CAPÍTULO I – I NEVER THOUGHT I'D LEAVE MY OWN HOMETOWN
Eu assisti minha casa se distanciar pelo vidro de trás do carro, enquanto meu pai dirigia pela rua vazia da madrugada de Nova York. Grace alisava os cabelos de sua Barbie Malibu e minha mãe passava pó de arroz nas bochechas, sem ao menos se preocupar com o que estávamos deixando para trás. Ainda me lembro do motivo que ela me dera quando perguntei por que íamos nos mudar. “Há muitas memórias nessa casa”, ela dissera. E eu achava que memórias eram coisas boas.
Eu sabia que ela estava mentindo. Afinal, ela amava aquela casa. Todos nós amávamos... até um certo incidente que mudou a vida de todos, principalmente a minha. Mas antes de explicar todo o ocorrido, devo contar um pouco da minha infância. Bom, na verdade, preciso começar com a história da minha irmã, porque sem ela eu não teria vida.
Claire era uma garota inteligente, dedicada, sempre colocava os estudos na frente do lazer. Era o orgulho da família, um exemplo para todos. De acordo com minha mãe, não existia garota mais perfeita. E eu sentia raiva de tudo isso. Raiva por não receber tanta atenção, raiva por não ser como ela.
Ainda me lembro do dia quando tudo isso virou de cabeça para baixo. Claire havia tirado um D na prova de Literatura, e quando meus pais descobriram, não conseguiam nem olhar para a cara dela. A partir disso, ela se revoltou. Estava indignada. Não entendia por que nossos pais haviam reagido dessa forma, ao invés de terem compreendido toda a situação.
Ela passou a fumar, beber, não dar a mínima para a escola. Meus pais já estavam começando a ficar desesperados. Já eu, passei a gostar mais de minha irmã. Ela começou a conversar mais comigo, me dar conselhos, contar como nunca havia se satisfeito com toda essa inteligência que possuía. Nunca quisera ser assim. Fazia isso porque achava que era o certo a se fazer. Seu verdadeiro sonho era conhecer o mundo, viajar sem destino, vivendo a vida como uma nômade e com apenas o necessário.
Passei a idolatrá-la. Queria ser livre como ela, queria não ligar para nada e ninguém. Se ao menos fosse tão fácil assim, teria seguido seus passos. Mas meu pior defeito era o medo. Medo das conseqüências, medo de como isso iria me afetar... medo da reação dos meus pais. Não conseguia me rebelar como ela. Eu era apenas uma garota de dezesseis anos que admirava a irmã de dezoito e desejava ser como ela. Mas era apenas isso, desejo.
Claire sempre me falava: “Faça acontecer, , faça acontecer”. E foi o que ela fez. Duas semanas atrás, encontramos um bilhete preso à geladeira que dizia: “Me cansei. Fui embora. Claire”. Fiquei chocada, é claro. Sempre soube que ela queria sair daqui um dia, mas não pensei que fosse ser tão cedo. Ela abandonou tudo, escola, família, amigos... Para ser feliz do jeito que sempre sonhara.
E é por isso que estávamos nos mudando. Meus pais queriam se esquecer da filha que tiveram, que os decepcionou, que os humilhou. Aquela casa tinha muitas lembranças de Claire, e eles queriam apagar qualquer memória da filha que um dia fora um exemplo de vida. Para mim, ela sempre será.
– Sente direito, – disse meu pai, olhando-me pelo retrovisor.
Dei uma última olhada para nossa casa e me ajeitei no banco quando viramos a esquina. Encostei a cabeça no vidro da janela e senti uma lágrima correr pelo meu rosto, esquentando minha bochecha até pingar na minha camiseta.
– Não fique triste. – Grace tocou na minha mão, que estava apoiada no meio do banco de trás do carro. – Mamãe disse que estamos indo para um lugar melhor.
Grace é minha irmã mais nova de dez anos, mas não passa de um pequeno projeto de minha mãe. Eu sempre tentava mostrar a ela que nem tudo na vida precisa ser perfeito, mas ela parecia estar programada para ouvir apenas a meus pais. É como se ela fosse um robozinho cujo chip de memória tivesse certo limite de armazenamento de informação, e tudo que ela deveria aprender – de acordo com as leis de minha mãe – já fora aprendido: estudar, ser uma boa menina, ouvir os pais, fazer dinheiro no futuro. E todo o resto não passava de informação inútil que entrava por um ouvido e saía pelo outro.
– Não acredite em tudo que você ouve – murmurei para ela.
– , por favor, deixe sua irmã em paz. – A voz de minha mãe surgiu em menos de um microssegundo após eu ter terminado minha frase.
– Eu não estava fazendo nada! – retruquei.
– Não me faça perder a paciência, não estou com saco para discutir hoje.
Meus pais sabiam que eu era um caso perdido, que não adiantava tentar me consertar. Acho que prefeririam que eu fizesse o mesmo que Claire do que passar pelo desafio de me reeducar. Eu nunca fora do tipo inteligente, com notas boas e elogios de professores, então acho que isso me tornou a filha menos querida – apesar dessas palavras nunca terem realmente saído da boca dos meus pais.
Durante o caminho inteiro, desde nossa casa até o aeroporto JFK, não disse uma palavra. Era como se eu fosse uma condenada cujo direito era ficar calada, já que qualquer coisa que eu dissesse poderia e seria usado contra mim. Eu observava a neve branca nas calçadas enquanto Grace murmurava a melodia de Baby, One More Time, fazendo sua Barbie dar saltos e piruetas como se estivesse dançando. Fechei os olhos ao sentir uma dor aguda tomar conta da parte superior da minha cabeça, e foi quando percebi que não havia comido nada desde que havia acordado.
– Mãe... – disse baixo, esperando que ela me socorresse. – Mãe – repeti um pouco mais alto. – Mãe!
– O que foi, ? – perguntou ela, já impaciente.
Quando conto para as pessoas que minha mãe não gosta muito de mim, elas não acreditam, mas essa é uma prova de que ela choraria muito mais no enterro de Grace do que no meu.
– Estou com fome e dor de cabeça.
– Não tenho nada aqui, vai ter que esperar até chegarmos ao aeroporto.
Com a testa ainda encostada no vidro da janela, olhei com o rabo de olho para minha irmã, vendo que ela carregava sua bolsa cor-de-rosa, como sempre. Essa bolsa continha quase tudo que uma pessoa pode precisar, já que minha mãe se preocupava extremamente com Grace, diferente do que ela pensava de mim.
– Grace, você tem alguma comida aí? – perguntei simpática, tentando mostrar que conversava em paz.
– Um sanduíche de atum e uma maçã. – Ela sorriu.
Ela até podia estar destinada a se tornar uma Claire pré-rebeldia, mas sabia que ainda existia um coração de tecido humano dentro do peito de Grace.
– Você poderia me dar sua maçã? – perguntei delicadamente, sentindo uma ponta de simpatia por minha irmã.
– Não, , essa fruta é dela. – Minha mãe se intrometeu no nosso pequeno acordo de paz, apesar de nunca ter acontecido grandes conflitos entre nós duas, antes mesmo que Grace pudesse sequer pensar na resposta. – Já falei que você irá comer quando chegarmos.
Prova número dois. Quem sabe se eu acumular até dez, consigo fazer as pessoas se conscientizarem da minha realidade.
Pensei em reclamar, mas sabia que isso levaria a uma discussão, e minha cabeça estava latejando demais para agüentar a voz de minha mãe por vinte minutos sem parar.
Olhei para o lado e vi minha irmã desembrulhar seu sanduíche de atum e oferecer para mim de uma forma silenciosa, sem que minha mãe percebesse. Encarei aquele supridor de energia e era como se meu estômago gritasse por ele, mas tudo que fiz foi balançar a cabeça negativamente e voltar a encarar o branco lá de fora. Sei que, nesse exato momento, Claire estaria completamente desapontada comigo por não ter desrespeitado a ordem de nossa mãe, mas não estava no pique de criar novos conflitos, sendo que ainda existiam muitos que estavam longe de serem solucionados.
CAPÍTULO II – WALKING THROUGH THE TERMINAL
Destino: Londres. Era para lá que estávamos indo para recomeçarmos nossas vidas como uma família de quatro pessoas. Tudo que levávamos eram roupas e pertencentes de grande importância, pois todo o resto fora vendido ou doado para instituições de caridade. A mala de Grace era a maior, já que ela queria levar todos os brinquedos que tinha, e minha mãe quase nunca negava as coisas para ela, desde que ela permanecesse do modo que deveria. Por causa disso, tive que livrar um pouco de espaço na minha mala para os objetos de minha domada irmã.
Mesmo dentro do aeroporto, o frio era intenso, e a espera era longa. Dez centímetros de neve e previsão para nevada não era notícia boa, então todos esperavam que pudessem prosseguir em seus vôos sem problema algum. Mas eu, não. Por mais que estivesse desconfortável sentada naquela cadeira de plástico, eu não queria sair de lá. E nem era por causa de Claire, ou pelo fato de minha mãe me tratar de jeito diferente. Nova York tinha sido minha casa desde quando o espermatozóide de meu pai se juntou com o óvulo de minha mãe. Aquela cidade tinha se transformado no meu lar, e eu a conhecia como a palma de minha mão.
Ouvi minha barriga roncar pela milésima vez, mas já não havia mais o pique dentro de mim de ir à procura de algo para me alimentar. Olhei para o lado e vi meu pai lendo a seção de 'eventos do mundo' do New York Times, minha mãe tentando resolver um nível difícil de Sudoku e Grace entretida demais com seus cadarços que se arrastavam pelo chão.
– Vou ao banheiro – eu disse, mas nenhum dos três olhou para mim.
Achei que ninguém iria sequer perceber se eu saísse por alguns minutos, então apenas me levantei da cadeira e fui à procura da porta com a placa que indicava o toalete feminino.
O número de pessoas naquele aeroporto era imenso, principalmente pelo fato de ser começo de ano e as pessoas estarem voltando de seus feriados que passaram se embebedando, comendo e espalhando amor pelo mundo. Pedi licença para três ou quatro pessoas antes de esbarrar em um indivíduo que, repentinamente, entrou no meio do meu caminho. Eu perdi o equilíbrio e, apesar daquele que havia esbarrado em mim ter tentado me segurar, caí sentada no chão gelado de concreto.
– Me desculpe! – disse o garoto de olhos brilhantes, estendendo o braço para mim e me ajudando a levantar. – Você está bem?
– , vamos! – uma garota, que estava a alguns metros de distância, o chamou. – Daqui a pouco é hora do nosso vôo!
– Eu estou bem – respondi, sorrindo simpaticamente.
– Tem certeza?
– Eu...
Olhei por cima do ombro desse rapaz e vi uma pessoa do outro lado do salão que me chamou atenção. Era uma garota de cabelos castanhos, de estatura mediana. Não tinha certeza quem era, mas parecia...
– Claire? – pensei alto.
– O quê? – o garoto perguntou.
Ignorei-o, dando alguns passos para frente e tentando identificar aquela pessoa. A última coisa que ouvi antes de apertar o passo foi a voz do tal do . “Você tem certeza de que está bem?”, ele perguntou. Senti-me um pouco mal por não ter respondido a ele, mas tinha que esclarecer minha dúvida.
Andei rápido em direção à suposta Claire, empurrando tudo e todos que entravam no meu campo de vista e me esquecendo completamente da minha fome. Devo ter passado uns bons cinco minutos perseguindo a parte de trás daquela cabeça, sem sequer alcançá-la.
Inesperadamente, uma gravata roxa cintilante presa a um pescoço surgiu na minha frente. Olhei para cima e pude ver o rosto desse homem que vestia a dita cuja, falando no telefone. Pedi licença, mas ele parecia não me ouvir. Fui educada mais uma vez ao pedir que ele me desse passagem, mas ele permanecia concentrado em sua ligação. Empurrei-o impacientemente para o lado, tirando um resmungo de sua boca. Segui em frente sem responder, já que não tinha tempo a perder. Parei de andar e rodei sobre o mesmo ponto, olhando para todos os lados. Havia a perdido de vista. A esperança que existia dentro de mim começou a esvaecer, passando a acreditar que tudo que eu havia visto era pura miragem.
Comecei a andar novamente para ir ao meu verdadeiro destino, até que vi aqueles cabelos castanhos dentro da loja de livros. Meus olhos se encheram de brilho e eu dei o primeiro passo, entrando naquele recinto. Alcancei a garota – que estava de costas – e toquei em seu ombro.
– Claire? – perguntei baixinho.
Quando ela se virou, a decepção levou embora aquela pequena esperança que ainda se alojava dentro de mim. Não era Claire. Era apenas uma garota qualquer, que nem sequer se parecia com minha irmã.
Resmunguei um “desculpe” e saí rápido da loja, indignada comigo mesma. A probabilidade de encontrar Claire em um lugar com essa imensidão era menor do que um raio cair na minha cabeça, mas eu realmente acreditava que isso poderia acontecer. Talvez estivesse ficando louca.
Entrei no banheiro vazio do aeroporto e abri a torneira, assistindo a água escorrer pelo ralo. Juntei as mãos, fazendo um formato de meia esfera, e as enchi desse solvente, espalhando-o pelo meu rosto. Apoiei as duas mãos na pia e me encarei no espelho. Observava a água que escorria pelas minhas bochechas, pingando na minha roupa e umedecendo meus cabelos. Fiquei assim por um bom tempo, até duas mulheres atrapalharem meu momento de paz e reflexão, falando em um volume acima do necessário ao entrarem no banheiro.
Quando estava quase chegando ao meu local de origem, percebi que nem meus pais e nem Grace se encontravam sentados nos bancos de plástico. Olhei para os lados e vi minha mãe enfurecida vindo em minha direção, sendo seguida por seu fiel marido e querida filha.
– ! Onde você esteve? – ela perguntou em um tom um pouco acima do normal, chamando atenção daqueles que esperavam pacientemente para sair daquele inferno.
– Você não pode desaparecer do nada desse jeito. – completou meu pai sério, mas não bravo.
Meu pai é do tipo que não se afeta com quase nada – pelo menos é o que sua expressão facial sempre parece dizer. Talvez seja porque minha mãe se estressa e estoura as cordas vocais pelos dois.
– Eu fui ao banheiro. – eu disse calma. – Eu avisei vocês.
– Desde quando você precisa de quinze minutos para ir ao banheiro? – Minha mãe estava quase com fumaças saindo por quase todos os orifícios de seu corpo de tão vermelho que seu rosto estava.
O engraçado é que eu fiquei fora por um pouco mais de vinte minutos. É bom saber quando eles reparam a minha ausência, não?
– Desculpa. – falei.
Já estava desapontada demais para conseguir agüentar uma discussão com minha criadora, principalmente em lugar público. Ainda estava em processo de aprendizado de rebelião, não poderia simplesmente sair por aí gritando com ela sem ao menos tem um plano de apoio.
– Todos os passageiros com destino à Londres, Inglaterra, por favor, embarcar no portão 524. – anunciou uma voz feminina, começando, alguns segundos depois, a repetir a frase em espanhol.
Minha mãe colocou uma mão na cintura e passou a outra no rosto, suspirando fundo. Ela sempre faz isso quando tenta se acalmar. “O que vou fazer com essa menina?”, ela deve ter pensado.
– Vamos, esse é o nosso vôo. – ela apenas disse.
Ela pegou uma bolsa de mão de couro preto que havia deixado com meu pai e começou a seguir em frente, a caminho do portão. Fiquei parada, encarando-a, enquanto meu pai e Grace passavam por mim, a fim de segui-la.
– Você não vem? – minha irmã perguntou.
– Vou. Vou, sim – respondi.
Peguei minha bolsa bege de pano que haviam deixado em cima do banco e a joguei sobre meu ombro, começando a andar em passos de formiga em direção a minha família.
CAPÍTULO III – HOME IS WHERE THE HEART IS
Encolhi minha barriga o máximo possível para conseguir passar entre as pessoas e chegar até minha poltrona, que estava entre uma mulher ruiva de quase cem quilos e um homem de estatura baixa, lá pelos seus cinqüenta anos. Quando finalmente encontrei o assento 25B, percebi que estava sozinha, e que a minha família estava do outro lado do avião. Olhei novamente para minha passagem e comparei com o número acima da poltrona. Era o mesmo. “Talvez eles estejam errados”, pensei.
Fiz meu caminho de volta, passando novamente por aquelas pessoas que escolheram esse momento inoportuno para guardarem suas malas nos bagageiros. Vi que meus pais e Grace já estavam acomodados em seus lugares.
– Vocês estão nos assentos certos? – perguntei.
– Claro que sim – minha mãe respondeu daquele mesmo modo impaciente. – Por que a pergunta?
– É que... eu estou lá do outro lado.
– E?
– E eu queria saber o motivo disso.
– Quando fomos comprar as passagens, não havia quatro poltronas seguidas – explicou meu pai um pouco entediado, com os olhos focalizados no jornal.
– E por que eu tive que ficar sozinha? Por que não você, pai?
– Pelo amor de Deus, né, . – disse minha mãe. – Até parece que você não consegue sobreviver uma simples viagem sozinha.
Bufei. Aí está, prova número três. Faltam só mais sete para provar minha teoria sobre minha mãe, mas não acredito que precise de tantas assim.
Voltei para minha poltrona e cruzei os braços, emburrada. Dizem que o filho do meio é o que mais sofre, já que o primeiro é o orgulho da família e o último é o mimado. Mas meus problemas com meus pais não eram por causa do fato de eu ser a filha do meio, e sim porque eles simplesmente não gostam de mim tanto quanto gostam de Grace.
Nem sempre foi assim. Ainda me lembro dos dias em que minha mãe me levava às aulas de balé e de piano. Quase fui inscrita para um concurso de soletração, se eu não fosse tão ruim em Inglês. Foi a partir daí que meus pais começaram a perder esperanças em relação ao meu futuro brilhante.
Passei o vôo inteiro me contorcendo naquela poltrona da classe econômica. Foram algumas horas de dor no pescoço, desconforto e insônia. O homem ao meu lado já estava começando a se irritar com meus movimentos constantes. “Que vontade de dormir em paz”, ele disse. Eu sabia que essa era uma indireta para mim, mas não era minha culpa se a companhia aérea não estava disposta a gastar mais dinheiro na produção das poltronas dos aviões.
Finalmente pousamos. E toda aquela desorganização de pessoas pelos corredores – como aconteceu antes da decolagem – recomeçou. Era como se todos quisessem pegar suas bagagens o mais rápido possível, pois estas poderiam criar pernas e fugir a qualquer momento. Levantei-me. Não queria perder meus pais de vista, porque sabia que eles não iriam me esperar, e se eu demorasse a chegar ao encontro deles, iriam reclamar sobre como nunca levo em consideração o fato de que não temos tempo a perder ou algo do tipo.
