo
não era bom. Como ela poderia ter qualquer coisa com um garoto que achava
que ela era perfeita ao lado de outro?
Ela coçou a cabeça torcendo para que aquilo a fizesse voltar ao
seu perfeito estado mental.
- Eu não acho que nós somos perfeitos juntos. – Seus lábios
soltaram por falta de outra coisa para falar. Ela só tinha que deixar
bem claro que não queria o Chris. Pelo menos não naquele momento.
– Ele a olhou desconfiado. – Nós namoramos por um tempo.
– Ela completou, já que aquilo seria inevitável.
balançou a cabeça para se auto parabenizar por estar certo.
- Quanto tempo vocês ficaram juntos?
- Dois anos. – Os olhos de
se arregalaram. – Mas nós terminamos já faz mais de um...
–
ia perguntar qualquer coisa, mas ela o interrompeu. – Por que você
acha que nós somos perfeitos juntos?
Aquilo tinha ficado em sua cabeça. Ela e Chris eram muito amigos. Eram
amigos antes do namoro, durante o namoro e depois do namoro. Ele tinha sido
seu primeiro namorado sério; sua primeira vez... eles tinham muita história
juntos. Tinham aquela relação que todos os outros invejavam. Eram
o casal perfeito, assim como
tinha dito. E foram o casal perfeito até a época em que os dois
perceberam que estavam entediados, que queriam mais. O relacionamento tinha
acabado, assim como a paixão; tinha restado apenas a amizade e aquele
amor fraternal. Eles tiveram suas recaídas e eram seus estepes oficiais,
já que havia dias que a paixão voltava a tona.
Mas aquele não era um daqueles dias. Ela só conseguia pensar em
.
- Não sei! – Ele balançou os ombros. – Simplesmente
são.
- Ele é só meu amigo. – Ela colocou uma ênfase tão
exagerada em “só” que
riu.
fechou os olhos por alguns segundos, envergonhada e confusa.
- Bom. – Ele falou com um sorriso charmoso de canto de boca e diminuiu
o passo. – Eu paro aqui. – Ele apontou com a cabeça a casa
igual a todas as outras da rua, a não ser pelo jardim mal cuidado, o
furgão velho estacionado e os engradados de cerveja na porta. A típica
casa de início de banda; o típico pardieiro que ela imaginava.
Ela amou.
- Vocês também dão bastante festas pelo jeito, né?
– Ela apontou os engradados.
- Só demos uma até agora! A gente chegou semana passada. –
Cachorros; ela não sabia o porquê, mas tinha certeza que ele gostava
mais dos cachorros. – Você já está convidada para
a próxima festa e eu não aceito recusas!
- Eu nunca recuso festas! – Ela levantou as duas mãos como se não
tivesse escolha, a não ser se encontrar com ele em uma festa, quando
ambos estariam bêbados e gostosos.
- Bom, eu vou entrar... – Ele mostrou sua casa e ela teve impressão
de que ele não queria entrar; ela não queria que ele entrasse.
- Ah claro, já tá tarde. – Ela olhou em volta, a rua estava
praticamente escura.
- Você ainda tem que andar muito? – Ele perguntou preocupado e ela
o achou fofo.
- Um quarteirão.
- Você mora perto mesmo! – Ela concordou com a cabeça, ainda
feliz por essa coincidência. – Eu vou indo porque eu ainda tenho
que ensaiar hoje.
aproximou-se e beijou sua bochecha; ela formigou pedindo mais.
Ela apenas acenou para ele e andou alguns metros em direção a
sua casa, sentindo aquele sorriso idiota que tinha virado uma constante em seu
rosto desde aquela manhã.
Mas ela não podia ir. Não ainda. O sorriso sumiu e ela mordeu
o próprio lábio pensando no que ia fazer. Ela precisava. Parou
de andar e virou-se para ver
; ele ainda a observava caminhar e ficou sem graça quando ela percebeu
aquilo. A menina sorriu de novo.
-
! –
gritou para que ele a ouvisse. Ele prestou atenção nela. –
Você prefere gato ou cachorro?
estranhou a pergunta, mas respondeu numa voz engraçada e desconfiada:
- Cachorro, por quê?
deu um pulinho retardado, mas que não podia ser contido e voltou para
o seu caminho.
Capítulo 3;
O resto da semana se arrastou naquela repetição contínua
de rotina, excetuando , que fazia tudo que sempre fora tão normal
ter uma graça a mais. A cada dia eles ficavam um pouco mais próximos
e descobriam coisas um do outro.
A atração física era incontestável e tinha certeza
que seria confirmada sexta a noite.
Certeza.
Naquele dia ela saiu do parque acompanhada por e April que iria ajudá-la
a esconder todos os enfeites e coisas quebráveis de sua casa. Ela provavelmente
não os colocaria no lugar novamente, já que as festas ficavam cada
vez mais freqüentes e selvagens.
- O que você vai usar? – April perguntou assim que se despediu
em frente a sua casa.
- Não sei, ainda não pensei. – Mentira. Já tinha pensado
em sua roupa dias atrás. Tudo teria que dar certo e se a roupa desse certo
já seria um bom começo.
- Óbvio que você pensou, você vai pegar o essa noite!
– April falou com sua voz esganiçada e lhe deu um tapa enquanto
se assegurava que o garoto não tinha escutado nada. Claro que não
tinha, já que ele já estava dentro de sua casa. A muitos metros
e uma porta de distância.
- April!
- Quê? – Ela perguntou virando os olhos. – Ah, , tá
na cara que vocês vão ficar!
Ela gostou de escutar aquilo de outra pessoa que não fosse ela mesma. Tornava
tudo mais real, e não apenas um fruto de sua imaginação ilimitada.
- Eu sei, mas não precisa berrar para a rua inteira! – Ela falou
brava e depois sorriu. – Você acha mesmo? – Perguntou só
para confirmar com uma voz bem mais doce.
A amiga sorriu e balançou a cabeça.
- Eu vou usar meu vestido preto por cima de uma skinny e algum sapato.
- Sabia que você já tinha programado cada detalhe. – April
a conhecia bem demais. – Qual sapato você vai usar? Porque eu sei
que você já escolheu também e só está fazendo
doce.
Amizades com mais de dez anos de duração são uma invasão
de privacidade.
- O scarpin vermelho. – Ela respondeu já abrindo a porta de casa.
Nell, sua estabanada cocker começou a latir e a pular nela, como fazia
todas as vezes que ela ou qualquer outra pessoa botava os pés na casa.
– Nell, puta que pariu!
“Puta que pariu” era praticamente o segundo nome de Nell; assim como
“porra de cachorro que roeu o fio da internet”. Nell conseguia ser
mais hiperativa do que Chris; tinha a impressão de que a cadela já
tinha bebido tantos restos de cerveja e sabe-se lá mais o que durante as
festas que tinha ficado daquele jeito.
- Não fala assim dela, tadinha. – April falou agradando Nell e recebendo
litros de baba como retribuição. olhou séria para a amiga.
– Que foi?
- Você fala assim, mas deixou ela sem comida por dois dias quando eu fui
para Edimburgo.
April jogou os ombros.
- Ela estava gordinha mesmo.
As duas tiraram qualquer coisa que fosse quebrável ou de valor do caminho
e trancaram no armário dos pais de
. Ela realmente não podia arcar com outra restauração do
vaso da fertilidade da Nefertite que tinha ido parar dentro da privada.
Impressionante como pessoas bêbadas se sentem atraídas por coisas
raras e/ou caras.
Quando já passava das dez da noite e já tinha colocado quase
todo o álcool da casa para gelar, a garota subiu para seu quarto e lá
encontrou April revirando seu armário.
- Que porra você está fazendo? – Perguntou reparando que tinha
mais roupa em cima da cama do que no armário.
- Procurando alguma roupa para eu vestir que não me faça parecer
uma jeca. – Ela virou-se para a amiga e apontou para ela mesma; num vestido
preto de corte legal que, é claro, caía perfeitamente em seu corpo.
- Você está brincando, né? – April ia começar
a responder, mas não deixou. – Esquece! Pega o que você
quiser, eu vou tomar banho.
Fechou a porta do banheiro atrás de si e deu pequenos pulinhos e palmas
mudas. Estava se comportando como uma criança, mas estava ansiosa. Não
que ela estivesse esperando há muito tempo, fazia apenas alguns dias, mas
aquilo não saía de sua cabeça; ele não saía
de sua cabeça.
Entrou de baixo do chuveiro fingindo que não estava nervosa do jeito que
estava, fingindo que estava relaxando e que aquela era apenas mais uma noite.
Mas a quem ela queria enganar?
Queria mais é que o tempo passasse rápido e ele chegasse rápido.
Tudo rápido. E assim fora seu banho. Ela não tinha saco para um
banho relaxante; esse seria apenas um banho higienizante.
O vapor tinha tomado o banheiro e ela mal via o espelho a sua frente, mal respirava
porque sentia que o vapor tinha expulsado todo o ar do lugar; mal escutava porque
a música e a gritaria no andar de baixo já estavam insanos. Enrolou-se
na toalha felpuda com estampa dos padrinhos mágicos e abriu a porta.
Levou um susto ao ver que não era mais April quem estava lá, mas
sim Chris.
- Chris! Você quer me matar de susto? – Perguntou ao vê-lo sentado
na escrivaninha mexendo no computador.
- ! – Ele deu um pulo da cadeira e ela percebeu no mesmo segundo que
ele estava com o seu humor party on: estava elétrico e sabia bem o
porquê.
Analgésicos, anti-alérgicos... Chris sugava qualquer tipo de pílula
ou comprimido que o tirasse de seu estado mental normal. Era tão hiperativo
por causa desses remédios que com o tempo, tornaram-se parte dele. Em dias
de festa, os remédios do dia a dia não faziam o efeito que ele desejava,
então ele tomava ainda mais.
Aquilo não era mais estranho ou condenável, era simplesmente o Chris
que ela conhecia e amava; e as pílulas eram parte dele.
Ele aproximou-se e a olhou com aquele olhar que ela conhecia há anos. Seu
amigo não estava mais ali. Chris colocou uma de suas mãos e sua
cintura e a outra em seu pescoço ainda úmido.
Aquele não era dia de ser estepe.
- Chris, o que você está fazendo? – Perguntou e ele a encarou
curioso. Ela nunca perguntava nada, apenas correspondia.
- Como assim? – Ele pegou e seu queixo e beijou seus lábios.
Era bom beijá-lo. Mas não! Ela não queria ele!
- Chris... – Ela falou pacientemente. – E a Angie?
O menino olhou para o outro lado, claramente desapontado. sentiu sua testa
se enrugar ao vê-lo daquele jeito.
- Ela... Ela terminou comigo, se é que nós tínhamos alguma
coisa juntos. – Ele respondeu sentando na cama e batendo as mãos
nas próprias pernas que não paravam de se mexer.
- Ah, Chris. – Ela sentou-se ao lado dele e segurou seu braço. Não
sabia o que falar.
- Não, tudo bem, de verdade. – Ele respondeu olhando para ela e piscando
mais do que o normal.
Não estava tudo bem.
- Bosta, Chris! O que você tomou?
Ele a olhou assustado, praticamente ofendido.
- Só o de sempre!
- Certeza? – Ela estava acostumada, mas sabia que aquilo era perigoso.
Ele fez que sim com a cabeça e se aproximou vagarosamente.
“Vagarosamente”: essa era uma palavra que geralmente não estava
na mesma frase que a palavra “Chris”.
Geralmente, já que quando os dois estavam juntos, apenas os dois, ele parecia
desacelerar.
sentiu a boca dele em seu pescoço e por um segundo esqueceu de .
Apenas por um segundo.
- Chris, hoje não dá. – Ela falou levantando-se e dirigindo-se
até seu guarda-roupa em busca do seu vestido. Aquilo era bom porque ela
ficava longe de Chris e de costas para ele. Não queria vê-lo daquele
jeito sem poder alegrá-lo.
- Por quê? – Ele perguntou enquanto xingava April mentalmente
por ter desarrumado a bagunça arrumada que eram suas roupas. virou-se
para responder, mas Chris mesmo respondeu. – Ah, já sei! ,
né? – Ele perguntou sem demonstrar nenhum sentimento do tipo: ciúme,
tristeza, raiva; ele parecia feliz. – Desculpa, eu tinha esquecido dele.
– Ele coçou a cabeça.
amava que ele fosse seu melhor amigo acima de tudo.
-É. – Aquilo estava humilhante. – Tem alguém nessa cidade
que não sabe que eu estou a fim do
? – Perguntou e Chris riu
escandalosamente.
Ela reparou que ele estava com aquele pavoroso scarf laranja, que ela tinha igual
preto. Preto era bom; laranja, não. Além disso, uma calça
jeans larga com Mad Rats e uma camiseta branca e lisa. O pior era que até
com o terrível scarf, ele ficava bonito.
- Acho que não, . Vocês dois estavam bem... – Ele olhou
para o teto, pensando; fazendo uma cara tipicamente Chris. – explícitos!
– Ele completou e riu balançando a cabeça envergonhada.
Ele se levantou e caminhou até ela.
- Desculpa, tá? – Ele beijou sua testa e a abraçou apertado.
retribuiu. – Às vezes eu esqueço que você não
é só minha.
Chris a soltou e saiu do quarto em silêncio, deixando o que parecia um rugido
de música e vozes entrarem.
A menina tentou tirar Chris da cabeça e se arrumou. Uma última olhada
no espelho antes de sair do quarto fez com que ela se sentisse satisfeita e confiante.
Ela sabia que dá próxima vez que passasse por aquele espelho tudo
estaria acabado. Ou melhor dizendo, começado.
Já no corredor ela encontrou alguém caído, babando no carpete.
Ainda bem que ela não encanava mais com essas coisas. Já que, alguém
já tinha derrubado algum líquido suspeito na escada, “alguéns”
estavam fazendo sabe-se lá o que no quarto dos pais dela e o andar debaixo
já estava igualzinho a uma mini balada.
Num canto da sala, Luke, um amigo deles que era dj tinha montado sua pick up,
além disso, tinha instalado luzes divertidas por toda a sala. Os móveis
já tinham sido mudados de lugar e a casa estava lotada de pessoas que ela
conhecia de vista mas não fazia idéia de quem eram.
Ela vasculhou o lugar com os olhos atrás de alguma face conhecida, bem,
uma em especial, na verdade.
Achou Chris em um dos sofás se agarrando com uma loira gostosa e já
se sentiu melhor, pelo menos não teria que se preocupar com ele; April
estava dançando no maior estilo diva, chamando todas as atenções
e arrasando ao som de algum remix de Franz Ferdinand.
Alguém a cumprimentou; ela foi direto para a cozinha atrás de bebida.
Encontrou o lugar vazio e estranhou, já que o lugar onde ficam as bebidas
nunca é vazio.
- Procurando alguma coisa? – Ouviu Tony perguntar atrás dela. De
onde ele tinha surgido, ela não sabia.
- Álcool.
Ele estava parado na porta que dava para os jardins dos fundos fumando um baseado.
- A gente levou lá para a sala para ficar mais fácil. – Ele
lhe estendeu uma garrafa quase cheia de Jack Daniels.
- Esse não é o whisky do meu pai, é, Tony? – Ela perguntou
mas já sabia que era. Ele sorriu tentando conquistá-la. –
Que porra, Tony! – Berrou antes de voltar para a sala atrás do isopor.
Tirou uma latinha de Carlsberg e deu um grande gole.
- Ele vai aparecer, não precisa ficar nervosinha. – Tony surgiu ao
seu lado. Ela o olhou meio irada, já que agora além da restauração
do vaso egípcio ela ia ter que comprar uma garrafa de Jack Daniels. Adeus,
tranqüilidade financeira. – E se ele não aparecer... –
Ele apontou para ele mesmo e ela lhe mostrou o dedo.
Não entendia como alguém podia ser tão canalha e ainda ter
amigos.
No entanto, realmente estava demorando para chegar. Ela saiu na rua e tentou
avistar a casa dele; era perto, mas nem tanto. Viu a cara irada dos vizinhos da
frente espionando-a pela janela e simplesmente lhes mandou um tchau.
Ficou lá até sua latinha acabar, obrigando-a a voltar para dentro.
Precisava de algo mais forte.
- Tony! – Ela o cutucou enquanto ele e April praticamente se comiam no sofá.
– Cadê o Jack?
Algumas pessoas pegam intimidade com o álcool.
Tony levantou apenas uma sobrancelha se achando superior.
- No armário de panelas.
voltou para a cozinha deserta e escura e pegou o que agora era uma garrafa
de Jack Daniels pela metade. Olhou para o microondas e viu as horas, já
passava das duas e aquele puto provavelmente não apareceria mais.
Virou a bebida até sentir sua garganta arder e seus olhos marejarem. Foi
para a sala com seu melhor amigo Jack com a resolução de se divertir.
The Church of Hot Addiction tocava mais alto do que tudo e ela pensava em Gabe
Saporta. Fechava os olhos e deixava que a Jack e a música a controlassem.
Ela não precisava de algum, só precisava de Jack e Gabe.
Jack acabou e seu melhor amigo mudou de nome; ele se chamava Johnny agora e ela
adorava o fato que ele continuava caminhando. E aparecia nas festas.
Começou a dançar com alguém que se esfregava nela; não
sabia quem era: podia ser Tony ou Chris ou aquele garoto de sua classe de geografia.
Ela não se importava.
April lhe entregou um baseado enquanto tocava Hushpuppies e seu corpo ficou leve,
sua alma ficou leve. Aquela felicidade incontrolável tomou conta de seu
corpo enquanto ela e seus melhores amigos dançavam e cantavam Beating Heart
Baby.
Os minutos ficavam mais longos; as horas mais curtas.
Perdeu Johnny e andou até o armário perto da porta, onde achava
que tinha outra garrafa. Ela não achou a outra garrafa, porque tinha trancado
ela no armário de seus pais algumas horas antes, mas achou outra coisa.
- ! – Ela exclamou e o abraçou. Ele estava lindo, mais lindo
do que ela se lembrava; estava de azul. Atrás dele estavam três garotos
lindos que vestiam roupas lindas. Ele a apresentou a eles, mas ela o ignorou;
o pegou pelo braço e subiu as escadas.
- , o que você está fazendo? – perguntou algumas
vezes mas ela não respondeu, não ouviu ou prestou atenção.
Abriu a porta de seu quarto e encontrou Tony e alguém que ela esperasse
ser April se comendo lá; foi para o quarto dos seus pais onde aquele mesmo
casal continuava. Estava ficando puta; era a casa dela! Ela tinha direito de usar
a casa dela, mas não, estranhos usavam a casa dela. Sua última esperança,
o quarto de hóspedes, escancarou a porta e achou uma suruba lá dentro.
Gritou alguns palavrões.
Olhou para a porta do banheiro; estava aberto; estava vazio. Não pensou
duas vezes.
Arrastou um confuso e animado lá para dentro, fechou a porta e o
beijou. O beijou como ela queria há dias; sentiu o calor de sua língua
na sua; o calor de suas mãos por todo o seu corpo e teria sentido mais
se não estivesse bêbada e drogada.
Passou a mão por de baixo de sua camiseta e tentou tirá-la; não
conseguia respirar; não queria se afastar para respirar, portanto, não
queria respirar; beijá-lo era melhor.
Puxou-o pelo colarinho até a banheira.
Quem não tem cão, caça com gato; nesse caso, cama e banheira.
O plástico duro de que a banheira era feita a machucava e ela não
se importava porque ela sentia o perfume de , ela sentia o calor de
e ela se sentia feliz. Mas ela também se sentia cansada e de uma hora para
outra, não sentiu mais nada.
Capítulo 4;
acordou com a horrível sensação de não se lembrar
de ter ido para a cama na noite anterior. Abriu os olhos devagar; estava em seu
quarto; April e se espremiam na cama com ela.
: tinha uma vaga lembrança envolvendo e o banheiro. Sorriu.
O céu estava avermelhado do lado de fora e uma luz pálida que lhe
dava sono entrava pelas janelas de vidro.
Não sabia se estava amanhecendo ou anoitecendo. Sua noção
de tempo era quem mais sofria após uma noite de festa.
Levantou-se tomando cuidado para não acordar ninguém e reparando
que estava apenas de calcinha e sutiã, assim como April, e , que
estava apenas com umas boxers verdes ou azuis. Sua capacidade de distinguir cores
também estava afetada.
Era impressionante como todos sempre acabavam seminus após as festas.
Só ao se levantar viu Tony desmaiado no chão, com a cabeça
apoiada em sua ovelhinha de pelúcia. Usando apenas boxers, é claro.
Todo o barulho da noite anterior tinha se convertido nesse silêncio que
chegava a fazer cócegas.
Um garoto dormia no corredor com a barriga para cima. Pelo o que ela se lembrava,
esse era um dos amigos de . Ela não podia confirmar nada, no entanto.
Nell estava no meio da escada, também desmaiada. Aquela cadela, coitadinha.
Nos sofás da sala estavam Chris (agarrado numa garota ruiva), o que provavelmente
eram os outros dois amigos de e mais uma garota loira.
Uma poltrona estava virada de ponta cabeça; a cristaleira, lotada de latinhas
de cerveja, assim como todas as superfícies lisas do cômodo e havia
um balde perto da janela. Tinha até medo de descobrir o que tinha lá
dentro.
Ela chegava a rir ao imaginar a reação de seus pais àquela
cena. Eles a matariam, a ressuscitariam para matá-la outras vezes e depois
e levariam para o Peru com eles e lá, ela realmente morreria, uma morte
lenta e dolorosa.
Caminhou até a cozinha com o estômago roncando; ele parecia ter vida
própria e, principalmente, boca própria.
Maldita larica.
Abriu a geladeira e tirou de lá um resto de comida chinesa de dois dias
atrás. Comeu franco ao cury gelado, já que seu cérebro parecia
ser algo não pertencente ao resto do seu corpo e não se lembrou
dessa brilhante invenção chamada microondas. Só o usou para
descobrir que passava das seis da tarde.
Levou a comida para a varanda e sentou-se nos degraus que a separavam do jardim.
Havia uma cadeira no meio do canteiro.
Tentava lembrar-se do que tinha acontecido na noite anterior enquanto saboreava
o seu cury extra spicy . Ela tinha uma pequena noção, mas queria
ter certeza. Esperava que não tivesse se humilhado. Realmente esperava.
Seu coração pulou e ela colocou a mão no peito ao ver
sentado ao seu lado. Da onde ele tinha surgido?
- ! Você está ai faz quanto tempo?
Ele sorriu dentro de sua camisa linda e ela se deu conta que ainda usava nada
mais do que sua calcinha com estampa de ovelhinhas e seu sutiã vermelho.
Ela era uma fã das ovelhas.
Sentiu-se corar e tentou se esconder com os braços da melhor maneira possível.
- Algum tempo. – Ele reparou seu constrangimento e a olhou maliciosamente
antes de tirar a própria camiseta e a própria calça.
sentia sua bochecha queimar e ela queimava mais a cada movimento dele que
ela tentava não encarar, apesar de ser impossível.
- O que você está fazendo? - Perguntou olhando para o arbustinho
seco e sem vida no lado oposto.
Ela precisava chamar um jardineiro.
- Pronto, estamos quites. –
olhou para ele que tinha um sorriso doce na face. – Você não
é mais a única seminua.
Ele era inteiro doce.
E pervertido também.
Era melhor do que ela imaginava.
A tática do menino deu certo, já que ela deixou de se incomodar
com as roupas, ou a ausência delas. Outra coisa passou a incomodá-la.
- Hum... – Não sabia por onde começar. – Noite passada...
Ele a olhava com cara de quem sabia aonde ela queria chegar, mas que gostava de
vê-la se virar para se explicar.
Sádico.
- Noite passada... – Ele fez menção para que ela continuasse.
teve que rir.
- Eu não sei bem o que aconteceu. – Admitiu.
- Eu imaginei que você não fosse se lembrar de nada mesmo.
- Não! Eu lembro de alguma coisa!
- Lembra?
Ela fez que sim com a cabeça e um sorriso malicioso surgiu em sua boca.
- Lembro de você, lembro do banheiro, lembro da banheira... – Ele
correspondia o olhar. – E não lembro de mais nada. – Riu e
abraçou as próprias pernas, olhando para as unhas vermelhas de seus
pés. Ficara tímida de uma hora para a outra.
- Bem, depois que você desmaiou na banheira... – Ele começou
a falar e ela afundou a cabeça nos braços. Estava pronta para ouvir
alguma coisa totalmente embaraçosa. – Eu te carreguei até
o quarto, que por sorte estava vazio, tirei a sua roupa... – levantou
a cabeça rapidamente e o encarou. corou. – Eu tive que tirar
a sua roupa porque tinha um resto de água na banheira e a gente tinha se
molhado um pouco. – Ela balançou a cabeça mostrando compreensão.
Mordeu os lábios. Queria tanto ter estado lúcida naquela hora. –
Só isso! – Ele levantou os braços. – Juro que não
tirei nenhum proveito de você!
- Eu não ficaria brava se você me contasse que tinha se aproveitado
um pouquinho de mim.
O álcool ainda não tinha saído totalmente de seu sistema.
Era a única explicação. Ele ia pensar que ela era uma vagabunda.
- Assim você me obriga a confessar. – Ele falou sério. –
O que eu mais queria era que você estivesse acordada. – Ele que olhava
para os próprios pés naquela hora. Ela reparou que havia estampas
de árvores de natal em suas boxers.
Ele era adorável.
Um barulho na sala chamou suas atenções e se levantou rapidamente.
- Espera aí! – Ele falou antes de sumir pela porta.
Voltou todo esbaforido segundos depois e jogou alguma coisa em ; ela reparou
que era o vestido que ela usava na noite anterior e aquela horrorosa bota vermelha
de April que mais parecia uma galocha.
- Que é isso? – Perguntou achando que o garoto tinha adquirido esquizofrenia
nos últimos trinta segundos.
- Se veste, vamos sair daqui. – Ele falou enquanto vestia suas roupas.
- Por quê?
Ele parecia um cara tão normal, mas era óbvio que era um desregulado.
- Quero você só para mim! – Ele falou docemente e ela esqueceu
que o achava um maluco. – Vamos, o pessoal está acordando!
Ela colocou o vestido e a galocha e reparou que se fosse encontrada numa esquina
ganharia o suficiente para comprar centenas de vasos da fertilidade.
Havia um motivo para ela ter colocado o vestido por cima de uma calça noite
passada.
- Eu não posso usar isso, ! – Ela falou enquanto ele a pegava
pela mão e a puxava para o corredor ao lado da casa, que os levaria até
a rua. – Eu estou parecendo a Britney Spears!
- Para isso acontecer, você teria que ser careca. – Ele respondeu
assim que eles alcançavam a rua que já estava escura.
- Mas isso é muito curto! – reclamou tentando puxar a peça
de roupa para baixo. Nem com todo o seu esforço ele chegava ao meio de
suas coxas.
- Eu não me incomodo. – O garoto respondeu encarando suas pernas.
- ! – Ela o repreendeu envergonhada.
- Desculpe, não me contive.
Ele a olhou afetuosamente e entrelaçou suas mãos.
- Para onde você está me levando? – A menina perguntou enquanto
sentia o agradável calor da mão de na sua.
- Para falar a verdade, não sei. Só estou seguindo o fluxo.
Ela se contentou com aquela resposta, já que o fluxo os levava até
o parque em frente a escola.
Seus pais sempre a proibiram de ir a parques a noite; assim como qualquer guia
turístico faria, mas
não sentiu nem um pingo de insegurança
ao entrar em um parque escuro com . Ainda havia algumas crianças
brincando com seus cães enquanto suas mães entediantes e entediadas
falavam mal do primeiro ministro ou de Victoria Beckham.
A luz que vinha da cabana de lanches na outra extremidade do jardim e dos postes
ao longo da rua do lado de fora deixava o lugar com o clima romântico e
não assustador.
Talvez fosse romântico porque ele estava com ela.
Naturalmente, como que num acordo subentendido, os dois acharam uma árvore
suficientemente grande e escondida onde apoiou suas costas e passou seus
braços pelo pescoço de ; ele segurou seus quadris e os aproximou
mais; seus lábios se tocaram levemente, apenas aguçando seu desejo
e fazendo-os aproveitar cada fração do momento; suas bocas se abriram
e suas línguas se encontraram; devagar eles foram conhecendo essa nova
faceta um do outro, que na noite anterior tinha sido apenas apresentada a eles.
Quando finalmente se cansaram, deslizaram seus corpos para o gramado fofo e deitaram-se
abraçados. O pensamento de ir além passara pela cabeça dos
dois, mas a sensação de que eles mereciam mais do que uma “rapidinha”
atrás de uma árvore os deteve.
Aquilo era especial.
sentia a grama pinicar suas pernas nuas, mas não ligava; deitou sua
cabeça no peito de e a sentia movimentar-se conforme a respiração
dele; sentia seus batimentos cardíacos num compasso perfeito e seu calor
a lembrava que ela estava viva.
- Por que a gente demorou tanto? – Ele perguntou e a menina achou engraçado
ouvir sua voz através de seu peito, mas não entendeu o que ele queria
falar.
- O quê?
- Para ficarmos juntos.
Ela riu.
- Na verdade a gente não demorou muito, foram só alguns dias.
- Quatro. – Ele completou. – Mas a gente deveria ter começado
na segunda!
- Acredite, eu queria. – Ela ergueu a cabeça e beijou seu queixo
pois não alcançava sua boca.
- Acredite, eu também queria.
fez com que suas bocas se alcançassem e os beijos se reiniciassem
conforme iam ficando cada vez mais saborosos. Ela sentiu a mão dele em
sua perna o que a encorajou a passar uma de suas mãos por debaixo de sua
camisa. Ele se arrepiou e a aproximou mais, até o ponto, que aos poucos,
os dois desaceleraram e se afastaram.
Eles mereciam mais.
Esse era outro acordo subentendido.
Ela gostava de ter coisas subentendidas; ele gostava de ter coisas subentendidas.
Tudo ficava tão mais fácil.
Capítulo 5;
O domingo passou como um domingo de verdade deve ser: algo melancólico
e preguiçoso.
Acordou tarde com alguma música do Bloc Party tocando alto no andar de
baixo. Por milagre, seu quarto estava vazio. Toda vez que o pessoal passava
a noite lá alguém amanhecia em sua cama ou então no chão,
bêbados demais para chegar em casa. Apesar de já passar do meio
dia, o ambiente estava escuro porque ela tinha se lembrado de fechar as cortinas
na noite anterior.
Espreguiçou-se e sentiu-se satisfeita. Tinha conseguido o que queria
e agora só lhe restava esperar as conseqüências, que ela tinha
certeza, iria gostar.
