A leve luz que adentrava ao cômodo, deixava claro que o dia havia começado.
Os barulhos de carros e pessoas nas ruas podiam ser ouvidos e estávamos no 5º andar daquele edifício. Comecei a abrir os olhos lentamente.
Ele já estava acordado e notei isto somente quando senti o toque macio de seus lábios tocando minhas costas, nua naquela cama, suas mãos gélidas acompanharam cada traço de meu corpo que estava apenas coberto por um lençol fino sendo aquecida pela fraca luz solar.
Agora eu me lembrava do que tinha feito. Oh sim, seria impossível esquecer uma de minhas melhores noites. Ele estava lá. Eu também. Ambos havíamos trocado olhares, mas em nenhum momento eles continham amor ou atração, era apenas ódio, raiva.
Tivemos uma história, nada como os contos de fadas ou histórias de ação e aventura, nem éramos amigos.
Entre nós só haviam mentiras, cada um contava uma história diferente que logo seria desmentida pelos outros amigos.
Ele agora expulsava os cabelos que me cobriam a pele, os lábios, que antes tocavam as costas, partiram para o pescoço e eu sentia o toque.
Não posso mentir, ele era bom. Sabia quando eu estava enfraquecida e usava todas as armas para conseguir o queria. Eu apenas deixava que ele tivesse seu momento de glória, o meu chegaria mais tarde.
Éramos assim, simplesmente havia certo ódio mortal entre nós. Enquanto eu planejava as melhores formas para rebaixá-lo, ele fazia o mesmo comigo, ensaiava as técnicas que usaria para quando nos encontrássemos novamente.
Desta vez, eu me virei de frente para ele. Seu corpo fazia pressão sobre meu, caminhando os beijos até minha boca.
Aquele beijo, ele era único para nós. permitia que qualquer intensificação ocorresse, enquanto a mim, era praticamente sua marionete. Adorava o jeito que ele beijava, o começo tranqüilo, que deixava seus sentimentos serem confundidos com amor e o final, simplesmente era perfeito. Os lábios já não se encostavam, o beijo passava a percorrer o corpo. Se alguém nos perguntasse o que sentíamos um pelo outro, aposto que nenhum iria responder. Ele, por ter certeza que iria me odiar após mais uma noite, e eu por não sofrer alterações nos sentimentos.
Os minutos do relógio eram avançados pela sessão de caricias intermináveis que trocávamos naquele quarto. Cada beijo, cada toque eram minutos desperdiçados.
levantou-se da cama, apoiando a cabeça, com a ajuda dos braços, sobre a perna. Ele parecia atormentado naquela manha, nunca tinha dúvidas sobre nós. Eu apenas sentei-me ao seu lado na cama, segurando o lençol para que meu corpo se mantesse aquecido.
- Você me odeia, agora? – seus olhos encararam-me. A total racionalidade que nosso ‘relacionamento’ demonstrava, sumiu. Tinha que me manter forte naquela situação, era impossível dizer que o amava sabendo que não ouviria as mesmas palavras dele.
- Não. – mordi os lábios levemente após responder. O olhar perdido que ele esboçava não me deixara dúvidas, ele tinha sentimentos. Sim, finalmente eu tiraria a resposta que há anos venho procurando.
Nossos olhares se cruzaram e eu comecei a me aproximar de seu rosto, ele por sua vez fazia o mesmo, retirando o espaço existente sobre nós.
Os lábios se encostaram, o beijo que há alguns meses eu almejava, estava acontecendo novamente. As línguas se encontraram e a cada segundo, o que inicialmente parecia ser um beijo tranqüilo, se transformou em algo intenso.
Voltamos nossa atenção para a cama que continuava a nos encarar, até mesmo o clima, a neve que caia lá fora, pedia para que fizéssemos aquilo de novo. Nenhum de nós recuou. A tarde toda se prosseguiu assim, entre beijos e caricias na cama.
Eu estava observando as luzes da rua serem acesas já que a noite havia chegado. Meus pensamentos não acompanhavam-me, meus sentimentos estavam mais que confusos. Peguei o cigarro que deixei sobre a cabeceira e acendi, tragando sobre os lençóis. O cheiro forte da fumaça provavelmente o havia acordado, já que meus pensamentos foram despertados por uma tosse fraca vinda do lado oposto ao meu.
- Preciso voltar. – o repreendi, prensando o cigarro em um cinzeiro existente ali.
- Então, vá.
Levantei da cama ainda observando o corpo frágil dele de costas para mim, calcei as calças e vesti a blusa, completando meu visual com as sapatilhas escuras em formato de boneca e a boina que sempre levava comigo.
Deixei sobre a mesa um pedaço de papel contendo o meu número telefônico, sabia que ele me ligaria quando precisasse. Era sempre assim que funcionava.
Caminhei até a porta, tocando levemente a maçaneta e girando-a, até abrir a porta do pequeno apartamento.
- ? – ele indagou-me, fazendo com que eu me virasse de costas para a porta e encarasse aqueles olhos.
- Sim.
- Eu te amo.
- Eu também. – apenas respondi sorrindo de uma maneira meiga, notou e acabou retribuindo o sorriso. Adentrei aos corredores escuros do edifício e fechei a porta atrás de mim. Pela primeira vez havia o visto sorrir pra mim, as primeiras palavras que há tempos estava sonhando ouvir.