Estava preparada para sair do meu lugar e seguir pelo corredor, mas ninguém tinha o bom senso de me dar passagem. Ameacei algumas vezes entrar no fluxo, porém sempre tinha alguém que dava um passo à frente e me impedia de fazer o que queria, até que um garoto parou de andar e sorriu para mim.
– Pode ir. – ele disse, com um sotaque britânico.
Retribui o sorriso como forma de agradecimento e entrei em sua frente. Não sabia quem ele era, mas algo me dizia que já havia o visto em algum lugar. Seus olhos brilhantes já haviam encontrado os meus em algum momento no passado, apenas não sabia quando.
Segui pelo corredor entre as poltronas, com uma sensação crescente de que aqueles olhos me fitavam atentamente, de uma forma que parecia não me incomodar, o que me estranhou, já que eu não sou do tipo que gosta de chamar atenção.
– Você não respondeu minha pergunta. – disse o garoto.
– Que pergunta? – falei virando o rosto para o lado, tentando olhar para ele, mas ainda andando.
– Quando eu perguntei se você tinha certeza de que estava bem, você me ignorou.
E com isso, a memória me acertou como um raio. Era , o garoto do aeroporto que havia me derrubado no chão.
– Ah, certo! – falei. – Me desculpe por isso.
– Espero que tenham tido um bom vôo – disse a aeromoça, quando cheguei à porta do avião.
– Tive, sim – respondi simpaticamente, esboçando um sorriso.
– Sem problemas – disse , para mim. – E então?
– Sim, tenho certeza de que estou bem. Na verdade, nem doeu.
– Bom, me desculpe de qualquer jeito.
Chegamos ao corredor que liga o avião ao aeroporto, e encontrei meus pais parados, encarando-me de uma forma mais impaciente do que nunca. Lá vem sermão.
– Bom, eu tenho que ir, mas obrigada por ter se preocupado comigo. – Eu ri.
Juntei-me aos meus pais enquanto o garoto seguiu em frente com um casal e mais uma garota, aquela que havia o chamado quando ele me derrubou. Ele olhou para mim uma última vez e sorriu, fazendo-me correspondê-lo involuntariamente.
– Vamos. – minha mãe disse para mim, segurando-se para não brigar comigo pela demora.
Levamos alguns minutos de táxi até chegarmos ao nosso novo lar. O carro parou na frente de uma casa branca não muito grande, mas de tamanho moderado, com janelas azuis e uma varanda que dava a volta na casa. Meu sonho sempre fora morar em um lugar como esses, sempre achei que possuía certo romance, mas vivi minha vida em apartamentos que quase encostavam-se ao céu.
Meu pai pagou as exatas trinta e cinco libras para o taxista, que nos ajudou a tirar as malas do porta-malas e levar até a entrada da casa. Olhei em volta da sala, tentando sentir alguma vibração que me dissesse que eu tinha um motivo para estar lá, mas tudo que consegui foi o cheiro de tinta fresca, que começava a irritar meu nariz.
Comecei a explorar os outros recintos, entrando na cozinha – cujas paredes eram cobertas por azulejos brancos –, passando pelo lavabo, descobrindo a sala de jantar. Tudo estava vazio, sem ao menos uma cadeira para me sentar. Mas não era como se eu tivesse tempo para isso, já que sempre exigiam tarefas de mim.
– , leve suas malas ao seu quarto. – disse meu pai, fechando a porta de entrada.
– E qual seria? – perguntei.
– É só subir as escadas, ir até o fim do corredor e virar à direita. – explicou minha mãe. – Você vai saber, pois é o menor de todos.
Prova número quatro.
CAPÍTULO IV – HERE'S A LETTER FOR YOU
Levei a primeira mala para cima das escadas, parando em cada degrau por causa de seu peso quase insuportável. Cheguei ao segundo andar e literalmente suspirei de alívio, mas esse sentimento logo foi embora quando me lembrei da segunda mala, que ainda permanecia ao lado da porta de entrada. “Ótimo”, pensei. Devo ter gastado pelo menos metade da gordura acumulada de meu corpo fazendo todo esse trajeto. Pelo menos podia dizer que fizera meu exercício do dia.
Cheguei a meu quarto, onde não havia nada além de um colchão no canto da parede da janela, e caí sentada de cansaço. Deitei as costas no chão e fiquei encarando o teto, que estava um pouco mofado por causa da umidade. Fechei os olhos e inspirei fundo, como uma forma de relaxamento, mas antes que pudesse expirar, soltei um espirro. Passei o dedo no chão e encarei minha mão. “Que bom, está empoeirado”. Levantei-me, batendo nas minhas calças jeans para garantir que não houvesse o acúmulo de pó, e sentei-me preguiçosa no colchão. Não sabia o que fazer, estava entediada. Pensei em fazer o que sempre fizera quando tinha o tempo livre: ler. Eu podia não ser uma das melhores pessoas na língua inglesa, mas leitura sempre me acalmava.
Fui até minha mala e abri o zíper. Quase pude ouvir o suspiro de minhas roupas, como se estivessem aliviadas por não estarem mais se amassando. Procurei entre minhas camisetas e calças o livro que sempre levava comigo. Chegando ao fundo da mala, lá estava ele, 'O Pequeno Príncipe'.
Quando era pequena, pedia para minha mãe ler esse livro para mim todas as noites, mesmo já sabendo a história de cor e salteado. Às vezes até mexia os lábios de acordo com as palavras que saíam da boca dela enquanto ela lia. “É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar”*, era uma das frases que eu sempre repetia. Queria que minha mãe pensasse o mesmo que essa personagem.
Levei o livro à altura do meu peito, virando-o na vertical, encarando sua capa de papelão. Ao fazer esse movimento, um papel dobrado caiu de dentro das páginas, batendo na ponta do meu tênis. Deixei o livro em cima do colchão e agachei-me para pegar esse tal papel. Enquanto o desdobrava, sentei-me no piso gelado, pois minhas pernas já estavam começando a doer, devido à minha posição, e encostei as costas na parede. Comecei a ler assim que vi as primeiras palavras no canto esquerdo superior da folha.
,
Eu sei que nesse momento você deve estar passando por muita coisa, pois tenho certeza de que mamãe ficou ainda mais fria com você por causa de minha partida.
Estou escrevendo para você porque sei que te devo uma explicação. Não é do meu tipo ficar dando justificações às minhas ações, mas eu realmente me importo com o que você pensa de mim.
Melhor do que qualquer outra pessoa, você sabe como eu era infeliz nessa casa. Tentei o máximo suportar esse tipo de vida, mas era impossível. Eles querem que eu seja alguém que eu não sou. Tentei fazê-los entender minha verdadeira personalidade, mas eles simplesmente não aceitaram. Então fui para o plano B. Não consegui nem ao menos esperar duas semanas para meu 18º aniversário, peguei o dinheiro da minha poupança para a faculdade e fugi.
Agora sou livre. Livre para ser eu mesma, livre para viver onde quiser. E é o que digo para você fazer. No minuto em que você se tornar dona do seu próprio destino, vá embora e não olhe para trás. Essa não é a vida que você merece.
Estou indo para o México agora e depois irei para a Europa, mas antes farei uma pequena viagem de mochileiro pela América do Sul. Se meu dinheiro não for suficiente para tudo isso, terei que me instalar em algum lugar por um tempo.
Desculpe-me por ter sumido sem ao menos ter me despedido, mas eu não podia ter furos no meu plano. Sei que você nunca contaria, mas é um risco de qualquer modo.
Queria que você soubesse que eu te amo mais do que tudo, e que você é a pessoa mais importante da minha vida. Espero não demorar muito para revê-la. E não se esqueça: faça acontecer.
xoxo
Claire
O nome de minha irmã na carta foi manchado por uma lágrima que escorreu pelo meu rosto. Com essa carta, minhas esperanças de que ela voltasse se acabaram. Era como se, esse tempo todo, eu acreditasse que iria vê-la passar pela porta da frente em uma manhã, mas ao ler essas palavras escritas por ela, minha crença deixou de existir.
Cobri o rosto com as mãos e chorei. Chorei por não ter mais minha melhor amiga ao meu lado, chorei por sofrer tanto em relação à minha mãe. Simplesmente chorei por tudo que estava acontecendo na minha vida. Fui obrigada a sair da minha cidade porque meus pais queriam esquecer algo que era culpa deles. Era tratada quase como lixo porque não sou do jeito que queriam que eu fosse. Estava cansada disso tudo. Então apenas chorei.
– Não chore. – Ouvi uma voz masculina surgir de um lugar que meus olhos não alcançavam, fazendo-me levar um susto.
Deixei a carta de lado e comecei a procurar onde estava essa pessoa. Joguei meu peso sobre meus joelhos e olhei atrás de mim, dando de cara com um rapaz parado na janela da casa ao lado. Ele tinha os cabelos pretos, que estavam para o ar em um pequeno topete, olhos verdes hipnotizantes e um maxilar bem definido. Ele me encarava sorrindo, esperando que eu dissesse algo.
– Oi. – ele falou, ainda com a mesma expressão no rosto.
– Oi. – Tentei compartilhar o sorriso, mas as lágrimas entregavam meus verdadeiros sentimentos.
– Eu sou Johnny.
– . – falei baixo.
– Por que você está chorando?
Não respondi. Apesar de todas as atrocidades que minha mãe já fizera para mim, uma coisa ela me ensinou: não falar com estranhos. Eu não estava exatamente ignorando-o, mas se eu contasse algo de minha vida – principalmente o motivo de minhas lágrimas derramadas –, estaria mostrando minha vulnerabilidade, e isso podia dar vantagens a ele, caso ele fosse algum tipo de psicopata.
– Você é minha nova vizinha, certo? – Ele mudou de assunto, entendendo a mensagem.
– Sim, acabei de chegar. – Enxugava as lágrimas com as costas de minha mão, enquanto tentava manter uma conversa civilizada.
– , vamos sair para almoçar! – Ouvi meu pai gritar do andar de baixo.
– Já estou descendo! – gritei de volta, mirando o rosto em direção à porta de meu quarto. Voltei-me para Johnny. – Eu preciso ir.
– Mais tarde a gente se fala, então. – O garoto sorriu para mim e saiu de perto da janela, sumindo do meu campo de vista.
Peguei a carta de minha irmã, que estava jogada ao meu lado, e a dobrei de volta. Encarei aquele papel dobrado uma última vez e sorri fraco, pensando em como Claire se importa comigo. Coloquei-a em um compartimento de zíper na minha mala e saí de meus joelhos, ficando sobre meus pés. Não queria que ocorresse nenhum acidente de minha mãe encontrá-la. Sabia que isso daria em muitos problemas – principalmente para mim.
Passei pelo batente do meu quarto e entrei no banheiro do corredor, fechando a porta atrás de mim. Encarei-me no espelho, estava com o rosto um pouco inchado. Se minha mãe percebesse que estivera chorando, iria fazer de tudo para descobrir o motivo. Mas o que mais me incomodava era a possibilidade dela nem sequer perceber. Claire sempre disse para não me importar com eles, mas não conseguia esquecer o fato de que eles ainda eram meus pais, meus criadores, meu motivo por estar viva. Abri a torneira e acumulei água nas palmas de minhas mãos, jogando aquele líquido gelado em meu rosto, como uma tentativa para melhorar minha aparência. Não ajudou. “Foda-se”, pensei.
Desci as escadas quando meu pai me chamou novamente. Minha mãe, como sempre, tinha aquela mesma expressão impaciente, enquanto Grace, com um sorriso bobo no rosto, parecia se divertir com tudo a sua volta. Minha mãe me encarou por alguns segundos, percebendo o inchaço de meu rosto. Pensei que fosse fazer mais um de seus típicos comentários, mas tudo que disse foi: “Vamos, estou com fome”, e abriu a porta de entrada.
Eles podiam estar saindo para ativar o sistema digestivo, mas eu fui por outro motivo. Queria comemorar aquela data, mesmo que Claire não estivesse conosco. Era o dia de seu aniversário.
* Frase retirada do capítulo X do livro O Pequeno Príncipe.
CAPÍTULO V – THIS GIRL THAT MOVED JUST UP THE ROAD FROM ME
– De quem é a Coca-Cola? – perguntou o garçom, olhando para as quatro pessoas da mesa.
– É minha. – respondi, levantando o indicador para o céu.
Observei o homem de camisa azul despejar o líquido em meu copo de vidro em cima da mesa, enquanto meu pai tomava um gole de sua Heineken já servida, minha mãe brincava com o canudo de seu suco de maracujá e Grace arrancava o anel da sua lata de Seven Up. Assim que o garçom se afastou da mesa, peguei meu copo e o levantei no ar.
– Um brinde. – Os três copiaram minha ação. – Ela pode não estar aqui conosco, mas seja lá onde estiver, sei que Claire está aproveitando bem seus dezoito anos.
Minha mãe me encarou com uma expressão de nervosismo e abaixou rapidamente seu copo, sendo copiada por meu pai, que apenas suspirou. Grace foi a única que encostou seu copo no meu, sorrindo e tomando um gole em seguida. Acenei levemente com a cabeça para ela e despejei a Cola-Cola para dentro de minha boca. Engoli com satisfação e sorri ironicamente para minha mãe.
– Você tinha que fazer isso, não é, ? – ela perguntou com braveza.
– Com certeza. – respondi, ainda sorrindo da mesma forma.
Era isso. Tinha passado da minha primeira fase de rebeldia. Não poderia estar me sentindo melhor. A sensação de desafiar a autoridade é como andar de bicicleta com os olhos fechados e os braços abertos: feliz. É como se fosse a única coisa que te trouxesse prazer em um momento de tristeza e depressão, quando você simplesmente quer se arrastar para debaixo da cama e derramar aquelas lágrimas que ficam o dia inteiro guardadas no coração para que você possa fingir que está tudo bem. Estava me sentindo orgulhosa, estava rindo por dentro.
Meus pais passaram o almoço inteiro sem trocar uma palavra comigo por causa da minha ação, cujo resultado para mim fora até agradável, já que toda vez que eles falam comigo é para brigar ou dar uma tarefa doméstica para eu fazer. Então comi meu frango com batatas cozidas pacificamente, prestando atenção nos hábitos alimentares dos outros clientes ao meu redor.
Meu pai nos dirigiu de volta para casa no Mini Cooper prata alugado de última hora. Observei as ruas de Londres pela janela, assistindo as pessoas andarem pelas calçadas com seus estilos exóticos e individuais, pessoas cujos pais provavelmente eram muito mais liberais do que os meus.
Enquanto o carro entrava na garagem de nossa nova casa, pude ver aquele garoto moreno que tentara me consolar anteriormente tocando violão, sentado no primeiro degrau da escada da varanda de sua casa.
– Eu já volto. – eu disse, enquanto meus pais e Grace entravam pela porta que ligava a garagem com uma escada que dava até a cozinha. Eles não ouviram.
Saí da garagem antes do portão fechar inteiramente e fui seguindo pelo concreto coberto pela neve pálida até chegar à casa ao lado, ficando de frente para Johnny, que sorriu para mim, sem parar de cantar a música.
– And blinding our hearts with their shining lies, while closing our caskets cold and tight. But I'm dying to live. – Foram as últimas palavras dele antes de parar de tocar seu violão de madeira clara, deixando-o encostado na pilastra ao seu lado.
– Dashboard Confessional. – eu disse, sorrindo, e ele retribuiu o sorriso, mostrando seus dentes claros e retos pós-aparelho fixo.
– Você conhece? – ele perguntou, e eu concordei com a cabeça. – Chris Carrabba é meu ídolo.
– Chris Carrabba é meu Deus.
– Se eu dissesse isso, as pessoas iriam pensar que eu sou gay. – ele falou, fazendo-me rir. – Então vou continuar dizendo que ele é meu ídolo.
– Eu amo o fato de que ele coloca tanta emoção em uma letra, – comecei, sentando-me ao seu lado no degrau da escada – por mais simples que ela seja...
– ... Como For You To Notice. – Ele completou meu pensamento.
– Exato. – Sorri novamente. – E eu amo essa que você estava tocando, Several Ways To Die Trying.
– Você sabe sobre o que fala?
– Eu acho que cada um deve interpretar do modo que bem entender, pois cada música pode encaixar em milhões de situações na vida de um indivíduo.
– Você quer ouvir o que eu penso dessa letra, então?
– Por favor – pedi com interesse.
– Eu acho que fala sobre quando você percebe que nem tudo na vida é puro e fácil. É quando você percebe que nem tudo é o que você achava que seria, e você culpa a pessoa que sabia que um dia você iria descobrir por não ter te avisado sobre como a vida pode ser difícil de vez em quando. – ele falou com certa paixão nos olhos. – E quando Chris diz “all our fears fall on deaf ears” é quando você realmente precisa conversar com alguém sobre as coisas que estão te matando devagar, e todas as coisas que te preocupam, mas ninguém parece te ouvir, ninguém parece dar a mínima. E tem uma parte onde eu acho que explica como as pessoas podem ser malvadas, que irão fazer de tudo para que você não alcance a paz e felicidade que está faltando na sua vida.
– Uau. – Essa combinação de três vogais foi tudo que conseguiu sair da minha boca por alguns segundos.
– Esse “uau” é algo bom? – ele pergunta, com um pouco de medo sobre o que eu iria falar depois.
– É algo muito bom, Johnny. Eu nunca pensei dessa forma sobre essa música, sabe? Acho que eu nunca sequer parei para pensar direito no que ela estava querendo expressar. – comentei. – E agora, vendo do seu ponto de vista, parece que... Você está falando da minha vida.
– Posso perguntar o motivo de você dizer isso ou vai mudar de assunto como fez quando estava chorando?
– Claro que pode perguntar. – Eu ri de seu comentário. – Não é como se não estivesse claro, apesar das pessoas sempre falarem que eu exagero demais ao contar minha história.
– Pois então me conte e eu vejo que concordo com elas. – Ele sorriu. O brilho de seus dentes combinava muito com seus olhos verdes claros e chamativos.
– Bom, minha irmã que eu tanto amo fugiu de casa, deixando-me com meus pais, que parecem me odiar mais a cada segundo que passa, e minha irmãzinha Grace, a última chance de fazer com que a família tenha um futuro promissor.
– Talvez seja minha vez de dizer “uau” – brincou ele, e eu ri levemente em resposta.
Uma brisa gelada bateu em meu rosto, tirando completamente o resto de sensibilidade que havia restado meu nariz rosado, e eu apertei o casaco preto de lã contra meu corpo, encolhendo-me um pouco.
– Você não está com frio? – perguntei um pouco indignada ao perceber que ele vestia apenas um suéter vinho e uma blusa branca de manga comprida por baixo.
– Um pouco, mas sei que no verão estarei pensando como esses dias de inverno eram bons, então estou tentando aproveitar para o futuro.
– Você também não é muito fã de calor, como eu? – perguntei.
– Não, inverno é a melhor estação. Mas se você estiver com muito frio, podemos entrar e tomar algo, se você quiser.
– Não precisa, eu gosto de observar a neve. Me traz uma certa... Paz – disse, enquanto mexia naquele acúmulo de gelo ao meu lado em silêncio. Senti os olhos de Johnny em mim, mas não olhei de volta.