Vestiu suas boxers de margaridas e uma camiseta do Nine Inch Nails que costumava
ser de Chris.
Desceu as escadas apenas um pouco desapontada por saber que não veria
naquele dia e teria que esperar a eternidade de algumas horas até
as aulas da manhã seguinte.
Ele tinha que ensaiar com a banda e era algo aparentemente inadiável.
- So fucking useless! – Chris, Tony e April cantavam se achando o próprio
Kele Okereke.
Tony e Chris brincavam de air guitar enquanto April fazia coreografias hilárias
com uma vassoura. Eles estavam limpando toda a bagunça restante da festa
e tinha que reconhecer que sua sala estava habitável e ela não
tinha movido uma palha.
- Play it cool, boy. – Cantaram os quatro juntos enquanto a música
terminava.
- Bom dia, . – Chris falou beijando sua testa.
April e Tony estavam ocupados demais dançando Banquet e apenas acenaram
para ela.
- Nossa, vocês já limparam praticamente tudo! – Ela exclamou
com vontade de apertá-los como filhotes. – Obrigada.
- Que isso, ... – Chris respondeu carregando baldes, vassouras e rodos
para a lavanderia. Ela o seguiu, mas parou na cozinha onde pegou um pacote de
cookies de chocolate para comer. – Olha o seu sorriso! – Chris observou
voltando à cozinha. Ela apenas conseguiu sorrir mais, agora com a boca
toda suja de cookies. – O que a gente vai fazer hoje?
- Nem sei, o que você quer fazer?
– Nada, preciso descansar. – Ele respondeu sentando-se na cadeira
da mesa.
- Muita ação na festa, né? – perguntou durante
o seu quinto cookie.
Chris fez uma cara pervertida e riu.
- Pode se dizer que sim.
- Você é um promíscuo, Chris. – lembrou-se das
diversas garotas diferentes com quem tinha visto Chris na noite anterior.
- Eu sei, eu sou a vagabunda do grupo. – Ele fez uma cara de Paris Hilton.
- Não, esse é o Tony.
- Hum, tem razão.
Alguém bateu à porta e viu Tony abri-la e receber quatro caixas
de pizza.
- Vocês pediram pizza? – Ela perguntou surpresa largando os cookies
na cozinha e indo até a comida.
- Não, é o jornal. – Tony respondeu ironicamente colocando
as caixas em cima da mesa de centro.
- Vai à merda, Tony. – Ela o ignorou abrindo a caixa de pizza que
cabia a ela e a April. Os meninos comiam uma pizza e meia cada, elas juntas
comiam uma. – Se eu soubesse eu não teria me afogado em cookies.
- Ignora ele. – April virou os olhos.
- Pode deixar.
- Vamos jogar poker! – Chris apareceu com seu baralho e suas fichinhas
e antes mesmo de terminada as pizzas, eles já estavam naquele prazer
culposo que era o jogo.
Isso quase fez se esquecer que preferia estar em outro lugar, com outra
pessoa. Odiava ser esse tipo de garota que perde a cabeça e troca os
amigos por um cara.
Tony só blefava. Blefava tanto ao ponto de você sempre saber quando
ele tinha um jogo e conseguir quebrar suas pernas parando de apostar; Chris não
tinha paciência para o blefe e às vezes, não tinha paciência
nem para esperar virar as cartas antes de sair do jogo, perambulava pela sala
mudando a música conforme seu humor; April e
eram as únicas que jogavam como pessoas normais e por isso estavam sempre
ganhando dos garotos, coisa que nenhum deles parecia reconhecer.
As horas voam quando se está jogando e no que pareceu minutos para a
, o céu do lado de fora ficou escuro e as luzes dos carros passaram
a ser vistas. Ela finalmente tinha se distraído e mantido sua cabeça
naquele cômodo e não na casa a alguns metros de distância.
Mas queria que o dia seguinte chegasse logo; queria ir para a escola!
Aquilo era novo.
- Onde está o , ? – Tony perguntou enquanto esperava
que um 7 aparecesse na mesa.
Nem que ela quisesse poderia não pensar nele.
- Cala a boca, Tony! Você está matando o espírito do jogo!
– levava o jogo meio a sério.
Chris era o dealer e depois que todos apostaram, virou a última carta
da mesa. Não era um 7.
praguejou mentalmente.
Ela blefou e apostou alto; cinco fichas valendo cem. Tony e Chris arregalaram
os olhos; April que já estava fora do jogo olhou para suas cartas.
- Pára de matar o espírito do jogo! – Gritou brava com a
curiosidade da amiga. – Então, vocês vão apostar ou
vão ser esses maricas que vocês são? – Ela os olhou
desafiadoramente.
- Eu vou ser marica! – Chris respondeu largando suas cartas na mesa.
Tony estava mal humorado, já que como era o pior jogador, não
tinha fichas o suficiente.
- Ui acho que eu ganhei! – Ela comemorou se esforçando para irritar
Tony. Mostrou suas cartas na mesa, quase foi agredida e depois puxou todas aquelas
fichas. - Eu sou tão rica!
Tony se levantou e trouxe uma garrafa daquele vinho rosa australiano que eles
andavam tão viciados ultimamente.
- Ele tinha que ensaiar com a banda. – Ela finalmente respondeu à
pergunta de Tony.
- De domingo? – April perguntou enquanto Chris se concentrava com o abridor
e a rolha.
- É. - A quem ela queria enganar? Ela queria ver ele, ela queria estar
com ele. – Acho que é porque eles não ensaiaram nada ontem.
Banda idiota. Ela pensava e depois se arrependia por estar parecendo uma garotinha
controladora e carente.
- Os amigos dele só faltaram beber álcool de limpeza. –
Tony comentou.
- Eles eram tão bonitos. – April falou apenas para , mas fez
os dois garotos fazerem cara de nojo.
- Eram, né? – concordou com a amiga. Mal se recordava dos meninos
na sexta feira, mas na dia anterior, os “reapresentou” depois
que os dois voltaram de seu pequeno passeio. Cada um tinha o seu jeitinho especial
para conquistar a simpatia das pessoas: Tom era o doce; o brincalhão
e o naturalmente charmoso. – Eles vão ser o tipo de banda
que atrai groupies.
- Não sei porquê vocês falam tanto deles. – Tony falou
enciumado. As duas meninas riram. – Vocês tem eu e o Chris aqui.
– Ele deu fortes tapas nas costas do amigo. – Nós somos bem
mais bonitos que eles.
- Mais legais também. – Chris completou.
Eles meio que tinham razão, já que eram tão insanamente
bonitos quanto os outros e elas os amavam porque eram seus amigos/namorados
há anos. Elas não deixariam eles saberem disso, no entanto.
- Bem, April, eu já peguei um McFly. – falou a amiga. –
Ainda tem três para você escolher e eu escolheria o .
- Strippoker! - Tony arrumou um jeito de mudar de assunto, já que ele
podia dormir com a cidade toda e April não.
Os olhos de Chris brilharam.
- Nem fodendo, Tony. – April respondeu.
- Eu topo! – concordou animada.
- Ficou maluca, ? – April perguntou indignada enquanto se levantava
e entrava no lavabo, provavelmente tendo uma de suas crises em que ela fica
de saco cheio de tudo.
- Topa mesmo, ? – Tony perguntou já embaralhando as cartas.
- Topo.
- Sem a April nem tem graça! – Chris falou mais para si mesmo e
recebeu um olhar perverso de Tony. – Ah! Você não me interessa
e a eu já conheço! – Ele se explicou.
- Todo mundo aqui se conhece, Chris, a gente está sempre acordando juntos
usando só roupa de baixo. – Tony apontou algo que era verdade,
mas que pela boca dele soou terrivelmente gay.
riu e deu um longo gole no vinho rosa e docinho.
Como sempre, os garotos esqueceram o quanto jogavam mal e em quinze minutos,
April já estava tirando fotos de um Chris e um Tony desanimados e mal
humorados trajando apenas boxers.
Certo, Chris nunca estava desanimado.
Quanto a
, estava tentando vestir as calças largas dos dois garotos ao mesmo tempo.
Ela conseguiria morar ali dentro e já estava vestindo a camiseta de Chris
e a blusa polo de Tony.
- Vocês são muito trouxas! - Ela os provocava. – Sempre perdem
e ainda insistem em jogar strippoker!
- Foi só sorte, ! – Chris falou de dentro de suas boxers azuis
clarinhas.
- Sorte, sei. – Ela virou os olhos metida demais com a sua vitória.
Não que tivesse sido algo muito memorável já que os outros
dois eram realmente péssimos jogadores. – Não é hoje
que você tira a minha roupa, Tony. – Ela provocou o amigo.
Seu passatempo favorito era provocá-lo. Ela achava extremamente divertido.
The Enemy começou a tocar muito alto quando alguém bateu na porta.
Com esforço, se locomoveu até a porta arrastando todo aquele
guarda roupa com ela e quase perdeu tudo quando deu um saltinho ridículo
ao ver pelo vidro ao lado da porta.
- Hei! – Ele falou ao vê-la e encarou suas roupas. – O que
você está fazendo? – Perguntou fazendo uma carinha curiosa
e com medo de que a garota que ele estava beijando tivesse problemas com bebida.
- Strippoker! – Ela o abraçou e sentiu as pernas amolecerem com
seu perfume.
- Você não sabe o quanto me faz feliz não ver o Tony usando
suas roupas! – falou rindo e a fez rir também.
fechou a porta atrás de si e se juntou a do lado de fora da
casa, sem ligar que os transeuntes encaravam a garota vestida como uma palhaça.
Provavelmente tivera uma infância problemática, eles pensariam.
- Achei que não fosse te ver hoje. – Ela falou sentando-se em um
dos degraus de entrada
- Eu também. – completou sentando-se ao seu lado e pegando
em sua mão. – Mas eu não agüentei! – Ele falou
timidamente.
- Eu também não estava agüentando. – Brincou com os
dedos dele. – Ainda bem que eu tinha esses idiotas... – Apontou
o lado de dentro, da onde saía um som alto de guitarras, com a cabeça.
- para me distrair.
Ela estava a ponto de desmaiar de felicidade por ele estar ali, por ele ter sentido
a sua falta, por ele ser tão perfeito.
beijou sua cabeça e a aproximou para um beijo que era tão bom como
ela se lembrava e como ela tinha imaginado durante todo o dia. Era como se todas
as complicadas variantes do mundo se reduzissem a apenas ela e ele; aos seus corpos
e àquele sentimento novo que sentiam e fazia cócegas em suas barrigas.
- O que você fez hoje? – perguntou assim que os dois se separaram.
- Dormi e joguei poker. – Ela respondeu enquanto sentia as mãos
de passarem pelas pontas de seu cabelo. Ele parecia se divertir brincando
com elas.
- Dia produtivo!
- Demais! – arrumou um jeito de deitar sua cabeça no colo dele.
– Como foi o ensaio?
- Foi bom! A gente conseguiu escrever uma música nova. – Ele brincava
de passar os dedos levemente pelo rosto dela agora.
fechou os olhos.
- Como chama a música?
- I Wanna Hold You.
- E fala sobre o quê? – Ela sentia-se calma, relaxada e protegida
de uma hora para a outra. Podia cair no sono mesmo.
- Sobre um cara que faria qualquer coisa pela garota e que, mais do que tudo,
precisa abraçá-la.
- Me parece um bom tema para uma música. – Ela comentou e abriu
os olhos encontrando um que a encarava como se quisesse entrar dentro
de seus pensamentos. Ela sentiu seu coração acelerar.
- O que foi?
- Nada, só estou pensando como é bom finalmente poder te abraçar.
Antes que pudesse responder qualquer coisa, a porta se abriu fazendo um
estardalhaço assim como os três que saíam por ela. Ela e
se levantaram.
- , a gente precisa da nossa roupa! – Chris falou sem embaraço
algum por estar de boxers na rua, sendo seguido por April e Tony. – Oi,
!
- Ah, claro. – Ela respondeu ainda abalada.
Não sabia se tinha entendido certo, mas talvez tivesse escrito
uma música para ela.
tirou as roupas dos meninos e lhes entregou, voltando as suas boxers e
a camiseta Nine Inch Nails.
- A gente já vai, . – April falou agarrando-se ao seu pescoço.
– Oi , tchau, ! – April deu dois beijinhos nas bochechas
de enquanto Tony e Chris se vestiam.
Tony beijou a amiga na bochecha e falou no pé de seu ouvido:
- Na próxima vez, você vai tirar a roupa.
- Aprende a jogar então, Tony! - Ela mostrou a língua.
Ele sorriu sinceramente. Era nessas horas que se lembrava de que Tony não
era apenas um ser frio e canalha; era também seu amigo e um cara como
qualquer outro.
Os três se despediram e se afastaram falando muito alto. Se algum dia
você quiser encontrá-los é só seguir o barulho.
- Hum... – murmurou. – Acho que eu também vou.
- Hum... Tudo bem. – Algo a mandava convidá-lo para entrar e algo
que ela odiava a mandava se despedir.
acariciou sua testa e ela afundou-se em seu peito, sentindo o garoto
abraçá-la, sentindo que faria qualquer coisa por ele, que derreteria
as calotas polares e as assistiria inundar o mundo por ele.
Beijaram-se sem vontade alguma de se despedir; era como uma bomba de nêutrons
explodindo.
Ele deu um último selinho na menina e afastou-se, andando de costas e
ainda a encarando.
- Você é uma perfect drug, sabia? – Ele falou com um sorriso
charmoso, deixando-a confusa. Ela só entendeu quando antes de se virar,
apontou para sua camiseta.
É claro, Perfect Drug do Nine Inch Nails.
“My blood wants to say hello to you
My feelings want to get inside of you
My soul is so afraid to realize
Every little word is a lack of me
And I want you...”
Ela não podia deixar de ter um pensamento similar; ele era a droga perfeita.
Capítulo 6;Where I used to sit and talk with you
we were both sixteen and it felt so right
sleepin’ all day staying up all night.
(Onde eu costumava sentar e conversar com você
Nós dois tínhamos dezesseis anos e parecia tão certo
Dormindo o dia todo e ficando acordado a noite toda)
Ocean Avenue do Yellowcard soava como uma relíquia
do passado na voz afinadamente bêbada de
.
Ela acompanhou a cantoria de , acrescentando desafinação
e retirando ritmo da música. Ele parou de olhar para a lixeira, sorriu
e a abraçou. Eles dançaram da melhor maneira que conseguiram,
já que se tratavam de um menino bêbado e uma menina sem coordenação
motora e não havia música de verdade.
Let your waves crash down on me and take me away.
(Deixe as suas ondas quebrarem em mim e me levarem embora)
falou baixo perto de seu ouvido fazendo a garota se arrepiar e pensar mais uma
vez que ela estava no lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa.
O embriagado
não percebeu a profundidade do momento e resolveu trocar o repertório,
cantando alguma canção do A New Found Glory. Até
esqueceu a profundidade do momento e começou a rir da cara dele.
empolgou-se e subiu na fonte, que conforme o vento, despejava gotículas
frias nos dois.
Antes que
pudesse avisá-lo que aquela não era uma boa idéia,
desabou caindo de bunda dentro da gelada fonte central de Leicester Square.
Ela não conseguia ajudá-lo, apenas ria. Ria até perder
a capacidade de respirar e de manter os olhos sem lágrimas.
Para
, tombos e quedas eram as coisas mais hilárias do mundo.
Esqueça Jim Carrey ou Zach Braff, nada compensa um simples tropeção.
No meio de uma crise de risos, ela achou forças para estender a mão
e ajudar
a sair de sua banheirinha, no entanto, ela caiu no truque mais velho do mundo.
A água gelada impregnou suas roupas e ela sentiu que milhares de agulhas
a picavam enquanto
fazia questão de molhá-la mais ainda, espirrando água nela.
Ela quase ficou brava, mas como também ria incontrolavelmente de suas
próprias quedas e daquela vez não seria diferente.
se aproximou e a beijou, mas os dois se separaram rapidamente porque não
conseguiam parar de rir.
Não é só de paixão que vive um casal. Risos são
muito importantes.
Ele se aproximou quando concluiu que conseguiria beijá-la sem que nenhum
dos dois desistisse do beijo para rir. Eles estavam quentes e gelados ao mesmo
tempo e aquilo formava uma combinação paradoxalmente perfeita.
Um vento mais gelado passou por ali, lembrando-os que estavam mergulhados em
águas congeladas. No entanto, a presença um do outro impedia que
eles se afastassem muito.
acariciou sua bochecha e depois seu queixo.
- Eu te amo. – Ele falou olhando em seus olhos.
sorriu, apesar dele estar bêbado e falando só por falar, ela achava
aquilo lindo.
- Eu também te amo! – Ela respondeu assim como quem fala que ama
milkshake.
Ela estava possivelmente apaixonada, mas estar possivelmente apaixonada é
diferente de amar alguém. Ela ainda não estava nesse estágio,
e se estivesse, não desperdiçaria contando a
quando o nível de álcool em seu sangue era perturbador.
beijou seus lábios e segurou seu rosto.
- Não,
. – Ele falou sério e tão sóbrio quanto um juiz.
– Eu te amo mesmo. – Os olhos da menina se arregalaram e de repente,
ela esqueceu-se de respirar. – Não precisa responder nada. –
falou e ela voltou a respirar, com dificuldades, mas voltou. – Eu só
queria que você soubesse. – Ela balançou a cabeça
em confirmação. Não tinha idéia que ele já
estava nesse estágio.
levantou-se e saiu da fonte. Ele estendeu a mão para ajudá-la.
– Vamos.
aceitou a ajuda e os dois caminharam até a bosta motorizada que estava
estacionada a alguns quarteirões dali.
A sobriedade que dominara
minutos antes tinham ido embora e do meio do caminho para frente,
teve que praticamente carregá-lo.
Uma multa por estacionamento em local inadequado estava no painel da bosta.
A menina abriu o carro e acomodou
no banco do carona. Ele dormiu instantaneamente.
O caminho de volta foi feito em tempo recorde.
A vida sem tráfego seria bem mais simples.
Ela estava feliz. Ela estava confusa. E no meio de sua confusa felicidade ela
estava satisfeita e esperançosa.
Talvez houvesse um pouco de ficção na vida real.
A ida ao supermercado tinha sido pior do que a menina previra. A raspadinha,
seu único estímulo, estava abusadamente doce e ela jogou o copinho
de 4 libras no primeiro lixo que encontrou.
Ela e Chris caminhavam sob uma baixa temperatura de outono e seguravam as sacolinhas
laranjas do Sainsbury’s. Para variar, tinham comprado inutilidades: um
repelente de mosquitos (não há mosquitos em Londres, muito menos
no inverno, mas a embalagem era tão bonitinha!) e um colchonete verde
para praticar yoga (qualquer um dos dois preferiria morrer e ir para o inferno
antes de praticar atividades físicas, mas a cor combinava tanto com aquela
fase new rave da música!).
Chris falava, falava e falava. escutava algumas palavras e concordava.
Murmurava “huhum” de vez em quando, mas sua cabeça estava
longe dali. Estava em suas decepções. Tanto aqueles causadas pelos
outros quanto aquelas causadas por ela mesma.
Já na Belmont Hill, ela avistou April subindo a rua, na direção
oposta aos dois. Ela caminhava rapidamente e foi só quando sua mão
estalou um tapa na face de que ela reparou seus olhos cheios de lágrimas
e ódio.
- Sua vaca! – April gritou logo em seguida. A boca de estava aberta
e seu cérebro não parecia ligar os pontos para entender a situação
óbvia. – Você dormiu com ele! Como você pode dormir
com o Tony? – As palavras saíam praticamente irreconhecíveis
da boca da garota, tamanha era a quantidade de lágrimas e soluços
que as acompanhavam. Se ela não entendesse depois dessa, poderia internar-se.
Ela fez menção de bater na imóvel amiga (ex-amiga?) novamente,
mas Chris soltou as sacolas que vinha carregando e a impediu, segurando seus
braços e acalmando-a. April sentou no meio fio tendo uma verdadeira crise
nervosa enquanto o garoto olhava para com descrença, nojo e desprezo
no olhar. Ele não falou nada, mas nem precisava. – Você sabia,
todo mundo sabia que eu ainda amava ele! Você tinha a obrigação
de saber isso, já que você é a minha melhor amiga! –
April soluçou passando a mãos no rosto e tentando (sem sucesso)
secar sua enxurrada de lágrimas.
mal conseguia se manter em pé ou respirar sozinha. Aquilo não
devia estar acontecendo. Ela já estava fodida o bastante, não
precisava de mais um escândalo, mais uma decepção, mais
uma dor.
A situação era tão crítica e horrível que
ela sentia-se entorpecida, como se aquilo não estivesse realmente acontecendo,
mas fosse apenas uma cena ruim de um filme péssimo. O cenário
ficou embaçado e ela se sentia mal.
Com um pequeno tremor, seu corpo trouxe sua mente de volta à vida. Ela
olhou em volta. April ainda estava sentada na calçada e chorava como
um recém nascido apoiada em Chris. Chris olhava do chão para a
amiga chorona, da amiga chorona para a amiga vaca. Era daquele jeito que ele
a enxergava. Ela podia sentir a decepção palpável que Chris
estava sentindo.
Apenas alguns segundos tinham se passado, mas pareciam horas.
Ela se deu conta que Tony estava bem a sua frente assistindo a cena com a expressão
séria e o olhar realizado.
entendeu tudo. Tudo mesmo.
Ele tinha contado tudo a April apenas para prejudicá-la, para se vingar
da rejeição. Ele era muito pior do que ela imaginava. Sempre soube
de sua tendência para a canalhice, mas aquilo tinha ultrapassado todas
as suas expectativas. Ela era amiga dele! Como ele pôde ter feito algo
tão baixo com ela? Ele sabia que ela estava totalmente confusa e desequilibrada
quando apareceu em seu quarto.
Um nó segurava a garganta da garota e ela não conseguia nem gritar,
muito menos falar.
Tony aproximou-se e sentiu medo. Medo das coisas que ele ainda seria capaz
de fazer; medo de ter sido tão próxima de uma pessoa tão
perigosa.
- Não foi culpa minha. – Ele falou com o olhar frio, deixando bem
claro que pouco se importava. – Foi você mesma que falou para que
eu voltasse para ela e fosse sincero sobre tudo.
A cabeça de mexeu-se em negação. Ela se negava a
acreditar que tudo aquilo estava acontecendo com ela. Negava-se a acreditar
que seus amigos tinha se transformado em pessoas que a faziam sofrer e que ela
fazia sofrer; negava-se a acreditar que suas palavras usadas com boas intenções
há algumas horas atrás tinham sido distorcidas até o ponto
de April estar basicamente desidratada de tanto chorar.
Ela colocou a mão direita na testa e percorreu seus cabelos com ela.
Virou-se de costas, como que para fugir daquilo tudo. Seus olhos piscaram e
sua respiração falhou outra vez.
parecia assistir a toda aquela cena desde o começo. Seus olhos
estavam fixos como se fossem de vidro; seus lábios estavam entreabertos
e toda aquela cena fazia com que ela tivesse vontade de gritar desesperadamente.
Seu sangue ferveu ao vê-lo. Tudo o que ela não precisava era vê-lo.
Virou-se de costas para o garoto novamente, deixou as sacolas escorregarem de
suas mãos e tentou aproximar-se de April.
- Não chegue perto de mim, vadia!
- April, você precisa ser racional. – arrumou forças
e serenidade para falar. Alguém tinha que ser racional, já que
ela não era, apenas fingia ser.– Vocês não estavam
juntos; vocês terminaram faz meses e eu só dormi com ele uma vez,
não é como se eu tivesse um caso com ele! – Sem querer,
desdém saiu de sua voz e ela arrependeu-se no mesmo instante. Aquilo
só deixaria sua amiga mais irada.
- Duas vezes! Eu sei que foram duas! Ele me contou tudo, tudo! Sabe o que você
é? – April perguntou com os olhos mais vermelhos do que azuis.
– Além de vagabunda e alguém que não se pode confiar,
você é egoísta! Só porque o merda do seu namorado
– April apontou o lugar onde continuava parado como um fantasma.
– E a merda da sua vida amorosa só te fodem, você quis que
a minha fosse tão ruim quanto a sua! Parabéns, , você
conseguiu. – Ela não chorava mais, apenas exalava ódio.
- Eu nunca vou te perdoar por isso. Nunca!
A garota levantou-se catando os restos de sua dignidade e tomou o caminho para
sua casa. queria ter alguma coisa na ponta de sua língua para desmenti-la,
mas não tinha. Apesar do seu intuito nunca ter sido magoá-la de
propósito, suas ações acabaram resultando em uma tragédia
para sua melhor amiga. Nenhuma palavra consertaria aquilo.
Tony seguiu April.
Chris levantou-se e pegou todas as sacolas laranjas que encontravam-se espalhadas
pelo asfalto e entrou dentro da casa.
ocupou o lugar que antes era de April e fez seu corpo despencar de exaustão
emocional. Ela colocou as duas mãos na cabeça e a apoiou nos joelhos.
Daquela vez ela realmente tinha estragado tudo, magoado todos. Queria gritar,
e chorar, mas nada além de desespero mudo saía de seu corpo.
Ela levantou a cabeça e deu de cara com . Ele continuava com a
mesma expressão extremamente surpresa, chateada e magoada de antes, mas
ela não se sentia nem um pouco mal por ele. No entanto, seu olhar era
tão melancólico que a incomodava.
- Por que você está me olhando desse jeito, ? – Ela
perguntou imaginando formas de matá-lo e depois se matar. – Você
é o único que não tem moral nenhuma para me julgar. Você
é muito pior do que eu. – Ele a escutava atentamente e tinha
a impressão de que cada palavra o machucava mais. Ótimo! –
Você teve infinitas chances para consertar o seu erro, mas você
só coe;pido! Uma noite de erro e o mundo desabou na minha cabeça!
A culpa disso tudo é sua! – Seu dedo apontou diretamente para o
peito do menino.
Depois do discurso, recuperou o fôlego e sentiu-se imbecil por falar
sobre culpa. Era algo tão infantil, mas em sua cabeça, ela lutava
para afirmar que ela não era uma vaca, ela era uma pessoa legal. Mas
ela tinha agido como uma vaca e era por isso que ela precisava culpar alguém.
Ela não era a garota que dormia com o namorado da melhor amiga!
- Eu ntinuou errando, e me magoando! Eu só cometi um erro! Um
erro r&aacutacho melhor a gente desistir de tudo. - Foi o que ele disse com a voz embargada.
Era como ler o jornal de ontem.
- Eu já desisti faz tempo.
balançou a cabeça, ainda exalando dor e caminhou lentamente
em direção a sua casa. Daquela vez, ela não iria acompanhá-lo
com os olhos e com o coração (por mais cafona que isso soasse),
ela tinha dado o primeiro passo oficial para deletá-lo de sua vida.
Capítulo 26;
“Vou passar uns tempos na casa do Sid.
Chris.”
Ela releu o bilhete pela milésima vez. O pedaço branco de papel
já estava surrado a ponto de se rasgar, já que após cada
leitura, ela o amassava com toda a força de seus dedos. Segundos depois,
o abria e o relia.
tinha trombado com o miserável bilhete na porta da geladeira naquela
manhã. Ela ainda não sabia como tinha se arrastado até a
escola; como tinha se vestido; se alimentado (certo, ela não tinha conseguido
se alimentar e parecia que nunca mais conseguiria) e como estava agüentando
ser ela mesma.
Sua primeira visão ao colocar os pés na propriedade escolar foi
a de Tony e April sentados em um dos bancos próximos às quadras.
Eles estavam de mãos dadas. Aparentavam felicidade e incômodo, ao
mesmo tempo.
Pelo menos, ela não os tinha separado. Muito pelo contrário, antes
dela ter ficado com Tony eles nem se falavam e agora, pareciam bem mais próximos.
Ninguém a agradecia por esse tipo de coisa!
Tudo bem!
ajeitou a alça da bolsa estilo carteiro em seu ombro enquanto passava pelo
casal. Tony sorriu maliciosamente sem que April percebesse, já que ela
estava ocupada demais em matar a sua antiga melhor amiga com os olhos. Ela segurou
a mão do namorado com mais força, como se, a qualquer segundo, alguém
(
) pudesse pular em cima dele e roubá-lo para sempre.
Ela dirigiu-se para o seu armário, já que ela geralmente assistia
as aulas da manhã
Por que ela estava na escola? Aquele não era dia de ir para a escola!
O arrependimento de ter saído de seu quarto só piorou quando seus
olhos encontraram os de Chris, no outro lado do corredor. Ele conversava com o
tal do Sid, esse garoto de óculos que estava sempre vestindo uma toca e
peças de roupas escolhidas ao acaso (ao acaso mesmo). Assim que Chris a
avistou, seus olhos a encararam por uma fração de segundos e depois
desviaram.
Ele nem conseguia olhá-la.
poderia agüentar tudo, menos a indiferença de Chris. Esse tipo
de coisa estava acima de sua capacidade de regeneração.
Antes mesmo de chegar ao armário com a fechadura quebrada que ela possuía,
a garota deu meia volta e pegou as escadas até o primeiro andar. Ela sentia
sua face arder e suas mãos tremerem e foi um alívio quando ela abriu
a porta onde se lia “interditado” em letras garrafais.
dirigiu-se para o seu reservado favorito, aquele com o príncipe Charles,
e bateu a porta atrás de si. Ela encostou-se na parede e bateu a própria
cabeça algumas vezes nela, como se ela conseguisse inventar uma maneira
de voltar no tempo e não cagar tudo daquela maneira. As pancadas ficavam
cada vez mais fortes, mas ela não sentia dor alguma. Seus sentimentos estavam
tão machucados que as dores físicas tornavam-se pequenas e insignificantes.
Ela fechou os olhos e os apertou, nenhuma lágrima. Aplicou mais força
e mesmo assim, não conseguia expelir os metros cúbicos de lágrimas
acumulados ali.
Ela falou qualquer palavrão baixinho e sentou-se no vaso sanitário;
tirou os cigarros da bolsa e acendeu um; fechou os olhos para aproveitar o máximo
possível da nicotina, mas o que ela precisava mesmo, era geralmente Chris
quem conseguia com os seus contatos marginais.
Ela colocou a mão no bolso do casaco e de lá tirou o perverso pedaço
de papel que naquele momento se resumia a um estágio anterior ao papel
reciclado.
fechou os olhos e obrigou ela mesma a pensar em qualquer cosia que não
fossem problemas. Qualquer coisa. Seus pais vieram a sua cabeça e uma saudade
imensa tomou conta dela. Seria bom tê-los por perto para ajudá-la
a se levantar e, até, a não fazer tantas besteiras. Pela primeira
vez, ela teve vontade de visitá-los no Peru. Ela não faria isso.