– Onde você vai estudar? – ele perguntou, fazendo-me voltar minha atenção para ele.
– Na Wimbledon High.
– Sério? – Um sorriso surgiu em seu rosto. – Que coincidência! Eu estudo lá!
– Mesmo? Bom, então pelo menos posso dizer que já conheço alguém naquela escola. – falei, sem muita certeza de que já poderia conversar com tanta intimidade com ele. – Em que ano você está?
– Eu estou no quarto ano. Em setembro, faculdade, lá vou eu – ele brincou. – Se tudo der certo, é claro. E você?
– Eu ainda estou no segundo ano.
– Ah, eu conheço bastante gente desse ano. Você vai se dar bem por lá.
– É... espero.
Um silêncio um pouco constrangedor se instalou entre nós dois, e nenhum de nós sabia mais o que falar. Comecei a brincar com a neve do degrau de baixo, esperando que algum assunto quebrasse essa quietude do ambiente.
– Hey, você quer ouvir uma música do Dashboard Confessional que eu aprendi a tocar ontem?
– Johnny perguntou, já pegando seu violão.
– Claro! – concordei, feliz em finalmente ter ouvido uma palavra sair da boca dele.
– Sleep with all the lights on, you're not so happy, you're not secure. – Johnny tocava Swiss Army Romance com entusiasmo, e eu apenas o assistia em silêncio.
CAPÍTULO VI – THIS IS NEW LIKE YOUR FIRST DAY OF SCHOOL
Primeiro dia de aula... Pelo menos para mim. As escolas já haviam reiniciado as aulas na segunda-feira daquela semana, mas eu ainda estava em Nova York, em processo de mudança. “Não tem importância se você perder alguns dias de matéria”, disse minha mãe. Foi o que ela disse para mim. Em relação à Grace, ela já estava planejando ligar para quase todas as mães de sua classe para poder obter toda a informação passada nesses três dias que sua filha querida perdera. Acho que devo considerar isso como prova número cinco.
– , você sabe chegar a sua escola de metrô? – perguntou meu pai, lendo o jornal local de Londres. – Depois que eu levar sua irmã, terei que ir direto para o trabalho, por isso não irei te dar uma carona.
– Além do mais, você está mais do que na hora de se virar sozinha. – completou minha mãe, apreciando um gole de seu café recém-feito.
– Não. – respondi. – Mas Johnny estuda comigo, então vamos juntos.
– Quem é Johnny?
– É o garoto que mora aqui do lado. Tenho certeza de que você já o viu.
– Ah – ela disse, com um certo tom de desprezo. – Sei quem é.
Nem me dei o trabalho de retrucar sua resposta. Qualquer indivíduo relacionado à minha pessoa nunca recebe a aprovação de Sra. , por isso sei que qualquer palavra gasta para defendê-lo seria completamente em vão.
Levantei-me e coloquei meu prato com migalhas de pão e minha caneca dentro da pia, posteriormente indo direto ao banheiro do andar de cima para escovar meus dentes. Assim que acabei com minhas tarefas higiênicas, calcei meu Adidas branco e preto, vesti meu casaco de malha marrom e joguei a mochila no ombro direito, dando os últimos retoques na franja, que parecia não querer ficar arrumada. Desci escada abaixo, vesti minha jaqueta jeans, enrolei o cachecol rosa em volta do pescoço e gritei um “até mais tarde” para as pessoas da cozinha, segundos antes de abrir a porta da frente de casa. Levantei o olhar para frente e me deparei com Johnny, envolvido em um casaco preto e um gorro cinza cobrindo os cabelos, esperando-me com um sorriso no rosto.
– Então... Está pronta? – ele perguntou, quando me aproximei.
– Wimbledon High, aqui vou eu.
Johnny me deixou na porta da sala 212, onde eu teria minha primeira aula do dia: Geografia. “Está entregue”, ele disse, dando um pequeno sorriso. Eu o assisti seguir pelo corredor pouco antes de bater na porta e abri-la devagar, pedindo licença à professora. Fui discretamente até uma das carteiras vazias no fundo, depois de ser apresentada para a classe inteira, e acomodei-me lá.
Passei o período da manhã inteiro fazendo desenhos irreconhecíveis no canto do meu caderno, checando se havia pontas duplas no meu cabelo, prestando atenção no que os outros faziam, entre outras coisas mais interessantes do que crise dos mísseis ou suserana e vassalagem – que foi o assunto da segunda aula, de História. Quando eu já não agüentava mais o peso de minhas pálpebras, senti o barulho do sinal entrar pelos meus ouvidos, tirando-me do sono.
– Esse deve ser o homicídio mais longo da história humana, porque eu juro que estavam tentando me matar. – comentei, quando vi Johnny me esperando do lado de fora da classe.
– Então você não é uma grande fã de escola? – Ele riu.
– Você é?! – perguntei, quase gritando.
– Não, não. Mas também não vejo esse lugar como um calabouço de torturas.
– Pois eu vejo. Minha vida é uma porcaria justamente por causa disso, então quero sair daqui o mais rápido possível. – respondi, enquanto andávamos até o refeitório.
Chegamos ao local de alimentação e fomos para a fila, enchendo nossos pratos com as comidas do cardápio daquele dia. Não havia muitas mesas disponíveis, então nos sentamos na última vazia que havia no canto do refeitório. Peguei meus talheres, pronta para começar a comer, quando ouvi uma risada gostosa vindo do outro lado do recinto. Estiquei o pescoço e procurei pelo produtor desse riso, até encontrar aqueles olhos que vira diversas vezes nessa semana.
– Ei, Johnny, quem é aquele? – Apontei para o garoto com meu garfo.
– Quem? – Ele ligeiramente virou o corpo para trás, olhando por cima de seu próprio ombro. – Ah. Esse é o .
Que bom que ele me deu a única informação que eu sabia sobre o garoto.
– Ah, sei, claro, meu amigão do peito. – falei sarcasticamente. – Detalhes, por favor.
– Qual seria o motivo de seu interesse?
– N-nada, eu só... Queria saber. Sem motivos.
– Certo. – Ele riu, mostrando seus dentes brancos. – , quarto ano do colegial. As garotas parecem amá-lo, e ele conhece todos da escola. Ele está na minha classe de Biologia. E é tudo que sei sobre ele... Pelo menos hoje em dia.
– Como assim?
– Bom, nós... Éramos melhores amigos há quatro anos. Éramos inseparáveis, praticamente irmãos. Ele vivia na minha casa, eu vivia na dele. Era aquele tipo de amizade que parecia que ia durar para sempre, sabe? Até... Lisa entrar em nossas vidas.
– Quem é Lisa?
– Lisa foi a primeira garota que eu amei. E sabia disso, eu vivia falando dela para ele. Ela era realmente simpática comigo, e quando eu achei que iria finalmente consegui-la, encontrei-a aos amassos no banheiro masculino... Com . Eu parei de falar com ele. A partir desse dia, fomos... Nos distanciando. Mesmo depois de não estar mais bravo com ele por causa daquele todo caso com Lisa, não voltei a conversar com ele.
– Por quê? – perguntei interessada.
– Não sei. Acho que simplesmente pelo fato de termos ido por caminhos diferentes. Ele começou a fazer mais amigos e eu fui me isolando. Agora, nem sei mais se ele se lembra de mim. Mas eu não me importo tanto com isso, sabe? Acho que sou do tipo que não precisa de amigos para viver.
– Todo mundo precisa de um amigo, Johnny. – Toquei em sua mão, que se encontrava em cima da mesa, e recebi seu sorriso básico como resposta.
– Festa amanhã. – Uma menina apareceu de repente, entregando-me um panfleto, e logo foi para a outra mesa, fazendo o mesmo.
– Festa? – perguntei, olhando para o pedaço de papel. – Mas as aulas mal começaram! Como podem já estarem fazendo festas?
– Louise Parker, do terceiro ano, é assim. Sempre que há uma oportunidade, faz uma “reunião” de pessoas em sua casa. O motivo inventado dessa vez é o início das aulas, então ela provavelmente deve ter dito isso aos pais dela, expulsando-os por um fim de semana.
– Ah, certo. Você vai?
– Não. – ele respondeu. – Não estou no pique de ficar em volta de pessoas que não gostam de mim ou que nem sequer sabem da minha existência. E você? Vai?
– Não sei ainda. Provavelmente não, afinal, não conheço ninguém daqui.
– Eu acho que você deveria ir. É um bom lugar para fazer novos amigos... Eu acho – ele disse, fazendo-me rir.
– Vou pensar no assunto.
O sinal bateu, anunciando o fim do horário de almoço, e fui rumo a mais algumas horas de tortura, sendo Matemática a primeira. Entrei na sala rapidamente e alojei-me na carteira com uma mesa de 1,2 metros quadrados. O professor Griffin, um homem lá pelos seus trinta e poucos anos de cabelos loiros, entrou no recinto e logo começou a falar:
– Antes de iniciar a aula, gostaria de propor um desafio. Quem conseguir resolvê-lo, receberá um ponto na prova que teremos no mês que vem. É um desafio que requer lógica e reflexão, portanto não achem que vão conseguir de primeira.
– Fala logo, professor. – disse um rapaz no meio da sala, causando alguns risos dos outros alunos.
– Você está no deserto e encontra uma casa sem janelas e com apenas uma porta, sem frestas. Dentro dela, existe uma lâmpada, que está conectada a um dos três interruptores que estão do lado de fora da casa. Seu objetivo é descobrir qual desses interruptores liga a lâmpada, sendo que, assim que você abre a porta, não pode mais sair.
– E para que eu vou querer fazer isso? – perguntou o mesmo rapaz que falara anteriormente. – Se eu estou no deserto, então eu deveria estar procurando por água, e não ficar tentando resolver um desafio idiota que não vai servir para nada!
– Sr. Hamilton, se o senhor não quiser resolver isso, não vejo problema algum. Só estou lançando-o para aquelas pessoas que se interessam por esse tipo de coisa. Assim que a primeira pessoa descobrir a resposta, o desafio será finalizado. Bom, então vamos começar a aula.
Se ao menos eu fosse boa em lógica, tentaria resolver esse desafio. Mas acho que devo concordar com minha mãe dessa vez e dizer que inteligência não é meu forte.
CAPÍTULO VII – TRUTH IS IN A TALL BEER
Noite de sexta-feira, e tudo que eu fazia era abraçar minhas pernas, sentada no canto do meu quarto. Estava de olhos fechados, tentando concentrar-me na música que saía pelos fones de ouvido do meu iPod, para que eu não ouvisse a gritaria do quarto do lado. Ninguém gosta quando os pais brigam, nem mesmo eu, a pessoa cuja mãe parece detestar a própria filha e cujo pai parece nem ao menos saber de sua existência. Concordo com Mark Hoppus, quando ele diz que, ao invés de consertarem os problemas, eles nunca os solucionam*. Fazia anos que eles vinham brigando dessa forma. Era como se, apesar de estarem casados, na verdade, eles não estavam. Não fazia sentido.
Tirei ligeiramente o fone direito do ouvido e pude ouvir uma voz feminina gritando algo impossível de se entender. Coloquei-o de volta rapidamente e fechei os olhos, inclinando a cabeça para trás e encostando-a na parede. Eu precisava sair dali. Eu podia estar em qualquer lugar, menos naquele. Levantei-me, guardei meu iPod dentro da mala e calcei os tênis, cujos cadarços estavam extremamente desgastados. Tirei do cabide do armário meu casaco preto grosso e o vesti, pouco antes de ir ao banheiro para pentear os cabelos e escovar os dentes. Passei pela porta do recinto onde me encontrava e encarei a última porta do corredor. Precisava avisá-los que iria sair de casa, mas tinha certeza de que iriam gritar comigo por ter os interrompido. Segui em frente devagar e ouvi alguém gritando algo como “e é isso que você sempre faz”. Bati na porta e girei a maçaneta depois de receber um “entre” como resposta.
– Err... Mãe, pai, eu... Eu vou sair. Vou a uma festa, e não sei quando vou voltar – falei baixo. – Mas não acho que será tarde.
Encarei o piso de madeira do quarto e esperei que minha mãe resmungasse algo grosseiro, mandando-me sair logo ou dizendo-me que não posso ir. Para minha surpresa, o que recebi de volta foi:
– Certo. Leve sua chave, , caso todos já estejam dormindo quando você chegar.
– Ahm... ok. Tchau – eu disse, e fechei a porta.
Minha mãe é o tipo de pessoa imprevisível, que você acha que conhece, mas, quando você menos espera, acaba te surpreendendo. Ela estava em um momento de puro estresse e conseguiu se tornar dócil em menos de meio segundo... comigo, além do mais.
Desci as escadas e peguei minha chave, que estava em cima da bancada da cozinha. Saí pela porta de entrada, apertando meu casaco quando um vento frio bateu no meu rosto, fazendo meus cabelos voarem para trás, e toquei a campainha da casa ao lado.
– Boa noite! – disse Johnny com um certo entusiasmo, enquanto abria a porta. – Ah, é você. – Seu tom passou de felicidade para decepção.
– Há-há-há, muito engraçado. Seu bobo. – falei, batendo em seu braço. – Eu vou para aquela festa que está tendo. Você quer vir?
– Não. – ele respondeu desanimado. – Como eu já disse, não me encaixo nesse tipo de situação. Mas estou feliz que você está indo. Vai ser bom para você.
– Ok, então. Caso você mude de idéia, apareça lá. Me procure nos cantos das paredes da casa, porque eu provavelmente estarei em um deles, de braços cruzados e com uma cara de tédio. – Eu ri. – Afinal, a única pessoa que eu conheço estará aqui, mofando.
– Então por que você vai?
– Porque eu... Eu simplesmente preciso me distrair com algo. Além do mais, é sempre bom experimentar coisas novas.
– Ah, claro, festas de escola são experiências únicas. – ele disse sarcasticamente, fazendo-me rir. – Você não pode perder essa.
– Eu disse “novas”, não “únicas”, cabeção! É raro me encontrar em festas, tá?
– Então vá lá. Falando sério agora, eu espero que você se divirta.
– Eu também espero. – Dei um beijo em sua bochecha, que estava fria por causa do vento que batia levemente em seu rosto. – Tchau.
Desci as escadas da varanda da casa de Johnny e comecei a andar pela calçada coberta pela neve. Olhei para trás e sorri uma última vez para meu amigo, que se despediu com a mão e fechou a porta da frente. Coloquei as mãos nos bolsos para esquentá-las e fui rumo à estação de metrô mais perto de casa.
Já estava andando a mais de dez minutos depois que descera na estação Harlesden, quando ouvi o som de música alta vindo de uma casa a trinta passos de distância. Continuei seguindo meu caminho e parei ao chegar a tal casa barulhenta. Fui em direção à porta de entrada, desviando de pessoas bêbadas que corriam de um lado para o outro ou que entravam na minha frente sem perceber, impedindo-me de continuar a andar. Quando finalmente passei pela porta e vi aqueles indivíduos se divertindo pela casa, comecei a me questionar o porquê de estar ali. Aquela cidade enorme tinha tantos lugares para ajudar-me a espairecer a cabeça, e eu resolvi ir justamente onde eu sabia que a diversão não existia para mim. Pessoas desconhecidas, pessoas bêbadas, pessoas se beijando estavam a minha volta. E, de alguma forma, foi minha escolha de refúgio. Agora era tarde demais, eu teria que aceitar.
Fui até a área fornecedora de bebida e peguei um copo de cerveja para mim. Eu necessitava de algo que me ajudasse a apreciar esse momento, pelo menos um pouco. O sofá, que se encontrava no meio da sala, estava vazio, então me sentei e passei a observar os alcoolizados que dançavam alegres, tirando algumas risadas de minha boca de vez em quando.
E as horas foram passando conforme a bebida foi entrando. Um copo, dois copos, quinze copos. Eu já havia ingerido quase três litros de cevada, mas não parecia estar fazendo efeito. Tentei levantar-me, mas caí de volta ao sofá, gargalhando alto. Derramei um pouco de cerveja em minha blusa por acidente, e a risada continuou, mesmo quando eu não sabia mais o motivo de estar rindo dessa forma.
Deixei o copo em cima da mesa ao lado do sofá e levantei devagar, apoiando-me em uma pessoa que estava na minha frente. “Desculpe”, falei, rindo levemente. Fui cambaleando sem direção, até que vi meu reflexo em uma porta de vidro, abrindo-a com certo esforço. Enquanto andava pela grama do jardim, comecei a sentir um mal-estar no meu estômago. A tontura impedia que a minha visão ficasse em boas condições, fazendo-me ver moitas desfocadas, e não deixava com que eu andasse em linha reta. Avistei a rua a alguns metros de distância, e, por um motivo desconhecido, comecei a andar em sua direção. Enquanto andava, senti meu corpo pesar e minha mente já não tinha mais tanta certeza de onde estava. Meus joelhos se enfraqueceram e fui caindo para trás. Esperei chegar ao chão e bater a cabeça, mas isso não aconteceu. Senti duas mãos pousarem em minhas costas, e, quando vi, encontrei um olhar inesperado.
– ! – falei, com um sorriso bobo estampado em meu rosto, dando um tapa leve em sua bochecha. – Não sabia que você estava aqui! Tudo bom?
– Como você sabe meu nome? – ele perguntou, rindo da minha ação, ainda comigo em seus braços.
– Ah, meu amor, eu sei tudo sobre você! Eu sei seu nome, sei seu sobrenome, sei a cor dos seus olhos... – Falei a última frase de um modo pateticamente sedutor, passando os dedos nos cabelos do garoto. – Sei até o que você fez com Johnny.
– Johnny? – Ele franziu a testa. – Johnny Stevens?
– Ah, aí eu já não sei. – eu respondi arrastado. – Esse é o sobrenome dele? É bonito...
– Cabelos escuros, olhos verdes? É dele que você está falando?
– Isso! Isso mesmo! Está vendo? Nós temos uma conexão grande. – eu disse, apontando diversas vezes para minha cabeça e para a dele. – Bem grande.
– O que ele falou sobre mim? – perguntou, um pouco triste.
– Ah, eu não posso falar. – Tampei a boca com a mão direita. – Mas, ó – aproximei-me de seu ouvido, falando baixo. – Ele falou sobre a Lisa.
– Ele ainda está bravo comigo por causa disso? Ah, o que estou dizendo? Mas é claro que não. Até parece que...
– Ei. – falei, interrompendo-o. – Sua mãe não te falou para não conversar com estranhos, não? A minha ensinou, tá? Mas eu sei seu nome! Ééé, eu sei. Só que você não sabe o meu, não. Então pára, pára. Shhh! – Coloquei o dedo indicador na frente de minha boca.
– – ele falou, com um sorriso nos lábios. – Seu nome é .
– Olha só, você sabe! – Abri um sorriso de orelha a orelha. – Ei, ei. Ei, você está me ouvindo?
– Estou, sim, pode falar.
– Eu estou com sono. – Senti meus olhos se fecharem ligeiramente. – Eu vou dormir, ok? Boa noite.
– Não, não! Não dorme, não! – Ele começou a bater levemente em meu rosto. – Eu te levo para casa, mas não durma, ok?
– Mal me conhece e já quer me levar para casa? – perguntei mole. – Tá bom, mas, ó, eu não sou fácil, não, tá?
Fechei os olhos e meu corpo começou a levitar do chão. A última coisa que senti antes de apagar foi o perfume masculino de tomar conta de meu cérebro.
* Rather than fix the problems, they never solve them, it makes no sense at all – Stay Together For The Kids, Blink 182.
CAPÍTULO VIII – I'VE HAD TOO MUCH TO DRINK, WHERE HAVE I BEEN?
Abri os olhos com esforço, tentando descobrir onde estava. Minha garganta desesperadamente necessitava de hidratação e minha cabeça parecia querer explodir. Olhei em volta e percebi que havia dormido no banheiro, encostada na privada. Levantei-me devagar, apoiando-me na borda do depósito de fezes – ou de vômito, no meu caso –, até conseguir ficar completamente sobre meus pés. Ainda estava um pouco tonta por causa da noite anterior, e a dor de cabeça não parecia estar ajudando muito. Quando acordei por inteiro, dei-me conta de que não conhecia o lugar onde me encontrava. De qualquer forma, fui até a pia e abri a torneira, acumulando água entre minhas mãos juntas e a espalhando por meu rosto. Sequei-me com a toalha que se encontrava pendurada ao meu lado, sentindo a maciez do pano contra minhas bochechas.
– Bom dia. – A voz de me assustou, fazendo-me virar rapidamente de frente para ele, que tinha um copo d'água em uma mão e algo pequeno demais para ser reconhecido na outra. – Como você está se sentindo?
– Como lixo. – respondi, enquanto passava a ponta dos dedos pela testa, que ainda latejava.
– Eu já imaginava. – Ele riu. – Por isso que te trouxe essa aspirina. – Ele me entregou o copo e uma pílula. Peguei o remédio e o desci garganta abaixo rapidamente, como se isso fosse fazer a dor passar mais rápido. – Dormiu bem? Tem gente que fala que minha cama não é muito confortável.
– Muitas pessoas dormem aqui? – perguntei, com um pequeno sorriso no rosto, estranhando seu comentário.
– É, eu sei, eu formulei errado a frase. – Saiu uma risada gostosa de sua boca. – Não, não. Meus amigos, quando vem aqui, são folgados demais, então eles sempre acabam cochilando no meu quarto.
– Ah, certo. Mas eu não dormi na sua cama, eu dormi... aqui – falei envergonhada. – Eu devo ter vindo vomitar e ter ficado com preguiça de voltar.
– Mas eu deixei uma bacia ali ao lado justamente para isso. – Ele apontou para a meia esfera que se encontrava em cima do criado-mudo.
– Err... Acho que não reparei nisso. – falei, soltando uma pequena risada. – Ei, eu não disse nada de idiota ontem, né?
– Não, não – ele respondeu, cruzando os braços. – , me diga uma coisa... Como está o Johnny?
– O Johnny está... NÃÃÃÃO! Ai, meu Deus! – Coloquei minhas mãos no rosto. – Não acredito, eu não acredito! Eu te falei, não foi? Eu contei sobre a Lisa e... Ah, não. Ah, por favor, não! Eu passei a mão no seu cabelo? Eu te chamei de “meu amor”?! Ai, meu Deus do céu, não acredito!
apenas ria enquanto me assistia lembrar das bobagens da noite anterior. Comecei a morder nervosamente minhas unhas e dei um sorriso envergonhado quando percebi que ele ainda me encarava, rindo levemente.
– Não tem importância, eu posso fingir que nada aconteceu. – ele falou, segurando o riso.
– Ai, como eu sou patética. – Cobri os olhos com as pontas dos dedos, tentando acalmar a dor de cabeça que ainda incomodava meu corpo e, ao mesmo tempo, escondendo-me da humilhação. – Eu não sou assim, eu juro que não!
– Eu acredito. – Senti seu toque contra a pele de meu braço, que fez um frio subir e descer pela minha espinha, retirando minhas mãos do rosto. – Você está com fome?
– Um pouco. Não como desde ontem à tarde. Por quê?
– Minha mãe foi ao supermercado alguns minutos atrás, mas acho que ela já deve estar voltando com alguma comida boa para o café da manhã.
– Ah, não, não. Que isso, , não precisa. É melhor eu voltar, minha mãe deve estar achando que eu fugi de casa também.
– Também? – ele perguntou confuso. – Por que também?
Por motivos desconhecidos, as honestas palavras que rodeavam minha mente não foram as mesmas que saíram pela minha boca. Foi como se, naquele momento, meu cérebro estivesse desconectado de todas as partes do meu corpo.
– Porque... Além de ter ido para a festa, ela pode achar que eu... Fugi de casa. Também. – menti. – É. Além de ter... Saído, eu... Fugi. Isso.
– Bom, mas você não precisa se preocupar. Minha irmã ligou para a sua casa e fingiu ser uma amiga sua, dizendo que você dormiu na casa dela.
– Sua irmã? Aah! A garota que estava com você no aeroporto e o no avião?
– Isso mesmo.
– Ah, certo. Ei, mas como você sabe o número da minha casa?
– Err... Eu... vi no seu celular. – ele respondeu envergonhado. – Desculpe. Eu sei que é invasão de privacidade, mas sua mãe teria ficado muito preocupada sem notícias suas.
– Não tenho tanta certeza assim. Mas obrigada. – sorri sincera. – De qualquer forma, acho melhor voltar.
– Certo.
Passei ao lado de e saí do banheiro, pegando meus sapatos, que se encontravam espalhados pelo chão. Calcei-os rapidamente e peguei meu casaco de cima da cadeira do computador, vestindo-o enquanto passava pelo batente da porta do quarto, sendo seguida por . Dei um sorriso envergonhado para a irmã dele, sentada no sofá da sala, e fui até a porta de entrada. Ele girou a chave posicionada na fechadura e abriu a porta para mim.
– Bom, até mais tarde, então – ele falou.
– Certo. – Dei um passo para fora da casa, mas logo parei e me virei para ele. – Como você sabe meu nome?!
– Ah... Eu tenho minhas fontes. – Ele sorriu marotamente.
– Alguém? – gritei, enquanto girava a chave do lado de dentro da casa. – Eu cheguei!
“É, como se isso fosse fazer diferença na vida deles”, pensei. Fui em direção à cozinha, à procura de qualquer sinal de vida, mas não obtive sucesso. Subi as escadas e chamei por alguém novamente, sem receber alguma resposta de volta. Retornei à sala, pensando que talvez pudessem ter deixado um bilhete para mim, e, novamente, não encontrei nada. Joguei-me de costas no sofá, ainda sem acreditar direito nas palavras que saíram de minha boca na noite anterior, quando ouvi um resmungo vindo do porão.
– Olá? – eu disse, abrindo a porta branca que dava à sala do andar de baixo.
– Quem está aí? – uma voz masculina perguntou. Desci as escadas, apoiando-me nas paredes, tentando não tropeçar nos degraus por causa do escuro, e encontrei meu pai ao lado do interruptor. – Ah, é você, .
– Pai, o que você está fazendo aqui? No escuro, principalmente!
– Eu estava passando em frente à porta daqui e vi pela fresta que a luz estava ligada, então desci para apagá-la. Mas bem quando eu ia apertar o interruptor, a lâmpada queimou. Então acho que vou trocá-la.
– Você precisa de ajuda? – perguntei, enquanto ele posicionava a escada bem abaixo da invenção de Thomas Edison.
– Não.
“Ah, de nada, pai”, pensei sarcasticamente. É um enigma tentar entender como eu consegui a educação que tenho hoje em dia. Meus olhos fitaram atentamente cada movimento de meu pai, que ia subindo cada degrau da escada. Ele esticou a mão para desenroscar a lâmpada, mas, em um reflexo, levou-a de volta para perto do corpo quando tocou no objeto.
– Puta merda – ele resmungou baixo.
– O que houve?
– Essa porcaria está quente. Eu deveria saber. Ficou ligada a noite inteira!
– O que você disse?!
– Eu disse que está quente. Você é surda, por acaso?
Ironicamente, senti como se uma lâmpada tivesse acendido sobre minha cabeça. Minha mente começou a funcionar rapidamente, ligando cada fato com outro. Não conseguia prestar mais atenção em nada a minha volta, estava concentrada demais em meus pensamentos para me importar-se com outras coisas no momento. Subi as escadas correndo, conseguindo apenas ouvir meu pai chamar meu nome.
CAPÍTULO IX – WAITING HERE WITH HOPES THE PHONE WILL RING
Um barulho irritantemente agudo tocava dentro de minha cabeça de uma forma constante, e eu não conseguia descobrir sua origem. Na minha mente, eu estava me movendo, mas meu corpo parecia não receber a mensagem. E foi quando percebi que estava adormecida. Abri os olhos e fitei a janela, percebendo que havia caído no sono e perdido o horário do almoço, já que o céu já estava escuro. Levei alguns segundos para me dar conta de que o barulho que me perturbava vinha do meu celular. Levantei-me preguiçosa do colchão e peguei o tal eletrônico de dentro do bolso de meu casaco, que estava jogado ao lado da porta.
– Alô? – falei com a voz rouca, logo após pressionar a tecla verde do telefone.
– O que aconteceu com o pintinho cabeçudo? – perguntou uma voz feminina do outro lado da linha.
– Quem é? – O sono não permitia que eu reconhecesse a pessoa. – Quem está falando?!
– Apenas responda à pergunta.
– Bem... – Parei de falar e senti meu coração bater como se eu tivesse corrido sem parar por um quilômetro. – CLAIRE?!
– Responda à minha pergunta, por favor! – Ela riu. – E fale baixo!
– Ahm... Ele... Foi ciscar e... Deu uma cambalhota – Apesar de minha voz estar saindo trêmula, desacreditando no que estava ocorrendo, consegui dar uma pequena risada.
Claire nunca fora boa de piadas, mas assim que me contara esta, eu ri por dias. Sempre que olhava para seu rosto, lembrava da piada e a imagem do pintinho vinha logo à minha cabeça, fazendo-me gargalhar sem parar. De certa forma, isso ficou marcado em nossas vidas.
– Eu sabia que era você, . Eu só precisava checar, sabe? As mulheres da nossa família têm vozes muito parecidas.
– Meu Deus, eu não acredito que você está me ligando! – falei, querendo chorar. – Faz tanto tempo que não falo com você! Como você está? Onde você está? Por que lugar já passou? Que tipo de pessoas já encontrou?
– Calma, calma! – Ela riu. – Uma pergunta por vez, por favor! Bom, primeiramente eu queria te pedir uma coisa.
– Qualquer coisa! Qualquer coisinha no mundo inteiro você pode me pedir!
– Ok. Bom, você não pode contar a ninguém que eu te liguei ou onde estou, principalmente para Grace e nossos pais.
– Definitivamente. Você realmente acha que eu seria idiota de contar? Eu nem sequer converso com eles sobre assuntos normais! E eu sei que você está muito feliz seja lá onde você esteja, então não faria nada para atrapalhá-la. – eu falei. – Então me diga, como você está? Não, espere! Feliz aniversário atrasado! Certo, agora pode responder.
– Obrigada! Bom, como eu disse na carta... Você leu a carta, não é? – ela perguntou, e eu afirmei com um pequeno resmungo. – Certo, então, como eu disse, estou na América do Sul nesse momento. Em Buenos Aires, para ser mais exata. Cidade linda, você realmente deveria vir aqui alguma vez! Daqui alguns dias, irei dar uma passada no Brasil, já que falam tão bem desse país.
– Dizem que as praias de lá são maravilhosas, e...
Quando ia terminar meu comentário, vi a porta de meu quarto se abrindo, e o rosto de minha mãe apareceu alguns segundos depois. Entrei em pânico. Não sabia se desligava o telefone na cara de Claire e ficava esperando pacientemente para que um dia ela ligasse de volta ou fingia que não estava acontecendo nada. Optei pela segunda alternativa.
– , o que você quer para o jantar? – ela perguntou, como se não quisesse estar ali, já que já tinha certeza de que iria cozinhar o que Grace pedira.
– Qualquer coisa. – respondi, com as pontas dos dedos da mão livre pressionando contra a parte debaixo do celular. – Eu estou em uma ligação agora, mãe, depois eu falo.
– Com quem está falando? Com aquela garota que me ligou ontem à noite, dizendo que você ia dormir na casa dela?
– Não, não, essa é outra. Eu estou falando com a... Jenna.
– Por falar nisso, por que não foi você que me ligou ontem? Por que você foi folgada o suficiente para pedir para a sua amiga fazer isso?
– Mãe, depois a gente se fala! – Comecei a abanar o ar, dizendo para ela se retirar do recinto. – Por favor, me deixa em paz, por enquanto. Depois a gente conversa.
Ela me encarou por alguns segundos e finalmente fechou a porta, fazendo-me soltar o ar que prendia durante essa conversa inteira. Posicionei melhor o celular na orelha e ouvi uma pequena risada vindo de Claire.
– Desculpe, mas ela não queria ir embora! Bom, mas agora estou aqui.
– Quem é Jenna? – ela perguntou.
– Não sei. – Eu ri. – Ela provavelmente sabe o nome da garota de ontem, então se eu concordasse dizendo que era ela, acabaria dando em algum problema.
– Que garota de ontem?
– Você foge e ainda quer saber de tudo? – brinquei. – Ela é irmã de... Um garoto. Ah, nem me pergunte! É uma longa história, e você provavelmente deve estar pagando bem caro por essa ligação.
– Não tem importância, eu vou pagar com o dinheiro que eu roubo das pessoas à noite. – ela disse. Eu fiquei sem resposta. – Estou brincando, sua idiota! Você realmente acha que eu faria uma coisa dessas?
– Ah, sei lá! De repente, você começou a fazer isso porque o seu dinheiro acabou, ué!
– Ai, que imagem distorcida você tem de mim! Poxa, eu me rebelo, mas nem tanto! Sei meus princípios, tá? – ela falou, em um tom de brincadeira. – Bom, de qualquer forma, me diga uma coisa... Vocês mudaram de telefone? Porque ontem eu liguei lá para casa e uma mulher estranha atendeu!
– Ah, nós... Nos mudamos.
– Vocês se mudaram?! Para onde?
– Nós estamos em...
Não pude completar minha frase. A ligação caiu antes de dizer a Claire que estávamos em Londres. Encarei meu celular por alguns minutos, esperando que ela me ligasse de volta, mas isso não aconteceu. Eu não podia retornar a ligação, pois o número que marcava na tela era fora de área, então apenas coloquei o eletrônico em cima de minha mala, em um local fácil de alcançar, caso tocasse novamente. Fiquei mais alguns segundos sentada em cima de meu colchão, rezando para que aquele barulho irritante entrasse pelos meus ouvidos, mas isso não aconteceu. Impaciente, levantei-me e saí do quarto. Precisava me distrair com alguma coisa, não podia continuar aflita daquele modo.
Passei pela porta do quarto de meus pais e vi minha mãe sentada à penteadeira. Ela estava de costas para mim, analisando seu rosto no espelho.
– Mãe, onde você e a Grace estavam hoje de manhã? Cheguei em casa e só o papai estava aqui, então... – Percebi em seu reflexo que havia um hematoma na maçã do lado direito de seu rosto. – O que aconteceu?!
– Não foi nada. Nós fomos ao shopping comprar algumas roupas para sua irmã. – ela falou, querendo mudar de assunto. – Então me diga, por que não foi você que me ligou ontem?
– Mãe, isso está realmente feio! Como você se machucou desse jeito? Você caiu ou algo do tipo?
– , responda à minha pergunta, por favor! – ela exclamou impaciente, levantando-se da cadeira e virando-se para mim.
– Responda à minha!
– Sim, eu caí. Satisfeita? Agora é sua vez. Vá, me diga!
Não acreditei em sua resposta. Sabia que esse não era o verdadeiro motivo para aquele machucado que se destacava em seu rosto. Resolvi não comentar, pois qualquer conflito evitado com minha mãe é um dia de estresse a menos em minha vida.
– Eu estava... Muito cansada, então fui direto para a cama.
– Mesmo? Porque ela me disse que você estava no banho! , se você estava fazendo algo encrenqueiro, eu juro que...
– Eu estava tomando banho! Sim, era isso que eu estava fazendo. Eu fui para cama depois disso, porque estava cansada. Foi por isso que não te liguei.
– E como você explicaria o fato de que você acabou de me dizer que foi direto para a cama?
– Ah, mãe, é modo de dizer – respondi, praticamente suando frio.
Sei que dizer a verdade seria uma ótima oportunidade de mostrar à minha mãe que não é ela que manda em mim, que eu não me importo com o que ela pensa. Mas isso não é inteiramente verdade. Importo-me, sim, com o que ela pensa. Além do mais, tinha medo de sua reação. Mas, como já disse anteriormente, sou apenas uma aprendiz... Por enquanto.
– Bom, então, da próxima vez, agüente um pouco mais. Você sabe como eu não gosto de falar com suas amigas. – Ela foi até a porta do quarto e se virou para mim. – Agora, com licença, tenho que providenciar a alimentação de vocês.
Fui deixada parada no meio do quarto de minha mãe, tentando entender como ela poderia ter causado aquele hematoma. Eu tinha minhas hipóteses, mas eu realmente não queria que eu estivesse certa.
CAPÍTULO X – I WON'T LET YOU GO DOWN THAT ROAD
Era domingo à noite, e eu novamente me encontrava sentada no chão, encostada à parede, tentando camuflar os gritos do quarto do lado com a música que saía pelos fones de ouvido. A neve que caía lá fora e se acomodava nos cantos da janela era uma boa distração, mas não era suficiente. Eu queria sair de lá, não suportava ficar em um ambiente com tamanha tensão, porém não havia uma festa acontecendo para me fazer levantar. Por isso, apenas abracei minhas pernas e continuei a ouvir Dressed To Kill.
“É sempre minha culpa” foi a última coisa que ouvi antes de ficar sobre minhas pernas e sair do meu quarto. Eu não agüentava mais aquela gritaria. Dois segundos após passar pela porta do quarto de Grace, parei de andar e dei três passos para trás. Pensei, respirei e bati. “Entre”, ela disse, e eu logo obedeci.
– Oi, Grace. – eu falei, enquanto ela não tirava os olhos do caderno, onde tanto escrevia. – Eu vim aqui para saber se você quer vir comigo tomar um sorvete ou algo do tipo.
– , você é louca? – ela questionou, com um tom de voz entediante, ainda prestando atenção na produção da grafite do lápis de sua mão contra a folha de papel.
– Me dê um motivo para você me perguntar isso.