O máximo que faria seria pegar um trem até Coventry e pedir asilo
na casa de sua tia. No entanto, se sair de casa já era um suplício,
imagine sair da cidade. Era melhor ficar uns dias sozinha, refletindo sobre a
sua ignorância, e com o tempo as coisas se acertariam.
Assim ela esperava.
Ela ficou imaginando o que seus pais poderiam estar fazendo naquele exato momento.
Era um pouco mais de nove horas na Inglaterra, no Peru, não devia passar
das 6 da manhã. Logo eles acordariam e iriam para alguma ruína inca/maia/asteca/egípcia/caralho-que-o-parta
interessantíssima.
- Srta. ? Srta. ? – Uma voz insistente a trouxe de volta para
a realidade. abriu os olhos lentamente e enxergou um borrão muito
parecido com a diretora balofa. Parecido demais. Ótimo. – Você
pode me acompanhar, por favor. – Ela completou em tom sério dando
as costas para a garota que não pôde deixar de encarar com nojo a
sua bunda coberta por um tecido floral do tamanho da Oceania.
apagou o cigarro no chão e o deixou ali mesmo. Foda-se a limpeza. Ela levantou-se
colocando sua bolsa no ombro e não conseguiu deixar de se perguntar por
quê. Por que Deus a estava perseguindo? Por que de uma hora para a outra
ele tinha passado a odiá-la?
Ela seguiu a Sra. Gordon pelo corredor escuro que saía do banheiro e depois
pelo corredor claro das salas de aula. Ela avistou entrando numa sala com
a mochila nas costas. Ele a olhou profundamente por um segundo e depois sumiu
porta adentro.
A sala da diretora era um atulhado de pastas, papéis e coisinhas fofinhas
como esculturinhas de gatinhos, porta retratinhos com fotinhos de criancinhas
e coisinhas rosinhas em toda a parte.
Olá, profissionalismo.
- Sente-se, por favor. – Ela falou enquanto ela mesma se sentava numa confortável
cadeira estilo eu-sou-a-chefe. A menina depositou sua bunda (bem menor do que
a da outra) em uma cadeira dura (bem menor do que a da outra). – Não
são nem dez da manhã e você já cometeu três infrações,
Srta. . – Três? Tudo aquilo? – Você estava fora
da sala de aula sem permissão, você estava em um local proibido para
alunos e você estava fumando em propriedade escolar. – Hum. Aquele
dia ficava cada vez mais agradável. – Eu não sei se você
pode continuar assim, . – Ela falou numa tentativa de tom maternal.
– As suas notas... – Ela abriu uma pasta rosa que estava bem a sua
frente, sem nem ter a boa vontade de esconder que o flagra no banheiro tinha sido
arquitetado. – São uma desgraça! Você tem mais faltas
do que presenças e ainda tem todos esses problemas com disciplina! –
Se problemas com disciplina fossem só o que ela tivesse... – Eu mandei
fecharem o telhado e na mesma semana vocês já descobriram o banheiro
interditado do primeiro andar! – ocupava-se apenas em ouvir, respirar
e permanecer sentada. Talvez ela devesse ter se obrigado a comer. Suas forças
estavam realmente acabando. – Eu sei que você não é
a única que mata aula naquele lugar, mas é você a que menos
devia fazer uma coisa dessas! – Ela pegou um papel e passou os olhos por
ele. – O Sr. Stonem pode ter tantas faltas quanto você, mas as notas
deles são impecáveis, a Srta. Richardson ainda tem algumas notas
baixas, mas todos os professores relatam que ela está se esforçando
como nunca! O Sr. Poynter ainda é um bom aluno, apesar de ter matado algumas
aulas com você e o seu grupinho e, finalmente, o Sr. Miles é outro
que me preocupa muito, mas que ultimamente, parece ter criado juízo. Ele
não vem mais drogado para a escola e aparece nas aulas. Tenho certeza que
essa mudança logo vai refletir em suas notas. – Ela falou de Tony,
April, e Chris, respectivamente, num sorriso forçado. – Mas
eu acho que você já desistiu de mudar, se é que um dia você
tenha tentado... e eu não posso ter alunos como você perto dos outros.
É como uma única maçã podre que apodrece todo o cesto.
Essa é uma decisão que já foi tomada há algum tempo,
todos os professores e orientadores concordaram comigo. Você não
é mais bem vinda aqui na Roundiew College. – Ela finalizou seu discurso
cruzando as mãos em cima da mesa pacientemente.
Será que ela estava com tanta fome que seu ouvido estava passando informações
erradas para o seu cérebro?
Aquela seria a única explicação que uma sentada na beira
da cadeira com as mãos agarradas às suas bordas poderia admitir
naquele segundo.
Ela não podia ser expulsa! Muito menos quando toda a sua vida já
estava resumida a escombros.
- Desculpe. – Ela ouviu sua própria voz falar. – Eu acho...
talvez... – Ela gaguejou. Estava difícil demais de pensar. –
Hum, você poderia repetir? Eu não entendi.
- Não tem o que não entender, Srta. . Você está
expulsa. – Ela levantou-se enquanto perguntava-se se seu corpo estava
tão em estado de choque que tinha perdido seus movimentos. Ela nem piscava.
– Agora, se você me dá licença, eu tenho outros assuntos
para tratar. – A mulher caminhou até a porta e a abriu.
obrigou seu corpo a voltar a se mexer juntando todas as suas forças. Elas
eram pouquíssimas. Pegou sua bolsa que estava no chão e a pendurou
em seu ombro. Parecia mais pesada do que antes, enquanto seu corpo parecia mais
leve e sem vida do que antes. – Você pode deixar a chave do seu armário
e os livros que você deve na biblioteca na secretaria. – Ela falou
assim que
passou por ela. – Toda a sua documentação
escolar vai estar pronta em cerca de um mês, mas só vai poder ser
retirada pelos seus pais.
Ela concordou com a cabeça.
O que mais poderia fazer?
Sua cabeça estava tão congestionada por pensamentos que parecia
oca. Seu cérebro estava desfeito, provavelmente.
Ela atingiu o corredor vazio e silencioso. O chão estava tão limpo
que ela podia ver seu reflexo no chão. Seus passos faziam barulhos que
a incomodavam. Ela levou a mão à boca e notou o quão secos
estavam seus lábios. Seus olhos também pareciam secos; secos e pesados.
Ela os fechou por um segundo sentindo seu corpo extremamente cansado, dolorido
e pesado. Seus olhos abriram-se de novo, mas todo o simétrico corredor
tinha se transformado em imagens embaralhadas. Ela sentia calor, frio; frio e
calor.
fechou os olhos, e aos poucos, sentiu suas pernas cedendo, assim como
seus olhos e sua mente perturbada.
- Ah! Você acordou! – A enfermeira de 146 anos de idade que trabalhava
naquela escola desde 1854 comemorou com um sorriso sincero e um brilho em seus
pequenos olhos azuis enrugados. A cabeça de doía muito e
era difícil focalizar em um único ponto por muito tempo. Ela reconheceu
o lugar que estava. Era a enfermaria da escola. Estava deitada numa maca e coberta
por um cobertor grosso. Mesmo assim, morria de frio. – Você estava
muito fraca e desidratada. – A velhinha falou. – Nós tivemos
que te colocar no soro. – olhou para o seu braço esquerdo da
onde saía aquela espécie de robô ligada a um fio ligado
a outro robô. Ela desviou o olhar. Era fraca para agulhas, sangue e etc.
– A sua sorte é que um inspetor estava no corredor que você
desmaiou bem na hora que você caiu! – Ela praticamente bateu palmas.
- Quanto tempo eu tenho que ficar aqui? – Sua voz saiu seca, arranhando
sua garganta.
- Se você estiver se sentindo bem, na hora que o soro terminar você
pode ir embora!
Ela olhou para o robô que sustentava o pacote de soro. Faltava pouco menos
de metade do líquido. Ela não agüentaria tanto tempo. Precisava
sair dali naquele minuto!
- Você quer que eu ligue para alguém vir te buscar? – A velhinha
perguntou virando-se de costas, provavelmente procurando sua ficha. - Ai, o
dia está tão agradável hoje! – A idosa mais feliz
do mundo exclamou ainda de costas enquanto dizia para ela mesma que ela
conseguiria. Ela era corajosa. – Eu amo a primeira nevasca do ano!
contou até três, fechou os olhos, respirou fundo e os abriu
de novo. Num movimento rápido ela arrancou a agulha do soro de seu braço
e olhou para a janela. Pequenos flocos de neve dançavam sobre um cenário
cinzento. Pronto! Ela tinha conseguido. Com toda a sua habilidade (nenhuma),
ela descobriu-se e um segundo mais tarde, carregou sua bolsa até a porta
e a abriu. Antes de disparar corredor afora, ela falou (sentindo-se um pouco
mal pela velhinha fofa):
- Não, não precisa. Não tem ninguém para vir me
buscar.
Capítulo 27;
- ? – Ela exclamou assim que o garoto atendeu o telefone. Sua própria
voz estava um pouco trêmula. – Eu preciso de um favor. Você
pode vir aqui com a bosta motorizada?
- Claro. – Ele respondeu hesitante. – Aonde você quer ir?
- Quando você chegar a gente conversa. – Era melhor não dar
muitos detalhes muito cedo. – Você pode vir agora? – Ela perguntou
e olhou em volta. Estava sentada nos degraus da frente de sua casa e a fraca claridade
do dia começava a dar lugar à forte escuridão da noite.
- Posso, estou saindo.
- Vou te esperar lá fora.
- Tudo bem. Beijos.
- Beijos.
fechou o celular e encarou tudo a sua volta, inclusive seus pés.
Ela calçava All Stars encardidos - devido ao uso praticamente incessante
– com estampa de ovelhinhas. Ela coçou a cabeça. Não
devia tê-lo escolhido bem naquele dia.
Sua vida estava tão bagunçada que ela mal podia se lembrar de bons
momentos naquele lugar. E eles tinham sido muitos, afinal, ela tinha passado a
sua vida inteira ali!
Tudo a entristecia. Nada a confortava.
Nell, que estava sentada ao seu lado, apoiou sua cabeçona peluda em sua
coxa e sentiu uma pontada no peito. Ela acariciou a cadela que estava extremamente
quieta. Era como se ela soubesse que alguma coisa estava para acontecer.
Seu peito doeu mais e ela abraçou Nell. Não se importava de estar
demonstrando carinho excessivo por um animal no meio da rua e também não
se importava de estar congelando sua bunda - e o resto de seu corpo – naquela
geladeira gigante que estava a Inglaterra. A neve tinha parado de cair pela manhã,
mas o ar estava gelado e as ruas continham os restos molA?l???hados da nevasca.
Aquilo seria mais difícil do que ela imaginava, mas seria para o seu próprio
bem.
Ela acendeu um cigarro e pegou o celular novamente. Apertou o número 1
em sua discagem automática – Chris. Ele não atendeu. De novo.
Novamente. Outra vez.
Ela fechou os olhos e balançou a cabeça em negação.
Aquilo doía tanto.
Ela podia enfrentar a traição e a falta de caráter do cara
por quem ela estava apaixonada; ela podia agüentar o fato de ter magoado
sua melhor amiga para sempre; ela podia conviver com a decepção
que Tony representava, mas ela não podia nem enfrentar, nem agüentar,
nem conviver com a indiferença de Chris.
Ela abraçou Nell novamente e fechou os olhos com vontade porque fazia muito
tempo que ela não recebia um abraço de verdade. Mas o fato era que,
o abraço de Nell era tão bom quanto o de qualquer outra pessoa.
Ela tinha ganhado a cadela em seu aniversário de 12 anos e desde então,
ela a alimentou todos os dias (bem, quase) e principalmente, a amou todos os dias.
Apesar do temperamento retardado e agitadíssimo de Nell – que às
vezes, até a lembrava o de Chris – ela sempre estava ali ao seu lado,
fazendo companhia, a alegrando e a entendendo profundamente.
Mesmo com os olhos fechados e a cabeça abaixada, ela escutou o automóvel
se aproximar. Levantou a cabeça com a vista embaçada e viu os contornos
daquela van podre onde o McFly se locomovia. estava no banco do motorista
vestindo uma grossa jaqueta preta, um cachecol cinza e um boné bege. Ele
pulou do carro assim que a viu.
Ou assim que viu suas malas.
Na verdade, ela só tinha uma mala. A outra era de Nell.
se levantou e caminhou eA?l???m direção a ele carregando Nell, sua
bolsa e uma das malas. Tentou evitar o olhar confuso do amigo.
- O que você está fazendo? – Ele perguntou com os olhos arregalados
quando ficaram frente a frente.
desviou e abriu a porta de trás da van, onde depositou a mala e fez com
que Nell pulasse ali dentro. Ainda sem coragem de contar a ele sobre seus planos,
ela voltou aos degraus e, com toda a sua força, arrastou sua mala vermelha
de rodinhas degraus abaixo.
Obrigada pela ajuda, !
Tudo bem que ele estava confuso, mas uma pequena ajuda física de um cara
que devia ter 1,80 metro não custava nada!
Ela quase caiu no chão, mas conseguiu colocar a mala no automóvel
e voltar-se para .
- Eu preciso ir embora, . – Ela falou torcendo para que ele a entendesse
e não tornasse as coisas mais difíceis.
O menino cruzou os braços e a olhou entristecido.
- Eu sei que as coisas estão difíceis, , mas você tem certeza
disso? – acariciou seu braço com doçura. – Talvez
se você tentasse conversar com todo mundo... – Ele sugeriu, mas parou
de falar assim que balançou a cabeça negativamente.
- Faz mais de uma semana que você é a única pessoa que fala
comigo, . – Ela admitiu notando como realmente se sentia solitária.
Um vento muito frio passou pelos dois e apertou o sobretudo vermelho contra
o seu corpo. – O Tony e o não me interessam. – Ele a
olhou significantemente qA?l???uando ela citou seu amigo, mas não falou nada.
– A April e o Chris evitam as minhas ligações. E eu, obviamente,
não preciso mais me preocupar com o colégio. – Ela quase riu.
ficou mudo. Não havia nada que ele falasse que desmentisse os fatos.
Nada mais a segurava em Londres.
Ele respirou fundo e perguntou:
- Para qual aeroporto vamos? – Ele forjou um sorriso. Ela achou fofo da
parte dele.
- Gatwick. – Ela também forjou um sorriso.
entrou no carro e deu a volta para entrar no banco do passageiro.
Ela estava esmigalhada. Essa era a verdade. Sentia-se entorpecida. Ela poderia
acordar a qualquer momento. Aquele estava sendo o maior sonho – pesadelo
- de sua vida. Mais de uma semana aflita, magoada e sozinha.
Respirou fundo e apoiou a cabeça no vidro sujo do carro. Sentia a respiração
eufórica de Nell em seu cotovelo. Ela tentava passar por entre os bancos
da frente a todo custo. Sentia os olhares cautelosos e indagadores de .
precisava fugir de tudo e todos, principalmente dela mesma. Do jeito que as
coisas andavam, ela era um perigo para a sua própria saúde física
e mental.
Ótimo, ela era a Pink.
Super!
Ela precisava de colo. Ela precisava de seus pais e seu trabalho em outro continente
era uma ótima desculpa para que ela fugisse.
Nell, não se sabe como, conseguiu esgueirar-se para o banco da frente e
antes que pudesse gritar, a cadela se instalou pacificamente em seu colo.
Aquilo não estava confortável. Um cão de 15 quilos que sofria
de gases se esparramava nela.
Contudo, ela passou os braços pelo pescoço de NelA?l???l e a abraçou
forte. Aquilo estava confortável.
Ela ia deixando para trás todos aqueles lugares que ela conhecia bem. A
casa de , o Sainsbury’s, a escola, o jardim...
Ela estava aliviada por aquilo. Só não estava mais porque ainda
tinha que tratar sobre alguns assuntos com .
- Hum. – Ela limpou a garganta. – ?
- Quê? – Ele desviou os olhos da rua e a encarou.
- Eu preciso de um favor.
- Não,
, eu não vou com você até o Peru! – Ele falou alto e
debochado arrancando uma risada de
. Ela mal se lembrava
de como se ria. – Eu posso até te levar até o aeroporto, mas
eu não vou atravessas o Atlântico! – Ela o agradeceu mentalmente
por ser o máximo. – Fala, . – Ele finalmente falou sério.
- Hum. – fez caras e bocas. – A Nell.
- O que tem a Nell?
- Eu não posso levar ela para o Peru. – Ela estudava o garoto para
interpretar suas reações.
Seus olhos se arregalaram e ele a encarou.
- Oh! – Ele exclamou com a expressão preocupada. – Você
quer que eu cuide dela?
Ela fez que sim com a cabeça.
- Eu sei que é pedir muito, , mas eu não tenho outra opção.
– Ela fez cara de coitadinha para ajudar no processo de convencimento.
O carro freiou num sinal. brincou com as imensas orelhas de Nell.
- Não se preocupa, , eu sempre quis um cachorro e meus pais não
deixavam eu ter um. Eu vou cuidar beA?l???m dela!
- Ah! – Ela exclamou feliz e aliviada. – Obrigada mesmo, . Eu
vou ser grata para sempre. – Ela agradeceu meio exagerada.
O silêncio tomou conta do ambiente enquanto ela via a atmosfera do lado
de fora parecer cada vez mais gelada. Tudo ficava cinza e úmido. As pessoas
andavam mais rápido e sorriam menos.
ligou o rádio e a voz de Alex Turner explodiu nas caixas de som,
mas não era Arctic Monkeys que tocava na rádio. O primeiro single
do projeto paralelo de Alex com o cara do The Rascals a lembrava das músicas
de James Bond. Ela nunca se lembrava do nome da banda. Era algum nome comprido.
A voz marcante de Alex proferia aquelas palavras que a atingiam em cheio. Uma
melodia rápida com uma música triste. Uma relação
amorosa que não deu certo e agora o vocalista dizia que “há
afeição para alugar”.
A canção chegou ao fim e a voz irritante do radialista a lembrou
o nome do duo: The Last Shadow Puppets.
Kaiser Chiefs começou a tocar e os dedos de dançaram na direção,
cantarolando em silêncio.
Eles chegaram à rodovia que levava à Gatwick. Um emaranhado de pistas
duplas, viadutos e pontes. Aquelas placas imensas e depois a visão de aeronaves
pousando e decolando.
O automóvel entrou no estacionamento. pegou um cartão na catraca
que falava qualquer mensagem numa voz simpática com sotaque tipicamente
londrino forçado.
Ele estacionou a van numa região mais vazia do estacionamento, longe das
famílias que a lembravam Doze É Demais e dos casais que a lembravam
Simplesmente Amor.
Obrigada, .
Ele A?l???retirou a chave do contato e a encarou com a expressão triste e preocupada.
Do lado de fora, os pálidos raios solares davam seus últimos suspiros
e a escuridão tomava conta. Tudo estava cinza escuro, mas eles ainda conseguiam
enxergar bem mesmo com as luzes apagadas.
- Que horas é o seu vôo? – Ele perguntou já que
nem tinha se mexido.
- 6:35.
Os dois olharam para o relógio. Não passava das quatro. Era incrível
como os dias duravam pouco naquela época do ano.
- Acho melhor você já entrar e fazer o check in. A gente pode tomar
um café e fumar um cigarro enquanto espera. – Ele comentou agradando
seus cabelos e depois a cabeça de Nell.
- Não, é melhor você voltar para casa. Você deve ter
algum compromisso. – Ela falou apenas por força do hábito.
Não queria que fosse embora. Nem ele nem Nell.
- Eu quero ficar com você até você embarcar. – Ele respondeu
e teve vontade de abraçá-lo.
- Vamos, então. – falou sem muita vontade.
Cães não podiam simplesmente entrar no aeroporto.
Ela abraçou Nell com mais força. Sussurrou declarações
de amor e saudades em suas orelhas caninas, abriu a porta do carro e, com força,
levantou-se carregando a pesada cadela.
O vento gelado a machucava e a fina e gelada garoa pareciam penetrar sua pele,
retirando seu calor e a lembrando da rigidez do mundo. Como se ela tivesse esquecido
desse fato por um segundo nas últimas semanas.
abriu a porta traseira da bosta motorizada e soltou Nell ali dentro.
Enquanto a donaA?l??? sentia seu coração se despedaçar, a cadelinha
a encarava com os olhos grandes demais e chocados demais. Se ela falasse, provavelmente
perguntaria: “O que está acontecendo? Por que você está
com essa cara miserável e está me deixando sozinha nessa van fedida?”
acariciou a cabeça de Nell mais uma vez enquanto se sentia a pior
pessoa do mundo. O pior de tudo era que ela morreria de saudades. A cadela era
como parte da família.
colocou a mão em seu ombro.
- Eu vou cuidar bem dela. Prometo. – Ele falou antes de afastá-la
do carro e fechar a porta.
Nell soltou uma espécie de grunhido e depois se jogou contra a porta
Céus. Aquilo estava pior do que ela tinha previsto.
já tinha tirado a mala de e a arrastou conforme os dois se distanciaram
dos gritos sofridos de Nell.
O check in já tinha sido feito e a bagagem sido despachada quando
e atingiram a área de fumantes do aeroporto com dois copaços
de café como companhia.
Os fumantes eram absolutamente mal tratados e discriminados, por isso, essa
área era do lado de fora do prédio. Nada legal quando a temperatura
está abaixo de zero.
Os dois sentaram-se num banco de concreto. Um executivo de terno, celular e
um infarto eminente era a única alma fumante que os acompanhava.
tirou seu cachecol e enrolou-o no pescoço da amiga, que em outra
situação recusaria e se fingiria de orgulhosa, que nem estava
sentindo frio.
- Obrigada. – Ela respondeu. Acendeu um cigarro e o passou para o garoto
que tinha as bochechA?l???as queimadas pelo frio. Seus olhos muito claros pareciam
acompanhar o clima e ficar mais claros conforme a temperatura abaixava.
- Obrigado. – Ele respondeu recebendo o cigarro e dando um gole em seu
café.
ajeitou o cachecol com aquele agradável cheiro de em volta
de seu pescoço e depois acendeu seu próprio cigarro.
Frio, café e cigarro foram feitos um para o outro.
Faltava pouco mais de uma hora para o seu vôo e de meia hora para o seu
embarque.
- Você tem certeza, ? – perguntou pela segunda vez naquele
mesmo dia. – A menina simplesmente fez que sim com a cabeça, sem
encará-lo. A despedida de Nell tinha sido difícil demais e ela
já não tinha mais certeza de nada. E se fosse apenas uma questão
de tempo até seus amigos a perdoarem e tudo voltar ao quase normal? Contudo,
ao mesmo tempo, ela não agüentava mais aquela situação
e aquela solidão. Ela precisava de férias. – Eu sei que
provavelmente ainda é cedo demais para você ouvir isso e você
vai me odiar por alguns segundos, mas eu moro com o . –
tragou com força e fez uma careta com a menção daquele
nome e com a alta quantidade de fumaça em sua boca e em seu nariz. –
Ele ficou realmente mal com toda essa história, terminou com a Helen...
De verdade, dessa vez, eu vi ela saindo chorando de casa. –
não
queria ouvir nada daquilo. Nada! – Ele ama você e vai ficar transtornado
quando descobrir que você foi embora. – colocou as mãos
na cabeça tentando realmente não dar ouvidos ao seu amigo. Ela
observou a fumaça espessa delirar do seu lado. – Bom, eu já
falei, mas você tem que fazer o que você achar melhor.
A garota continuou em silêncio e fez que sim com a cabeça. Ela
tinha muita vontade de chorar. Sentia as lágrimas a ponto de transbordarem
e seu peito carregado pela pressão. Nada acontecia, no entanto.
Toda aquela situação era horrível.
pegou sua mão e a entrelaçou a dele.
Eles ficaram daquele jeito – de mãos dadas, em silêncio,
congelando – até que o prazo de embarque de já tinha
passado em quinze minutos.
Os dois caminharam devagar até o portão de embarque que não
era longe dali.
- Acho que eu preciso me despedir agora. – falou com seu passaporte
e sua passagem na mão.
- Acho que sim.
a abraçou apertado e ela sentiu-se grata por ter achado alguém
tão especial quanto ele. O garoto a tinha ajudado nos piores momentos
e ela nunca esqueceria daquilo.
Após alguns minutos abraçados, os dois se separaram.
começava a tirar o cachecol para devolvê-lo quando ele a
impediu.
- Não! Fica para você! – Ele falou enrolando o tecido de
maneira desajeitada nela.
- Você sabe que o Peru é um país tropical e que lá
é verão nessa época do ano, né?
- Sei, mas é para você não se esquecer de mim. – Ele
respondeu docemente encarando os próprios pés.
A?l??? o abraçou novamente. Dessa vez, rapidamente, mas era apenas um agradecimento.
Deu as costas e caminhou até a funcionária do aeroporto que conferia
as passagens.
A mulher mandou que ela entrasse no corredor, e olhou para o lugar onde
tinha deixado . Ele continuava ali e sorriu para ela.
Talvez fosse a despressurização do avião, talvez fosse
aquele ambiente hostil, apertado e lotado de gente estranha, talvez fosse o
cara tentando enfiar o estojo de no compartimento de bagagem e talvez
fosse o cheiro da bala de baunilha da mulher ao seu lado que tinha feito a garota
sentir aquela onda tomar conta de seu corpo. Ele ficou trêmulo e a não
se sabe quantos mil pés de altitude, sentiu as lágrimas
molharem seu rosto. Elas vinham carregadas de tanta dor e incerteza que respirar
ficou difícil. Seus soluços eram altos e totalmente descontrolados.
Tudo parecia mais errado do que nunca. O gosto salgado das lágrimas passava
por sua boca o que só fazia com que ela perdesse mais ainda o controle
sobre ela mesma.
A mulher da bala de baunilha passou a mão por sua cabeça e começou
a falar.
- Ninã, no chore! Yo tenho medo de avião también! No,
no!
Foram as piores 14 horas de choro ininterruptas de sua vida.
encarou seu teto e concluiu que era uma pessoa totalmente diferente da
pessoa que tinha deixado aquela cidade em uma tarde tão fria quanto aquela,
há mais de um ano atrás.
Não só porque ela conseguia dirigir ao contrário e antes
não.
Graças a um calendário louco usado no Perú, seu ano escolar
não tinha terminado em junho, como seria normal na Europa. Em dezembro,
ela tinha terminado a escola para sempre. Seis meses atrasada. Ela deveria ter
se formado em junho caso ainda estivesse ali, mas devido ao seu histórico,
ela merecia e precisava de mais aulas. Nada mais justo que ela se esforçasse
pelo menos um pouquinho.
Estava bem mais próxima de seus pais. Ela sabia o que se passava em suas
vidas. Eles sabiam o que se passava na dela. Já sentia saudades. Não
só deles, mas também das mordomias que a presença deles
significava. tinha que resolver sozinha todo tipo de problemas relacionados
à casa em Londres. Acredite, é melhor ficar castigada em casa
por seus pais estarem putos do que tentar ter um diálogo com um eletricista.
Fato.
Tinha ganhado novos amigos, mas racionalmente, ela sabia que nunca mais os veria.
O que importava era que Mitch e Lucita tinham sido um capítulo importante
de sua vida e ela nunca mais os esqueceria. O primeiro principalmente, que ficou
sabendo de toda a sua vida e a ajudou como ninguém. Toda vez que ela
via alguém sapateando – certo, não era muito freqüente
– ela se lembrava de Mitch, cujo hobbie era sapatear.
Gay, né?
A última vez que ela tinha encostado num cigarro havia sido no aeroporto
de Londres, quando tinha a companhia de Harry e esperava por seu vôo.
Teve um tempo de sua vida, que já tinha se conformado com uma morte
prematura devido a um enfisema pulmonar. Ou por ser atropelada a caminho da
lojinha onde ela geralmente comprava seus cigarros.
Nunca tinha passado pela sua cabeça que ela conseguiria, que ela seria
uma pessoa livre, mas ela conseguiu! Não que tivesse sido fácil,
já que ela escolheu a pior época para largar um hábito
que já fazia parte dela mesma. Quando ela estava mais sozinha, mais sensível
e mais vulnerável foi quando ela enfrentou as crises de abstinência.
poderia mentir e falar que foi por vontade própria e por nenhum outro
motivo que ela tinha largado o cigarro, mas não iria. O principal motivo
da menina ter parado de fumar tinha sido seus pais. Ela sabia que não
poderia sustentar aquele vício debaixo do mesmo teto que eles. Ficariam
arrasados, devastados, preocupados e muito bravos. A garota que apareceu de
surpresa, expulsa do colégio na porta deles, não teria muita moral
para desobedecê-los.
Quase um ano mais tarde, toda vez que passava por um fumante na rua, ela
fechava os olhos, respirava fundo e inalava o cheiro da fumaça.
Nojento, certo?
Nem tanto para uma ex-fumante em recuperação. Ela podia sentir
o gostinho, a sensação, e tinha que correr para outro lugar e
tirar aquilo da cabeça se quisesse continuar livre.
tinha se mantido longe das drogas também. Não que ela fosse
uma viciada antes, mas ela estava numa fase de sua vida que não se encaixava
com becks e balas. Não tinha sido difícil ficar sem, mesmo com
Mitch e Lucita fumando maconha freqüentemente. Não sentia vontade,
não combinava mais com ela ou com a sua vida.
Bem, ela estava de volta. Pronta para começar a trabalhar no setor de
eventos da Tate Modern.
Yes!
Não.
não estava exatamente animada, mas poderia ser pior. Bem pior. Desde
sua inauguração, a Tate sempre fora seu museu favorito na cidade.
Ela só não se sentia preparada para trabalhar. Ainda mais que
ela nem sabia ao certo qual seria sua função e quem seriam seus
chefes e colegas.
Seus pais tinham mexido alguns pauzinhos e encontrado esse emprego para ela,
já que ela se negou a ir para a faculdade.
Só esperava não foder com tudo daquela vez.
Era só o que faltava.
Sua casa parecia abraçá-la, mas era difícil estar num
lugar tão cheio de lembranças que ela não poderia recuperar.
Ela vinha dormindo em sua sala há dois dias, desde que desembarcou. Ia
até seu quarto apenas para tomar banho, se trocar ou pegar qualquer coisa.
Não conseguia encarar todas aquelas fotos, aqueles objetos.
A sala parecia mais neutra, mas sentia seu coração apertado
e uma certa sensação de sufoco.
Talvez ela ainda estivesse sofrendo pelo fuso horário.