– Se você quiser, eu te dou três. – Ela soltou o lápis e se virou para mim. – Primeiro, – ela levantou o indicador da mão direita. – está nevando. Segundo, – o dedo do meio se juntou ao anteriormente levantado. – já é noite. Terceiro, – mais um dedo subiu, representando o número três. – eu tenho que estudar Matemática.
– Primeiro, o mercadinho é aqui perto, então não há problema em pegarmos um pouco de neve. Segundo, e daí que é noite? Não estamos mais em Nova York. Terceiro, você tem dez anos. Está estudando o quê? Quanto é um mais um? – Enquanto eu falava, fui imitando seus gestos.
– Não, isso eu aprendi aos quatro, tá? – ela disse, como se quisesse provar algo para mim. – Vá sozinha. Agora, com licença, tenho que voltar aos meus estudos.
Grace virou sua cadeira de frente para a mesa e voltou a concentrar-se naquele caderno cheio de anotações. Encarei-a por alguns segundos, tentando entender como ela pôde me esnobar desse modo, e foi aí que eu lembrei: ela é filha da minha mãe. Dei meia-volta e saí do quarto.
Ainda querendo escapar daquele lugar infernal, desci as escadas e vesti meu casaco de moletom que estava pendurado ao lado da porta de entrada. Passei por esta e fui em direção à calçada da rua, virando à esquerda e chegando à varanda da casa ao lado. Subi os três degraus que davam até a porta e toquei a campainha. Logo após alguns minutos, uma mulher de cabelos escuros, lá pelos seus quarenta e poucos anos, abriu a porta.
– Em que posso ajudá-la? – ela perguntou simpaticamente, com uma voz meiga e calma.
– Oi! Acho que... Nunca nos conhecemos. Eu moro aqui do lado, acabei de me mudar. Eu queria saber se... O Johnny está aí.
– Ah, então você que é a ? – Um sorriso surgiu no rosto dela. – Entre, entre! – Fiz o que ela pediu. – Ah, o Johnny tem falado tanto de você nesses últimos quatro dias!
– Mesmo? – perguntei. – Espero que tenham sido coisas boas!
– Ah, com certeza, com certeza! Ele está lá em cima. – Ela apontou para o teto. – É o primeiro quarto à esquerda. Pode subir, querida!
Soltei um “ok” da boca e fui em direção à escada. Subi lentamente os degraus, admirando as fotos penduradas na parede, mostrando épocas de infância dos pais de Johnny e até do próprio. Virei à esquerda e encontrei a porta de seu quarto. Bati na madeira duas vezes com os nós dos dedos e esperei. Ele não respondeu. Girei a maçaneta devagar e abri a porta, encontrando meu amigo sentado de costas em sua cadeira de computador com rodas, falando ao telefone. Logo que ele sentiu minha presença, virou-se para mim e sorriu.
– Mais tarde a gente se fala, Matt. – Ele desligou o aparelho eletrônico e o colocou de volta à base. – Oi, ! Tudo bom?
– Tudo, e você, John? – Sorri, sentando-me na ponta da cama.
– Também, também. – Ele se aproximou de mim, arrastando as rodas da cadeira no chão de madeira. – Nem te vi ontem. A festa foi boa?
– Ah... Não foi aquele tipo de festa que vai ficar marcada na minha memória para o resto da minha vida por ter sido divertida, porque não foi divertida – eu disse, e ele riu. – Mas até que não foi ruim, sabe?
– Bebeu muito? – ele perguntou, com um sorriso maroto nos lábios.
– Ah, Johnny! Você pergunta como se já achasse que a resposta é “sim”! – Eu bati em seu braço. – Mas... Devo dizer que passei um pouco do limite.
– Ih, a sua mãe deve ter ficado brava, então. Afinal, você diz que ela te odeia, não é? Como ela reagiu?
– Na verdade, eu... Não dormi em casa.– Arrependi-me tarde demais de ter falado. Tinha certeza de que ele iria me perguntar o motivo disso ter acontecido, e eu não queria mentir para o único amigo que eu tinha.
– Dormiu aonde, então?
– Na casa do... .
– ? – Ele franziu a testa, como se estivesse tentando se lembrar de alguém com esse nome. – ?! Eu não sabia que vocês eram... Amigos. Eu pensei que vocês nem se conhecessem, por causa de quando você me perguntou sobre ele.
– Nós não somos amigos. Eu o vi uma vez só, quando estava vindo para Londres. Mas foi só isso! E eu só dormi lá porque ele me encontrou bêbada, quase desmaiando. É sério, John, eu...
– Você não me deve explicações, . – ele me interrompeu, colocando a mão no meu joelho. – Está tudo bem. Mas me diga... Por que você está aqui?
– Por quê? Você não me quer aqui? – Fiz cara de ofendida. – Ok, então. Não tem importância, eu vou embora. – disse, levantando-me.
– Pára com isso, sua boba. – Ele me puxou pelos braços, fazendo-me voltar para a cama. – Eu só queria saber, ué.
– Ah, é que... Meus pais, eles... Eles simplesmente não param de brigar. Esse foi o motivo principal para eu ter ido para a festa, sabe? Eu queria sair de lá. E é por isso que vim para a sua casa.
– Poxa, e eu achando que era porque você queria me ver... – Ele fez bico e cruzou os braços. – Agora quem está ofendido sou eu!
– Ai, Johnny, deixa disso! – Bati em sua perna. – Você deveria se sentir lisonjeado, isso, sim! Afinal, você é meu refúgio para dias tristes, é quem me alegra quando estou para baixo!
– Ah, é? Engraçado, né, porque, nesses quatro dias em que nos conhecemos, eu não te consolei uma vez! Agora eu me pergunto como você tirou toda essa conclusão de mim. – Ele apoiou o queixo entre o indicador e o dedão, com uma expressão pensativa.
– Tá, certo, que tal então... Se eu disser que você é o único amigo que eu tenho, mesmo por tão pouco tempo?
– Ah, daí...
Johnny foi interrompido por um barulho de porta batendo, que viera do lado de fora. Fomos até a janela e ele levantou a cortina, dando visão à rua de nossas casas. Pude ver meu pai com uma mala na mão, colocando-a dentro do porta-malas do carro alugado.
– Seu pai vai sair à viagem? – Johnny perguntou, enquanto assistíamos voltar até minha casa e pegar mais uma mala.
– Não sei – eu respondi, e saí correndo de seu quarto.
Desci as escadas rapidamente, quase esbarrando nos porta-retratos pendurados nas paredes. Abri a porta de entrada da casa de Johnny e desci da varanda antes mesmo de fechá-la. Eu precisava obter algumas respostas.
– Pai! – gritei, ao correr em sua direção. – Pai! Onde você está indo?
– Eu vou embora – ele falou, entrando no carro, com a janela aberta, e ligou o motor. – Para sempre.
– Como assim, para sempre?! – O tom de minha voz continuava alto ao falar com ele. – Você vai nos abandonar?
– É, , que porra! O que você não entendeu disso?! Eu vou embora! – Encarei-o sem resposta. De todas as vezes que ele falara comigo grossamente, essa foi a única que me chocou. – Me desculpe, eu... Eu não quis gritar com você. – Agora sua voz estava mais calma. Ele pegou minha mão e disse: – Eu te amo, filha.
Eu não tive tempo para responder. Meu pai engatou a primeira sem antes mesmo de eu me afastar do carro. Fiquei lá, na borda da calçada, enquanto o via se distanciar, até se tornar um pequeno ponto no fim da rua. Virei-me de frente para as casas e vi Johnny parado em sua porta. Ele sorriu fraco para mim, como uma forma de consolo, e eu o contribui, indo em direção à minha casa. Entrei e vi minha mãe sentada no sofá, com o rosto apoiado nas mãos.
– Foi ele, não foi? – perguntei, fazendo-a virar o rosto para mim. – Foi ele que fez esse machucado em seu rosto.
Minha mãe apenas concordou com a cabeça, voltando à sua posição de origem. Sem pensar, sentei-me ao seu lado e comecei a passar a ponta dos dedos em suas costas. Ela colocou sua mão em meu joelho e, pela primeira vez em muitos anos, senti como se fôssemos mãe e filha.
CAPÍTULO XI – JUST BECAUSE I'M NERDY
– Oi – Johnny me cumprimentou, quando nos encontramos na calçada na manhã seguinte. – Como você está se sentindo?
– Estou bem. Estou triste, sabe? E isso até que me surpreende, porque eu sempre disse que queria sair de perto dos meus pais o mais rápido possível. Mas acho que... Não nessas circunstâncias. E o que me entristece mais é ver minha mãe triste. Ela também estava assim quando Claire fugiu, mas nesse caso é diferente, sabe? É simplesmente diferente.
– Eu entendo, . – Ele passou um de seus braços por meus ombros e puxou-me para um abraço rápido. – Eu entendo.
Mas a verdade é que ele não entendia. Ele não sabia o que era ver sua família se desintegrando aos poucos, apodrecendo a cada dia que passa. Ele tinha um pai que amava a mãe, uma mãe que amava o pai, e, por cima de tudo, ele era amado. Eu resolvi não comentar. Havia a possibilidade de perder um amigo, e um amigo era o que eu mais precisava naquele momento.
Fomos à estação de metrô para mais um dia de tentativa de sobrevivência na Wimbledon High. Seguimos pelos corredores da escola em direção aos nossos armários, quando ouvi alguém chamar meu nome. “!”, gritou a voz masculina. Virei para o lado contrário e dei de cara com , vindo correndo até nós.
– ! – exclamei, quando ele chegou ao meu alcance. – Tudo bom?
– Tudo, claro – ele respondeu sorridente. – E você?
– Também, também. Olha, não sei se eu já fiz isso, mas eu queria... Agradecê-lo por ter cuidado de mim na sexta-feira. – falei envergonhada. – E por ter pedido à sua irmã para ligar para a minha casa. Sério, se você não tivesse feito aquilo, eu provavelmente teria dormido lá no meio do jardim mesmo.
– Ah, sem problemas. – Ele riu levemente.
Senti Johnny ao meu lado se mover impacientemente, e foi quando me lembrei da situação dos dois. Um silêncio desconfortável se instalou entre nós três por alguns segundos, até que Johnny se manifestou:
– , eu... eu vou lá para o meu armário, ok? Daqui a pouco a aula vai começar e eu não quero chegar atrasado.
– John, eu acho... – Olhei ligeiramente para e vi que ele sinalizada com a cabeça para deixá-lo ir. – Ok, então te vejo mais tarde.
Assisti meu amigo afastar-se de nós antes de desaparecer entre os outros alunos que andavam pelos corredores, preparando-se para a aula que estava para começar e conversando sobre os acontecimentos do fim de semana.
– Por que você não queria que ele ficasse aqui? – perguntei.
– Ah, ele não queria ficar, você viu pela cara dele – respondeu triste. – Eu entendo se ele nunca mais quiser falar comigo. O que eu fiz com ele foi horrível.
– Talvez um dia ele te perdoe – tentei consolá-lo. – Nunca se sabe.
– É, talvez. – Ele colocou as mãos nos bolsos da calça, justamente quando o sinal bateu. – Ei, se um dia você quiser me perguntar algo ou simplesmente quiser conversar comigo, pode me ligar.
– Ok, então me passe seu telefone. – Comecei a vasculhar minha mala à procura de um pedaço de papel.
– Não precisa. Já marquei na agenda do seu celular. – Ele piscou para mim. – Agora preciso ir. Até mais tarde!
Encarei, sorrindo abobadamente, as costas de , enquanto ele entrava na primeira porta à direita, pedindo licença à professora de Geografia. Dei meia-volta, fui correndo para meu armário e peguei meu material, seguindo direto para a primeira aula: Matemática.
O professor já estava na sala, então tive que bater na porta antes de abri-la. “Entre”, ele disse, e eu obedeci. Acomodei-me envergonhada na única carteira vazia, que se encontrava logo na frente, ao lado da janela.
– Eu provavelmente já sei a resposta. – o professor começou. – Mas alguém aqui conseguiu decifrar o desafio?
Todos os rostos da classe moveram de um lado para o outro, provocando um burburinho, procurando pela suposta pessoa que tivesse levantado a mão. Ninguém se manifestou.
– É, já suspeitava – disse o professor, virando-se para a lousa. – Bom, então comecemos com a aula. Hoje, iremos falar de matriz. Essa matéria...
– Erm... Professor? – Levantei a mão hesitantemente.
– Quem me chamou? – Ele se virou de frente para os alunos, procurando pela origem da voz com os olhos, até me encontrar. – Ah, a aluna nova. Diga, mocinha.
– – eu o corrigi. – É que... Eu consegui o desafio... Eu acho.
– Ah, diga-nos, então.
– Bom, e-eu não sei se... Se está certo, mas e-eu acho que é assim – eu gaguejava, sentindo diversos olhos me encarando atentamente. – Você aperta o primeiro interruptor e deixa por horas. Depois de muito sol na cabeça e miragens de lagos no meio do deserto, você desliga o primeiro interruptor e liga o segundo, e então entra na casa. Se a lâmpada estiver quente e apagada, significa que é o primeiro interruptor, certo? Se estiver acesa, será o segundo, obviamente. E se estiver apagada e fria, é o terceiro.
A classe ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse refletindo na resposta que eu dera. Olhei para o professor e o vi retornando o olhar, com uma expressão pensativa.
– Uau – foi o que ele disse, ao quebrar o silêncio. – Muito bom. Muito bom mesmo, . Como prometido, você receberá um ponto extra em sua prova do mês que vem. Juro que não esperava que solucionassem esse desafio em tão pouco tempo. Devo dizer que estou impressionado. Você teve ajuda de alguém?
– Bom, mais ou menos. Quem me ajudou não sabe que fez isso. – respondi, lembrando-me da cena do meu pai.
O professor pegou um giz branco e voltou-se para a lousa, começando a escrever uma matriz como exemplo para poder nos explicar a matéria. Peguei-me sorrindo levemente, sentindo uma pontada de orgulho de mim mesma.
Diversos números e anotações depois, o sinal bateu, para o alívio de muitos que dividiam o mesmo ar comigo. Fechei meu caderno e o guardei na mochila, que joguei sobre meu ombro ao levantar da carteira. Fui em direção à porta da classe para ir à próxima aula, mas a voz do professor de Matemática me impediu de fazê-lo.
– , eu gostaria de parabenizá-la mais uma vez por ter conseguido decifrar o desafio. – ele começou. – Por isso, queria convidá-la para fazer parte do grupo de estudo de Matemática. Tenho certeza de que eles iriam adorar ter uma pessoa com a sua mente entre eles.
O convite veio como um choque. Nunca na minha vida esperava que tais palavras pudessem ser referidas à minha pessoa. Eu sempre fora a aluna medíocre, que nunca se destacava, ou, quando se destacava, era por causa da falta de nota. E com esse convite, entrei em um dilema: se aceitasse, estaria mudando minha vida completamente, pois tenho certeza de que minha mãe começaria a me ver como uma pessoa melhor, mas, dessa forma, estaria desistindo dos meus princípios de rebeldia e desapontando a pessoa que mais amo nesse mundo, Claire. Se recusasse, perderia a chance de melhorar minha vida, mantendo a relação horrível – se é que se pode chamar de relação – que tenho com minha mãe, mas permanecendo com meus princípios que tenho seguido pelos últimos anos. Eu tinha que escolher um. Infelizmente.
– Erm... Obrigada, professor – eu disse. – Obrigada mesmo. Mas eu não posso.
– Não pode ou não quer?
– Não quero.
– Muito bem. Bom, caso você mude de idéia, sinta-se livre para me procurar. Não é só porque você recusou que irei deixar de aceitá-la no grupo.
Concordei com a cabeça e saí rapidamente da sala. O motivo de ter recusado o convite não fora apenas pelo fato de poder ter decepcionado Claire, mas também porque não queria decepcionar os integrantes do grupo de Matemática, que estariam esperando uma pessoa extremamente inteligente de mim, o que eu não sou. Fui até meu armário e peguei meu material de Biologia, que seria a próxima aula.
Cheguei em casa cansada, arrastando minha mochila pelo chão da sala de estar. Subi as escadas e fui até meu quarto, por onde espalhei todas as roupas que anteriormente estavam em meu corpo. Fui correndo para o banheiro para evitar o frio que se instalava em minha pele e girei a torneira do chuveiro, sentindo a água cair sobre meu rosto. Fiquei uns bons trinta minutos no banho, tentando me livrar do cansaço que foi se acumulando nos últimos cinco dias. Assim que pisei fora do box, enrolei-me em uma toalha, fazendo o mesmo com o meu cabelo. Fui para meu quarto e coloquei roupas antigas e confortáveis, acolhendo-me naquele ambiente gelado. Ouvi um barulho de porta fechando, enquanto penteava os cabelos molhados.
– Grace? – gritei, ao guardar a escova de volta na gaveta. – É você?
Não houve resposta. Saí do banheiro e, enquanto andava pelo corredor do segundo andar, ouvi um barulho alto. Não consegui identificar de onde vinha, por isso apertei o passo e desci as escadas rapidamente. Parei de andar quando vi minha irmã mais nova estatelada no chão da sala de estar.
CAPÍTULO XII – WAITING FOR BAD NEWS
Entrei em desespero. Fiquei alguns segundos encarando Grace inconsciente em cima do tapete persa estendido logo na entrada da sala, sem saber o que fazer. Eu estava sozinha em casa, não havia ninguém para me ajudar. Corri até ela e caí sobre meus joelhos ao seu lado, chacoalhando-a freneticamente, como se isso fosse dar algum resultado.
– Grace! Acorde! – Eu dava leves tapas em seu rosto pálido. – Por favor, Grace! Você está me ouvindo? Acorde!
Comecei a entrar em pânico. Levantei-me e fui à procura do telefone sem fio, que não estava em sua base. Olhei por todos os cômodos da casa, revirando as roupas de meu quarto e chegando até a abrir os armários do banheiro. Voltei à sala e retirei todas as almofadas do sofá, encontrando o maldito telefone enfiado logo no canto. Minha mão estava tremendo e eu mal conseguia discar. Pressionei a tecla nove e depois a tecla um duas vezes.
– Alô? E-eu preciso de uma ambulância aqui! A minha irmã simplesmente desmaiou, eu não sei o que há com ela! – Fechei os olhos enquanto a recepcionista me pedia informações. – E-eu moro na Ebury Street, número 24.
Ouvi a moça falar algo como “ajuda já está sendo providenciada”, resmunguei um “tá” e desliguei, voltando minha atenção para Grace, que permanecia deitada no tapete. Precisava avisar alguém sobre o que estava acontecendo, mas minha mente estava trabalhando devagar demais para conseguir me obrigar a agir rapidamente.
Comecei a sentir lágrimas queimando a pele do meu rosto, enquanto elas escorriam por minhas bochechas e se encontravam no meu queixo. Eu não sabia ao certo o porquê de estar chorando dessa forma. Não sabia se era por preocupação pela minha irmã ou pelo simples fato de estar passando por uma situação de nervosismo, uma situação pela qual nunca havia passado antes.