Certeza que era aquilo.
Sentindo uma coceirinha no estômago, levantou-se largando o edredon
no sofá. Sentiu frio, apesar da temperatura agradável ali dentro.
Ainda vestia as calças jeans, e uma camiseta com estampas de cowboys,
índios, cavalos e coisas ligadas ao faroeste que ela tinha colocado para
ir até o supermercado. Era estranho não estar usando pijamas.
Espreguiçou-se e já se dirigia até a cozinha para comer
os restos da pizza do dia anterior quando alguém bateu na porta.
Ela coçou a cabeça fazendo com que seus cabelos que agora passavam
do meio das costas balançassem. Abriu a porta pronta para sentir pena
do entregador da Fedex obrigado a trabalhar, quando viu Chris.
Era como se cada parte de seu corpo estivesse congelada e a temperatura não
tinha nada a ver com aquilo.
- Então é verdade. – Foi o que ele falou antes de virar
as costas, descer os degraus e andar como um raio rua acima.
- Chris! – gritou quando saiu do choque. – Chris! –
Ela desceu os dois primeiros degraus quando reparou que estava com as suas meias
de coqueirinhos. Puta que pariu. – Chris! – Ela ainda gritou antes
de voltar para dentro da casa e vestir a primeira coisa que achou, a galocha
vermelha de April. Puta que pariu! – Chris! – Ela gritou antes de
bater a porta atrás de si e sair correndo atrás do menino. –
Chris!
o avistou já umas cinco casas de distância dela. Correu o mais
rápido que pôde. Sentia seus músculos sendo forçados
ao extremo. Aquele frio machucava seus braços descobertos.
finalmente se aproximou e tocou seu braço. Estava com medo que
ele a ignorasse, mas ele parou e voltou-se para ela. Com as mãos no joelho,
a respiração rápida e sentindo até calor, ela notou
como seu coração disparou mais ainda quando seus olhos pousaram
nos dele.
Vestia um casaco grosso (e muito feio) estampado com bandeiras de vários
países. Seu cabelo estava daquele jeito que ela amava. Curto, mas comprido.
Penteado, mas bagunçado.
- Por quê? – Ele gritou enquanto perfurava seus olhos. – Por
que você tinha que estragar tudo? – se endireitou e cruzou
os braços. Sentia sua pulsação em cada parte de seu corpo.
– Por que você tinha que ter dormido com o Tony? Você poderia
ter dormido com qualquer um! Qualquer um! – Chris gesticulava e falava
cada vez mais alto. – Mas não! Você teve que dormir com o
meu melhor amigo! Com o ex-namorado da sua melhor amiga! Você não
sabe que isso significa problema? – abraçou a ela mesma,
pois o calor havia passado e ela sentia agulhadas de frio. Não teve tempo
de vestir um casaco. Olhou para o chão, sem coragem de encarar os olhos
de Chris novamente. – Olha para mim! – Chris ordenou e ela voltou
a fitar seus olhos azuis e enfurecidos. – E você tinha que ir pro
outro lado do mundo? Você não podia ter ficado e resolvido toda
essa situação? Você me deixou sozinho! Eu nunca pensei que
fosse ver a minha vida... – Sua entonação foi enfática
na última palavra. – fugir de mim. Eu pensei que nós sempre
fossemos estar juntos! – A garota se sentiu a pior pessoa do mundo. Queria
que um buraco se abrisse para que ela pudesse pular ali dentro, parar de ser
machucada pelos outros e machucá-los - De uma hora para a outra eu te
odeio e você está longe! Eu odeio o Tony e bato nele! A April me
odeia e pára de falar comigo! Eu bato no e não posso mais
nem conversar com os amigos dele! – quase teve vontade de sorrir.
Tony e apanhando era uma imagem agradável. – Você
me deixou sozinho! – A última frase saiu num tom tão agressivo
que ela teve medo que a próxima ação do garoto pudesse
ser um empurrão ou coisa parecida. Os olhos de já ardiam
por segurar as lágrimas quando ela sentiu um pingo em sua bochecha. Mas
não era apenas um pingo. Ela ainda não estava chorando! Reparou
que o cabelo de Chris se enchia de pequenos flocos brancos. Suas lágrimas
começaram a rolar na medida em que seu corpo ficava mais gelado com a
neve que ficava cada vez mais grossa. Chris olhou para o céu e fechou
seus olhos. Parecia em extremo sofrimento. Os abriu novamente e a encarou. Ela
sentiu seus olhos estudarem cada linha de seu rosto, cada fio de seu cabelo
e cada curva de seu corpo. – Você... Eu... – Gaguejou e em
seguida, respirou fundo. – Certo. Pássaros podem voar muito alto
ou eles podem cagar na sua cabeça. – sentiu sua testa se enrugar.
– É! Eles podem quase voar no seu olho e fazer você sentir
medo, mas quando você olha para eles e você vê que eles são
bonitos... e é isso que eu sinto por você. – Ele terminou
o discurso com a respiração pesada. Parecia exausto.
Talvez ela estivesse ficando louca. Talvez ela tivesse dormido por alguns segundos,
mas não estava entendendo absolutamente nada.
- O quê? – Ela perguntou.
Chris mordeu seu lábio inferior e balançou a cabeça.
- Você.
- Sobre o que você está falando, Chris?
- Você! – Ele respondeu mais impaciente. – É como se
todas as estrelas no céu, todas as folhas nas árvores... –
Ele olhava em volta, como que procurando por exemplos. – Todos os pedaços
de galhos quebrados que fazem você tropeçar, todos os pedacinhos
de grama... – Ele parecia cada vez mais nervoso, mas era um nervoso diferente
do de alguns minutos atrás. Estava nervoso por não estar se fazendo
entender e não por causa dela. Já era uma melhora. – Tudo
o que importa no mundo! Isso é o quanto eu gosto de você.
quase riu dela mesma por causa de sua lentidão e burrice. É claro.
Estava totalmente claro! Suas lágrimas, que até ali transbordavam
desespero, mal eram percebidas, pois elas transbordavam felicidade agora. Por
estar tão feliz, ela não conseguia se importa com nada que não
fosse ela e Chris. Ele estava certo. Tudo ficou claro depois de suas palavras
que pareciam traduzir tudo o que ela sentia, mas nunca tinha conseguido entender
ao certo. Tudo importa, até as coisas mais simples, e é a união
delas que faz com que as coisas funcionem. Ela só funcionava com Chris
e aquilo era óbvio. Ele quem sempre esteve ao seu lado, quem a tratou
melhor do que ninguém, quem a amou de verdade. O melhor era que tudo
era recíproco. Bem, na maior parte do tempo. Quando ela não estava
com outro, não estava estragando sua vida com seu melhor amigo, ela o
tinha amado incondicionalmente e nunca o tinha magoado.
Lá dentro, ambos sempre souberam que eram certos um para o outro.
Ela era o pássaro de Chris e estava na hora de mostrar que ela não
iria atacá-lo.
Seu corpo soltou um barulho estranho que misturava uma respiração
aliviada, um soluço e uma risada.
Chris soltou um parecido, exceto pelo soluço e a próxima coisa
que ela sentiu foram seus braços em volta do pescoço do garoto,
suas pernas em seu quadril e os braços dele em volta de sua cintura.
Seu toque já aqueceu a garota que podia sentir como ele respirava no
mesmo ritmo que ela.
- Eu sinto tanto, tanto, tanto, tanto, Chris! – Ela falou com a cabeça
ainda apoiada em seu ombro. – Eu preciso tanto que você me desculpe
porque eu estou tão arrependida! – Suas lágrimas recomeçaram
a cair por uma série de razões opostas. Felicidade; arrependimento;
tristeza; raiva. Ela soltou suas pernas do corpo dele e voltou para o chão.
– Faz mais de um ano e não teve nem um dia que eu não me
arrependi do que eu fiz, não lamentei pelo rumo das coisas, não
senti uma imensa saudade de você...
Os olhos que a encaravam não eram mais furiosos ou descontrolados. Eram
aqueles olhos que ela conhecia e amava há anos; eram doces, gentis, sinceros
e apaixonados. Isso que eles sempre foram, mesmo quando ela não percebia
ou fingia para ela mesma não perceber.
- Eu também te amo. – Ela completou sorrindo.
Num mesmo impulso, os dois deram um passo para frente e a menina sentiu seu
corpo gelado voltar à vida novamente por estar encostado ao dele. Carinhosamente,
Chris tirou alguns cabelos que o vento tinha se encarregado de colocar em seu
rosto. Ela fechou os olhos sentindo seu toque em sua face e em sua cintura,
onde ele havia repousado sua mão.
A ventania estava tão forte quanto a neve e ela podia até escutar
seu barulho, que teria sido assustador caso ela não estivesse tão
protegida por Chris.
podia sentir o calor de seu rosto cada vez mais perto. Os lábios
mornos de Chris encontraram seus lábios frios. Os dois sorriram e balançaram
levemente suas cabeças, enquanto suas bocas viravam cada vez mais uma
só. Beijá-lo era algo, ela tinha acabado de concluir, que já
fazia parte ela. Sabia onde cada pequena curva estava, onde cada canto começava
e terminava, assim como cada movimento do menino seria.
Eles eram simplesmente perfeitos um para o outro, assim como alguém já
havia dito a tempos atrás.
Perfeitos.
Capítulo 32;
subiu as escadas que levavam ao seu novo apartamento com passos rápidos,
mas pesados.
Estava muito brava.
Vestia um adorável vestido com listras brancas e verdes claras. Seu modelo,
com alcinhas, era tão romântico que ela se sentia pronta para ir
a um pique-nique ou qualquer programa do tipo, mas seus pés pisavam em
cima de tênis de corrida da Nike.
Fim do romantismo.
Ela parecia uma cópia desesperada da Lily Allen.
Tudo porque, num desses lapsos de loucura que atinge os ingleses quando o verão
chega, ela resolvera ir almoçar no Saint Jame’s Park.
A menina sentou-se na grama, tirou os seus All Stars com estampas de ovelhinhas
– seus favoritos - e mexeu seus dedos do pé dentro da meia super
camuflada - curta e da cor de sua pele. Mais de uma hora mais tarde, depois
de um sanduíche de atum com pepino do Tesco, uma latinha de Fanta Laranja
e um longo cochilo, ela acordou com as bochechas ardendo pelo sol. Tudo bem
que ela não era mais albina, mas torrar no sol sem nenhum tipo de proteção
ainda não era possível. Assustada por ter perdido a hora, já
que ainda tinha que voltar para o trabalho a algumas estações
de metrô de distância, ela demorou alguns segundos para notar que
seus tênis preferidos tinham sumido. olhou para todos os lados e procurou
em todos os cantos. Tinham evaporado, como num passe de mágica.
Ou sido roubados, como num passe de falta de segurança.
Para sua sorte, ela carregava em sua mochila o outro par de tênis, já
que geralmente voltava para o parque nos fins de tarde para correr – hábito
adquirido no Peru.
Estava muito chateada. Sentia-se irada, invadida, desrespeitada e ficava imaginando
alguma garota ridícula com alguma roupa pink ridícula usando seus
lindos tênis de ovelhinha. Eles ficariam ridículos nela!
- Oi, ! – Sam, seu vizinho, a cumprimentou ao passar voando por ela.
Ele era um coreano de quase 30 anos que aparentava ter 17. Trabalhava em uma
loja especializada em quadrinhos asiáticos do outro lado da rua, usava
óculos escuros brancos da Channel e uma bolsa da Calvin Klein. A descrição
pode parecer a de alguém que interessaria Mitch, mas esse era simplesmente
o estilo coreano de se vestir. Ou seja, não ter nenhum.
- Hei, Sam. – Ela respondeu sem nenhuma empolgação. Além
de tudo, estava certa de que ele não a tinha escutado, já que
logo em seguida ouviu a porta de entrada do prédio batendo.
Os degraus largos e não tão limpos passavam rapidamente por ela,
assim como os corrimões bonitos de aço escovado e as paredes cor
de vinho desbotado. O segundo andar finalmente chegou e ela enfiou sua mão
na bolsa preta de veludo em busca da chave. Uma das orelhas da corujinha vermelha
que servia de chaveiro espetou sua mão e ela finalmente enfiou a chave
na fechadura e abriu a porta preta recém-mal-pintada por Chris.
tinha se mudado para o lugar com Chris fazia pouco mais de um mês.
O garoto já vivia ali há quase um ano e o flat tinha a sua cara.
Era um tanto quanto psicodélico.
Incrustado entre um restaurante coreano e um bar estilo karaokê japonês,
estava essa porta azul que passava despercebida pelos olhos famintos de quem
só freqüentava Chinatown em busca de comidas com cheiro de curry.
O prédio cinza, com linhas e detalhes clássicos, tinha sido construído
há mais de cem anos – segundo Chris – mas já tinha
passado por dezenas de reformas e os dois o adoravam.
não foi a única que teve a vida mudada enquanto estava longe.
Chris tinha sido promovido na David And Goliath e estava super feliz com sua
nova função e seu novo salário. Ele tinha se destacado
tanto como vendedor e se adaptado tanto ao estilo da loja, que seu gerente o
tinha escolhido para ser uma espécie de pesquisador. O trabalho do garoto
era reportar para os estilistas da loja o que os consumidores comiam, bebiam,
escutavam, assistiam e faziam. Levando em conta que os consumidores da David
And Goliath eram justamente pessoas como Chris, tudo o que ele fazia era freqüentar
festas, pubs, shows e qualquer outro lugar onde jovens se acumulavam para se
divertir.
Isso é que ela chamava de condições de trabalho.
Além disso, Chris não ia mais para escola. Não, não
era porque ele tinha se formado. Porque ele não tinha.
Poucos meses depois da expulsão de , ele também fora expulso.
Sua acusação: roubar pílulas da enfermaria do colégio.
Talvez Chris ficasse levemente agitado de vez em quando, seus olhos ficassem
com pupilas inchadas e suas mãos com dedos trêmulos.
lembrava ter feito uma cara chateada após o recebimento dessa última
novidade, mas ele tinha garantido que o fato dele não ter se formado
não tinha feito diferença alguma em sua carreira e as pílulas
estavam sob controle.
Como sempre.
O flat tinha apenas uma sala imensa, uma cozinha, um quarto, um banheiro e um
lavabo, mas era tudo muito espaçoso.
A primeira coisa que se via ao abrir a porta de entrada era a parede do fundo,
que na verdade era uma janela. Os vidros iam do chão até o teto
e mostravam letreiros coloridos e aqueles portais tipicamente orientais que
decoravam a rua. Ela gostava da atmosfera daquele lugar. Dependendo do horário,
aqueles com menos visitantes, era como estar na Ásia, já que a
maioria das pessoas que moravam e trabalhavam ali eram orientais.
Ou artistas alternativos.
Ou adolescentes independentes demais para sua idade.
A parede do lado direito era toda grafitada e havia sido feita por um amigo
de Chris. gostava das cores fortes e dos desenhos que ela não compreendia
bem. Encostado aos desenhos, estava um imenso sofá amarelo. Imenso de
verdade. Ela nunca tinha visto um móvel daquele tipo que fosse tão
espaçoso. Uma família de vietnamitas poderia construir sua vida
ali. Almofadas com estampas de pop art que ela tinha comprado na loja de presentes
da Tate se amontoavam bagunçadas em apenas um dos lados do sofá.
Uma televisão grande de plasma enfeitava a parede do lado oposto, que
era estampada com listras grossas pretas e brancas de papel de parede.
Bem ao lado da porta de entrada, se abria a entrada da cozinha, que consistia
em uma geladeira, uma cafeteira e um balcão - a única coisa que
a separava da sala.
Ainda bem que eles não cozinhavam e, portanto, não faziam frituras.
- Cheguei! – Ela gritou, mas não ouviu resposta. Olhou para o relógio.
Já passava das seis. Chris já deveria estar em casa.
A garota se arrastou até o sofá e largou seu corpo nele, escutando
o barulho da água passando pelos encanamentos antigos do prédio.
Seus olhos encararam a escada de corrimão vermelho que começava
ao lado do balcão da cozinha e subia até o mezanino, onde uma
deliciosa cama estilo futon dividia o espaço com uma gravura de Light
Red Over Black de Mark Rothko.
Chris provavelmente estava no banho. O banheiro ficava no mezanino. Ela escutou
de longe uma música do MGMT que vinha do banho de seu namorado.
Assim que e Chris se reencontraram, após todos os erros e baixarias,
eles decidiram – ou melhor, eles sentiram - que deveriam ficar juntos.
Precisavam ficar juntos!
Ela tirou as meias e os pavorosos tênis da Nike dos pés e os escutou
caindo no chão. Eram tão pesados que faziam um barulho alto.
Recolheu suas pernas e as abraçou. Fechou os olhos e apoiou sua cabeça
em seus joelhos. Escutava o movimento da rua, mas sua cabeça só
conseguia pensar no dia que tinha ganhado os calçados. Conseguia se lembrar
de cada detalhe da ocasião.
Tinha sido o último domingo de verão daquele ano. O céu
ainda tinha um tom abusadamente azul e havia poucas nuvens brancas por ele.
Era impossível estar na rua sem óculos escuros. Chris usava um
par laranja, estilo Ray Ban, que tinha sobrado da festa da noite anterior. Ela
usava um desses óculos imensos de armação branca que a
lembravam o Willy Wonka.
Que atire a primeira pedra quem não tem uma queda por qualquer acessório
que o Johnny Depp use.
Eles estavam em um daqueles bancos dos jardins atrás do Palácio
de Wetminster. A sua frente, estava o Tâmisa com suas águas sempre
escuras, a London Eye e todos aqueles edifícios que os turistas amam
fotografar; do lado, as pessoas praticavam rugby, liam jornal, comiam sanduíches
ou dormiam; acima, as folhas grossas das árvores centenárias filtravam
todo o sol e o calor, deixando o quarto banco da esquerda para a direita, um
lugar agradável.
tirou os óculos e aproveitou um pouco daquela sombra iluminada
– não havia melhor definição.
Chris se levantou e gritou qualquer coisa como: “Já volto!”.
Antes mesmo que a garota pudesse processar o que estava acontecendo (ela estava
com uma terrível ressaca), ele estava longe, caminhando em direção
à avenida.
Ela se lembrava de ter se perguntado para onde Chris tinha ido e por que raios
aquela garotinha estava usando aquela fantasia de joaninha?
Uma menina de uns quatro anos de idade saltitava por ali como se fosse um inseto
grande demais. Fofo demais também.
não sabia o porquê da escolha excêntrica, mas aquela
criança era adorável.
Torceu para que ela não se aproximasse, no entanto. Crianças a
perturbavam.
Ela deu um pulo quando sentiu duas mãos cobrindo os seus olhos.
- Feche os olhos. - A voz de Chris falou e ela se tranqüilizou agradecendo
por não ser nenhum velho psicótico com problemas de relacionamento.
Seus lábios se curvaram num sorriso e seus olhos se fecharam. Ela sentiu
seus cílios fabulosamente longos (obrigada, L´ancome) tocarem a
pele abaixo dos seus olhos.
- Fechou? – Ele quis confirmar.
- Fechei. O que é? – Ela perguntou cheia de curiosidade.
- Não abre, em? – Chris frisou e ela sentiu suas mãos deixarem
seu rosto e seu corpo se movimentar, saindo de suas costas e sentando-se ao
seu lado. – Só abra quando eu mandar.
- Está bem, Chris! – Respondeu com a voz impaciente enquanto sentia
a movimentação a sua volta.
- Ok, pode abrir.
Seu corpo se virou para o lado esquerdo e ela viu Chris sentado com um sorriso
fofo no rosto. Apenas alguns segundos depois que ela reparou no que havia entre
os dois: um par de All Star azul claro com estampa de ovelhinhas repousava no
banco.
Ela levou a mão na boca.
Eram tão lindos!!!
Ela amava All Stars e tinha fixação por ovelhas.
Era o melhor presente do mundo.
- Chris! – miou e o abraçou. – Você não
precisava!
Antes mesmo que ele respondesse, a menina o largou e começou a experimentar
o presente.
Ele riu.
- Claro que precisava! Olha como você está feliz! – Ele respondeu
assistindo sua
(na época) ex-namorada andar para lá e para cá com os novos
calçados como uma criança que acabou de ganhar tênis que
acendem luzinha.
- Obrigada, Chris!
Como eles eram lindos!!!
- De nada. – Ele se levantou. – Eu preciso ir, . – Ele
falou sério. Ela já sabia aonde ele iria. Chris ia comprar “suplementos”
para a festa daquela noite com aquele cara que fingia vender livros em uma das
pontes que cortam aquela espécie de rio que passa por Camden Town.
Bem, alguém tinha que fazer o trabalho sujo e Chris era o mais simpático
de todos e conseguia descontos.
O cara costumava cobrar mais caro de Tony.
Chris não deixava que ela o acompanhasse e aquilo já a tinha deixado
meio brava. Ela odiava e não respeitava proibições, mas
aquela era diferente, já que se tratava de Chris e era fofo ele tentar
protegê-la de uma coisa que só parece perigosa, mas não
é.
Até o príncipe Harry conseguiria comprar maconha em Camden Town
com tranqüilidade.
Os dois apenas se olharam e ela balançou a cabeça.
Já podia ver nos olhos de Chris – mesmo por trás daqueles
óculos bizarros – o quanto ele já estava animado para a
próxima festa.
Chris a encarou nos olhos com intensidade. sentiu aquela sensação
engraçada, uma mistura de dor de estômago com arrepios, que ela
sentia de vez em quando ao estar próxima do garoto. Um beijo geralmente
procedia a essa sensação que, apesar de parecer angustiante, era
extraordinária.
O menino se afastou, no entanto, e ela acenou para ele um pouco antes que ele
desse as costas a ela.
riu de si mesma e daquilo que sentia. Era algo tão intenso que ela
não poderia explicar ou entender, tinha apenas que rir.
Ela se aproximou do muro que a separava do rio. Aquela construção
que devia estar ali há séculos batia em sua cintura e ela sentia
a superfície áspera e fria do concreto embaixo de seus braços.
Uma leve brisa soprou levando seus cabelos para trás e ela a fechar seus
olhos.
A sensação de um toque em seu braço a despertou de volta
para a realidade. Ela virou-se encontrando Chris. Ele provavelmente havia esquecido
alguma coisa. No entanto, ele se aproximou, pousou sua mão livre em seu
quadril e deslizou a outra até seu pescoço.
Ela sorriu fingindo (ou não) malícia nos olhos. Chris também
sorriu, mas suas bochechas estavam levemente mais avermelhadas do que o normal.
Ela achava lindo quando conseguia constrangê-lo por uma coisa tão
normal como um beijo.
levou seus dois braços até seu pescoço e os entrelaçou
a ele. Chris abaixou levemente a cabeça para que seus lábios se
encostassem, se percebessem e depois se abrissem.
- Hei! – Chris gritou do mezanino. Vestia apenas uma calça jeans
acinzentada que tentava cobrir suas boxers verdes escuras com estampas de folhinhas
verdes claras. Secava (bagunçava) seus cabelos com uma toalha branca.
Ela podia sentir o cheiro de xampu, sabonete, desodorante, perfume e baunilha
dali. Não escutava mais a voz eletrônica do MGMT.
- Hei. – Ela respondeu sem nem ao menos se mexer, apenas moveu os olhos
para apreciar seu namorado. Afinal, ela era a namorada e tinha direitos!
- Aconteceu alguma coisa?
- Roubaram o meu All Star de ovelhinhas.
- O quê? – Chris perguntou preocupado enquanto pendurava a toalha
no corrimão de qualquer jeito e descia rapidamente os degraus. –
Mas você está bem? – Ele perguntou já na sua frente.
– Te machucaram? – Seu namorado agachou no chão e segurou
suas mãos.
- Não! Está tudo bem, Chris. – Ele se levantou e sentou-se
ao seu lado, entrelaçando seus dedos.
A menina lhe contou a história completa e olhou feio para ele quando
ele riu da parte que ela pegava no sono.
- Não fica assim, . – Chris falou beijando levemente seus lábios.
Ela queria poder simplesmente obedecê-lo, mas os calçados tinham
um tremendo valor sentimental para ela, apesar dela nunca ter se dado conta
de como se importava com eles e do quanto eles significavam para ela até
aquela tarde. Parecia besteira e frescura, mas ela estava chateada de verdade.
O menino beijou sua testa e ligou a televisão. Ela reconheceu o fim do
filme Crash pela linda música do Stereophonics que fechava a película.
Letras e mais letras desfilavam pela tela e dançavam ao som da voz rouca
do vocalista.
Chris levantou-se e aumentou o som até que os barulhos agitados do exterior
fossem calados. Ele agachou-se novamente e pegou em sua mão.
- Eu só queria que você dançasse comigo. – Ele falou
sorrindo. Seus cabelos estavam mais escuros e brilhantes por estarem molhados.
sorriu, mas fez que não com a cabeça. – Eu acho, sabe,
que dançar é a melhor coisa no mundo. Certo? Porque deixa o seu
corpo saudável, mas também, deixa a sua cabeça melhor,
então... Eu só... Você vai se levantar e dançar ou
só... por favor. – Ele finalmente concluiu sua proposta.
Não tinha como negar. Primeiro porque ela amava quando ele se embaralhava
com as palavras, gaguejava e fazia pausas para se organizar; segundo porque
ela gostava bastante daquela música e terceiro porque ela faria basicamente
qualquer coisa por Chris.
esticou sua mão para que ele a puxasse e levantou-se já se
instalando em seu corpo fresco. Sua mistura de perfumes parecia mais forte do
que nunca e a menina o abraçou forte, fechando os olhos e sentindo suas
mãos em seu quadril. Os dois começaram a se movimentar lentamente
ao som da canção. gostava de como os dois tinham a altura
perfeita um para o outro. Gostava que ele fosse mais alto que ela, mas que ela
não precisasse ficar de ponta de pé para beijá-lo ou abraçá-lo.
Gostava de como seu peitoral tinha o tamanho certo para que ela coubesse entre
ele e seus braços e se sentisse segura. Gostava de abrir os olhos e enxergar
seu cabelo castanho avermelhado encontrando com sua pele salpicada por sardas.
Chris era o seu rainbow smile - o seu sorriso de felicidade profunda em meio
à tristeza.
- Eu te amo, Chris. – Ela falou beijando seu ombro enquanto o abraçava.
Chris fazia todas as pequenas nuvens negras de afastarem dela.
- Eu também te amo, . – Christopher falou acariciando seus cabelos.
Poucos dias atrás ele tinha confessado que os amava compridos daquele
jeito.
Ela escutou Chris respirando fundo, sentiu seu corpo se mexendo não só
no ritmo da música, mas também no de sua respiração.
Os intermináveis créditos faziam com que Maybe Tomorrow se repetisse
várias vezes, mas ninguém estava reclamando da monotonia.
- Vem aqui. – Chris falou, afastando-se lentamente e a puxando pela mão.
O garoto a guiou escada acima e os dois pararam em frente à cama.
acariciou o rosto do namorado e fechou os olhos. Mesmo daquele jeito, poderia
falar onde estava cada uma das suas sardas.
As mãos de Chris subiram por suas costas até o zíper de
seu vestido. Seus lábios se tocaram levemente e apenas brincaram de encostar
um no outro. Sua roupa caiu no chão quando suas bocas se abriram. Ele
acariciava seu quadril, sua cintura e ela, seus cabelos. Ela gostava da sensação
que eles causavam em suas mãos, ainda mais molhados. Era refrescante,
mas sua mão deslizou por sua barriga e encontrou o fecho do sinto marrom
de sua calça.
Chris beijava seu pescoço enquanto os dois se ocupavam de se livrar das
roupas dos outros. Com essa tarefa cumprida, ambos deixaram seus corpos caírem
na cama, suas peles se atritarem, seus pelos se arrepiarem e suas respirações
se agitarem.
Talvez amanhã ela pudesse achar seu caminho para casa...
Mas a verdade era que ela já estava em casa, já estava nadando
no oceano e tudo estava bem.
Capítulo 33;
Mesmo com todas aquelas aves super perigosas soltas por ali, o Saint James Park
ainda era o seu parque favorito.
Ela gostava de descer na estação de metrô Charing Cross, caminhar até a Trafalgar Square e se sentar por alguns minutos no patamar de uma de suas fontes ou então nas escadas de alguma das estátuas.
se sentia perto de tudo, já que não importava o lado que ela olhasse, ela via alguma coisa legal, como a National Gallery e aquele portal que ela não sabia o nome, mas que levava até o Palácio de Buckingham e era cercado pelo Green Park e o Saint James Park.
Costumava caminhar lentamente da praça até o parque. Amava aquele asfalto vermelho. Amava como aquela avenida era larga e as pessoas e carros pareciam pequenos nela.
Assim que encontrava os gramados e alamedas do Saint James, no entanto, começava a correr. Sua velocidade era menor no começo, já que ela precisava se aquecer se não quisesse ser vista no chão em posição fetal por causa de uma câimbra.
Sua participação do time de corrida da escola no Peru tinha lhe garantido um novo hábito. Um novo vício talvez.
Ela nunca conseguia se livrar dos vícios.
Bem, apesar de Chris reprovar os seus exercícios no Saint James (certa vez, o pequeno Chris de seis anos de idade foi agradar o “patinho” e acabou levando uma bicada na mão – ainda bem que foi na mão) e aconselhá-la a correr no Green (que era ao lado e só era habitado por animais normais e não aves assassinas), a menina nunca teve vontade de correr em outro lugar. Achava o Green Park muito verde.
Jura?
Ela odiava que a grama sempre estava grande demais, felpuda demais.
Bem, além de seu inexplicável amor pelo Saint James, Sid (o garoto que hospedou Chris por uns tempos naquela fase negra) trabalhava como caixa em um dos restaurantes do parque e guardava a mochila com roupas sérias e de trabalho de enquanto ela corria.
Ninguém quer correr carregando uma mochila, quer?
O parque sempre está lotado àquela hora, principalmente no verão. Todos os londrinos
sentem aquela necessidade incontrolável de sair de casa sem tantos casacos e de
não se molhar pela neve ou pela chuva gelada.
Londrinos sempre se molham, mas na primavera e no verão, a chuva é menos congelante.
Ela tinha que ultrapassar o que pareciam centenas de engravatados que respiravam fundo e afrouxavam suas gravatas conforme sentiam os raios de sol aquecerem seus corpos. Turistas vestiam roupas mais confortáveis e tiravam fotos até de coisas toscas como um banco.
Ultrapassando a área dos lagos, que é sempre a mais lotada,
atingiu a dos grandes gramados salpicados por espreguiçadeiras. Ali era mais fácil
de correr. A pista era mais ampla e era reduto de quem corria ou andava de bicicleta.
Era mais fácil de se movimentar sem baratas tontas americanas ou patos atacando crianças.
O sol já estava bem mais ameno. Ainda estava claro, mas os raios não incidiam diretamente em seus óculos escuros de armação branca (aqueles que a lembravam o Willy Wonka) como antes.
Standing In The Way Of Control do The Gossip explodia dos fones do seu
iPod que se encontrava cuidadosamente protegido em uma daquelas pochetes de braço
(qualquer que fosse o nome real do treco). A voz da vocalista balofa era aguda
e grossa ao mesmo tempo, o ritmo repetitivo e agitado a ajudava a manter um ritmo
na corrida. Um ritmo forte, cada vez mais rápido. Ela gostava de testar o próprio
corpo, seus limites. Gostava de sentir que poderia desmaiar, mas acabava resistindo
por mais quilômetros de exercícios. Sentia a boca seca e o suor escorrendo por
seus músculos que pareciam em chamas.
Porque é quando nos colocamos a frente do controle que nós vivemos as nossas vidas.
O acompanhamento frenético do The Gossip foi substituído por uma música bem mais tranqüila, calma e até relaxante. Isso que dá deixar o ipod no shuffle.
I Will Follow You Until The Dark do Death Cab For Cutie tinha uma letra
profunda e bonita, enquanto seu ritmo era todo conseqüência de um violão. Ela
sentia que a voz do vocalista iria abraçá-la.
Suas pernas finalmente perderam o poder, perderam a força. cambaleou até um gramado e largou seu corpo por ali. Seus olhos se fecharam, já que ela se sentia cansada demais para agüentá-los abertos. Seu pulmão trabalhava rápido para levar oxigênio para todo o seu corpo.
Sua respiração inquieta era alta e parecia fazer mais ruído do que tudo o que estava sua volta.
Um cigarro seria legal.
A grama úmida ajudava seu corpo a se refrescar, apesar dela ter a impressão de estar embrulhada em um cobertor elétrico, tamanho era o calor que sentia. Os shorts de lycra que, naturalmente, já eram grudados às suas coxas, pareciam mais apertados do que nunca; sua camiseta larga e branca estampada com um desenho meio macabro de uma coruja estava molhada de suor em suas costas.
Ela queria que o céu e o inferno decidissem iluminar o “não” em suas placas de disponibilidade.
Não podia deixar de se sentir feliz por ter alguém como Chris ao escutar aquela canção. Ela o seguiria até o escuro.
Com a respiração um pouco mais normalizada, ela esticou o corpo (no fim ela tinha acabado no chão em posição fetal – com ou sem aquecimento, com ou sem câimbra) e se espreguiçou, arrancando os fones do ipod de sua orelha. No entanto, seu coração disparou novamente quando ela se deparou com pêlos, babas, latidos e energia. Muita energia.
- Nell!!!!! - A menina gritou ao abrir os olhos e reconhecer aqueles pêlos, aquelas babas, aqueles latidos e aquela energia. Rapidamente, ela levantou seu corpo assustado e focou seus olhos exaustos naquela Cocker branca e marrom que ela tanto amava e sentia falta.
tinha acabado de sofrer uma experiência de quase morte (seria suicídio?), por isso, ela achava que seria perdoável o fato dela só ter se perguntado de onde o cão tinha surgido alguns (poucos) minutos depois.
Nell provavelmente não tinha caminhado da casa de (onde quer que fosse) até ali.
Curioso.
A garota levantou a cabeça em busca do amigo e sofreu outra experiência de quase
morte.
levantou-se num salto ao ver a poucos metros dela. Seus olhos a fitavam arregalados, mas ao mesmo tempo, perdidos. Ele estava em choque, assim como ela.
Por que ele estava com Nell???
deu alguns passos para trás enquanto reparava em como seu pulmão tinha entrado em pane e em como ficava bem com aquele cabelo mais comprido, com aquela bermuda tão larga que mostrava as boxers estampadas em cores escuras e o cinto amarelo e com aquela camiseta azul da Hurley.
Contudo, a próxima coisa que ela reparou foi que estava no chão, esmagada debaixo
de dois caras, seus patins, joelheiras, cotoveleiras e capacetes.
Deus, eles pesavam toneladas!
- Sua louca! – Um mais magrelo falou enquanto notava o sangue que saía de seus cotovelos ralados pelo asfalto. Puta que pariu. – Sai da ciclovia!
- Sai daqui, seu imbecil! – Uma voz que ela conhecia respondeu ao cara em tom mal humorado. – Você que tinha que ter olhado por onde andava! – Ele completou enquanto a vareta sobre rodinhas acelerava em direção oposta mostrando o dedo do meio para os dois.
Depois falam que os ingleses são educados.
Ela levou a mão a cabeça, sem nem ao menos saber quem ela mesma era ao certo.
Aparentemente, ela tinha invadido a ciclovia enquanto fugia do olhar de seu ex.
Tudo estava muito confuso.
Em um segundo ela estava correndo, no outro estava no chão, no outro estava com Nell, no outro surgia como um pop up de internet e no outro ela estava no chão de novo!
Qual era a dessa fixação dela com o chão!?
Era como voltar para o jardim de infância.
O patinador mais gordinho levantou-se com dificuldade e resmungou alguma coisa parecida com “corno” antes de seguir o amigo.
Haa! Na verdade é o oposto disso.
aproximou-se e abaixou-se a sua frente, enquanto ciclistas e patinadores retardados desviavam dos dois.
- Tudo bem? – Ele perguntou pegando em sua mão e assustando-a. O corpo de
esquivou-se automaticamente e olhou sem graça para o chão.
Seu coração parecia uma bateria.
- Acho que sim. – Ela respondeu finalmente alcançando sua mão e conseguindo ficar em pé, apesar da corrente de arrepios causadas pelo toque de seu ex-namorado.
Nell assistia toda a cena atenta e sentada na grama. Ela sabia se comportar de vez em quando. Era sua dona quem não sabia como deveria se comportar naquela situação.
Os fones de seu iPod estavam destruídos, seus cotovelos e joelhos ardiam e brilhavam
num tom de vermelho escuro. Seu corpo inteiro doía, mas a pior parte era o estômago
vazio e o coração totalmente descontrolado.
- Você precisa lavar isso. – falou examinando os machucados da menina e depois olhando em seus olhos. sentia que ia cair novamente. desviou o olhar com rapidez. – Vamos. – Ele falou tocando seu ombro e se dirigindo até Nell.
- Para onde? – perguntou enquanto prendia Nell com a coleira.
Sentia que estava numa das obras de arte sem sentido da Tate Modern. Ela não conseguia se concentrar ou entender a situação.
- Para a minha casa. Eu moro a um quarteirão do parque.
- Não! – praticamente gritou. a olhou com os olhos estreitos. Ele mordeu o lábio, constrangido. – Não, eu acho que não é necessário. Eu posso lavar num bebedouro ou na pia do banheiro.
- Tem sangue escorrendo pelo seu braço e você vai precisar de um spray anti-séptico – O garoto deu a cartada final. Ele tinha a expressão de quem acaba de ganhar um jogo de poker.
Instantaneamente, sentiu o fio espesso de sangue descendo de seu braço direito.
Puta merda.
- Ok. Vamos.
Royal flush.
olhou para os dois lados antes que ela e atravessassem a bosta da ciclovia. Ele apertou mais seu ombro nesse instante. Ela não gostava da mão dele ali. Ela não gostava dele ali. Ela sentia que algum órgão vital seu tinha sido rompido e tinha parado de funcionar depois de sua queda.
Ou então,
estava abalada por estar reencontrando uma pessoa que ela achava que já tinha
esquecido e superado.
Achava. Ela se lembrou de como tinha ficado há alguns meses atrás, quando escutou certa música de certa banda.
Por que ela sempre achava as coisas erradas?
Ela se desvencilhou da mão dele e sentiu ficar constrangido outra vez.
Bem, os dois estavam constrangidos desde o segundo que se viram.
, e Nell encontraram a larga avenida de asfalto vermelho. Os carros passavam em alta velocidade e eles apertaram o botão do semáforo de pedestres. O céu começava a ficar com um tom de azul mais fraco e a temperatura começava a ficar mais agradável.
Agradável para os outros, já que sentia que iria derreter e depois explodir dentro de sua pele. Ela não conseguia nem falar.
Aparentemente, também não, já que os dois não trocaram nenhuma palavra.
A luzinha verde delimitando um homenzinho se acendeu e eles puderam atravessar a pista e depois subir as escadarias que ficavam próximas ao portal.
- Você não comentou que esse um quarteirão envolvia escadas. – comentou mal humorada e nervosa, mas seu estado de espírito não tinha nada a ver com a distância que precisaria caminhar.
- Falei que era a um quarteirão do parque. – respondeu olhando-a com o canto do olho. – Essas escadas ainda fazem parte do parque.
conhecia aquele lugar. Era o caminho que usava quando não tinha preguiça de andar de sua casa até o Saint James. Uma espécie de atalho para quem queria ir da região do Soho até a dos parques. Geralmente era quieta e calma, já que não passavam carros ali. Uma estátua de alguém com uma espada e uma pose heróica ficava bem no meio da via e diversas casas de ar antigo, clássico e bege se alinhavam impecavelmente.
Voltando ao silêncio, eles viraram à direita, numa rua mais movimentada. parou em frente desse pequeno prédio feito em pedra e escalado por trepadeiras. Ele abriu o portãozinho preto que o separava da rua.
subiu os degraus seguindo o menino e reparando em folhas verdes escuras caídas
sobre eles. Olhou para cima se deparando com uma bonita árvore. Ela era alta e
suas folhas tinham um tom especialmente verde graças à época do ano.
Ele abriu a porta preta e encontrou um saguão elegantemente decorado em vermelho e azul marinho. Apesar do prédio ser baixo (ela tinha contado apenas três andares), apertou o botão ao lado das portas douradas do elevador. Era praticamente um espelho tamanha a sua limpeza.
pode examinar o reflexo de .
Seu coração parecia despencar de seu peito.
Talvez ele tivesse sido o órgão machucado.
Ele se abaixou e agradou a cabeça de Nell, brincando com suas orelhas. A cadela abanava a cauda e dava pequenos pulinhos.
Lindo!
Puta que pariu, quanto um elevador num prédio pequeno daqueles poderia demorar?
Ela observou ele se levantar e virar a cabeça levemente para a direita, observando a menina que também o observava, mesmo que ele não soubesse.
Quando pensou que fosse desmaiar, as portas se abriram acompanhadas por uma suave campainha.
O cubículo era composto pela porta dourada, duas paredes de mesma cor e um espelho no fundo. se via de todos os ângulos. Nada legal quando se está com uma roupa tosca de corrida e há sangue te manchando.
apertou um dos poucos botões do painel, o número 3.
Foi a vez dela observá-lo com mais atenção e sem a ajuda de reflexos. Ele olhava para os próprios pés num daqueles tênis gordos e fitava a bonita linha definida de seu queixo enquanto assimilava todas as novidades a sua frente.
Certo. Ela não estava assimilando absolutamente nada, já que o máximo que conseguia fazer era lutar contra seu corpo que devia estar tendo espasmos neurológicos que levavam suas pernas a fraquejar, seu coração a disparar e suas mãos a suarem e tremerem.
Espasmos neurológicos. Isso mesmo.
Não era porque ela sentia aquela mesma curiosidade da primeira vez que o viu na
aula de matemática, não era porque ela estava constrangida como no dia que ele
a encontrou de lingerie na varanda, não era porque ela estava sem fôlego como
no dia que saiu correndo para contar que o amava, não era porque ela sentia uma
tonelada de sentimentos novos e velhos se instalando em seu peito e fazendo sua
cabeça girar.
Claro que não.
Espasmos neurológicos. Certeza que essa doença existia e ela estava sofrendo dela. Certeza.
A campainha soou novamente, tirando a atenção de do queixo perfeito de e a atenção dele do carpete ou do pedaço de grama que sujava as pontas de seus tênis.
O hall branco era espaçoso. Sua decoração seguia o mesmo estilo da que a menina tinha visto no térreo.
O que raios ele estaria fazendo naquele prédio chique e elegante?
Dinheiro não compra só o chique e o elegante, compra também o legal e o moderno, o que combinaria melhor com o perfil toco-numa-banda-pop de .
Ela sentiu-se feliz por ter parado de pensar no queixo do menino para pensar em um tópico que envolvia menos emoções.
Ótimo. Um queixo lhe trazia emoções.
Daqui a pouco ela estaria fazendo poesia sobre uma caneta hidrográfica marrom ou coisa do gênero.
destrancou a porta branca de madeira decorada por molduras do mesmo tom e material. Tudo com aquele ar de casa de avós ricos.
Para a surpresa de , as paredes do apartamento guardavam uma espaçosa sala decorada com móveis modernos que cheiravam a revista de design. Um quadro ocupava toda a parede do fundo da sala: dois retângulos em tons de preto ou marrom flutuavam simetricamente em um retângulo maior vermelho. Se parecia bastante com a obra de Mark Rothko que havia sido comprada do acervo da Tate por um comprador anônimo cerca de um mês atrás.
- Wow! – exclamou suspirando pela tela.
Pena que ela não tinha talento para a música e se contentava com a gravura de imitação pendurada em uma das paredes do quarto que ela dividia com Chris.
A primeira coisa que Nell fez ao ser liberada de sua coleira foi correr desesperadamente pelo apartamento e depois se jogar com as patas para cima no sofá forrado por tecido preto.
Ainda bem que era preto. Nell tinha sujado até seus olhos com terra do parque.
- Vem por aqui. – a chamou ignorando que ela só tinha olhos para sua parede.
A menina o seguiu reparando no resto da sala: quatro grandes janelas arredondadas divididas entre duas paredes, uma televisão entre duas delas; uma lareira entre as outras; um sofá no meio (o preto habitado por Nell); instrumentos musicais e caixas de som ao fundo.
Vasculhou o local por sinais de Helen: uma foto, um casaco esquecido...
Não achou nada.
Aquela situação a estava matando.
Eles passaram por uma porta onde ela espiou uma cozinha e por outra que levava a um corredor. Aparentemente, não havia janela alguma no local e a visão de só voltou a conviver com a luz quando abriu uma porta branca que escondia um banheiro.
O lugar era forrado por azulejos verde musgo; suas louças eram brancas; seus metais num tom fosco de prateado. Seguia o estilo moderno e clean do resto do apartamento.
O menino fez com que ela se sentasse na privada e tirou o que parecia ser um kit de primeiros socorros de baixo de sua pia.
Até outro dia sua casa não tinha nem sofá.
Isso é que é evolução.
molhou gases com água da torneira e se abaixou na frente de . Ela sentiu suas mãos acompanhadas pela sensação morna da água em seus joelhos e depois em seus cotovelos.
Suas memórias de infância a contavam que aquilo deveria arder, mas ela não sentia dor alguma. Seu toque já não a assustava, apenas fazia com que seu corpo formigasse de um jeito agradável. Seus olhos fitavam a expressão concentrada de , que parecia empenhadíssimo em retirar qualquer vestígio de sangue dela.
- Faz quanto tempo que você voltou para Londres? – Ele perguntou sem tirar os olhos das gases.
o agradeceu mentalmente pela quebra daquele silêncio. Por mais que ela soubesse que seria dificílimo manter um diálogo sem gaguejar ou falar besteiras na frente dele, era melhor do que o clima pesado que o silêncio causava.
- Quase seis meses. – Ele balançou a cabeça. – Por que você acabou ficando com a Nell? – Ela perguntou ao escutar as patinhas da cadela passeando pelo piso de madeira do corredor.
- Bom, tinha um motivo para a mãe do não deixar que ele tivesse um cachorro. – Ele respondeu arremessando as gases sujas no lixo. – Ele é alérgico.
- Ouch! – Foi só o que ela exclamou imaginando seu amigo espirrando com a cara inchada.
- É. Assim mesmo. – concordou colando um curativo em seu joelho. – Eu tive que trancar a Nell no meu quarto até que a gente se mudasse. A cara dele ficou irreconhecível de tão inchada.
Apesar da situação desagradável para , ela sorriu por dentro ao saber da preocupação de com Nell e com seu amigo.
- Parabéns pela banda.
- Obrigado. E você? O que está fazendo?
- Estou num emprego que meus pais me arrumaram no setor de eventos da Tate Modern. – Ela respondeu antes de escutar seu celular apitar.
O aparelho estava pendurado em seu braço, junto com o ipod.
A tela piscava o nome de Chris.
Seu estômago deu piruetas. Tinha se esquecido completamente de seu namorado. Aquilo a deixou mal.
- Oi, Chris. – Ela atendeu desconfortável.
- Oi, só liguei porque você estava demorando. – escutou o barulho de vídeo game atrás dele. – Está tudo ok?
- Está sim. Eu só tive um pequeno contratempo e precisei passar num lugar. – levantou os olhos dos curativos que ele colava nela.
- Hum... Tudo bem, mesmo?
- Tudo sim, daqui a pouco estarei em casa.
- Vem logo. Te amo.
- Eu também – Ela falou antes de fechar seu aparelho.
- Como está o Chris? – perguntou colando o último curativo que restava.
- Bem.
- Vocês estão juntos, né? – Ele indagou enquanto se levantava e arregalava os olhos.
- Como você sabe?
- Você praticamente parou de respirar enquanto falava com ele e você não contou o que tinha acontecido ou que você estava comigo porque você sabia que ele ficaria bravo com você.
Ok, senhor sabe-tudo.
Ela o encarou brava enquanto ele lavava as mãos.
- Tanto faz. Como está a Helen? – Ela perguntou numa tentativa de se vingar. Super adulta.
- Não sei. – Ele secou as mãos numa toalha preta. – Eu terminei com ela de verdade pouco depois de... – Ele gaguejou, fitou-a e depois desviou o olhar. – Bem, daquilo tudo o que aconteceu. – levantou-se com dificuldades de se movimentar com aqueles adesivos em sua pele e com aquele diálogo. – Eu tinha esperanças que você fosse me perdoar e voltar para mim, mas eu descobri que você tinha ido para o Peru no mesmo dia.
sentiu seu corpo congelar. Os olhos de fitaram os seus como que se quisessem lê-los. Ela perdeu o fôlego e encarou o próprio pé.
- Hum... – Ela murmurou. – Acho que eu preciso ir.
Ainda olhando para o chão, ela passou por e saiu do cômodo com velocidade (bem, a maior possível após um acidente).
- , espera! – falou e a alcançou ainda no corredor. Suas costas estavam coladas as paredes e a mão do garoto estava em seu braço. Seus corpos estavam tão próximos que ela podia sentir a respiração dele arfar. – Eu... eu... – Ele gaguejou. – Eu queria te ver mais vezes... de novo. – Ele completou acariciando o braço da menina com suas mãos frescas e recém-lavadas.
levantou os olhos do chão e encontrou os de que praticamente os perfurava, devido à intensidade de seu olhar.
A outra mão do menino alcançou sua cintura e fechou os olhos enquanto sentia o cheiro bom e familiar de . Ele ficava cada vez mais forte. Ela ficava com cada vez mais calor. Seus lábios estavam tão próximos que ela podia senti-los, mesmo sem tocá-los.
- Acho melhor não. – Ela respondeu ao ter a impressão de sentir cheiro de baunilha. Estava ficando maluca. Seu estômago se embrulhou e seus músculos ficaram rígidos. Ela saiu andando decidida, atingindo a claridade da sala. a seguiu. – É melhor eu ir embora. Está tarde. – Ela completou já em frente à porta. Só não a abria porque não avistava chave alguma.
Merda.
surgiu as suas costas e os dois movimentaram-se de maneira estabanada e constrangida até que ele destrancasse a porta e se jogasse para o hall e apertasse o botão do elevador até ter a impressão de que seu dedo iria sangrar e despencar, manchando o carpete bege.
A porta dourada se abriu em poucos segundos.
- Obrigada pela ajuda. Fala para a Nell que eu mandei tchau. – Ela falou enquanto assistia os centímetros visíveis de um com expressão triste e confusa diminuírem conforme a porta se fechava.
Ela encostou seu corpo suado e sujo de sangue na parede gelada de metal enquanto sentia a caixa movimentar-se para baixo. fechou os olhos e sentiu como seu corpo estava trêmulo.
O que estava acontecendo com ela?
Capítulo 34;
Capítulo 34;
se curvou sobre a mesa de sinuca e mirou a bolinha branca, a azul, a rosa e o buraco do lado oposto.
Ela sempre fora péssima. O taco, mais da metade (bem mais) de sua altura, parecia deslizar pelas delicadas patas de um peixe boi.
Mas, por incrível que pareça, seu desempenho estava mais do que satisfatório naquela noite.
A bolinha branca bateu com o ângulo certo na azul, que bateu na rosa e as duas foram encaçapadas no canto oposto.
- Oh wow! – Cassie exclamou com sua voz delicada por trás de seus dentes bonitos, mas grandes demais para o seu rosto magro. – Não sabia que a sinuca era um esporte popular no Peru.
conhecia Cassie fazia anos, mas a garota continuava sendo incompreensível na maior parte do tempo. Não tinham muita intimidade, mas sempre freqüentaram as mesmas festas, rodas e escola. Sempre se divertiram juntas, mas nunca ficaram próximas. Provavelmente porque Cassie não era uma pessoa fácil de se aproximar, já que passava a maior parte de seu tempo internada por causa de sua anorexia ou sua depressão e quando ela estava fora, vivia sem seu próprio mundo, falando sobre coisas como sinuca e Peru.
sorriu sem graça, não estava pronta para falar que não fazia idéia de qual era o esporte que os peruanos mais praticavam e nem estava pronta para entregar sua nova estratégia tão fácil assim. Ela era boa demais.
Sim, ela tinha desenvolvido uma estratégia. Talvez devesse até patenteá-la e ficar muito rica.
O conceito era bem simples, na verdade: transferência de sentimentos.
Ela passava as confusões que sentia por causa do reaparecimento de em sua vida para a bolinha branca.
Certeza que qualquer terapeuta/jogador profissional de sinuca aprovaria.
Poucos dias atrás, ao chegar ao trabalho, ela encontrara uma caixinha de encomendas da Fedex em sua mesa na Tate. Devia ser do tamanho de uma caixa de sapatos infantis e assim que a menina parou de brigar com o lacre (não é à toa que em O Náufrago, todas aquelas caixas apareceram impecáveis na ilha), avistou um pacote de M&Ms perdido no meio de bolinhas de isopor. Por um segundo, apenas um segundo nada fez sentido, até que ela se lembrou de uma tarde de tempo nublado passada na casa de .
Fazia tanto tempo.
virou todo o conteúdo da caixa em sua mesa (provocando a ira das faxineiras) e encontrou um bilhetinho feito à caneta azul numa folha de caderno:
“M&Ms me lembram você.”
Suas pernas amoleceram na hora que ela se lembrou de como a boca dele tinha gostos de M&Ms no dia que eles dormiram juntos pela primeira vez.
A menina não sabia o que fazer. Não sabia nem o que estava sentindo ou pensando. Sua cabeça estava cada vez mais confusa.
De uma hora para outra, a relação perfumada por baunilha que ela tinha com Chris foi invadida pelo gosto viciante de M&Ms.
sempre tinha achado impossível parar de comer os confeitos de chocolate antes que eles acabassem.
Ela achou que a melhor coisa a ser feita não era correr desesperadamente até o apartamento de e rasgar sua roupa, nem correr desesperadamente até o apartamento de e enfiar M&Ms pelo seu nariz. A melhor coisa a ser feita era ignorar tudo aquilo, jogar a merda do chocolate no lixo e esvaziar a própria cabeça.
Foi o que ela tinha feito com relativo sucesso até aquela tarde, quando recebeu outra caixa do Fedex. Essa, não era tão pequena como a outra. Na realidade, era imensa, podia servir-lhe de moradia. 687 pacotes de M&Ms se amontoavam ali dentro junto com outro bilhete:
“Você já sabe que M&Ms me lembram você, mas eu acho que você não está se lembrando de mim, por isso, tive que recorrer a uma caixa maior. São 687 pacotes: um para cada dia que pensei em você, desde a primeira vez que eu te vi até hoje.”
Essas palavras não saíam de sua cabeça, os chocolates que ela tinha distribuído pelo escritório não saíam de sua cabeça, os chocolates que ela tinha dado como pagamento para todos os artistas de rua em seu caminho não saíam de sua cabeça e o pedaço de papel com aquelas últimas palavras não saía de sua cabeça.
Ela podia senti-lo queimando a gaveta de maquiagens de seu banheiro, já que não tivera coragem de entregá-lo para ninguém do escritório ou que cantasse na rua.
A risada escandalosa de Chris a trouxe de volta para a realidade. sorriu e deu um gole generoso em sua vodka com Sprite. Ela observou seu namorado super-popular-e-simpático-e-bonito cumprimentando um milhão de pessoas. Não havia uma pessoa no mundo que não gostasse de Chris ou que não fosse com a sua cara. Não havia. Ele era legal demais, gentil demais, engraçado demais e, principalmente, festeiro demais.
Ela adorava como seus olhos sempre ficavam mais azuis na camiseta que ele vestia. Era preta, e seria básica, caso não fosse estampada com desenhos de correntes prateadas e manchas de cores berrantes.
Bem, naquele lugar, todos tinham pelo menos uma peça de roupa com alguma cor berrante, inclusive ela com sua calça skinny amarela.
Eles estavam numa Squat Party. O tipo mais surreal de festa.
O mais legal também.
Geralmente são organizadas (ou desorganizadas) em prédios abandonados ou ao ar livre e só são anunciadas horas antes de seu acontecimento. Atraem o pior tipo de meliantes, que geralmente também são aqueles que mais sabem como se divertir.
Era sensacional!
Tinham escolhido uma velha mansão abandonada para aquela festa em particular. O local era tão grande que eles tinham até montado dois ambientes ali dentro. Coisa totalmente luxuosa se tratando de squat parties. Algumas não vendiam nem bebidas, os convidados dependiam de seu próprio estoque pessoal e de dealers para conseguir se embriagar.
Enfim, , Chris e seus amigos estavam na área mais calma da festa. A iluminação não girava ou piscava, mas era vermelhada, deixando as paredes e os móveis que um dia foram muito chiques, com ar retrô. A sujeira e a poeira até ficavam mais escondidas. Uma banda cujos integrantes usavam chapéus estilosos, tocava alguma música indie com sotaque irlandês. Mesas de sinuca se misturavam a sofás e poltronas.
A típica Squat party estava no andar debaixo. Quem quer que tivesse organizado a festa era bem relacionado e tinha conseguido que The Teenagers tocasse enquanto pessoas dançavam até cair no chão por overdose.
Geração saúde.
Chris, que antes conversava animadamente com Sid, havia decidido que seu taco de sinuca era na verdade uma daquelas espadas de Star Wars. O garoto lutava contra Anwar, um garoto alto, magrelo, descendente de paquistaneses e tarado como só se pode esperar de alguém educado sob as rédeas da religião. Em seu caso, o islamismo. Os mais religiosos são sempre os mais pervertidos. Fato.
Seu namorado já tinha se entupido de pílulas, fumado um beck que mais parecia um charuto e agora, ainda completava tudo com goles intermináveis de Stella Artois.
O Chris que todos nós conhecemos e amamos.
Alguns minutos atrás, ele tinha se aproximado para um beijo (leia amasso) e reparou em como seus olhos azuis estavam avermelhados. Ela não entendia nem como ele estava enxergando um palmo a sua frente.
Jal, outra garota que desde sempre festejou com , virou os olhos ao assistir a cena. Sua pele negra ficava destacada no vestido verde. gostava dela pois ela era a pessoa mais mal humorada que já tinha conhecido. Era tão ranzinza que era hilária na maior parte do tempo. Mesmo que ela sempre te encarasse com a cara fechada quando você ria de algum comentário ácido feito por ela.
- Retardados. – Ela resmungou franzindo a testa e fazendo uma careta.
concordou antes de inclinar-se para mais uma tacada em . Quer dizer, na bola.
Seus olhos pousaram em Chris apenas por um segundo. Não queria que ele desmaiasse e apagasse por ali. Ele já tinha desmaiado em festas centenas de vezes, mas todas essas vezes, desmaiava junto, o que a impedia de se preocupar.
A ignorância é uma benção.
Sua vida careta, longe de cigarros, drogas e muita bebida tinha um lado “negativo”.
Ela encarou os garotos com reprovação e fingindo não estar preocupada, falou:
- Eles estão matando o espírito do jogo!
concluiu sua jogada, mas nem viu o resultado, apenas o ouviu. Ela tinha encaçapado algumas bolas, mas aquilo não importava. Seus olhos fitavam o verde intenso e desbotado da mesa. Seu corpo estava rígido e paralisado.
- Você falou a mesma coisa quando nós jogamos strippoker. – Uma voz muito conhecida falou enquanto sentia mãos tocarem seus quadris. A arrogância de Tony se misturava com um tom sensual e maldoso.
A menina levantou os olhos da mesa, podendo ver de relance a tensão que tomara conta de Jal, Cassie e de todos do ambiente. Bem, aqueles que não achavam que eram um jedi e/ou não estavam totalmente chapados e/ou bêbados.
Não avistou Chris em lugar algum, na verdade. Precisava dele. Precisava dele para mandar o Tony tomar no cú.
queria que Tony morresse. Cada célula de seu corpo queria que Tony morresse e sentia-se enojada por tê-lo tão próximo. Ela só conseguia sentir o cheiro de seu perfume exagerado e enjoativo e quase que num surto de náusea, ela afastou aquelas mãos de sue pele.
Ela precisava se livrar de Tony com ou sem Chris.
Na verdade, Chris não tinha nada a ver com aquela história. Tony tinha sido um problema que ela mesma criara e que ela teria que resolver sozinha, mais cedo ou mais tarde. Ele não era mais o seu amigo de muitos anos, ele era o cara que por puro ciúmes e excesso de ego trouxe-lhe problemas que mudaram sua vida, mudaram tudo o que ela conhecia. Ele não merecia nem seu desprezo.
- Pelo o que eu me lembro, você perdeu esse jogo. – Ela respondeu finalmente virando-se de frente e encarando aqueles olhos azuis gelados.
Tony parecia mais pálido e seu cabelo estava mais comprido, mas de certa forma, também estava com menos volume e sua cabeça parecia menos com um capacete. Mesmo com toda a raiva do mundo, ela tinha que dar o braço a torcer. Ele era atraente.
- Perdi mesmo, mas eu não precisei dele para ver o que eu queria. – Ele replicou deixando-a sem resposta.
Bosta.