Respirei fundo, sequei meu rosto com as costas da minha mão, que permanecia trêmula, e comecei a discar o número do celular da minha mãe. Encostei o aparelho na minha orelha e esperei para que ela atendesse. Esperei, esperei e esperei. Ela não atendeu. Tentei mais algumas vezes, mas não houve sucesso. Eu não podia passar por isso sozinha.
– Grace, eu já volto, ok? – eu disse, passando a mão em seus cabelos, como se acreditasse que ela estava me ouvindo.
Levantei-me em um impulso e fui correndo para fora de casa. O choque térmico entre a temperatura quente de meu rosto e o vento frio de inverno fez com que eu franzisse o nariz de dor, mas eu continuei andando. Cruzei forte os braços, já que não estava bem agasalhada, e encolhi os ombros em uma tentativa de aquecer-me. Quando estava prestes a subir as escadas da varanda da casa de Johnny, lembrei-me que ele não estava lá. Ele havia ido à casa de um garoto de sua classe de Literatura para um trabalho, por isso não voltara da escola comigo. Soltei um choramingo de desespero e voltei correndo para casa.
Não fazia muito tempo que havia ligado para os paramédicos, mas eu estava começando a ficar aflita com o fato de parecer estar demorando tanto para eles chegarem. Além disso, ninguém mais sabia das condições de Grace, e eu realmente precisava de mais alguém.
Peguei o telefone que estava jogado no chão ao lado da pequena criança e disquei para uma terceira pessoa: meu pai. Eu sabia que ele havia nos abandonado de uma hora para a outra, e que nenhuma de nós três queria vê-lo novamente, mas ele não deixa de ser pai da Grace. Não houve resultados, caiu na caixa postal.
Joguei o telefone com força contra o sofá, que acabou se despedaçando e voando pelos cantos da sala. Abracei as pernas e fechei os olhos, tentando respirar calmamente, mas não parecia algo muito fácil de conseguir em tal situação. Voltei-me para minha irmã, que permanecia pálida e desacordada. Pressionei meu indicador contra a parte interior de seu pulso, para verificar como estava sua pulsação. Estava fraca e lenta, mas pelo menos havia uma garantia de que ela estava viva.
Com uma última gota de esperança, subi as escadas e fui até meu quarto, pegando meu celular da minha mala. Comecei a ver a lista de telefones na agenda deste até parar em um nome. Pressionei o botão verde e encostei o aparelho eletrônico em minha orelha.
– Oi, sou eu, . Eu preciso de você.
Eu descansava minha cabeça em minhas mãos quando ouvi passos se aproximando de mim. Olhei para o lado e vi vindo em minha direção, com uma expressão preocupada em seu rosto. Eu levantei da cadeira do hospital e tentei sorrir fraco, mas sem sucesso.
– Eu vim o mais rápido que pude. – ele disse, assim que chegou ao meu alcance. – É que eu estava do outro lado da cidade e...
– – eu o interrompi. – Não tem importância, pelo menos você veio. Obrigada. Obrigada mesmo. Eu... Eu simplesmente não tinha mais para quem ligar, eu estava começando a ficar desesperada! – As lágrimas voltavam a preencher meu rosto. – Eu não queria ter te incomodado desse jeito, eu...
– Ei, ei! – me puxou para um abraço, fazendo-me encostar a cabeça em seu peito. – Eu disse que você podia me ligar, não disse? Eu estou aqui para você. – Ele beijou o topo de minha cabeça. – Não se preocupe, eu estou aqui.
Fiquei envolvida em seu abraço protetor por alguns segundos em silêncio, apenas aproveitando o conforto que aquilo me trazia. acariciava meus cabelos e balançava levemente de um lado para o outro, como uma forma de me acalmar.
– E como está sua irmã? – ele me perguntou, quando nos afastamos. – Ela está bem?
– Não sei ainda. – eu respondi, passando as pontas dos dedos por debaixo dos olhos para secá-los. – Estão fazendo alguns testes, mas ela já estava consciente antes de eu vir aqui para fora.
– Isso é bom. Ela provavelmente não deve ter nada muito grave. – Ele sorriu levemente. – E a sua mãe? Você já ligou para ela?
– Eu tentei algumas vezes quando ainda estava em casa, mas ela não atendia. O hospital ficou de ligar, mas eu não sei se já fizeram isso.
– Acho que tudo que temos a fazer agora é esperar, então. – disse ele, sentando-se na cadeira de plástico logo atrás de nós dois, e eu fiz o mesmo.
– Ei, eu nunca soube o motivo de você estar em Nova York naquela vez em que esbarrei em você no aeroporto. – eu falei, tentando puxar um assunto que me distraísse.
– Pois é. Eu e minha família tínhamos ido para lá porque minha irmã ficou enchendo o saco, dizendo que queria passar o Ano Novo na Times Square, para ver aquela tão famosa bola cair à meia-noite.
– Ah, certo. Mas o que eu achei estranho foi o fato de vocês estarem voltando quando as aulas já haviam começado. Não que... Eu fique pensando nisso. – Eu ri envergonhada.
– É, eu sei. – Ele riu de volta. – Minha mãe quis ficar um pouco mais para poder conhecer melhor a cidade e tudo mais. É bom saber que meus estudos não são prioridades, né? – ele brincou. – Mas não tem importância. Não é como se eu pretendesse ir a faculdade ou qualquer coisa do tipo.
– Como assim? – perguntei interessada.
– Bom, é que... eu tenho uma banda. Chama-se McFly, e nós já temos até algumas músicas prontas para um possível álbum no futuro.
– Quem sabe eu compre quando vocês lançarem, então. – eu falei, jogando um certo charme, que o fez sorrir abertamente.
Era possível sentir certa química entre nós, mas não tive chance de aprofundar-me no assunto, já que fomos interrompidos por minha mãe, que se aproximou tão rápido que nem havia a visto chegando.
– Meu Deus, o que houve com Grace? Como ela está? Onde ela está? – ela chegou com uma série de perguntas, sem ao menos me dar tempo de responder a anterior.
– Ela simplesmente desmaiou, então eu liguei para a emergência. – comecei a explicar. – Agora estão fazendo alguns exames, mas ainda não tive nenhuma notícia.
– Ai, meu Deus, o que eu vou fazer se algo acontecer com ela? Ela é tudo que eu tenho nessa vida! Tudo! Sem ela, eu não sou nada...
Prova número seis. E eu achava que isso tinha acabado.
– Mãe, eu tenho certeza de que ela vai ficar bem. – falei, como se nunca tivesse ficado desesperada alguns minutos atrás. – Ah, mãe, esse é o , meu... Amigo.
– Ah, olá. – ela disse distraída por causa dos pensamentos de como sua vida seria sem Grace ainda estarem em sua mente.
No exato segundo em que ela parara de falar, o médico que havia atendido minha irmã se aproximou de nós. Eu e levantamos simultaneamente das cadeiras, enquanto minha mãe prestava atenção nos mínimos movimentos que ele fazia.
– Vocês são da família da Grace? – ele perguntou com um tom de voz firme e profissional.
– Sim, eu sou a mãe dela. – disse a própria desesperadamente. – Como ela está?
– Bom, os exames que fizemos nela apresentam uma produção excessiva de células brancas anormais em seu sangue, que superpovoaram a medula óssea. Em outras palavras...
– Ela tem... Leucemia – completei, baixando o olhar para o chão.
– Exato.
CAPÍTULO XIII – I THANK YOU FOR THE LOVE YOU GAVE TO ME
Onze dias já haviam se passado desde o episódio de Grace naquela segunda feira. Minha irmã passava seus dias em casa, mas necessitava voltar para o hospital para receber tratamentos de quimioterapia. Eu sabia que ela estava sofrendo, pois aquele sorriso fraco e doentio que ela me dava todo dia entregava a verdade.
Já minha mãe parecia ter desistido de tudo somente para cuidar de Grace. Ela estava faltando constantemente no trabalho, e, sempre que podia, pedia para trabalhar em casa. As compras de supermercado, ela deixou para a vizinha da frente fazer, pagando-a dez libras por vez. Ela não queria contratar uma enfermeira, pois achava que nenhuma seria capaz de tomar conta de minha irmã apropriadamente.
E eu... Eu tentava fugir de todo esse ambiente. Não gostava de ver Grace frágil daquela forma. Eu sempre a odiara, por ser o que minha mãe sempre quis, mas depois da descoberta de sua doença, ela parecia ter mostrado que sabia que havia muitas outras coisas melhores na vida, apesar de ter estudado mais do que nunca ultimamente. “Mamãe falou que eu preciso aprender as matérias pelos livros, assim quando eu voltar para a escola, não estarei atrasada em relação aos outros alunos”, ela disse, dando-me o motivo por sempre estar com um caderno embaixo do lápis que segurava com a mão. Mas eu sabia a verdade. Acho que ela encontrou os estudos como uma forma de escudo para sua vulnerabilidade, para que ninguém percebesse que... Ela não estava feliz.
Não era só por isso que eu evitava ficar dentro de casa. Minha mãe estava cada vez mais insuportável, mostrando nenhum interesse sobre a minha pessoa e criando um casulo em volta de Grace, que crescia constantemente. E isso estava começando a me irritar.
– E aí, tudo bom? – Ouvi uma voz surgir por trás de mim, enquanto esperava por Johnny na frente da escola para podermos ir para casa. Virei-me. Era .
– Tudo. – falei um pouco desanimada, entregando meus verdadeiros sentimentos. – E você?
– Ah, eu... Eu estou bem. – Ele se sentou na mureta que se encontrava logo ao meu lado. – Mas por que esse desanimo? Quero dizer, eu sei sobre o estado da sua irmã e tudo mais, afinal, eu estava lá, mas eu pensei que ela já estivesse fazendo tratamento, eu pensei que tudo estivesse... A caminho da felicidade – ele falou a última frase com certo tom de brincadeira, já que soara realmente estranho.
– É, eu sei. – Ri levemente, sentando-me ao seu lado. – Mas mesmo assim, sabe? Não gosto de vê-la sofrer, mesmo... Depois de tudo que eu tenho passado, indiretamente por culpa dela, e mesmo por ela ter sido extremamente irritante por todos esses anos.
– Toda irmã ou irmão mais novo é irritante, e eu digo por experiência própria – ele brincou. – Mas eu não entendo... O que você tem passado?
– Bom... Minha mãe me odeia, e é porque eu não sou inteligente, diferente de Grace. – comecei a explicar. – É que... É estranho, sabe? Quando você vê mães que não aceitam as filhas por elas serem um pouco acima do peso, você até entende. Certo, não é que você entenda, mas é bem mais comum do que meu caso. Minha mãe me odeia porque eu não vou bem na escola! As pessoas dizem que eu exagero, mas eu juro... Ela me trata feito lixo.
– E o seu pai? Não faz nada? – ele perguntou com certa preocupação.
– Bom, o meu pai, se não fazia o mesmo, me ignorava. E agora, ele... Ele não mora mais em casa, ele foi embora. – falei cabisbaixa.
– Ahm... Bem, eu não concordo com a sua mãe – disse , tentando mudar de assunto, ao perceber minha tristeza em relação a meu pai. – Eu não acredito que você não seja uma pessoa inteligente. Muito pelo contrário, eu acredito que você seja muito melhor do que muitos da sua classe.
– Tá, , você pode até discordar da minha mãe, mas nem para tanto, né? Até eu sei que não sou inteligente! Não precisa me enganar desse jeito, não sou criança.
– Não, eu estou falando sério! Eu realmente acho que você é uma garota extremamente esperta, além de engraçada, simpática e... Linda.
me encarava com aqueles olhos que me hipnotizaram desde a primeira vez que o vira. Era como se ele estivesse olhando por dentro de mim, e foi assim que eu senti uma enorme vontade de beijá-lo. Ele me encarava atentamente enquanto eu estudava cada traço de seu rosto, parando em seus lábios. Meu cérebro me obrigava a inclinar-me para frente, mas meu corpo não parecia obedecer a ele. Estava quase juntando coragem suficiente dentro do meu peito, quando alguém me desconcentrou:
– – disse Johnny, parado em minha frente. – Vamos? Eu tenho algumas coisas para fazer hoje.
– Não tem importância, Johnny, eu a levo para casa. – falou , fazendo uma pontada de esperança crescer ligeiramente dentro de mim. – Hoje eu vim de carro.
– Mas, , você não disse que ia para o hospital, já que a sua irmã tem tratamento hoje e vai passar a tarde lá?
– É verdade. – falei um pouco tristonha, descendo da mureta. – Deixe para outro dia, . Mais tarde a gente se vê.
– Então deixa que eu te levo para o hospital – copiou minha ação, pronto para levar-me a seu carro. – Eu não me importo, não tenho nada para fazer hoje mesmo.
– Não precisa, . – disse Johnny secamente. – Ela já disse para deixar para outro dia, não ouviu?
Fiz uma expressão no rosto como se estivesse pedindo desculpas para e me virei, seguindo ao lado de Johnny, que encarava o chão e se mostrava levemente irritado.
– Sabe, você não precisava ter sido tão grosso com ele, né, John. – falei, quando já estávamos nos aproximando da estação de metrô. – Afinal, o que deu em você? Eu pensei que você não estivesse mais bravo com todo aquele negócio da Lisa!
– E não estou! Eu só acho que... você não deveria se aproximar tanto de alguém que você não conhece nem há um mês.
– Falou meu amigo de infância. – eu disse sarcasticamente, e apertei o passo, afastando-me dele.
Passei pelas portas automáticas do hospital ainda pensando na reação de Johnny. Não entendia por que ele havia agido daquele modo, era quase como se ele não quisesse que eu ficasse com . Ele falava como se tivesse algum direito de escolha na situação.
Entrei no elevador, passando correndo entre as portas, para que elas não fechassem em mim, já que estavam prestes a fazerem tal ação. Apertei o botão para o sexto andar e encostei-me na parede, ouvindo impacientemente o rapaz, que dividia o elevador comigo, assobiar alguma música dos anos oitenta.
Quando cheguei ao meu destino, segui pelo corredor e procurei pelo quarto 623, encontrando-o rapidamente, já que estivera lá antes. Estava a alguns passos de distância da porta quando vi minha mãe saindo do recinto calmamente.
– Ah, aí está você. – disse, ela ao me avistar, com o mesmo tom de sempre quando se refere a mim. – Fique um pouco aqui com a sua irmã, irei tomar um pouco de café.
Entrei no quarto devagar e levei um susto ao ver Grace sem seus cabelos castanhos e escorridos. Ela parecia tão frágil, tão desgastada. Seus olhos estavam fechados e sua pele pálida combinava com avental branco do hospital, que cobria aquele corpo que parecia cada dia mais fraco. Dei alguns passos a frente e fechei a porta atrás de mim.
– Eu tive que raspar. – ela falou, enquanto abria os olhos devagar, quebrando o silêncio que dominava o recinto. – Meus cabelos estavam caindo demais e... Bom, eu já esperava isso. – Ela sorriu levemente. – Estou muito feia?
– Mas é claro que não – respondi, correspondendo seu sorriso, mas de uma forma muito mais firme. – Você fica lindinha de qualquer jeito.
– ... Por que você está sendo tão legal comigo? – ela perguntou triste. – Eu sempre fui tão... Chata com você. Eu acho que sempre soube disso, mas não ligava muito para o que você pensava de mim. Mas agora...
– Grace, eu sou sua irmã. Independentemente do que você faz para mim, eu... Eu sempre vou cuidar de você quando você precisar.
– Posso te contar um segredo? – ela perguntou, voltando a formar aquele sorrisinho inocente em seus lábios. – Mas você tem que vir aqui do meu lado.
Fui em sua direção devagar, andando pelo quarto levemente escuro, e sentei-me no canto da cama, ajeitando a manta rosa que cobria seu corpo.
– Fala. – Aproximei-me de seu rosto, ficando apenas a alguns centímetros de sua boca.
– Eu te amo.
Assim que essas palavras saíram de sua boca, senti lágrimas se acumularem nos meus olhos. Tentei evitar, mas não fui forte o suficiente. As gotas escorriam pela minha pele involuntariamente, enquanto ela acariciava minha mão que estava descansando sobre a cama. Passei as pontas dos dedos por minhas bochechas e forcei um sorriso.
– Eu também te amo, Grace.
CAPÍTULO XIV – FALEI SEM PENSAR, ACREDITE EM MIM
Já estávamos no meio de fevereiro quando me dei conta de que a neve havia parado de cair. O frio ainda era intenso e tirava a sensibilidade do meu nariz sempre que andava na rua, mas aquele branco que via todos os dias antes de ir para a escola havia sumido.
Grace continuava com seu tratamento que a deixava extremamente fraca e desgastada, e eu passara a tomar conta dela nas minhas horas vagas, já que minha mãe percebera que se continuasse cuidando dela ao invés de ir ao trabalho, iria acabar sendo despedida, e isso é o que menos precisávamos em um momento desses.
Quanto a mim, eu comecei a reparar mais nas pessoas a minha volta, apreciando as companhias que me rodeavam e amizades que eu tinha. Isso acabou fazendo-me perceber quanto eu sentia de atração por . Aqueles olhos combinavam perfeitamente com os traços de seu rosto, que iluminava a cada vez que mostrava aquele sorriso tão encantador. Mas meus momentos sozinha com ele eram muito curtos para descobrir se ele sentia o mesmo, já que tinha minhas horas reservadas para Grace e até mesmo para Johnny, afinal, ele havia se tornado um grande amigo para mim.
Johnny era o grande ponto de interrogação. Todo momento em que ele me via conversando com , ele parecia não gostar disso, parecia querer que eu não ficasse perto dele. “É por causa daquele problema da Lisa?”, eu sempre perguntava. Ele negava, mas nunca me dava uma resposta concreta. Eu não entendia se aquele suposto ciúme era porque ele gostava de mim ou porque ele não queria que eu tivesse outro amigo, já que quando estávamos somente eu e ele, não havia nenhum indício de qualquer tipo de sentimento a mais pela minha pessoa.
Minha mãe permanecia fria e grossa comigo, como sempre, mas pelo menos estava um pouco mais paciente, já que eu estava me mostrando ser extremamente útil naquele momento. Eu a acompanhava em quase todas as vezes que precisávamos levar minha irmã para o hospital e sempre estava atualizada nas informações que o médico passava. Mas havia uma que eu não queria ter ouvido.
– Obrigado por terem esperado mais um pouco. – começou o médico, entrelaçando os dedos sobre a mesa de sua sala. – Eu sei como Grace está cansada nesse momento e que ela realmente precisa ir para casa descansar, mas nós necessitamos ter uma conversa.
– O que houve? – perguntou minha mãe aflita, enquanto eu reparava nos enfeites e retratos daquela pequena sala, parando meus olhos sobre o diploma.