Seria bem mais fácil se ele fosse burro e não a pessoa mais inteligente que ela conhecia.
- Saia daqui, Tony. – Ela pediu com a voz calma e determinada.
Isso é o que eu chamo de encarar os próprios problemas.
- Achei que nós pudéssemos conversar. – Ele falou passando as pontas de seus dedos no espaço de pele visível entre a calça amarela de cintura baixa e a regata branca da garota.
Mais uma vez, ele confirmava a sua falta de consideração por qualquer coisa humana. Ele não gostava dela, ele não a queria, a não ser que fosse para comê-la, criar mais intrigas e ser o centro das atenções.
Imbecil.
simplesmente saiu andando.
Não era a melhor saída, muito menos a mais madura, mas era a que ela tinha encontrado, a que ela tinha conseguido encarar naquele momento.
Deus, como ela era fraca!
Ela andou sem rumo, trombando e batendo em pessoas bêbadas demais. Precisava se afastar o mais rápido possível. avistou uma porta de vidro perto do bar e pôde ver o céu. Era o que precisava.
O ar puro invadiu seus pulmões que estavam saturados pela fumaça de todo tipo de coisa que se pode fumar.
O céu estava estrelado, mas os astros dividiam o espaço com nuvens pintadas de vermelho pelas luzes da cidade. Era bem bonito. Seria mais bonito ainda se ela não estivesse tão nervosa com ela mesma por ter fugido daquela maneira.
Estava muito escuro e ela só conseguia perceber o que ocorria a sua volta por causa dos ruídos: um casal mais animado (a interpretação de animado fica por sua conta) em um canto; um pessoal usando o nariz (a interpretação de usando o nariz fica por sua conta) em excesso em outro.
A penugem de seus braços se arrepiou conforme os barulhos desagradáveis eram abafados pelo som abafado do baixo estourado da banda. Mesmo no verão, as madrugadas não deixam de ser frias na cidade com o pior clima do universo.
- Eu achei que nós fossemos amigos. – A voz de Tony falou cheia de interesse atrás dela, assustando-a.
Não importa o quanto você fuja, os problemas sabem onde você está, sabem como te encontrar e não têm que se preocupar com o trânsito ou a greve do metrô para chegar até você.
No entanto, aquela era a segunda chance que ela esperava. Precisava provar para ela mesma que ela não era tão fraca e covarde assim.
- Nós éramos, Tony, até que eu cometi o maior erro da minha vida e dormi com você. – Ela falou ainda de costas para ele. Seus olhos estavam fechados e apoiou sua cabeça cansada em suas mãos. – Eu... – começou, mas foi interrompida.
- Ah, mas você gostou que eu lembro!
- Tony! – Ela gritou, perdendo de vez sua calma e voltou-se para o garoto. Ele a olhou surpreso, não esperava tal reação. – Você pode parar com isso por um minuto? Apenas um minuto? – Ele fez que sim com a cabeça. Por um segundo, pareceu um humano, e não Chuck, O Boneco Assassino. – Você é cruel, você é egocêntrico e egoísta. – Ele mordeu o lábio enquanto o dedo indicador de beirava o seu nariz. – É claro que isso não tira a minha culpa. Eu deveria ter previsto que mesmo com o fim do seu namoro com a April, ela ainda sentia que você era dela. Claro que deveria, mas eu estava tão maluca por causa da namorada do meu namorado que eu não consegui ver o óbvio na minha melhor amiga! O que eu fiz foi muito ruim, mas se você for pensar com clareza, não foi errado! - Era como uma diarréia verbal. Ela não tinha idéia de quando seria o fim de suas palavras. - Você estava solteiro há meses! Meses! – Sua voz atingiu um tom agudo que ela nunca pensou ser possível. – A April já estava com outro cara e eu estava me vingando do bosta do meu namorado que só o que fez, o tempo todo, foi me trair! – parou para recuperar sua respiração e viu de relance o casal animado entrando na festa. – Se nós fôssemos pessoas remotamente normais, a história terminaria por aí: dois amigos se consolando. Acontece todos os dias! – Ela gesticulou. Sua garganta já ardia de tanto falar. Ou gritar. – Mas você quis persistir nesse erro e quando eu não quis, porque tinha acabado de perceber a merda onde eu estava me metendo, você foi lá e contou tudo para a minha melhor amiga, que era apaixonada por você! Mesmo depois de eu ter te falado que você deveria ficar com ela e tratá-la melhor! – sentiu-se fraca. Sentiu que todas as forças que a sustentavam em pé tinham ido embora. Ela precisava muito de um cigarro. Tomando cuidado para não despencar, ela dobrou suas pernas e se sentou no chão. – Isso acabou com a minha vida, Tony. – Sua voz tinha assumido um tom mais calmo, baixo e expelia palavras que estavam guardadas em algum canto escondido de sua mente. – Mudou tudo para sempre, não só porque eu mudei de país e parei de falar com quatro das pessoas que eu mais amava no mundo, mas também porque eu percebi que por mais que eu pense que conheço uma pessoa, ela sempre pode me surpreender, me machucar e me trair. – Tony sentou-se com perna de índio a sua frente. Ele não emitia nenhum tipo de barulho. – Tantas pessoas erraram mais do que eu e não foram tão criticadas... Você traía a April toda semana, com todo tipo de vagabunda que passava pela sua frente, o passou meses me enrolando, enrolando a namorada de verdade dele... – Ela sentiu lágrimas se acumularem no canto de seu olho. – Eu fui sua amiga, Tony. Fui sua amiga de verdade e sempre estive por perto quando você precisou. Quando todos te criticavam eu continuei sendo sua amiga porque eu me lembro de ter visto tantas vezes a sua parte boa e doce... Por que você se esconde debaixo dessa máscara de falta de caráter?
A menina finalmente parou de falar e olhou diretamente nos olhos de Tony. Estavam alertas e chocados. Parecia que ele tinha sido atacado.
- Desculpe. – Ele falou numa voz pequena. Estava sendo sincero e sabia, mas acabou por soltar uma risada irônica e exausta.
- Desculpas não servem para nada. Já está tarde demais para isso. Além do que eu nunca vou conseguir te desculpar e esquecer tudo o que você fez, esquecer como você brincou com os sentimentos de todos os seus amigos.
Os lábios de Tony estavam entreabertos, como se ele não acreditasse que as suas desculpas estavam sendo recusadas.
- Então é isso? – Ele perguntou levantando uma sobrancelha.
- É. – A garota se levantou. Já não se sentia tão fraca. Sentia-se melhor, na verdade. Suas costas pareciam mais relaxadas e menos pesadas. – Eu não quero alguém como você perto de mim.
Respirar estava bem mais fácil e um princípio de sorriso parecia se formar em sua face.
Era um ponto final que ela esperava fazia muito tempo.
Sua mão estava prestes a encostar na maçaneta da porta quando
escutou a voz de Tony mais uma vez:
- Só para você saber... Eu amava você e a April de verdade. Eu amava muito mesmo e ainda amo, na realidade. Cada uma a sua maneira. – Ele falava pausadamente. – Mas algumas vezes, as pessoas que se amam têm um tremendo talento para se fazerem infelizes.
voltou para o interior da casa e, mesmo sentindo-se aliviada por ter resolvido essa pendência, a última frase do menino a marcou e ficou ecoando por sua cabeça.
Capítulo 35;
Seus pés faziam barulho e movimentavam a pontezinha em cima de um dos lagos do Saint James. Talvez fosse melhor se ela não passasse mais por lá com tanta velocidade.
Tudo em Londres é velho e histórico. E ela tinha almoçado um kebab.
Não queria desabar junto com a ponte. Seria ainda mais humilhante do que chorar no avião.
Suas pernadas largas e rápidas faziam com que ela contornasse o lago rapidamente.
As pessoas eram apenas borrões acompanhadas pela voz rouca e talvez um pouco irritante
do vocalista do The Enemy. Seu ipod, com um fone novinho (já que o outro tinha
sido destruído em seu tombo), estava com o seu volume praticamente no máximo.
Era quando ela corria e escutava música que se sentia melhor. Sua vida, que até pouco mais de uma semana atrás estava praticamente normalizada, tinha virado um dramalhão mais uma vez.
Por que ela simplesmente não ficava feliz com Chris?
Por que ela tinha que ficar tão balançada com o reaparecimento de ?
Perguntas totalmente pertinentes num mundo onde há 25 milhões de pessoas contaminadas pela AIDS num único continente; continente esse onde estão 90% das crianças aidéticas...
Ela tinha lido uma matéria sobre a AIDS na África naquela manhã.
Claro que ela se preocupava com Botsuana e Uganda e todos esses países de nome engraçado, mas os seus sentimentos pareciam tópicos bem mais urgentes.
Talvez ela fosse um pouco egoísta.
passava todo o seu tempo controlando seus pensamentos, impedindo-se de pensar em seu ex-namorado, aquele que a fez sofrer tanto. Contudo, sentia-se cada vez mais confusa, já que só de pensar em Chris ela sentia o seu coração abraçado e aquecido. Ele era tudo para ela! Como alguém que tem tudo pode ter vontade de trocá-lo por algo tão incerto quanto ?
Mais dúvidas de importância internacional.
Esses eram os pensamentos mais recorrentes em sua cabeça. Esses e: “Quero tirar
férias.”; “Preciso comer um Twix nesse instante.”; “Que ovelhinha lindaaa!”; “Não
vou comprar cigarro. Não vou. Eu não fumo, eu não gosto de cigarro... ok, eu amo
cigarro, mas NÃO, NÃO, NÃO!”; “Nossa, como o Ewan McGregor está gostoso nessa
foto.”
Por isso que ela gostava de correr. Quando ela corria, os milhões de pensamentos em ebulição dentro de sua cabeça pareciam se acalmar. Ela podia se concentrar apenas na música e na sensação de impacto que seu corpo sentia cada vez que um de seus pés encostava no chão.
resolveu que iria dar mais três voltas em torno do lago antes de voltar para casa. Ela sentia saudades de Chris, mesmo que eles tivessem dividido a mesma cama na noite anterior (e em todas as outras), mesmo que eles tivessem comido resto de pizza gelada no café da manhã, mesmo que eles já tivessem se falado pelo celular... Era algo que a garota não sabia como explicar. Ela simplesmente sentia sua falta. Sempre.
Seu namorado tinha programado uma pequena festa no apartamento deles naquela noite. nem sabia o motivo. Bem, tudo é motivo para festa quando se está falando de Chris.
Ela passava por perto da saída para o palácio quando um rosto de destacou daquele mar de borrões. Ele não era borrado. Era extremamente nítido, na realidade. Sua velocidade diminui (ao contrário de seus batimentos cardíacos) quando ela reconheceu cruzando o caminho a sua frente.
Ele usava uma de suas bermudas largas com uma camiseta cinza da Volcom. não podia ver a estampa com clareza, no entanto. O menino carregava dois copos de smothies de uma cor rosa alaranjada. Seus olhos se encararam e ele sorriu antes de se sentar em um banco e assistir se recompor e reiniciar sua aceleração fingindo que não estava a ponto de se jogar no laguinho só para se distrair da imagem de .
A garota não estava mais tranqüila e concentrada na música e na corrida, estava perturbada novamente.
Bosta.
Ficava cada vez mais difícil de entender a ela mesma.
fechou os olhos por um segundo e correu o mais rápido que pôde. Ela tinha esperanças de que se conseguisse uma bela dor muscular, poderia se distrair de .
A idéia de se molhar naquele lago lotado de excrementos de gansos não parecia a melhor saída.
Ela realmente conseguiu a dor muscular, mas ela não foi forte o suficiente para que seus pensamentos se dispersassem. Ainda por cima, a velocidade elevada só fez com que ela chegasse mais rapidamente ao ponto onde estava sentado.
Ótimo. Simplesmente ótimo.
Continuou ignorando o garoto. Só precisava correr mais uma volta e depois estaria livre para voltar para casa e se livrar dele.
se negava a mudar seus planos por causa de . Aquilo seria a confirmação de que ela se importava. E ela não se importava! Claro que não! Qualquer um que falasse que ela se importava era um...
Ok. Ela se importava. Ela se importava muito!!! Se importava mais com aquilo do que com qualquer outra coisa! Ela nem se lembrava de nada mais no mundo, a não ser a presença de tão perto.
Ela estava tão fodida.
Bem, até podia se importar, mas não deixaria que notasse esse detalhe.
Assim que ela passou pelo banco, levantou-se e começou a correr de maneira desengonçada ao seu lado. Músicos e esportes realmente não se dão bem, né?
- Oi! – Ele falou com a voz feliz, mas abafada pelas reclamações do vocalista do The Enemy. apenas o encarou com o canto dos olhos. Fez questão de fazer uma cara de poucos amigos. – Trouxe para você. – Ele falou entregando-lhe um dos copos de smothies. Ela aceitou. – Achei que você estivesse com sede. – Ele falou, mas não recebeu nenhum tipo de resposta. - Trouxe de pêssego, achei que você gostasse. – Ainda calada e de cara fechada, a menina jogou o copo com violência numa sexta de lixo assim que se aproximou de uma delas. – Hum... – Ele murmurou. A garota podia sentir o nervoso e a decepção em seu tom. – Eu também achei um pouco aguado, na verdade. – Ele completou antes de jogar o seu copo cheio pela metade no lixo também.
Fofo.
Não!!!!
Sentindo sua cabeça doer e seu estômago remexer-se, parou de correr subitamente.
- ! – Ela gritou enquanto arrancava os fones do ipod de seu ouvido. A música a irritava. Isso ai, a música é o problema! Ele parou a sua frente e a encarou com um sorriso no rosto. Aquilo a irritou mais ainda. - O que você quer de mim? – Ela falou num tom de voz alta que chamou a atenção das pessoas em volta.
Não que ela se importasse. Queria que todos se engasgassem e morressem.
- O que eu quero de você? – Ele perguntou sério, desaparecendo com o sorriso. – Eu quero tudo! Eu quero você! – fez uma pausa enquanto seus olhos brilhantes pareciam tentar ler a garota paralisada com cara de infeliz a sua frente. – Eu quero a sua companhia, eu quero a sua ajuda para escolher um DVD na locadora... – Ele deu uma risada e coçou a cabeça encarando o chão. Seu olhar voltou a ela, que ficava com as pernas cada vez mais fracas e o peito cada vez mais saturado de emoções. – Você não tem idéia de como tem sido difícil escolher um filme! Eu passo horas lá, olhando capas, lendo sinopses, pedindo ajuda para os vendedores, mas eu nunca consigo escolher um filme sozinho! Acabo levando qualquer um e depois de três minutos sentado no meu sofá, eu reparo que já assisti. É uma coisa horrorosa... Eu quero a sua ajuda para ir na locadora, eu quero ter uma última ligação do dia! – abraçou a ela mesma e olhou para o chão cinza aos seus pés. Não agüentava aqueles olhos nela; não agüentava aquelas palavras ou aquela dificuldade de respirar. – Quero chegar cansado em casa e te ligar, perguntar como foi o seu dia e te desejar boa noite. Mesmo que eu tenha acabado de te deixar na sua casa depois de passar o dia todo com você... É isso o que eu quero. – finalmente concluiu e deu alguns passos para frente, ficando mais próximo de sua ex-namorada.
não sabia o que responder. Sentia que uma onda de palavras poderia sair de sua
boca a qualquer segundo, mas ela não tinha idéia de quais seriam essas palavras.
Seu corpo parecia ter morrido e estava se mantendo em pé por pura mágica. Ela
tinha se esquecido de como se mexer. Conseguiu mover apenas seus olhos, mas se
arrependeu no segundo que os tirou de seus tênis de corrida. Os olhos claros de
pareciam escaneá-la. – Eu sinto a sua falta. – Ele falou e deu mais um passo. Se ela ainda tivesse a capacidade de se mexer, poderia encostar no menino com o simples estender de uma mão. – Eu sinto falta do seu perfume. Eu sinto falta de sentir o seu perfume em mim. – Ele sorriu docemente e desviou o olhar por apenas um segundo. – Eu lembro que toda vez que nós ficávamos juntos, você deixava o seu cheiro em mim. Ele durava horas e eu só precisava respirar mais fundo para sentir você comigo. É um cheiro só seu, que eu nunca senti em nenhum outro lugar. Não importa o perfume ou o sabonete que você use, eles nunca conseguem esconder esse aroma que é muito melhor do que eles. É algo como uma mistura de cheiro de chuva, cookies recém-assados e melão. – estranhou um pouco a descrição de seu perfume e enrugou sua testa, apesar do sorriso tímido que tentava tomar conta de sua boca. riu. – Pode parecer loucura, mas é delicioso. – Ele fechou os olhos e respirou fundo. Estavam tão próximos que sentiu o ar entrar e sair do pulmão de
. – Esse cheiro...
Ele suspirou e abriu os olhos novamente antes de pôr um fim em qualquer espaço que os separasse. A pele da menina se arrepiou quando ele passou as mãos por seus braços e depois por seu pescoço. inclinou sua cabeça até que seus lábios tocassem os de . Ela fechou os olhos bem devagar e pôde assistir fechando os dele também. Ela gostava de seus cílios. Mas o fato era que ela gostava mesmo era de sua boca – macia, mas ao mesmo tempo, forte. Gostava também de sua língua. Não entendia porque as línguas eram tão discriminadas na hora de se escolher uma parte favorita do corpo. A de , assim como sua boca, era macia e forte, mas também era ágil e às vezes, era carinhosa e lenta.
Ela afastou seu rosto quebrando o beijo, mas manteve seus olhos fechados. ainda estava próximo o bastante para ela acompanhar sua respiração e para seus dedos sentirem a pulsação em seu pescoço.
- Eu te amo. – Ele falou. – E eu não vou mais errar com você.
Capítulo 36;
A cama confortável com cheiro de lençóis limpos parecia acariciar o seu corpo.
Acredite. Ela precisava de carinho.
O colchão era simplesmente tão bom que poderia ficar ali para sempre. Ela poderia ignorar a fome, o trabalho e entrar no Guinness como a Mulher Cama ou qualquer coisa do tipo. Seria famosa. Podia imaginar todo o glamour que tal posto lhe proporcionaria.
As cortinas de cores claras peneiravam os fortes raios de sol que brilhavam do lado de fora. Eles incidiam diretamente nas janelas, pois o fim do dia localizava o Sol bem na altura das janelas, quase encontrando a linha do horizonte. O quarto todo tinha uma atmosfera meio amarela. O que era agradável, pois tudo parecia meio amarelo e era quase como se tudo estivesse certo, como na música do Coldplay.
Todas as vezes que ela prestava atenção em coisas como a luz do sol – Como sua cabeça divagava! – não podia deixar de pensar que aquilo que ela estava vendo sempre fora assim. Caso não tivesse ocorrido a construção de um prédio ou coisa do tipo, alguém há um ano atrás também pôde assistir ao quarto ficar amarelo naquela mesma hora; alguém há vinte também, assim como alguém há cem anos.
E à noite, as estrelas brilhariam para ela.
Bem, para ela não, já que enquanto o lugar que estava era amarelo, ela era azul. Às vezes, não há um bom adjetivo tradicional para descrever lugares e pessoas e era nessas horas que apelava para as cores.
era uma pessoa azul naquele momento. Sentia que seu corpo doía mesmo estando naquela cama tão macia. O conforto inicial da mulher-cama já tinha passado. Sentia que estava sempre a ponto de gritar e sentia que não agüentaria mais aquela situação. Em alguns raros momentos se acalmava. Era quando sua cabeça viajava e ela ficava pensando sobre recordes, e cores como adjetivos.
Totalmente psicopata. Totalmente.
A menina fechou os olhos e sentiu a cama afundar levemente com alguém se deitando ao seu lado. Uma mão macia acariciou a dela e entrelaçou seus dedos. Não pôde deixar de sorrir.
Era bom estar ali em silêncio sentindo o calor do corpo de outra pessoa. Nenhuma palavra precisava ser dita. A falta de assunto cria situações desconfortáveis com pessoas que você não se dá bem de verdade, não se dá bem profundamente. Naquele caso, a falta de assunto não influenciava em nada. Não fazia nenhuma diferença.
- Eu estava com saudades. – falou finalmente abrindo os olhos e se voltando para o garoto. Tudo continuava amarelo e, aqueles segundos de olhos fechados e mãos dadas tinham até deixado-a menos azul e mais da cor do sol.
- Eu também. - respondeu enquanto notava como a claridade do quarto deixava os seus olhos mais claros. Ele era tão bonito... Não que ela o visse daquele jeito. Era só o que faltava... mais um homem para deixá-la azul. Não, era uma coisa diferente. No pouco tempo de amizade que os dois tiveram, o garoto deu provas consistentes de que era confiável, que a respeitava e tinha carinho por ela. Como amiga, é claro. Ser amiga não a deixava cega e ela pensava que era até mais bonito do que Chris e . Ele tinha uma beleza mais tradicional, por assim dizer. Seria bonito em qualquer época, em qualquer lugar do mundo, mas aquilo não fazia diferença alguma. – Não acredito que você não me procurou quando você voltou.
- Nem eu. – acomodou sua cabeça em cima de seu próprio braço de modo que ela encarasse os perfeitos traços do garoto com mais comodidade. – Eu cheguei aqui depois de ficar muito tempo sem falar com ninguém. Eu nem tinha mais o seu telefone... Você tinha se mudado. Logo eu voltei com o Chris e tudo estava tão certo, tão bom... – Ela suspirou. – A verdade é que eu tinha medo de chegar perto de qualquer um que me lembrasse o . Desculpe, mas você me lembra o . – Ela soltou uma risada nervosa. Aquele assunto a enervava.
- Eu sei. – Ele respondeu rindo também.
- Obrigada por ter me achado.
Estava realmente grata.
Depois que ela e se beijaram, a garota ficou totalmente perturbada. Balbuciou qualquer coisa - ela não se lembrava o que, não mesmo - e saiu correndo. gritou qualquer coisa – ela não se lembrava o que, não mesmo – e quando ela se deu conta, estava sentada no quarto banco da esquerda para direita dos jardins atrás do palácio.
Ótima escolha, .
Aquele lugar que representava uma lembrança tão doce e querida de Chris a fazia chorar descontroladamente. As lágrimas escorriam com tal intensidade que ela chegava a sentir sua camiseta molhada e as pessoas se afastando – provavelmente com medo de que ela estivesse chapada por crack ou tivesse fugido de um centro psiquiátrico.
Para sua sorte, seu celular começou a tocar Monster do The Automatic e ela o atendeu sem nem ao menos checar quem a procurava.
estava do outro lado da linha. tinha passado seu telefone para ele (sim, ele tinha descoberto seu celular também), pois estava preocupado com ela e tinha a impressão de que não o queria por perto.
Apenas uma impressão.
Foi assim que a ligação de salvou o resto do seu dia porque se ela estava se sentindo azul naquele momento, antes a cor era cinza.
Em poucos minutos, um trajando uma camiseta muito vermelha sentou-se ao seu lado. Ele segurou sua mão e a abraçou. Não saberia falar por quanto tempo, mas o céu já estava alaranjado quando os dois caminharam até o carro de e seguiram até sua casa, um flat em cima de uma loja da Banana Republic na Upper Thames Street.
Ela se odiou por ter se afastado tanto do garoto nos últimos meses; se odiou por não ter pedido ajuda; se odiou por ter ignorado sua amizade.
Bem, na realidade, naquele momento, ela se odiava por diversos outros motivos.
- Eu estava preocupado com você. Você foi embora tão arrasada e deprimida... Com o tempo eu me convenci que você estava bem. Já que estava com os seus pais e tudo mais... Até que o me ligou falando que era para eu ir atrás de você e... – Ele fez uma pausa. – Você já sabe o resto da história...
Sim. Ela sabia. Infelizmente.
Monster começou a tocar novamente. Ela levantou-se e olhou em volta, em busca de seu celular. Localizou sua bolsa em cima do pufe vermelho que ficava debaixo da janela.
- Oi, Chris. – Ela atendeu assim que leu o nome de seu namorado na tela. A culpa a corroeu novamente. Além de tudo, ela tinha esquecido completamente dele e de sua festa.
- Oi, ! Cadê você? – Ele perguntou com a voz agitada e o som de alto de algo parecido com Klaxons a sua volta.
- Hum... – A garota murmurou. – É... Eu acho que vou me atrasar. Estou aqui num pub com o pessoal do trabalho, inclusive a minha chefe. Acho que vou ter que passar mais algum tempo por aqui. – Ela mentiu enquanto encarava a bonita vista do apartamento de que mostrava um Tâmisa salpicado pelo laranja das últimas forças do sol e dos faróis dos carros que zuniam na larga avenida a sua frente.
- Ah não! Não tem jeito mesmo, ? – Chris reclamou com a voz chateada. Ela escutou a voz escandalosa de Anwar e a voz de Cassie.
- Eu vou tentar voltar o mais rápido possível, ok?
- Está bem, então. – Ele respondeu mal humorado. – Venha logo, nós estamos fazendo shots de tequila! – A voz de Chris ficou bem mais feliz com o novo assunto. – Te amo.
Ele desligou no meio de todo aquele barulho de festa
fechou o seu celular e contemplou a vista novamente. Diferente do lugar de onde Chris estava, ali estava extremamente silencioso e pacífico. Ela respirou fundo, agora, arrependida por ter mentido para o menino. Mas o que ela iria falar?
“Oi, Chris! Não fui para casa ainda porque fiz uma coisa horrível com você e não consigo olhar para a sua cara. Estou na casa do melhor amigo do cara que eu acabei de beijar. Beijos, me liga.”
Não.
Coçou a cabeça e fechou os olhos. Ela estava enterrada em metros de bosta.
A menina virou-se e encontrou sentado na cama observando-a. Sua expressão era séria e preocupada.
- Eu não sabia o que falar para ele. – Respondeu, mesmo que ele não tivesse perguntado nada. Ela sabia que ele queria uma resposta, mesmo que fosse gentil demais para fazer a pergunta.
- Eu entendo.
voltou para a cama e se sentou com pernas de índio no colchão fofo. Levou suas mãos até a sua cabeça e fechou os olhos. Só os abriu quando os sentiu ardendo e coçando. Estavam muito pesados graças a um galão de lágrimas que se espatifaram por suas pernas. Ela sentiu aquele líquido morno escorrendo por todo o seu rosto e já imaginou o quanto lindo não estava o seu delineador que não era a prova d’água.
Gata.
O curioso era que ela nem tinha percebido que estava com vontade de chorar. Sua respiração não estava pesada ou encontrando dificuldades para ser completada e, no entanto, ela poderia matar um recém-nascido afogado com toda aquela água que estava saindo de seu corpo.
sentou-se a sua frente e suas mãos tocaram as dela.
- O que eu devo fazer, ? – Sua voz perguntou num tom que nem parecia dela. Era baixo demais, fino demais, assustado demais. – O já errou muito comigo, mas é ele quem faz com que eu me sinta mais viva do que nunca, é ele que faz eu ter frio na barriga e o meu coração bater tão forte que eu posso sentir ele em todas as partes do meu corpo... Mas o Chris... – balançou a cabeça e apertou os olhos. As lágrimas caíram com mais abundância ainda. – Eu nem sei colocar em palavras o que eu sinto por ele! Ele é a pessoa que eu mais confio no mundo, uma das únicas pessoas que nunca me magoou, é tudo o que eu conheço, o que eu amo... Eu não sei falar é como... Eu me sinto... – A menina encarou os olhos atentos e preocupados de . – Eu me sinto abraçada só de pensar nele, eu sinto que eu preciso passar a minha vida inteira com o Chris para que ela tenha sentido. Nada faz sentido sem o Chris e se eu escolher ficar com o , eu não vou ter o Chris nem como amigo. Ele não vai agüentar ser trocado... Ele também precisa de mim e eu sei disso. – Ela nem sabia mais se o que estava falando fazia sentido ou não. Simplesmente despejava as palavras. - O não. Ele diz que precisa, mas eu não sei se acredito. Eu nunca mais vou ver o Chris se eu terminar com ele desse jeito. Eu não existo sem o Chris.
O garoto rodeou seu pescoço com suas mãos e foi nesse momento que realmente teve vontade de chorar. Manifestações de carinho às vezes têm o efeito contrário nela, a deixam mais sensibilizada e chorona. Seu corpo sofria pelos espasmos causados pelos soluços e pela pouca quantidade de oxigênio que conseguia chegar a seu pulmão.
Sentia o calor do corpo de acalmar cada soluço. Cada vez que seu corpo tremia o menino a apertava com mais força.
Ele fez isso até que as lágrimas voltaram a ser as únicas manifestações de seu corpo.
- Eu não posso te falar o que fazer, . – finalmente a respondeu. – Eu só posso te falar que você precisa colocar a sua cabeça no lugar para poder tomar a melhor decisão. – secou suas lágrimas com as costas de sua mão. – Essa situação que você está deve ser... Sei lá... – Ele olhou para o lado buscando vocabulário. – Agoniante, mas você é forte o suficiente para resolver isso! Eu sei que é! – concordou com a cabeça. Não exatamente por pensar do mesmo jeito que o rapaz, mas por sentir que era aquilo que ele esperava que ela fizesse. Por incrível que pareça, sentiu-se mais capaz de sair daquele buraco. – Ok? – Ele perguntou. – Promete que você vai fazer de tudo para resolver essa história da melhor maneira possível? Sem sofrimentos? – Seus olhos a penetravam, tamanha era a intensidade de seu olhar. – Bem, sem muitos sofrimentos. – Ele complementou enfatizando a palavra muitos.
- Prometo. Eu vou tentar, eu preciso tentar.
- Você não vai tentar, você vai conseguir!
Go team, GO!
sorriu.
- Valeu, . – Seus lábios se forçaram a se curvar numa espécie de sorriso.
- Não quero mais te ver chorando. – Ele falou tentando animá-la, não mais motivá-la. Ou fazê-la ganhar um troféu. concordou movimentando a cabeça. – Você tem sorte... – Ele começou num tom debochado. – Tanta menina reclamando por estar sozinha e você tem dois caras! Dois! – Ele exclamou exagerado e levou um soquinho na barriga. quase riu. – Você deu azar de eu não ser um dos interessados. – Ele deu uma tosse forçada. – Se eu fosse, você não teria dúvida alguma... – Concluiu fingindo ser metido.
- Não teria dúvidas para escolher o outro. – respondeu antes de começar a atacá-la com cócegas e os dois caírem em uma crise de gargalhadas e uma espécie de lutinha.
Rir era libertador. Sua respiração ficava difícil novamente, mas não era ruim. Era muito bom, na verdade. Seu peito ficava vazio e leve.
Assim que tinha que ser. Ela não queria mais aquele problema em sua vida. Precisava resolvê-lo. Só assim sentiria seu peito leve e vazio sem precisar das palhaçadas de seu amigo.
Capítulo 37;
abriu os olhos assustada. Levantou sua cabeça tentando reconhecer o lugar onde estava.
O quarto de não estava mais amarelo, mas sim preto. Alguma luminosidade vinda da janela permitiu que ela olhasse para o lado e encontrasse o amigo desmaiado ao seu lado. Talvez ele até estivesse roncando.
Ela pulou da cama aflita. Precisava saber que horas eram. Em dois passos encontrou sua bolsa e seu celular. Soltou um palavrão ao ficar sabendo que passava da uma da manhã.
Ótimo.
O que ela falaria para Chris agora?
Era impressionante como ela tinha essa capacidade de complicar cada vez mais a própria vida!
Ela e tinham tido a brilhante idéia de abrir uma garrafa de vinho. A verdade era que a garrafa de vinho se transformou em duas garrafas.
Já não tinha mais a sua antiga forma e a bebida a capotou. O fato era que no momento que ela sentiu o ardor do álcool nas suas bochechas, e sua leveza em seus neurônios, ela notou que estava bêbada. Estava bêbada e queria ficar mais bêbada. Bêbada até o ponto que nada importa e tudo é esquecido.
Ela não chegou até esse ponto, no entanto. O máximo que consegui foi sentir muito sono e ceder à cama macia de . Pelo jeito, ele também tinha cedido.
Sua cabeça latejava e ela ainda se sentia levemente tonta. Mesmo assim, em menos de um minuto, ela vestiu seus tênis, pendurou sua bolsa em seus ombros, escreveu um bilhete para (para que ele não se preocupasse) e saiu do apartamento equilibrando-se nas paredes que achava em seu caminho pós-bebedeira
Fazia tanto tempo que ela não tinha aquela sensação horrível e ao mesmo tempo libertadora de uma ressaca.
já tinha perdido os últimos trens do metrô quando pisou na rua. Nesse mesmo momento, gotas grossas de chuva começaram a cair do céu acinzentado e sem estrelas. olhou para cima sentindo três ou quatro gotas atingirem a sua face com tanta força que quase a machucaram.
Ela sentia sede.
Tirou uma nota de dez libras da bolsa e no mesmo segundo, uma rajada de vento a arrancou de sua mão e a levou para longe.
Queria chegar logo em casa. Estava atrasada. Estava sempre atrasada.
Olhando obsessivamente para a tela de celular para checar as horas, ela acenou para um táxi azul marinho que acelerava perto da outra esquina.
Sua mão até doeu de tanto acenar até que o automóvel parou próximo ao meio fio.
Estava perdendo sua cabeça. Estava subindo pelas paredes.
- Gerardstreetporfavor. – Ela falou rapidamente assim que se sentou nos bancos de tecido cinza felpudo.
- Calma, querida. Você tem tempo. – O senhor careca na direção falou. Na verdade não, ela não tinha tempo, mas havia algo nos olhos bonzinhos do velhinho que ela podia ver pelo espelho retrovisor que a acalmaram de verdade – Para onde você quer ir?
- Gerard Street, por favor. – Ela soltou sua respiração.
- Muito bem.
O motorista arrancou com o carro. Uma música suave saia do rádio. Uma doce voz feminina tinha como companhia apenas um piano. Era uma canção extremamente triste sobre uma garota teimosa que faz as pessoas se sentirem como ela nunca quis que elas se sentissem.
Pois é.
Apesar de estar se sentindo arrasada, ela não estava mais tão em pânico como antes. Estava apenas chateada e em dúvida.
Muito chateada. Com muita dúvida.
As ruas vazias e os sinais liberados fizeram com que chegasse rapidamente à sua rua.
Abriu sua bolsa novamente, tirou outra nota de dez de lá e a entregou ao velhinho lindinho. Ele lhe entregou seu troco e ela já ia saindo quando escutou:
- Você não tem que ter pressa. É a sua vida e de mais ninguém. Não deixe ninguém te colocar numa caixa.
A menina o encarou assustada. Suas palavras encaixavam-se tão perfeitamente com seus problemas que ela se perguntava se o velhinho bonitinho não era Deus disfarçado. Ou coisa que o valha.
Ela costumava assistir Joan Of Arcadia antes de cancelarem a série sem nenhum tipo de prepara psicológico para o fãs.
Ele sorriu docemente e desceu do carro. Assistiu o táxi azul marinho dobrar a esquina enquanto as palavras do senhor ecoavam em sua cabeça. Era como se ele ainda estivesse ali as falando.
Era a vida dela e de mais ninguém.
Ninguém.
Assim que abriu a porta, ela sentiu o impacto e escutou a reclamação de alguém. Passando por uma fresta entre a porta e a parede, ela pulou o corpo magrelo de Anwar. O garoto estava desmaiado no chão. Estava sem camisa e usava um chapéu grande e espalhafatoso. Ela não conseguia reconhecer ao certo o que era aquilo. Estava abraçado a uma garrafa de Jose Cuervo.
Viva o México!
Ela nem teve coragem de acender as luzes e constatar o canteiro de obras destruído que tinha virado o seu apartamento. O cheiro de ocre e forte de maconha lutava com o de álcool derramado e sua cabeça doeu de novo lembrando-se do vinho de algumas horas atrás;
As grandes janelas do lado oposto do cômodo permitiam que ela se localizasse e até enxergasse que havia um cara vestido numa fantasia de urso caído no pé da escada. Jal dormia em cima de sua barriga.
Em seu sofá, estavam Cassie e Sid. Eles dormiam de conchinha pacificamente e semi-nus.
Impressionante como ninguém mais respeita o sofá dos outros.
Escalando o homem urso e Jal, subiu as escadas.
Chris havia desmaiado na cama com sapatos e tudo. Ele dormia de barriga para cima com os braços abertos. Um deles estava pendurado para fora da cama, ainda segurando uma garrafa de tequila.
O coração da menina doeu ao vê-lo. Ela não acreditava que tinha beijado outra pessoa. Não acreditava na pior parte, que estava tendo sentimentos por outra pessoa.
Sentindo um nó na garganta, ela tirou seu sapato vermelho alaranjado e sua meia rosa (sim, apenas uma meia, na do pé direito). Ele nem se moveu. Chris vestia uma espécie de terno preto e uma camisa rosa com uma mancha amarela. Sabe–se lá com o que ele tinha se sujado. tirou o resto de sua roupa e o deixou apenas com suas boxers laranjas.
Sua noção de moda ficava cada vez mais insana.
A garota não pode deixar de rir enquanto o cobria com o edredon.
tomou um banho quente e demorado e vestiu seu pijama, na verdade, uma calcinha e uma camiseta do Arctic Monkeys. Deitou-se na cama apesar de não estar com um pingo de sono. Já tinha dormido bastante na casa de e agora, seus pensamentos a assombravam. Quando ela era pequena, ela nunca conseguia dormir após um sonho ruim. Sentia-se assustada e tinha medo de que se pegasse no sono novamente, teria outro pesadelo. Sentia-se daquele jeito novamente. Fazia anos que não tinha aquela sensação, no entanto, lembrava exatamente o quanto ela fazia a garota sentir-se amedrontada e sozinha.
Aquela situação era como um pesadelo e ela tinha medo de dormir e se deparar com tudo ainda mais horrível do que já estava.
Afofou a coberta que dividia com Chris e escutou a respiração alta, cansada e longe do garoto. A iluminação vinda da janela permitia que ela visse metade de sua face muito bem iluminada. As luzes brincavam de esconde-esconde em sua cama.
Sentia-se a pior pessoa do mundo por deitar-se na mesma cama que Chris após tudo o que tinha acontecido naquele dia. Era como se a sua personalidade fraca fosse contaminar a personalidade perfeita do menino.
Ela virou-se de costas para ele enquanto sentimentos cada vez mais opostos e confusos tomavam conta dela. Uma sensação horrível e gelada na boca de seu estômago também não a ajudava na missão de pregar os olhos. Obrigou-se a fechá-los, mas essa ação só fez com que a intensidade das sensações aumentasse e ganhasse novos companheiros: tremores.
O sono finalmente chegou, mas não conseguiu se instalar por muito tempo. Sua cabeça trabalhava rápido demais para permitir que ela dormisse e descansasse de fato. A menina cochilou e acordou com maus pensamentos infinitas vezes. Encarava a gravura do quadro igual ao de quando Chris se mexeu pela primeira vez desde a sua chegada. Os primeiros raios de sol começavam a pintar o seu de laranja, mas ainda eram fracos demais para iluminar o cômodo.
nem se mexeu e fingiu que estava dormindo. Não estava preparada para encará-lo consciente. Ele respirou fundo, daquele jeito tão profundo que só acontece quando você não está totalmente acordado, e aproximou-se de sua namorada, abraçando-a e encaixando seu corpo ao dela.
teve vontade de chorar.
Assim que percebeu que Chris tinha dormido novamente, se desvencilhou de seu braço e pulou da cama. Encontrou no chão o melhor lugar para se acomodar.
Quando o chão é o lugar onde você se sente mais confortável, as coisas estão realmente ruins.
Nada como o frio e a falta de espumas.
Seus olhos observavam Chris dormindo tranqüilamente enquanto seu coração se sentia esmagado. Ela precisava tomar uma decisão.
A pele avermelhada do menino começava a ficar dourada graças aos raios de sol que ficavam mais fortes a cada minuto.
Noite pesada. A noite passada tinha sido uma noite pesada. Era como se ela estivesse voltando do mundo dos mortos, ou coisa que o valha, mesmo que não tenha realmente dormido.
Até depois de uma madrugada em claro ela o amava. Amava-o de manhã, quando ele
ainda estava com ressaca. Amava-o de manhã quando ele ainda estava espalhado na
cama.
A vida não precisa ser tão difícil. Existem aqueles que são mais espertos que você e aqueles que usam sapatos melhores do que os seus, mas no fundo, o que todos deveriam fazer é se esquecer das calotas polares derretendo, esquecer de tudo. Contando que você esteja fazendo o melhor possível, tudo pode ser esquecido.
Todas as vezes que sua cabeça esteve em seu peito e que ela abriu um sorriso feliz. Como uma ostra e a sua pérola. Sempre juntos. Um jeito próprio de felicidade. Um amor mais alto do que palavras.
Lágrimas começaram a rolar pelo rosto da garota porque ela tinha aqueles sentimentos por duas pessoas. Ela amava intensamente duas pessoas.
se levantou e desceu as escadas em passos rápidos. Precisava de ar.
Abriu uma das portas da janelona de sua sala e pulou pra a varanda. Retirou as latinhas de cerveja de cima do sofá velho que ela e Chris mantinham ali e sentou-se no móvel, enrolando-se em uma das mantas que sempre estava por ali.
Suas lágrimas ficaram mais grossas e ela avistou o maço de Marlboro Light de Chris em cima de uma mesinha ao seu lado. Terminou com o maço de seu namorado antes de sua mente finalmente se render ao cansaço de seu corpo e ela desabar num sono pesado e merecido.
Sempre resolvendo seus problemas de maneira saudável.
Capítulo 38;
acordou sentindo a claridade em sua face mesmo antes de abrir os olhos. Ela fazia com que cada um de seus neurônios doesse. Era como se alguém os tivesse apertando e os estourando um a um. Bem devagar. Com bastante crueldade. Não era apenas sua cabeça que doía, seu corpo parecia ter sido atropelado por um daqueles soldados de Buckingham e seu cavalo com a crina mais bonita do que o cabelo dela. Ela meio que os odiava. Ela odiava tudo naquele momento.
Finalmente abriu os olhos e pensou que fosse morrer ali mesmo.
Seu cérebro estava sendo moído. Certeza.
A garota olhou a sua volta. Estava em seu apartamento, mais especificamente, no chão de sua sala. O cômodo estava bagunçado, lotado de garrafas vazias e fedia a cigarro e maconha. Ela ainda vestia um vestido azul com estampa xadrez que tinha colocado na noite anterior, antes de mais uma festa. Seu cabelo estava grudado em seu rosto. Deus, ela precisava de um banho.
Ela poderia ter ido até seu banheiro e ter voltado a sua forma humana, mas ela não tinha forças.
Ressaca filha da puta.
Sid estava deitado do outro lado da sala. Ele dormia profundamente com a barriga para cima. rastejou até ele e tirou um maço de cigarros do bolso de seus jeans. Era um cigarro que ela nunca tinha visto na vida. Era de algum outro país e palavras numa língua que ela nem sabia que existia enfeitavam a sua caixa, junto com o desenho de um cara charmoso. No outro bolso de Sid, ela achou um isqueiro vermelho.
O cigarro era horroroso, mas ela não tinha idéia de onde estavam os dela. Desde que ela tinha devorado o maço de Chris há uma semana atrás, não conseguia mais parar.
Muito bem!
encostou-se na parede e tragou o cigarro com vontade. O barulho de papel sendo lentamente queimado zunia em sua cabeça.
Cigarro estranho. Fazia o mesmo barulho que a seda da maconha.
Ela ainda não tinha se decidido. Ela continuava confusa. Ela continuava infeliz.
Não tinha tido nenhum contato com desde aquele beijo. Ela tinha pedido para que o avisasse que ela mesma procuraria ele. Quando a hora fosse certa. Quando ela estivesse certa.
O problema era que ela não sabia qual era a hora certa e ela não estava certa.
Para sua sorte, tanto ela quanto Chris tinham trabalhado muito naquela semana e mal tinham se visto. Não que ela não quisesse vê-lo, nem que ela não morresse de saudades, mas era simplesmente muito difícil encará-lo naturalmente no meio de toda aquela situação.
Por isso que na noite anterior, quando ela não achou desculpa nenhuma para evitá-lo, ela ingeriu uma imensa quantidade de álcool que garantiu que ela desabasse no começo da festa e só acordasse naquela hora.
Seu coração doía por estar fazendo aquilo com ele.
Ela encarou Chris. Seu namorado estava desmaiado no sofá. Bem, metade de seu corpo estava no sofá e a outra no chão. Ele vestia aquela camiseta que ela amava. Sim, ela amava algumas roupas de Chris. Ela era vermelha, mas não era um tom berrante de vermelho. Era um tom parecido com a cor de uma goiaba e tinha estampas de formigas.
apagou o resto do cigarro num copo plástico que estava pelo chão. Acabou que furou o copo e esparramou cinzas pelo piso. Com dificuldade, levantou-se e caminhou até Chris. Ela beijou sua testa e passou a mão por seus cabelos. Um sorriso apareceu no canto de seus lábios, mas logo sumiu porque sorrir fazia a bosta da sua cabeça doer mais.
A garota subiu as escadas e encontrou o andar de cima vazio e intacto. Lembrava-se vagamente que havia mais convidados além do Sid.
Bem, se havia ou não, eles não estavam por ali.
Ela entrou no banheiro e ligou o rádio. Sim, eles tinham um rádio no banheiro. A Mariah Carey tem uma televisão de plasma no banheiro. Por que ela não podia ter um aparelho de som ali?
O ipod de Chris estava conectado ao aparelho e assim que ela o ligou, Adam And The Ants começou a tocar. Livrou-se das roupas com aquele cheiro horroroso de bebedeira enquanto sua banheira azul se enchia de água e a voz de Adam cantava no álbum Prince Charming.
Título um tanto quanto sugestivo para alguém que tinha dois.
Entrou na banheira e sentiu a água quente amenizando seu mal estar. Mas apenas amenizando, ela odiava aquela sensação. E não era a sensação de dor em cada milímetro de seu corpo nem a sensação de que sua alma tinha saído para passear. A sensação que ela odiava era a de não saber o que está fazendo; saber o que está acontecendo, mas não saber o que fazer; não saber o que é mais certo ou mais errado e, principalmente, o medo de machucar pessoas que ela amava.
Fechou os olhos ainda não muito adaptados a luz e recostou sua cabeça. Talvez se ela fechasse seus olhos por um segundo e simplesmente tentasse esvaziar sua cabeça, se sentiria melhor.
acordou assustada, espalhando água (já gelada) pelo piso do banheiro. Não sabia quanto tempo tinha dormido, mas Adam And The Ants já tinha sido substituído por Air Traffic. Na verdade, pelo fim do álbum do Air Traffic.
Seu corpo já não doía mais, apenas sua cabeça parecia levemente mais pesada (e ao mesmo tempo mais leve) que o normal.
Enxugou-se na toalha vermelha felpuda, foi até o quarto e pegou suas roupas. Ela queria algo confortável, mas aparentemente, todas as suas roupas confortáveis estavam na roupa suja.
Ela ainda não tinha entendido todo aquele conceito de que se você não lavar a
roupa, ela não se lava sozinha.
Acabou vestindo aquele vestido preto curto demais e apertado demais que ela tinha usado tempos atrás em uma festa em sua casa.
Bosta.
- ? – A voz de Chris gritou do andar debaixo.
- Oi!
- Desce aqui!
- Estou indo! – Ela respondeu enquanto desembaraçava as pontas ressecadas pela espuma de banho de seus cabelos.
Para que xampu e condicionador?
Sentindo ímpetos de cortar o seu cabelo na altura do queixo para conseguir se livrar dos nós, ela o prendeu em um coque no meio de sua cabeça. Desceu os degraus frios da escada com seus pés descalços.
Chris estava sentado sorridente em um dos bancos em volta do balcão da cozinha.
- Bom dia! – Ele falou quando
se aproximou.
Seus olhos estavam levemente inchados e vermelhos, mostrando as marcas da noite anterior. Ele continuava lindo.
Chris beijou seus lábios e colocou suas mãos em sua cintura enquanto o casal encostava suas testas. Aquilo era bom. Aquilo era realmente bom e por um segundo, seus problemas foram deletados.
- Bom dia! – finalmente respondeu enquanto seus olhos se encaravam e suas bocas formavam sorrisos.
Às vezes ela se esquecia de tudo. Geralmente ela estava bêbada, mas nas outras vezes, ela estava em um desses momentos com Chris. Momentos que ela nem sabia da existência de um cara chamado , muito menos da existência da culpa por tê-lo beijado e menos ainda da dúvida entre qual dos dois seria o mais certo para ela.
- Eu cozinhei para você. – Chris falou com brilho nos olhos.
sentiu que os dela se arregalaram. Ela e Chris mal tinham panelas naquele apartamento.
- Como assim? – Ela perguntou sorrindo, ao mesmo tempo em que seus olhos pousaram em um prato de sobremesa em cima do balcão. Alguns objetos pretos não identificados jaziam (esse é o melhor verbo) em cima dele. Seu sorriso transformou-se em uma cara de dúvida. – Hum... – Ela murmurou encarando a felicidade e o orgulho de Chris. – O que é isso, Chris?
- Torradas!
- Torradas?! – Ela perguntou tocando em uma delas. O treco espatifou-se. – Mas elas estão pretas...
- Eu prefiro o termo afro-americano. – Ele brincou. – É, eu sei que deu uma queimadinha.
– Confessou envergonhado.
- Está perfeito. – respondeu beijando a sua bochecha. Estava mesmo. – Obrigada.
Por que ele não tinha colocado as fatias de pão na torradeira e pronto?
Não importava. Ela tinha vontade de mordê-lo por ter feito algo tão fofo.
A menina se sentou no banquinho ao lado de seu namorado e cortou uma das torradas no meio. Talvez no centro delas ainda existisse vida.
Não.
Chris colocou um copo de suco de uma cor rosa alaranjada a sua frente.
- Do que é? Pêssego? – Ela perguntou segurando o copo antes mesmo de levá-lo a boca..
- Não, é de ameixa. Eu sei que você não gosta de pêssego. – Ele falou antes de colocar uma lata de Pringles a sua frente e jogar as torradas no lixo.
Ela realmente não gostava de pêssego. Nunca gostou. Sempre teve a impressão de estar comendo ou tomando um frasco de desinfetante ao levar qualquer coisa feita da fruta até sua boca. Desde que ela se conhecia por gente, ela odiava pêssego! Até o cheiro a enojava um pouquinho e Chris sabia disso. Chris sabia de tudo isso. Chris nunca compraria um smoothie de pêssego para ela. Ele compraria o seu favorito, o smoothie de frutas vermelhas. Ele compraria o seu smoothie favorito porque ele conhecia todas as suas preferências, até melhor do que ela mesma.
- Esqueci de te falar... – A voz de Chris a trouxe parcialmente de volta a realidade. – Entregaram esse quadro ai para você enquanto você estava no banho. – Sua cabeça apontou as costas de . Ela se virou encarando Light Red Over Black de Mark Rothko, sua obra de arte favorita, aquela que ela tinha visto na casa de umas semanas atrás. – A Tate deve ter mandado entregar. – Ele continuou. – Nem sei como eles conseguiram fazer isso entrar pela nossa porta... – mal respirava encarando a pintura que tomava toda a parede de seu apartamento. – Eu ainda estava meio bêbado quando abri a porta para eles! – Chris riu sozinho. – Eles deixaram uns M&Ms ai também. Falaram que era brinde, mas o Sid roubou eles antes de voltar para casa.
A menina sentiu a força que mantinha seu corpo sentado falhar. Ela teve que se segurar com as duas mãos no balcão para não desabar no chão. Seus olhos piscavam incontrolavelmente, como se tentassem fazer com que aquilo desaparecesse. Seu coração batucou forte dentro de seu corpo.
Precisava de ar. Precisava sair dali naquele instante!
- Eu... – Ela gaguejou e coçou a própria cabeça. – Eu... Eu acabei de me lembrar de uma coisa, Chris! – Ela falou rapidamente, sem nem olhar para a cara de seu namorado. – Eu preciso resolver uma coisa no trabalho... Agora! – Ela completou andando em direção da porta e já pegando sua bolsa vermelha de tecido atoalhado.
Chris falava alguma coisa, mas ela não conseguia entender o que era. Era como se ele estivesse falando outra língua.
só notou que estava descalça quando já tinha destrancado a porta. Olhou em volta procurando qualquer tipo de calçado e seu coração acelerou-se mais ainda ao ver um que ela nem lembrava mais que existia. Era uma galocha vermelha. A galocha vermelha de April.
Nem sabia como tinha ido para ali. Não estava ali na noite passada, mas ela a vestiu, pendurou sua bolsa no ombro e saiu correndo.
Uma dessas peruas que mais parece uma nave espacial estava estacionada em frente à casa de tijolos e janelas brancas. abriu o portão que separava o pequeno jardim bem cuidado da calçada e assistiu suas galochas vermelhas pisarem no caminho feito com pedras até a porta. Ela bateu na madeira, sentindo suas mãos fecharem-se como pequenos tatus bolas e escutando a movimentação no interior da casa.
- Olá, ! – Uma mulher de meia idade a cumprimentou surpresa, mas feliz. Apesar de estar alguns quilos acima do peso, notava-se a sua vaidade pelas roupas de marca e seus cabelos castanhos bem tratados. – Meu Deus! Quanto tempo! – sorriu sem saber ao certo o que falar e recebeu um abraço apertado. – A April nem me contou que você tinha voltado do Peru!
- Eu acho que ela não sabe. – Ela arriscou responder.
As mãos com unhas vermelhas da Sra. Richardson, mãe de April, foram até sua boca.
- É uma surpresa? – Ela perguntou animada. A menina nem teve tempo de responder, pois a mulher já empurrou-a escada acima. – Sobe, pode subir! Ela está no quarto dela. – fez que sim com a cabeça, mas não se moveu pois a mão levemente gordinha da mulher segurava seu ombro. – Espere. – Ela falou. – Malcolm! – Um cara que devia ter uns dez anos a mais que saiu da cozinha. Ele era bonito. – , querida, esse é Malcolm, meu marido. – Quando ainda falava com April, sua mãe era casada com um tal de Walter. – Malcolm, essa é a , a melhor amiga da April.
- Prazer. – Ele falou parando seus olhos não em sua face, como as pessoas geralmente fazem ao apertarem as mãos, mas em suas pernas.
Ela tinha a impressão de que esse era outro casamento da mãe de April que não daria certo.
- Vai, querida. – A Sra. Richardson (ou a Sra. Sobrenome do Malcolm?) fez sinal para que ela subisse e largou seu ombro. – A April vai ficar tão feliz de te ver!
queria acreditar em cada uma das palavras da mulher. Queria com todas as suas forças que elas fossem a verdade, mas a realidade era que ela não tinha nem idéia de qual seria a reação de April. Ela não tinha pensando nesse detalhe quando saiu de casa correndo. A única coisa que tinha passado por sua mente tinha sido o fato de que ela precisava de sua melhor amiga. Ela era a única pessoa que poderia ajudá-la àquela altura dos acontecimentos.
A menina subiu as escadas forradas por carpete cor de pêssego devagar.
Claro, pêssego.
Contou cada um dos degraus pensando que aquilo a deixaria menos nervosa. Não ajudou. Não ajudou, pois quanto mais ela se aproximava do número 17 ( freqüentava aquela casa desde sempre e sabia de cor certos detalhes), mais nervosa ela se sentia.
O corredor estava relativamente escuro, levando-se em conta que era uma tarde de verão. Todas as portas estavam fechadas pois o universo da Sra. Richardson poderia sair de seu curso caso uma porta ficasse aberta. As luzes vinham dos vitrais coloridos da escada e das janelas acima das portas daquela casa antiga.
Ela chegou até a última porta do lado direito do corredor. Decidiu que não enrolaria mais. Bateu na porta apenas para anunciar sua entrada. Nem mesmo esperou um consentimento para escancará-la.
E... Aquilo foi um erro! Foi um erro porque dois corpos semi-nus quase bateram a cabeça no teto de susto.
pôde reconhecer April e aquele cara com quem ela tinha ficado logo depois que terminou com Tony. Seu nome era Sean e achou absolutamente perturbador vê-lo sem o seu chapéu boêmio e, principalmente sem roupa alguma.
- Desculpa! Desculpa! – Ela falou olhando para o chão. – Eu vou... – Gaguejou. – Eu vou lá embaixo... Fiquei com muita sede.
Ela bateu a porta e desceu as escadas rapidamente. Entrou na cozinha com o coração disparado e com palavras (principalmente palavrões) saindo de sua boca sem que ela nem ao menos prestasse atenção nelas.
A menina apoiou as duas mãos na pia e fechou os olhos arrependendo-se do momento que decidira invadir o quarto de sua ex-melhor amiga. Como se a situação já não fosse totalmente horrível, ela ainda tinha que tornar tudo ainda mais constrangedor.
balançou a cabeça com raiva e vergonha. Quando seus olhos se abriram de novo, ela encarou a vista da janela da cozinha. Malcolm e a Sra. Richardson estavam na jacuzzy que se localizava nos jardins de trás da casa. Estavam quase tão animados quanto April e Sean. Eles conseguiam se livrar de suas roupas tão rápido quanto um casal de adolescentes.
Deus! Qual era o problema daquela família? Ninguém conseguia arrumar um quarto e TRANCAR a porta dele?
Isso era o que ela chamava de excesso de hormônios.
A menina tirou um cigarro de sua bolsa e o acendeu na chama do fogão pois não podia achar seu isqueiro em lugar algum. Isso que acontece quando você usa uma bolsa muito grande. Isso que acontece quando há pessoas demais copulando a sua volta.
Que nojo.
April fumava, a mãe de April fumava. Ela não teria que se preocupar em esconder o cheiro da fumaça, pelo menos.
estava sentada na pia, assistindo a fumaça sair de sua boca quando April apareceu na porta da cozinha. Ela não conseguiu emitir som algum. De uma hora para outra esqueceu que estava tão constrangida, mas só se lembrou do quanto estava nervosa.
Seu cabelo estava mais curto. Mal chegava até os seus ombros. Ficavam melhor daquela maneira. Ela vestia apenas uma calcinha colorida e a camiseta de seu pijama que imitava a pelagem de uma vaca. O pijama era de , na verdade e havia sido esquecido ali há algum tempo atrás.
Sua amiga também ficou em silêncio. Ela sentou-se ao seu lado na pia, pegou um cigarro do maço de e abaixou sua cabeça até acendê-lo no fogão.
As duas permaneceram em silêncio. encarava sua amiga enquanto sentia o nervoso crescer a cada tragada do cigarro dela. Foi apenas quando April terminou seu cigarro que finalmente falou.
- Por favor, fala alguma coisa.
- O que você quer aqui? – Ela perguntou secamente. Péssimo começo.
- Eu quero me desculpar de novo e quero que você me desculpe porque você é a minha melhor amiga e passar todo esse tempo sem te ver ou falar com você é como ficar sem falar com uma parte de mim mesma.
Pronto. Era aquilo. Poderia parecer egoísta ela só aparecer ali quando estava com problemas, mas a verdade era que, antes, ela tinha medo demais. Precisou de uma crise para criar coragem e encarar a garota.
Ela estava cansada de fingir que pessoas importantes não faziam falta em sua vida. April fazia falta, fazia falta,
fazia muita falta e Chris faria muita falta, dependendo da decisão que ela tomasse
dentro das próximas horas.
A menina tinha esperanças de que April a ajudasse, mas se não fosse possível, ela decidiria sozinha. De uma vez por todas.
- Você deveria ter pensado nisso antes de dormir com o Tony.
- Eu sei! Eu sei! - Ela já estava cansada de dar sempre a mesma explicação. –
Foi uma falha imensa como melhor amiga não ter percebido que você ainda gostava
dele e... – Ela parou para pensar no que falar e nada veio a sua cabeça. Nada
era bom o bastante. – E... não tem explicação. Qualquer coisa que eu fale agora
você já escutou em todas aquelas mensagens de voz que eu deixei quando você descobriu.
Eu só posso te falar que eu me arrependo muito de tudo isso, me arrependo de ter
quebrado a nossa amizade, de ter separado todo o grupo, me arrependo de não ter
sido forte o suficiente para me recuperar da traição do
enchendo a cara, como pessoas normais fazem, me arrependo de ter sido fraca e ter precisado dormir com alguém para esquecer de tudo, me arrependo de ter escolhido o seu ex-namorado para fazer isso, me arrependo do Tony ser aquele verme, me arrependo de ter fugido quando deveria ter resolvido tudo, me arrependo de ter demorado tanto para vir te procurar, me arrependo por não ter esperado você abrir a porta do seu quarto quando eu bati! Me arrependo de tanta coisa...
Ela tinha finalizado seu discurso com esperanças de quebrar o gelo, mas não conseguiu.
April levantou-se e parou em frente a ela com os braços cruzados. Seus olhos azuis estavam frios e bravos, mas de repente, eles ficaram tristes, desesperados, melancólicos. A menina levou a mão a cabeça.