– Bom... Grace já está passando por esse tratamento há um pouco mais de um mês e... Não estamos tendo muito sucesso. O câncer continua atacando seu corpo de uma forma agressiva, e ele não parece estar reagindo à quimioterapia.
– Mas... Mas vai dar resultado! – A voz de minha mãe estava fraca e trêmula. – É só esperar! Tem que dar resultado!
– Nós podemos continuar com o processo se essa for sua escolha...
– É! – ela o interrompeu. – Essa é minha escolha! É o que eu quero!
– Mas... – ele continuou, dando ênfase no ‘mas’ – talvez seria melhor se... Grace aproveitasse sua infância de um modo normal, como qualquer outra criança, ao invés de ficar confinada quartos de hospitais, sofrendo desse jeito.
– Você está dizendo que... Eu deveria deixar minha filha... Morrer? – perguntou minha mãe, com um tom de voz baixo e indignado. – Você quer que eu assista a vida da minha pequena se desfazer aos poucos? Você realmente acha que eu sou capaz de fazer uma coisa dessas?
– Eu sei que é difícil aceitar, mas a senhora deve ter em mente que...
– ...que você está desistindo dela! – Ela completou a frase dele com palavras que não eram as que estavam para sair da boca do médico.
– Eu não estou desistindo dela – ele falou calmo, enquanto eu apenas assistia a discussão. – Eu simplesmente... Estou pensando no melhor para ela. Eu sei que não é o que a senhora acha nesse momento, mas talvez se pensar um pouco no assunto, acabe percebendo a verdade.
– Eu vou procurar uma segunda opinião. – Minha mãe se levantou bruscamente da cadeira, pegando sua bolsa e casaco. – E esse outro médico vai me dizer que Grace ainda tem chances. Grandes chances!
Essas foram as últimas palavras a saírem de sua boca antes de bater a porta tão forte que fez um quadro tremer ligeiramente. E eu fiquei lá, sentada, na frente daquele homem que havia acabado de dizer que minha irmã ia morrer. Ele ficou me encarando, esperando que eu fizesse uma cena semelhante a da minha mãe, mas o que acabei dizendo foi:
– Não se preocupe, eu vou conversar com ela.
Levantei-me devagar da cadeira e saí pela mesma porta que havia batido há alguns segundos. Avistei minha mãe no fim do corredor, sentada ao lado de Grace, que contava algo para a outra de uma forma entusiasmada, apesar do cansaço, que estava obviamente exposto em seus olhos. Segui reto, encarando meus tênis, e cheguei até as duas, para podermos ir embora e fingirmos que tudo estava bem.
– Mãe? – eu chamei, abrindo levemente a porta de seu quarto.
– O que você quer, ? – Ela estava de costas para mim, sentada na ponta mais longe da cama, mas pude perceber que estava chorando. – Eu... não posso falar agora.
– Bom, é que... – fui me aproximando dela, até chegar ao seu lado, e sentei-me. – eu acho que você deveria considerar o que o médico disse. Afinal, ele é um médico, ele sabe do que está falando, não acha?
– O quê?! – Ela se levantou, olhando-me indignada. – Estamos falando da sua irmã aqui! Você acha certo simplesmente deixá-la morrer?!
– Não é isso que eu quis dizer! Eu só acho que... Meu Deus, mãe, você não vê o quanto ela tem sofrido? – Também me levantei. – Ela não tem mais vida! Ela passa o dia no quarto por causa do cansaço, além de ficar estudando quando pode, já que você fica enchendo a cabeça dela, dizendo que ela precisa estudar!
– O que você está dizendo? Que é minha culpa que ela está fraca dessa forma?!
– Não, o que eu estou dizendo é que você é extremamente egoísta! Você nem sequer sabe se ela quer continuar esse tratamento! Já parou para pensar nisso? Você escolheu o que você quer, para que você não sofra!
– Você realmente acha que eu já não estou sofrendo? Eu tenho que assistir minha filha pálida e vulnerável daquela forma todos os dias!
– Está vendo?! Estamos falando novamente de você! Pelo amor de Deus, preste atenção no que você está fazendo! Você prefere vê-la acabada desse modo do que aproveitando de um jeito normal o que resta da vida dela?!
– O que eu prefiro é que você esteja no lugar dela!
Fiquei estática. As palavras de minha mãe rodeavam pela minha mente, analisando-as para que eu tivesse certeza de que eu ouvira a coisa certa. O silêncio havia dominado o quarto, e o único ruído que era possível ouvir era nossas respirações fortes e pesadas, que estavam em sincronia. E aí está: prova número sete. Ou será que depois disso as provas não serão mais necessárias?
– , eu não quis...
Eu não a deixei terminar a frase. Saí rapidamente do quarto, batendo a porta atrás de mim. Olhei para o lado e vi Grace encostada na parede, entregando-me, sem palavras, que ouvira toda a conversa. Eu queria falar com ela, explicar a ela, mas estava atordoada demais para fazer tal ação. Ao invés disso, segui em frente e desci as escadas com o passo apertado. Peguei meu casaco pendurado ao lado da porta e saí de casa. Meu maior desejo era sumir e nunca mais voltar, mas meus pés pareciam querer outra coisa. Minha mente estava vazia, exceto pelo recente acontecimento, que me deixava mais indignada e nervosa a cada segundo. Eu não sabia ao certo para onde estava indo, então apenas continuei andando.
Parei na frente de uma casa singela e bastante familiar. Analisei-a por alguns segundos, até que me dei conta de onde estava. Era como se, durante todo o caminho, minha mente tivesse desligado de meu corpo, e que ele havia me levado até lá involuntariamente. Segui pelo pequeno caminho que havia no meio do jardim e parei ao chegar ao final. Bati hesitante na porta, sem saber ao certo se deveria estar fazendo isso. Esperei alguns segundos e a porta se abriu.
– Oi – falei. – Eu posso entrar?
CAPÍTULO XV – FINGERS TRACE YOUR EVERY OUTLINE
– Claro, entre – disse , dando-me espaço para passar. – Você está bem? Você parece um pouco...
– Cansada? Irritada? Nervosa? Estressada? – perguntei, com um tom de voz um pouco alto. – Bom, talvez seja porque eu realmente estou me sentindo assim!
– E-eu ia dizer ‘ofegante’, mas... Aparentemente, acho que todas essas palavras se encaixariam. – ele disse, com um pouco de medo. – Você quer alguma coisa? Refrigerante? Água? Um calmante?
– Não, obrigada – falei, voltando ao normal. – Na verdade, eu nem sei direito o que estou fazendo aqui. Acho que... Eu deveria voltar.
– Não, não, agora você fica – ele falou, segurando-me pelos braços e fazendo-me sentar no sofá, e se sentou ao meu lado. – Agora me diga.
– É que... Você se lembra quando eu contei sobre aquelas pequenas ameaças de guerra que eu tinha com a minha mãe? Pois é, hoje a batalha realmente aconteceu.
– O que houve?
Contei tudo a ele, desde a notícia que recebemos no hospital até o momento em que encontrei Grace parada no corredor, ouvindo a discussão. Enquanto falava, lágrimas corriam pelo meu rosto. Eu sabia que o que o médico dissera significava que nossa família iria diminuir mais uma vez, e que perderia mais uma irmã, mas não tivera tempo para sofrer, já que estava ocupada demais discutindo com minha mãe.
– Eu não acredito que ela disse isso. – falou indignado. – Não é à toa que você está irritada, nervosa e estressada – ele brincou.
– Eu não agüento mais, . – eu disse cabisbaixa, passando as costas da mão pelas bochechas. – Ela fica me chutando mesmo quando eu já estou no chão! Eu não posso mais suportar isso, eu... Tenho que dar um fim.
– O que exatamente você quer dizer com isso, ? Você não está pensando em... matá-la, está? – ele perguntou, em um tom de brincadeira. – É por isso que você está aqui? Para me pedir ajuda com isso?
– Ai, seu besta, eu estou falando sério. – Bati fraco em seu braço. – Eu acho que... Eu vou embora daqui.
– Por favor, diga-me que você está brincando. – Seu rosto ficou tenso, e eu respondi com apenas um olhar. – , não faça isso, sério. Você não pode simplesmente fugir assim! Você vai abandonar sua irmã? Johnny? – Ele parou e me encarou. – Eu?
Meus olhos passeavam por todo o seu rosto, analisando cada fio de cabelo, cada cílio. Ele parecia estar olhando atentamente para mim, como se fizesse o mesmo. Eu não entendia direito o que estava acontecendo, mas algo me dizia que eu deveria fazer o que passava pela minha mente. Ele sorriu levemente para mim e eu aceitei isso como um sinal. Inclinei-me rapidamente para frente e encostei meus lábios nos dele, segurando-o pela nuca. Ele colocou as mãos nos meus braços e eu sorri por dentro por ele estar me correspondendo, mas o beijo não continuou. me empurrou para trás, afastando meu rosto do dele.
– E-eu não posso, . – ele falou, ainda me segurando pelos braços. – Eu não posso. Eu te acho bonita e tudo mais, mas... eu tenho uma namorada.
Voltei para meu local de origem, encostando as costas no braço do sofá. tirou as mãos de mim e me olhou, esperando que eu falasse alguma coisa. Fiquei o encarando por alguns segundos, ainda processando o que ele havia me dito.
– Mas... Eu não entendo. – falei devagar. – Eu te conheço há mais de um mês, como que eu não sabia disso? Eu... Eu pensei que eu fosse sua amiga.
– Você é, com certeza! É que... É bem recente, sabe? Eu a conheci há algumas semanas, nosso relacionamento acabou de começar. Mas... Eu realmente gosto dela. Eu sinto muito, eu não queria que você tivesse descoberto dessa forma. Eu ia te contar, eu juro. Eu só... Queria ver se isso iria realmente dar certo, porque eu não queria criar esperanças falsas em relação a ela. Toda vez que eu conto para as pessoas, elas me apóiam e tudo mais, mas sempre acaba dando errado, então eu queria ter certeza antes. – parou de falar e ficou me olhando. – , fala alguma coisa.
– Eu... Eu preciso ir – eu disse, levantando-me do sofá.
Saí rapidamente da casa de e segui meu caminho pelas calçadas frias de Londres. Estava mais nervosa do que quando chegara, e não tinha para onde ir. Andei sem destino por um bom tempo, tentando resolver o que fazer com a minha vida. Eu já não tinha mais certeza do que estava acontecendo, estava tudo se desmoronando pouco a pouco. Claire não havia mais me ligado desde aquela única vez, meu pai não havia mais dado sinal de vida, Grace estava viva por um triz e eu sabia que eu não iria conseguir sobreviver se vivesse apenas com minha mãe. Foi assim que acabei percebendo que eu não era feliz.
Continuei a andar por alguns minutos até chegar a uma rua familiar. Parei na frente de uma casa amarela e subi as escadas da varanda devagar, chegando até a porta e tocando a campainha. Encarava meus pés, sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto, quando a porta se abriu.
– ? – Johnny falou e eu levantei os olhos até ele. – Meu Deus, o que houve? Você está bem?
– Eu... eu não quero falar sobre isso – eu disse, entrando na casa. – Eu quero... sei lá, fazer alguma coisa para enganar essa dor que eu estou sentindo. É muita coisa ao mesmo tempo, eu não agüento mais!
– Calma, eu acho que tenho a solução.
Johnny andou pela sala e parou na frente de um armário que estava no canto, ao lado de uma planta da altura dele. Ele abriu a pequena porta de madeira do tal armário e tirou uma garrafa de vidro. O rótulo dizia ‘vodka’.
– E aí, quando eu me dei conta, ela era uma baranga! – Johnny contava entre as risadas. – Cara, eu quase me matei depois daquele dia! Como eu pude fazer isso? Como eu pude transar com uma garota tão feia?
– É, meu amigo, é o que a bebida faz! – eu falei, virando a garrafa vazia de vodka na minha boca. – Ih, acabou! Tem mais aí? Porque eu acho que essa... essa... essa... Ah, sei lá. – Deixei a garrafa no chão, onde estávamos sentados, ao lado dos meus tênis.
– Não tem mais, não, essa era a única! Além do mais, eu acho melhor você não beber mais, porque olha como você já tá! Ih, quanto ‘mais’!
– Eu? Olha você! Até parece que você me contaria essas histórias de sexo se estivesse sóbrio! Eu... Eu... não tô contando história nenhuma, tá? Nenhuma!
– É, claro, amorzinho, porque você não tem histórias, você é virgem! – ele falou, apertando minhas bochechas com uma mão, fazendo-me formar um bico com a boca.
Johnny parou de falar e ficou me olhando, ainda segurando meu rosto daquela mesma forma. Eu senti seus olhos descansarem em mim e eu podia facilmente descobrir o que estava passando por sua mente, porque era justamente o que eu estava pensando. Johnny me puxou pelo rosto até ele, beijando-me fortemente. Sua mão, que antes apertava minhas bochechas, foi para meus cabelos, enquanto a outra se apoiava em minha coxa. Sua língua tracejava meus lábios, pedindo para que eu os abrisse, e eu o fiz. Ele me segurou pelas costas e eu envolvi minhas pernas em seu quadril, enquanto ele se levantava, até me jogar no sofá. Eu tirava minha blusa ao mesmo tempo em que ele tirava a dele, fazendo meu coração bater mais rápido quando vi sua barriga bem definida, que, até agora, estava sempre escondida por casacos grossos. Eu passei as mãos por seu peitoral, passando por seu umbigo e chegando até seu cinto, que foi rapidamente removido por mim. Johnny voltou a me beijar, descendo do meu pescoço até minha barriga, fazendo com que um frio corresse por minha coluna. Ele desabotoou minha calça e a retirou rapidamente, levando minha calcinha junto. A bebida ainda estava fazendo efeito, e talvez seja por isso que eu não conseguia pensar em mais nada além do desejo por Johnny.
CAPÍTULO XVI – ALL I'VE TRIED TO HIDE IS EATING ME APART
Meus olhos começaram a doer por causa da luz que vinha de fora. Minha cabeça latejava desesperadamente, e a luminosidade só estava piorando. Virei para o lado, como tentativa de fuga do sol, abrindo os olhos devagar. Quando minhas pálpebras já estavam completamente erguidas, assustei-me ao ver o que se encontrava ao meu lado: um pé. Meu olhar foi subindo pelo membro, passando pelo tornozelo até chegar à cabeça. Era Johnny. Meu amigo Johnny, meu vizinho Johnny, o garoto que eu conheci há um pouco mais de um mês estava deitado ao meu lado. Nu. Abaixei os olhos para meu próprio corpo e reparei que me encontrava no mesmo estado que ele. Vi a garrafa de vodka vazia ao meu lado, e foi assim que tudo foi se ligando: eu havia transado com ele. Eu não conseguia entender como eu fora capaz de fazer tal coisa com alguém que eu nem sequer namorava e como eu pude deixar que isso acontecesse, sendo que eu era virgem. Pois é, eu tinha que me acostumar com o fato de que era.
Esfreguei os olhos freneticamente e me belisquei no braço diversas vezes para ter completa certeza de que aquilo não era algum tipo de sonho maluco que estava tendo. O que recebi de volta foi um olho ardido por causa do dedo que acidentalmente encostei e leves dores na pele. O desespero começou a tomar conta de mim, mas respirei fundo e me recompus.
Olhei em volta e percebi que estava deitada no chão. Virei-me de bruços e apoiei as duas mãos no piso branco da sala, fazendo força contra estes para que pudesse ficar sobre meus pés. Levantei-me e logo encontrei minha calcinha, que estava enrolada à minha calça jeans. Vesti-as rapidamente e fui à procura do meu sutiã, encontrando-o embaixo do sofá. Enquanto o colocava, consegui localizar minha blusa, mas havia um problema: Johnny estava deitado sobre ela. Com muito cuidado, desci aos meus joelhos ao seu lado e puxei minha blusa devagar. Parecia estar obtendo sucesso, até vê-lo se mexer preguiçosamente. Franzi a testa e mordi o lábio para permanecer em silêncio e não acordá-lo, enquanto ele continuava a se mover. “Pizza de pepperoni”, ele resmungou baixinho. Eu queria rir, mas minha mão direita me impediu de fazer tal ação, tapando minha boca por inteiro. Encostei os dedos novamente no pano e fui puxando-o devagar, até finalmente conseguir deixá-lo livre. Passei a cabeça e os dois braços pelas três aberturas da roupa e calcei meus tênis, que se encontravam no mesmo lugar que havia deixado ontem: ao lado da garrafa vazia de vodka. Vesti rapidamente meu casaco e enrolei meu cachecol pelo pescoço, segundos antes de abrir delicadamente a porta da frente e entrar em contato com o frio de fim de inverno de Londres.
Com as mãos nos bolsos, fiquei parada no meio da calçada, tentando pensar em algum lugar para ir. Eu não conhecia mais ninguém naquela cidade, e não tinha certeza se estava em condições de voltar para casa, pois ainda guardava muita mágoa dentro de mim por causa das palavras que saíram da boca de minha mãe na noite anterior. No entanto, eu realmente precisava de um bom descanso para esclarecer a mente, já que continuava incrédula em relação ao fato que ocorrera com Johnny.
Subi lentamente as escadas da varanda e abri a porta de entrada com uma certa hesitação. Não havia nem dado meu primeiro passo dentro da casa quando vi minha mãe correndo em minha direção.
– Meu Deus, por onde você esteve essa noite toda?! – ela falava em tom alto. – Como você pôde simplesmente desaparecer desse modo sem dar sequer um sinal de vida?!
– Por favor, não banque a mãe toda preocupadinha agora, tá? – Era minha vez de ficar impaciente, como ela sempre fazia quando falava comigo. – Pelo menos, não depois do que você disse para mim ontem.
– ... eu não quis falar aquilo, e você sabe disso – ela disse séria. – Eu não seria capaz de fazer uma coisa dessas, eu estava apenas com a cabeça muito cheia por causa... daquele negócio da Grace. Você sabe que eu não estava falando sério.
– Não, o que eu sei é que você estava falando sério, sim! Se você ao menos fosse uma mãe normal, uma mãe que realmente amasse a filha que tem, eu até entenderia. Mas, pelo amor de Deus, você sempre pensou isso de mim, desde que descobrimos que Grace estava doente. Você simplesmente tinha o bom senso de não falar!
– Como você se atreve dizer que eu não sou uma mãe normal, que eu não te amo?!
– Ah, não. Por favor, não. Eu posso até ficar de bico calado todas as vezes que você me critica, todas as vezes que você me ignora, mas não venha dar uma de cínica! Não finja que você não dá mais valor a Grace do que para mim. Se é que você dá valor para mim!
– Eu não estou sendo cínica! E é claro que eu dou valor para você! Afinal, você é minha filha, é fruto do meu ventre! É que é simplesmente coisa da natureza dar um pouco mais de atenção para a caçula... Você vê em qualquer lugar, em qualquer família que os mais novos são mais mimados, mas é só!