- Eu sempre soube quem era o meu namorado. – Ela começou a despejar com a voz embargada. - Sempre. Sempre soube que eu tinha mais chifres do que... – Ela procurou um exemplo, virando os olhos. – Sei lá... Mas eu sabia que podia agüentar essas coisas porque eu amava mais o Tony do que a mim mesma e porque eu sabia que eu podia confiar em você. Eu reparava no jeito que ele te olhava, nas conversas que vocês achavam que eu não ouvia. Tinha uma época que eu sentia que o que ele mais gostava em mim era você. – Ela ficou em silêncio, talvez pensando em como aquela frase soava esquisita, mas realmente verdadeira. – Mas eu não dava a mínima para isso por que eu sabia que ele nunca ia conseguir nada com você... Até que ele conseguiu e eu nem conseguia enxergar nada na minha frente, a não ser o fato que você tinha se transformado em mais uma dessas vagabundas que dormiam com o Tony!
April começou a chorar e escondeu seu rosto com suas mãos compridas.
Num impulso, a abraçou. Por um segundo, achou que iria apanhar, até que sua amiga a abraçou de volta. Apertado. murmurava mais desculpas enquanto ela mesma sentia suas lágrimas encharcarem seu rosto.
- Eu nunca vou esquecer. – April falou ainda abraçada a . – Mas eu vou te perdoar. Eu preciso te perdoar porque eu também sinto que uma parte de mim está faltando quando você está longe.
- Obrigada. Eu te amo, amiga.
- Eu também. – Elas se abraçaram mais forte e por tempo indeterminado.
April limpou suas lágrimas enquanto pegava outro cigarro, afinal, apenas parte do peso que suas costas carregavam tinham ido embora.
Sua amiga também pegou um.
- Agora... – Ela falou dando a primeira tragada e exalando fumaça para o teto. - Eu te conheço. O que está acontecendo?
April realmente a conhecia, a entendia e a amava a ponto de perdoar o imperdoável,
de ajudá-la a resolver o que não tinha solução.
sentiu que poderia falar qualquer coisa, que poderia falar tudo. Tudo aquilo que ninguém sabia, mas que tinha que ser falado e resolvido, mais cedo ou mais tarde.
E já estava tarde demais...
Capítulo 39;
Seu dedo trêmulo, mas ironicamente, seguro apertou o botão dourado ao lado do número 32.
Ironicamente. Sua vida era tão lotada de ironias.
Mas sorriu. Sorriu porque logo mais tudo estaria certo. Às vezes, a única coisa que você precisa para resolver um problema aparentemente insolúvel é uma segunda opinião. Não pode ser qualquer segunda opinião, é claro. Precisa ser o que alguém que realmente te conheça pensa; alguém que já te viu passar por momentos felizes e por momentos tristes; alguém que mesmo depois de ter sido tremendamente magoada por você consegue te perdoar e continuar te amando como uma irmã.
Isso sim é que é uma segunda opinião de peso.
Sua longa conversa com April fez com que ela chegasse ali já de noite, mas com uma decisão tomada. Tudo pareceu absolutamente claro depois de algumas dezenas de frases e abraços de sua melhor amiga.
Absolutamente claro!
Absolutamente.
Um vento frio soprava e bagunçava seus cabelos quando o barulho de estática saiu do intercomunicador da campainha.
- Quem é? – Sua voz inconfundível perguntou.
- É a .
Ela conseguiu escutar sua respiração parando do outro lado.
- Pode subir.
A porta se abriu fazendo um barulho e liberando o frescor do ar condicionado do hall do prédio. Conseguia ser mais frio do que o vento gelado do começo de noite.
Seu dedo trêmulo e ironicamente seguro apertou outro botão, o do elevador, e logo depois, outro, o do terceiro andar.
As portas de fecharam suavemente acompanhadas pelo som de uma campainha e ela
pôde notar seu reflexo formando-se bem na sua frente. Não tinha nem passado em
casa para trocar de roupas.
Precisava oficializar seus pensamentos o mais rápido possível.
Continuava usando o vestido curto demais e a galocha vermelha. Seus cabelos cada vez mais escuros, agora que não viam mais tanto sol quanto no Perú, caíam abaixo de seus seios. Os músculos de sua face estavam nervosos e rígidos. Afinal, ela estava segura, não calma.
Conseguia enxergar um brilho em seus olhos, no entanto. O brilho de quem sabia que estava fazendo a coisa certa.
Porque ela estava. Ela sentia aquilo até em seus ossos.
E todos esses pensamentos foram realizados na distância de três andares. Imagine se estivesse indo para um andar mais alto...
Que bom que era proibida a construção de prédios com mais de três andares naquela região.
A menina ajeitou a alça de sua bolsa e colocou algumas mexas de cabelo atrás das orelhas assim que a campainha do elevador soou novamente e as portas se abriram.
a esperava encostado a um elegante móvel que decorava o hall do terceiro andar. Ele vestia calças jeans escuras e uma camisa xadrez estilo pic-nic com as mangas dobradas até seu cotovelo. Seus cabelos estavam bagunçados e por pouco não cobriam seus olhos, que brilharam acompanhados por um sorriso.
- Oi. – Ele falou timidamente, tentando esconder o brilho no olhar.
- Oi. – Ela respondeu aproximando-se e cumprimentando-o com um beijo na bochecha e uma espécie de abraço.
Não tinha certeza sobre como agir, apesar de toda a sua segurança. Todos os tipos de cumprimento pareciam frios demais, ou então, expansivos demais.
escutou respirando fundo enquanto ela mesma sentia seu perfume invadir suas narinas.
Ele caminhou até a porta de seu apartamento, que já estava aberta, e ela o seguiu. Seus olhos a levaram diretamente para a parede bem a sua frente, aquela que antes era decorada com uma obra de arte famosa e agora parecia branca demais. Triste demais.
parou perto de seu sofá preto e a encarou com um olhar curioso. A garota olhou para os próprios pés enquanto repensava em sua cabeça as palavras que deveria emitir naquele exato instante.
Ela tinha passado todo o caminho do metrô pensando nelas e estava contente com a sua escolha. Até aquele momento. Ali, presenciando a cena que ela tinha apenas imaginado, todas as palavras pareciam ter seus significados fortes demais, fracos demais ou então, pareciam não ter significado algum. Era como se a indecisão de como cumprimentá-lo fosse apenas o início.
Colocou sua bolsa no sofá e respirou fundo, sentindo-se completa, por incrível que pareça. Completa e pronta para agir. Contudo, antes que ela fizesse qualquer coisa, outra pessoa agiu, tomando-a de surpresa.
Num movimento rápido, as mãos de aproximaram seus rostos e fechou os olhos sentindo os lábios macios de seu ex-namorado tocarem os seus. As mãos dele deslizaram por seu cabelo e pararam em sua cintura e em seu quadril, enquanto as dela contornavam seu pescoço e acariciavam seu cabelo.
Seu perfume parecia mais forte do que nunca. Tão forte que era como se ela, ele e o perfume fossem uma coisa só. Era como se não houvesse diferença entre seus corpos, entre seus cheiros, como se um fosse uma continuação do outro. se aproximou mais ainda, aquecendo aquele que considerou um beijo perfeito. Tinha a ideal porção de doçura misturada com a ideal porção de agressividade. Tudo estava na medida certa.
Era uma situação extremamente familiar.
quebrou o beijo e a menina se afastou.
Às vezes, a medida certa não é a sua medida.
Ela estava calma. Seu coração tinha seus batimentos normalizados e suas mãos já não tremiam mais.
- , eu não posso ficar com você. – Sua boca finalmente proferiu as palavras ensaiadas por duas linhas de metrô. Ele se afastou com os olhos se resumindo a pequenos riscos que e encaravam incrédulos.
- Mas você veio aqui! – Ele gaguejou com as mãos na cabeça. – Eu te beijei e você correspondeu! Foi um beijo perfeito! E... e... – Ele não conseguia terminar sua frase.
- Isso é tudo verdade, mas os meus planos eram de apenas vir aqui e conversar com você. O beijo aconteceu e eu concordo que ele foi perfeito... – não sabia o que falar a seguir. O que quer que fosse machucaria sem nenhuma razão.
Não que ele não merecesse.
O garoto percorreu a sala de um lado para o outro, ainda com as mãos na cabeça, até voltar para o lugar que estava antes e afundar-se no sofá.
podia sentir as palavras e os sentimentos em conflito dentro de sua cabeça. Ele parecia prestes a explodir.
Ela sentou-se ao seu lado e notou seus olhos vermelhos. No mesmo segundo, seu coração que já estava apertado pareceu parar. Vê-lo sofrendo a matava porque ela o amava.
Por incrível que pareça, o fato dela amá-lo e dispensá-lo fazia todo o sentido. E ela o amava profundamente. Era ele quem lhe causava borboletas no estômago. O problema era que ela não acreditava nele, não confiava nele.
- Eu te amo. – Ele falou com a voz alterada.
- Eu também te amo. – falou enquanto o menino abria a boca para iniciar outra frase. Ele se surpreendeu. O fato dela amá-lo e dispensá-lo não fazia tanto sentido para ele quanto fazia para ela. - Mas algumas vezes, as pessoas que se amam têm um tremendo talento para se fazerem infelizes.
Tony, um pensador.
- O que você fala não faz sentido.
- Claro que faz. Olha para toda a nossa história. Eu sofri quando descobri que era a outra, eu sofri quando aceitei ser a outra, eu sofri quando você mentiu para mim, você sofreu quando eu fiquei com o Tony, você sofreu quando eu fui para o Peru, eu sofri quando te vi de novo, você sofreu quando me viu de novo, eu sofri quando te beijei e trai o meu namorado, e hoje eu estou sofrendo de novo porque eu te beijei outra vez e porque eu estou te fazendo sofrer. – permaneceu em silêncio e virou seu olhar para o chão. Queria que ele falasse alguma coisa. – Você está vendo toda essa repetição desse verbo horrível que é o sofrer? – Ela perguntou já que ele fazia greve de silêncio. – Isso não está certo, . Nem para mim nem para você. Eu preciso de alguém que me ame sem me fazer sofrer, eu preciso de alguém que eu confie plenamente e você também precisa disso.
- E esse alguém para você é o Chris? – Ele finalmente abriu a boca.
- É. Esse alguém para mim é o Chris. Eu amo ele de uma maneira que você nunca entenderia. – As palavras soaram mais grossas do que ela pretendia ser.
Mas a verdade era que realmente nunca poderia entender sua relação com Chris, já que nem ela entendia aquele sentimento que parecia fazer dela quem ela era. Aquele sentimento que a fazia acordar pelas manhãs fazia tantos anos, o sentimento que sempre esteve por ali, mesmo que, às vezes, passasse por fases confusas que o reduziam à amizade.
Amizade. Quando ela e Chris terminaram, ela achou que era a decisão certa a ser tomada. Não queria passar o resto de sua vida com uma pessoa que era mais o seu melhor amigo do que seu amante.
estava errada. Chris nunca poderia ser resumido em apenas uma amizade. Era ele quem fazia seu estômago ficar gelado, mesmo após tantos anos.
E era nele que ela confiaria sua vida.
fez uma cara feia.
- Mas eu não vou mais te machucar. Eu já te falei isso. Eu já te prometi isso!
- A gente já está se machucando, . - Ele voltou a encarar o chão. copiou sua idéia e olhou para o piso de granito escuro aos seus pés. Pareciam gelados. – A verdade é que eu nunca vou te esquecer porque você marcou a minha vida. – Mesmo olhando para o chão, ela sabia que não fazia mais o mesmo. Sentia seu olhar tentando ultrapassar a cascata de cabelos que cobria sua face. – Eu te amei com mais intensidade do que eu jamais tinha amado e provavelmente nunca mais vou amar desse jeito, mas nós não damos certo. – Ela terminou e viu suas lágrimas grossas e pesadas molhando o granito do piso. – Isso acontece com muita gente.
aproximou-se e enroscou o seu braço ao dela enquanto suas mãos se entrelaçavam.
- Vamos tentar de novo. Por favor. – Ele pediu ao pé de seu ouvido.
A cabeça da menina se moveu negativamente.
- Eu não posso. Eu não quero me arriscar. Vamos terminar assim, ok? – Ela virou-se para encará-lo. passou seus braços por sua cintura. – Depois de um beijo perfeito. – tentou sorrir, apesar do choro. – Para que a gente possa se esquecer de toda a parte ruim e ficar com os momentos bons na cabeça.
- Então é isso mesmo?
- É.
- Não tem nada que eu possa fazer para mudar a sua decisão?
- Não.
a abraçou mais forte e seus lábios se encostaram por uma última vez. Apenas se encostaram.
- Eu queria poder mudar tudo. – Ele falou com suas bocas ainda praticamente coladas. – Para poder fazer tudo certo com você.
- Não adianta pensar nisso agora. – Ela se levantou e encarou uma pessoa que ela amava com o rosto transtornado e o olhar perdido.
Aquilo parecia doer tanto nela quanto nele, mas era necessário. Não podia passar mais tempo vivendo naquela situação desesperadora de não poder abraçar ou beijar Chris sem sentir-se culpada, de não poder deitar-se ao seu lado sem estar pensando em outra pessoa.
finalmente se levantou.
- Bom. – falou quebrando o silêncio constrangedor. – Eu vou pedir para algum dos transportadores da Tate buscarem o quadro na minha casa e trazerem ele para cá. – abriu a boca, mas ela ainda não tinha terminado. – Obrigada de verdade, mas eu acho que eu não devo ficar com ele.
- Ele é seu. Ele sempre foi seu. Quando eu comprei ele, eu já estava pensando em você. – Ele afundou suas mãos em seus bolsos e balançou a cabeça, fazendo com que seus cabelo se bagunçassem.
- Mas...
- Eu só peço uma coisa em troca. – coçou seu queixo e olhou para trás. Nell dormia (e roncava) com a barriga para cima. Estava confortavelmente instalada numa poltrona azul. – Você não vai levar a Nell embora, vai? – Ele perguntou com mais uma sombra passando por seus olhos. – Porque isso seria simplesmente cruel.
esticou o pescoço para observar Nell atentamente. Ela poderia mordê-la de tão linda, fofa e adorável, mas ela não poderia cuidar dela. Bem, até poderia, e provavelmente, cuidaria melhor do que cuidava dela na época que a única coisa que lhe importava era ficar muito bêbada na maior parte do tempo. Mas a cadela estava feliz com e pelo olhar do menino, ele não parecia disposto a encarar bem uma separação.
E ele já teria que superar outra.
- Não vou. – sorriu. – Ela fica melhor com você.
- Pelo menos alguém fica. – Ele respondeu acidamente. – Obrigado. – Uma certa doçura apareceu em sua voz.
- Obrigada pelo quadro. – respondeu sem graça. – Eu acho que vou indo.
balançou a cabeça e a acompanhou até a porta, de onde olhou Nell por uma última vez, de onde abraçou por uma última vez, de onde sentiu seu cheiro e sua respiração próxima por uma última vez, de onde sentiu seus braços em torno de sua cintura pela última vez e de onde sentiu borboletas no estômago pela última vez.
deveria sentir-se arrasada, mas o sentimento que invadiu cada osso de seu corpo assim que ela colocou os pés no elevador foi outro. Estava aliviada. Podia respirar com mais facilidade. Podia olhar para trás e falar que tinha vivido uma grande paixão.
Estava na hora de viver seu grande amor.
Capítulo 40;
Ela mal cabia na minúscula cabine de banheiro que se encontrava. Não que estivesse gorda.
Ainda não. Pelo menos.
Seu problema era que fazia 3ºC na rua e por algum motivo que nem ela mesma poderia explicar, tinha se enfiado no banheiro da Starbucks com seu sobretudo, seu cachecol, suas luvas e sua boina.
Alguém deveria avisá-la que não estava nevando dentro do banheiro, mesmo que fosse inverno.
Com dificuldade, pendurou seu guarda roupa em um ganchinho vagabundo colado a porta. Ela finalmente tinha espaço para fechar a tampa da privada e se sentar. Aquele seria o momento ideal para um cigarro, não fosse o fato de que alguém entraria gritando e a agredindo por fumar em local fechado e pelo fato de que ela não fumava mais. Ela tinha desistido de novo e já fazia mais de seis meses que nem ela ou Chris colocavam um cigarro na boca.
Ou um baseado, nem sequer um bong.
A vida de festas fica cansativa depois de um certo tempo. Acordar ao lado de poças de vômito perde o seu charme depois que você passa dos dezoito anos e precisa ir trabalhar no outro dia.
Nenhum chefe curte dar bom dia a Amy Winehouse. Nenhum.
O salto de suas botas batucavam o chão de azulejo aos seus pés. Sua bexiga comprimia o resto de seus órgãos depois de alguns (muitos) copos de chá de darjeeling. Deliciosos com apenas um envelope de açúcar mascavo.
Ela não tinha mais o que fazer, a não ser abrir sua bolsa e alcançar a caixinha azul com a foto de um bebê. Já tinha encarado tanto aquela criança fofa de pele rosada que dormia pacificamente ao lado das palavras “Baby Start” que poderia fechar os olhos e visualizar com exatidão a embalagem.
Seu estômago se revirava e não era culpa dos galões de chá que tinha ingerido.
Já sabia as instruções, graças a uma situação muito parecida com aquela. A diferença
era que envolvia April fazendo xixi num palitinho dentro do banheiro de um pub.
Apenas por precaução e para ganhar um pouco de tempo, leu novamente as instruções
e, logo em seguida, as realizou.
Graças a Deus, caso contrário, sua bexiga ficaria disforme para a eternidade.
Após recolher todas as suas roupas do ganchinho, lavar a mão, secar a mão, lavar a mão de novo, secar a mão de novo, procurar uma escovinha no fundo de sua bolsa, pentear seus cabelos (que agora tinham um corte picado na altura dos ombros), guardar a escovinha, lavar a mão e por fim, secar a mão, ela pôde olhar para aquele bastãozinho que poderia parecer um termômetro ou então uma caneta estranha.
literalmente daria seu útero para ter apenas uma caneta em suas mãos.
Literalmente.
A força de suas pernas foi embora e seus braços tiveram que apoiar todo o peso de seu corpo na pia quando a palavra “grávida” surgiu diante de seus olhos. Seus olhos ficaram vermelhos e se encheram de lágrimas no mesmo segundo. Era como se estivesse sufocando, como se de uma hora para outra tivesse sido transferida do minúsculo banheiro para um aquário. Estava se afogando.
O oxigênio só voltou ao seu corpo quando uma senhora e seu perfume forte demais invadiram o banheiro. Pela fresta da porta, ela pôde ver a face ansiosa de Chris esperando-a sentado num sofá verde que tinha tudo para ser confortável, no entanto, seu namorado parecia sentado em uma pilha de pregos.
Ou seria uma pilha de fraldas?
As informações passavam rapidamente por sua cabeça. Claro que uma ponta (um iceberg) de preocupação já tinha tomado conta dela desde que se dera conta de que sua menstruação já estava atrasada há mais de um mês. Mas nessa época, ela ainda tinha esperanças de ter hormônios rebeldes ou então um câncer.
Qualquer coisa menos um feto! Qualquer coisa!
O que ela faria com um feto? Pior ainda o que ela faria com um bebê??
A violeta que ela tinha comprado no mês passado já tinha morrido. Ela não podia cuidar de uma criança catarrenta.
Não podia!
Seu copo ainda cheio de chá repousava em cima da mesa de madeira escura quando ela se deu conta de que tinha caminhado os poucos metros que separavam o banheiro do sofá onde Chris estava instalado. Já estava sentada e Chris gesticulava enquanto palavras saíam de sua boca. Ela não as entendia. Nem sequer as ouvia.
Seus grandes olhos azuis estavam bem abertos e ela notava que seu namorado estava nervoso, pois ele estava ficando vermelho. Mais vermelho do que o normal.
fez que sim com a cabeça.
- Bosta. – Ela finalmente o ouviu. – Bosta! – Ele exclamou ainda mais nervoso e derrubou o seu copo de café preto no chão. – Bosta! – Era como se a notícia fosse tomando conta de seu corpo aos poucos. Os palavrões saíam cada vez mais altos. – Bosta!!!!
Contudo, conforme as emoções de Chris ficavam cada vez mais descontroladas, a mente da menina se desligava do que ocorria a sua volta. Ela sabia que Chris estava ali tendo um chilique, ela notou que ele saiu correndo batendo a porta e também viu pela janela que ele estava chutando uma árvore. Mas tudo aquilo parecia apenas a cena de um filme de TV. A verdadeira ação se passava em sua cabeça.
Já tinha tudo programado. Tinha ouvido falar de um remédio que a menina tomava no início da gravidez e que fazia a coisa sair como se fosse uma menstruação. Ninguém mais ficaria sabendo. Ela não teria que fazer coisas sem sentido como amamentar e seu namorado poderia parar de chutar árvores.
Tudo ficaria bem.
Ela tinha apenas 19 anos. Ok. Não é como se ela tivesse 15, mas mesmo assim, ela não podia parir um monstrinho! Bem agora que seu trabalho estava legal, que ela recebia um salário decente, que ela tinha parado de ficar bêbada diariamente, que ela estava absolutamente radiante com Chris...
Tudo ficaria bem.
Como se saindo de um transe, voltou a notar os barulhos do ambiente. As conversas dos funcionários, das outras mesas, o barulho das máquinas de café e da caixa registradora.
Ela se lembrou de Chris. A última vez que o tinha visto ele estava chutando uma árvore.
mirou a janela e notou que o menino continuava chutando a árvore. A chutou mais uma vez e escorregou no chão úmido pela neve. Ela observou seu namorado encarar o céu cinza sem se levantar. As pessoas o observavam preocupadas e evitavam passar por perto dele.
Ela não poderia culpá-los.
Chris finalmente levantou-se e caminhou até a porta da Starbucks. Todos os clientes fingiram tomar café e os funcionários fingiram prepará-lo, quando na realidade, estavam com medo do cara que chutava árvores resolver chutar pessoas.
Ela não poderia culpá-los.
Chris sentou-se na poltrona a sua frente. Seu rosto estava muito vermelho, parte pelo frio, parte pela situação. Seu casaco de frio preto e bege estava ensopado e seu chapéu xadrez estava amassado. Algumas gotas caíam de seus cabelos.
- Chris, está tudo bem. – Ela resolveu tranqüilizá-lo. – Eu vou tirar.
Chris engoliu o que quer que fosse falar e respirou fundo.
- Ah bom. Bom! – Ele ficou em silêncio e encarou o copo de café derramado no chão com os olhos estreitos e perdidos.
- Chris?
- Sabe? – Ele perguntou ainda sem tirar os olhos do copo. Parecia não saber o que falar. – A gente também podia... sei lá... tentar? – Ele finalmente a encarou com algo parecido com faíscas nos olhos. nem conseguiu achar suas cordas vocais para responder qualquer coisa. – Eu sei que não estava nos nossos planos e que as nossas plantas sempre morrem e que meus peixes eram drogados e que a Nell era um pouco também... – Ele piscava muito, mas estava cada vez menos vermelho. – Mas nós mudamos muito. Nós não somos mais aqueles dois irresponsáveis que sempre fomos. Na verdade, se você for olhar bem para nós dois, hoje em dia, nós somos os maiores caretas do mundo! Nós trabalhamos, nós somos promovidos! A gente ganha mais dinheiro do que jamais imaginamos ser possível para dois loucos como nós... Eu sei que parece loucura, mas nosso filho ia ser tão bonitinho. – imaginou um mini Chris correndo por ai. Seu coração ficou apertado. – E nós poderíamos vestir ele só com fantasias e pijama. Se ele for um menino, a favorita dele vai ser a do Homem Aranha e se for menina, a de bailarina. Fora que a gente vai poder escolher o nome que for para ele ou ela! Você já imaginou todas as opções? A gente pode dar um desses nomes tipo os que as celebridades gostam, como ... – Chris olhou ao redor procurando inspiração. – Darjeeling! – Ele exclamou levantando o copo de chá e abrindo um sorriso gigante. – Também pode ser um nome mais normal tipo Chloe ou Owen. E quando ele ou ela for mais velho, nós vamos viajar todos os finais de semana para que a nossa casa fique liberada para as festas! – Ele estava a ponto de bater palmas. – Owen vai se dar tão bem com as garotas!
Chris ficou em silêncio e pensou em tudo aquilo com os olhos perdidos no piso de ladrilho estampado aos seus pés.
Talvez...
E se?
Hum...
Ela estava gaguejando em seus pensamentos. Aquilo era no mínimo preocupante. Bem, a situação era no mínimo preocupante. No mínimo...
Mas ela meio que tinha curiosidade de ver a carinha de seu bebê. Tinha curiosidade
de ver se ele se pareceria mais com Chris ou mais com ela mesma; se seus olhos
seriam extremamente azuis como os de seu pai, se seus cabelos teriam a cor dos
da mãe. Ela poderia vesti-lo não apenas com pijamas e fantasias (ela tinha vontade
de apertar crianças nesses trajes até que elas parassem de respirar), mas também
poderia comprar aquelas camisetas para criancinhas a venda em Camden Town, aquelas
com estampas do The Flaming Lips ou do Sonic Youth. Ela, Chris e Owen, ou então,
Avery... Avery! Avery seria um nome bonito! Bem, eles poderiam ter uma tradição,
assim como ela e seus pais tinham a de ir comer em China Town todos os domingos.
Eles poderiam sair do restaurante e passar o resto da tarde naqueles jardins atrás
do palácio, onde o bebê iria tomar sol e brincar. Ela poderia passar a noite acordada
com a pequena Avery após um pesadelo e Chris poderia sair para comprar Vick VapoRub
ou qualquer coisa que ela precisasse.
Não seria fácil, mas também não seria impossível.
- Eu não quero desperdiçar essa chance. – As palavras de Chris a tiraram de seus pensamentos. Ele pulou a mesa que os separava e sentou-se ao seu lado. Ela podia sentir suas roupas molhadas deixando-a molhada também. Ele segurou sua mão com determinação. Não tremia, nem estava mais vermelho. Chris parecia mais calmo do que nunca. Mais calmo do que ela jamais presenciara. – Eu não quero perder nada que eu possa fazer com você, porque tudo que nós fazemos juntos é... é... – Ele gaguejou se atrapalhando com as palavras.
- É perfeito. – completou automaticamente.
Ele fez que sim com a cabeça.
- Não quero que nada nosso se perca e esse bebê... – Chris tocou a barriga de sua namorada. – Já é nosso.
Ela fez que sim com a cabeça.
- Nossa vida vai mudar muito, mas eu acho que eu quero que ela mude.
O casal fez que sim com a cabeça.
- Vai dar tudo certo.
Ele fez que sim com a cabeça. Ela fez que sim com a cabeça. O bebê fez que sim com a cabeça.
Mentira, o bebê mal passava de algo parecido com um girino.
Chris apertou sua mão e sorriu. nem tinha notado, mas um sorriso já estava instalado em seus lábios há algum tempo.
Aquela gravidez já não se parecia mais com um contratempo, parecia o acontecimento ideal, no lugar ideal, no momento ideal, como casal ideal.
Chris era a única pessoa quem poderia fazê-la pensar daquela maneira. A única pessoa quem poderia acompanhá-la naquilo. Era ele e não existia mais ninguém.
Ninguém.
Existiam memórias. Memórias que aqueciam seu peito quando vinham à tona. Ela não sentia saudades ou arrependimento. Ela só sentia uma sensação muito boa, de algo que parecia mais um sonho doce, distante e há muito tempo sonhado, mas que nunca seria esquecido.
Era aquilo que significava para ela: um sonho marcante, importante, e, apesar de doce, nublado, inesquecível.
Aquela não era mais sua vida e aquilo era bom.
gostava de sua vida atual e sentia-se confortável nela. O que mais ela poderia querer?
Tinha tido a sorte de amar infinitamente a pessoa que mais a compreendia na face da Terra. Tinha tido a sorte de ser correspondida. Tinha tido a sorte de poder confiar sua vida a ela. Tinha tido a sorte de ainda sentir frio na barriga e arrepios mesmo depois de todos os segredos já terem sido desvendados há tempos.
Tinha tido sorte.
Tinha tido sorte de ter passado por cada momento que passou. Os bons, os maus e aqueles simplesmente insignificantes. Cada um deles fez dela o que ela era naquele momento.
Ela era completa.
FIM
Olá, queridas!
Bom, eu sei que metade de vocês não gostou do final, pois esperava ficar com Dougie ou Tom ou Danny ou Harry, mas espero que mesmo assim, vocês tenham aproveitado a fic.
Essa fic é do Chris. Sempre foi do Chris. O nome do arquivo dela aqui no meu computador é “Joe”, que é o nome do ator que o interpreta. Desde a primeira cena, quando ele era apenas o ex-namorado apaixonado pela professora de psicologia, a fic já era dele.
Em alguns momentos eu pensei seriamente em mudar o fim, mas em todas as minhas histórias, a personagem principal termina com algum membro do McFly. Por isso, numa tentativa de ser original e me apegando a minha idéia original, você terminou com o Chris!
Não sei bem o que falar aqui. Tinha que agradecer infinitamente a vocês que leram, acompanharam, comentaram... A verdade é que se não há ninguém para ler, não tem por que escrever. Essa é a minha opinião. Então, obrigada mesmo por terem lido e por terem respondido tão bem a uma fic que é tão diferente das outras, que a protagonista é perturbada e politicamente incorreta. Enfim, vocês foram leitoras realmente participativas e presentes e me ajudaram bastante a continuar a escrever!
Tenho que agradecer ao eterno muso, Dougie!
Agradecer a melhor série que eu já assisti, Skins, que fez com que eu me identificasse e me encantasse com os mais diferentes personagens, especialmente o Chris!
Agradecer a uma das minhas pessoas favoritas no mundo, a Mimi. Sem ela não existiria fic. Fato. Agradecer também a Carol que sempre quebrava os galhos betando, scriptando e etc.
A dica que eu dou para que tudo faça mais sentido, é sempre escutar as músicas que são comentadas ao longo da história. Na maioria das vezes, elas deixarão tudo mais claro.
Obrigada mesmo por terem acompanhado essa história por tanto tempo.
Bem, não é porque esses foram os últimos capítulos que vocês têm que parar de comentar. Quero muito saber a opinião de vocês sobre esses dois capítulos.
Beijos, queridas.
Email: ali.broccoli@hotmail.com
Outras fics:
Getting Into You
Getting Into You - Parte II
Getting Into You - Parte III
I Think We Are Alone Now
Revolution
Just For Now
Grey Skies Turn Blue
Always And Never
Always And Never - Parte II
Always And Never - Parte III
Always And Never - Parte IV
Always And Never - Parte V
Velvet
No orkut: Comunidade.
comments powered by Disqus