– Não, tem uma grande diferença entre nós e as outras famílias, porque nessas as mães, além de mimar os caçulas, dão carinho também para os outros filhos! – Minha garganta já estava começando a ficar irritada de tanto eu gritar. – O seu problema é que você queria que eu fosse inteligente, que eu fosse perfeitinha. Você não me aceita pelo que eu realmente sou! E não venha me dizer que não é verdade, porque Claire é a prova viva disso! Você a amava mais do que ninguém quando ela era a nerdzinha da escola. Quando ela resolveu jogar tudo para o alto e viver a vida de verdade, você começou a desprezá-la assim como você me despreza. Afinal, por que você acha que ela fugiu de casa?! É tudo culpa sua e daquele filho da puta que nos abandonou!
– Ah, então é isso que você quer?! Pegar todo seu dinheiro reservado para seu futuro e simplesmente “viver a vida”?! – ela perguntou, fazendo aspas com os dedos. – Então por que não faz?! Se você diz que eu te odeio tanto assim, então por que você não fugiu até agora?!
– Acredite, isso é o que eu mais quero fazer! Eu só não faço porque... Porque...
– Por minha causa. – A voz infantil de Grace surgiu entre nossa discussão, fazendo a cabeça de nós duas virar instantaneamente para ela. – É porque eu estou morrendo. Não é?
Um silêncio dominou a sala por alguns minutos, criando uma atmosfera mais desconfortável do que já estava. Nenhuma de nós queria dar a primeira palavra, já que estávamos em uma situação extremamente delicada que poderia estragar tudo... Mais ainda. Minha respiração ainda estava forte e pesada por causa da discussão, e minha garganta latejava, mostrando-me a dor que iria surgir no dia seguinte.
– Eu... Eu vou para o meu quarto – eu disse, quebrando o silêncio que começava a incomodar. – Por favor, apenas... deixem-me em paz. Por favor.
Subi as escadas de cabeça baixa, mas consegui ver pelo canto do olho que minha mãe permaneceu estática no meio da sala. Eu ainda tinha muita coisa guardada dentro de mim para dizer a ela, porém achava que já havia drama demais até agora. Entrei no meu quarto e me joguei no colchão, que se localizava em uma cama recém-comprada.
Lágrimas começaram a escorrer involuntariamente pelo meu rosto, e eu chorei por horas. Não sabia ao certo se era porque estava ainda magoada, se era por causa da raiva que havia se acumulado dentro de mim durante a discussão ou se era arrependimento em relação à noite anterior, mas não queria parar de chorar. Apenas enxuguei as lágrimas quando ouvi uma batida na porta.
– Eu disse para me deixar em paz! – eu gritei, sentando-me e encostando as costas na cabeceira da cama. – Por favor, porra!
– Erm... desculpa, eu só queria falar com você. – Johnny disse, após abrir levemente a porta e colocar a cabeça no vão. – Mas eu vou embora, volto depois.
– Não, John, espere! – falei a tempo de fazê-lo me ouvir. – Eu pensei que fosse outra pessoa. Desculpe, não quis gritar assim com você, eu simplesmente achei que... você fosse a minha mãe. Por favor, entre.
– Mesmo? – ele perguntou, entrando no quarto. – E o que fez você perceber que eu não era? – ele brincou, fazendo-me rir levemente. – O que houve? Por que está chorando?
– Eu e minha mãe brigamos. Aquela coisa de sempre, sabe? – Sorri. – Mas diga, o que você veio fazer aqui? Você disse que queria falar comigo.
– Ah, é. Ah, não é nada, eu posso deixar para depois. Afinal, você tem muita coisa na cabeça agora, é melhor não falar sobre isso nesse momento.
– É sobre ontem?
– Bom... é. – Ele parou por alguns segundos e sentou-se na ponta da minha cama. – Eu não quero que você pense coisa errada, é que, sei lá, eu acho que é melhor a gente...
– Foi um erro. – eu o interrompi. – Você pode falar, John. Foi um erro, eu sei.
– Ah, que bom que você pensa assim! – Eu abri a boca para dizer algo, mas Johnny continuou a falar. – Porque... Tem mais. – Ele abaixou a cabeça e encarou as mãos, que descansavam em cima de sua perna.
– Não vai me dizer que você tem namorada, né? Porque ultimamente é o que as pessoas tem me dito, sabe? Eu não entendo isso! Ficam escondendo esse tipo de informação e...
– Eu sou gay.
CAPÍTULO XVII – THAT'S THE REASON WHY MY LIFE SUCKS
– ... você me ouviu? – Johnny perguntou, passando a mão na frente do meu rosto. – ? !
Meu olhar estava concentrado em um ponto fixo do meu quarto, enquanto minha mente tentava processar a mais recente informação alojada. Eu percebia o que estava acontecendo em minha volta, mas meu cérebro estava trabalhando devagar demais para que eu pudesse reagir rapidamente. Johnny passou a mão mais uma vez na linha do meu olhar, e foi assim que reconectei com a realidade.
– Então você... é gay? – perguntei confirmando, e recebi um aceno positivo de Johnny com a cabeça. – Você está me dizendo que... é homossexual? Que gosta de garotos?
– Vai, existe mais um jeito de falar isso! Eu te dou um pirulito se você acertar – ele brincou. Eu apenas o encarei séria. – Desculpe, eu só... Estava tentando descontrair.
– Johnny, isso não tem graça! Você tem noção do que a gente fez? Não, espere, você tem noção do que você fez comigo?! – Levantei-me da cama. – Eu... eu... eu não acredito! A minha primeira vez foi com... Você mentiu para mim. Mentiu, Jonathan! Como você pôde fazer uma coisa dessas?
– Não, espere aí! – Ele também se levantou, ficando de frente para mim. – Havia duas pessoas naquela hora, não venha jogar a culpa em mim! Você fala como se eu tivesse te obrigado a fazer aquilo! Você contribuiu meu beijo, tá?!
– É, mas veja só, eu tenho um bom motivo para ter feito isso, eu me senti atraída por você naquele momento. E você? Por que fez aquilo se nem sequer gosta de mulher? Por que você me beijou então, Johnny?
– Eu te beijei porque... Porque eu... Eu não sei – ele respondeu baixo. – Foi... Instinto, não sei, eu simplesmente senti vontade. Talvez tenha sido a bebida que me fez querer.
– Vontade, John? Como você pode ter sentido vontade se eu sou uma menina? Por acaso eu tenho algum jeito masculino, é? – perguntei sarcástica. – Eu tenho bigodinho, certo volume dentro das calças, o quê? Ou foi só hoje que resolveu virar gay?
– , pára com isso! Você estava lá tanto quanto eu. Eu não entendo o que aconteceu, só sei que aconteceu. Eu queria aquilo, tá? Eu realmente queria. Eu não teria feito se não quisesse, não sou retardado! Mas é que... Simplesmente não é um desejo que eu tenho todos os dias.
– E por que você não me disse antes? – perguntei, já um pouco mais calma. – Se eu soubesse, eu não teria continuado. E não é só por isso. John, eu pensei que eu fosse sua amiga, eu pensei que eu pudesse confiar em você, e você, em mim.
– Eu sei, eu só... Sei lá, fiquei com medo de que você fosse reagir de um modo negativo. – Ele abaixou a cabeça. – Sabe, eu vejo outras pessoas sendo discriminadas pela opção sexual delas e isso me assustou um pouco. Eu não queria que você fizesse isso comigo, porque eu realmente gostei da sua pessoa. – Ele sorriu levemente.
– Eu nunca faria isso, Johnny. – Retribui seu sorriso. – Mas... Então por que você brigou com o por causa da Lisa?
– Ah, não, nessa época eu não tinha nem noção da minha verdadeira sexualidade. Sabe como é ter catorze anos, não é? Todo mundo passou por aquela fase em que ainda está tentando descobrir quem realmente é e tudo mais. – ele falou com um tom de brincadeira. – E, acredite, eu realmente não sabia quem eu era.
– Mas eu ainda não entendo... Então aquele ódio que você tinha por toda vez que estávamos conversando não era ciúme? Porque essa foi a única conclusão que eu consegui tirar. Era o que, afinal? Ele fez alguma outra coisa de ruim para você?
– Não, era... era ciúme, sim.
Johnny encarou o chão e colocou as mãos nos bolsos da calça, enquanto arrastava a ponta do pé direito pelo piso, indo de um lado para o outro, como se fosse um desenho animado. Eu o encarava com uma expressão confusa, tentando ler seu rosto, mas ele se recusava a olhar diretamente para mim. Permanecemos desse modo por alguns segundos, até que eu finalmente liguei todas as informações, arregalando os olhos e abrindo a boca como resposta.
– Meu Deus, você... você gosta dele? Você gosta do ?! – O tom de minha voz foi aumentando de acordo com a minha incredulidade. – E-eu... Eu... Eu estou sem palavras. Meu Deus... – Coloquei as mãos na cabeça e comecei a rir. – Você não está me zoando, né?
– Claro que não – ele respondeu um pouco indignado. – Eu sei que eu não tenho chances com ele, afinal, ele é hétero, mas eu só... Não gosto de te ver com ele, porque tenho certeza de que você é alguém por quem ele poderia se apaixonar facilmente. E pare de rir, isso não tem graça!
– Me desculpe, eu não estou rindo de você. – falei, com um sorriso ainda no rosto, ameaçando sair uma risada novamente. – É que... Tem acontecido tanta coisa na minha vida ultimamente que até chega a ser hilário. Minha irmã sai de casa, eu me mudo de país, meu pai vai embora, minha outra irmã tem leucemia, eu beijo e descubro que ele tem namorada, e agora você. Sério, parece até que eu vivo em uma novela mexicana!
– Você o beijou?! Quando? Então você gosta dele? Por que não me disse antes? – Johnny perguntou. – Quero dizer, e-eu não estou perguntando essas coisas porque eu tenho ciúme e t-tudo mais, eu só queria saber, s-só isso. Sabe, você nem precisa responder se não quiser. Ah, deixe quieto.
– Não tem importância, eu respondo. – Ri levemente. – Sim, eu... Gosto dele, eu acho. Eu não contei antes porque... Acho que porque você sempre fechava a cara quando eu falava dele. E, sim, eu o beijei. Foi ontem, antes de eu aparecer aos prantos na sua casa. Mas esse não foi o único motivo para eu estar chorando...
– Então quais são os outros motivos? – Johnny se sentou novamente na cama e me puxou pela mão para eu fazer o mesmo, posicionando-me ao seu lado.
– Não sei ao certo, John. – respondi cabisbaixa. – Como eu disse, tem acontecido tanta coisa na minha vida nesses últimos meses que, sei lá, eu fico até tonta. Eu só... Eu odeio a minha vida. Sério, eu não sei como eu agüento até hoje. Eu deveria entrar no Guinness por suportar tanta dor assim!
– Realmente, você é uma guerreira. – ele falou com sinceridade. – Mas se você agüentou por tanto tempo, então com certeza deve haver um motivo. – Johnny envolveu seu braço pelo meu pescoço e me puxou para um abraço, beijando minha testa levemente. – Você pode ainda não saber qual, mas sei que existe um.
– Obrigada, John. – falei, ainda protegida em seu corpo. – Você é um ótimo amigo... apesar de tudo. – brinquei, fazendo-o rir. – Você é uma das únicas coisas boas na minha vida.
– É, eu sei – ele zoou, quando começamos a nos afastar.– Você também é muito importante para mim. Ah, eu... Eu tenho que te falar outra coisa.
– Ai, meu Deus, o que é dessa vez? Vai me dizer que você teve um filho com uma ucraniana, e que na verdade você tem vinte e cinco anos e é casado com uma espanhola?
– Não, que isso! A Svetlana era estéril e a gente só fazia sexo anal, e eu me divorciei da Juanita há dois anos. – ele brincou, e eu gargalhei pela resposta inesperada. – Não, agora vou falar sério. É que... Ai, Deus, como vou falar isso? É que... Eu acho que nós não usamos, erm, proteção. E-eu não me lembro de ter colocado nada, e... Eu procurei pelos lixos da casa e até pelos cantos da sala, mas... Não tinha nada.
– Você está dizendo que tenho uma pequena chance de... Estar grávida? – Engoli seco. – Ah, não, isso é demais. – Apoiei os cotovelos nos joelhos e cobri o rosto com as mãos.
– Eu não tenho certeza, mas... É melhor conferir, sabe?
Não respondi. Simplesmente permaneci na mesma posição, tentando entender como minha vida pôde se complicar tanto dessa forma, enquanto Johnny me acariciava nas costas, como uma forma de tentativa de me consolar. Ficamos assim por alguns minutos, em silêncio, apenas com a companhia do outro.
CAPÍTULO XVIII – IF ONLY LOVE HAD FOUND US FIRST
O sinal bateu, anunciando o fim da aula. Guardei meus livros rapidamente e fui apressada em direção à porta, mas uma voz dizendo “” me impediu de fazê-lo. Era o professor Griffin, de Matemática, tentando novamente me persuadir a fazer parte do grupo de estudos. Eu não conseguia entender o que ele via em mim. Eu não era uma aluna muito boa, tinha uma média medíocre e quase nunca prestava atenção na aula. Já era a quarta vez que ele vinha falar comigo, e eu sempre dava a mesma resposta: “Obrigada, mas não, obrigada”.
Passei pela porta da sala e segui pelo corredor até chegar ao portão de saída. Como sempre, Johnny estava à minha espera ao lado do muro da escola. Fui em sua direção, tentando não encará-lo, já que estávamos em uma situação um pouco desconfortável.
– Então... ahm... está pronta para ir para casa? – ele perguntou um pouco hesitante, colocando as mãos dentro dos bolsos de sua calça jeans.
Não havíamos nos falado desde aquela última conversa, pois eu tentara evitá-lo durante o resto do fim de semana e fora para a escola mais tarde naquela segunda-feira, então aquele estava sendo nosso primeiro contato desde o sábado em que a possibilidade da gravidez havia surgido.
– Na verdade, eu vou passar naquela drogaria que tem ali na esquina, para... ahm, comprar o... ah, você sabe. – Meus olhos viajavam por toda a paisagem, mas evitavam se encontrar com os dele, que estavam mais verdes e brilhantes por causa do sol. – Então a gente se vê mais tarde, tá?
– Você não quer que eu vá com você? Não tem importância, eu não tenho nada para fazer agora. Eu vou lá, se você quiser.
– Não, não precisa, John. – falei, sorrindo levemente. – Eu vou sozinha, você pode voltar para casa. Não vou demorar muito, eu chego lá rapidinho.
Johnny concordou relutantemente com a cabeça e deu meia volta, seguindo em direção à estação de metrô. Assisti-o desaparecer ao virar à esquina, sem antes virar o rosto e olhar uma última vez para mim. Atravessei a rua e segui na direção contrária, vendo a placa da drogaria alguns metros a minha frente. Eu encarava meus pés e segurava as alças de minha mochila enquanto andava, tentando criar coragem para comprar o que deveria.
Abri a porta de vidro, onde havia uma placa pendurada escrito “aberto”, e passei por um dos corredores da farmácia. Meus olhos foram correndo pelos produtos expostos até parar no que eu precisava. Era uma caixa azul, com a foto do tal produto e um ‘Clearblue’ escrito em branco, e estava na última prateleira. Agachei-me, olhei para os lados para verificar se alguém estava por perto e a peguei rapidamente, sem ao menos comparar com outros para ver se havia algum mais barato. Eu simplesmente queria acabar logo com isso tudo.
Fui até o caixa e coloquei minha compra em cima da esteira, vendo uma senhora a minha frente me olhar com cara feia por causa do meu produto. Encarei-a de volta como se estivesse falando para cuidar de seus próprios problemas, e ela voltou a colocar seus remédios dentro da sacola de plástico. Chegou minha vez de ser atendida. A atendente passou minha mercadoria, e eu pude sentir que ela estava me julgando mentalmente. Bufei impaciente e paguei logo depois que ela anunciou o preço a mim, saindo rapidamente do recinto com minha sacola de compras. No momento em que pisei no concreto da calçada, esbarrei em uma pessoa que vinha da esquerda. Comecei a resmungar alto, dizendo para que ela tomasse mais cuidado, mas parei quando me dei conta de quem era. Seus cabelos castanhos estavam combinando perfeitamente com seus olhos de mesma cor, como sempre. Suas bochechas rosadas de frio traziam uma beleza perfeita para seu rosto que eu sempre admirara.
Ela me encarava do mesmo modo que eu, analisando-me a cada detalhe.
– Claire?! – falei com a voz falha, já sentindo as lágrimas se acumularem debaixo dos meus olhos. – Ah, meu Deus, não acredito que é você!
Envolvi meus braços em seu corpo com tanta força que a fiz dar alguns passos para trás. As lágrimas inevitáveis começaram a escorrer por minha pele, e eu pude sentir que minha irmã fazia o mesmo. Um sorriso involuntário recusava a sair do meu rosto, enquanto uma genuína risada vinha de dentro de mim.
– , o que... O que você está fazendo aqui? – ela perguntou, após nos afastarmos, rindo da mesma forma que eu. – Eu... Eu... Eu senti tanta falta!
– Nós nos mudamos para cá! – Tentava secar as bochechas com a palma da mão, mas as lágrimas teimavam em cair novamente. – Você não se lembra que eu te disse?
– Eu me lembro que você falou que tinham se mudado, mas eu pensei que tinham ido para Nova Jersey, ou até mesmo algum lugar da Califórnia, sei lá, mas não Londres! Aqui é... É outro país! É outro lugar, completamente diferente! O que fez nossos pais escolherem vir para um lugar tão longe?
– Erm... Você – respondi, vendo uma certa mudança de expressão no rosto de Claire. – Mas diga, o que você está fazendo aqui? Você não estava viajando pela América do Sul?
– Ah, mas isso foi mês passado! Se não me engano, eu até te disse que viria para a Europa. Mas... Eu meio que parei de viajar desse jeito – ela falou, com um ar de suspense. – É que... Eu conheci alguém.
– Oh, que lindo! A Claire está apaixonada! – brinquei. – Quem é o sortudo?
– Eu o conheci algumas semanas atrás. Eu nunca pensei que fosse desistir dos meus sonhos por alguém que eu mal conheço, mas... Ele é diferente, sabe? Quando falei com ele pela primeira vez foi como se eu estivesse conversando com um amigo antigo! Então eu resolvi dar uma chance, ver no que dava. – Ela sorriu abertamente.
– Bom, então me leve para conhecê-lo algum dia, porque se ele te fez parar de viajar, então deve ser alguém de extrema importância!
– Ah, se quiser, pode conhecê-lo agora! Ele só veio aqui na drogaria para ir ao banheiro, aí eu tinha ido até a banca comprar uma revista e já estava voltando... – Claire olhou por cima do meu ombro, à procura de seu namorado. – Ah, veja, ele já está vindo.
Virei-me para trás e dei de cara com quem menos esperava: . Ele estava abrindo a porta da drogaria, e vi uma expressão de surpresa em sua feição ao encontrar meu olhar. Conseguia ver que ele estava associando tudo ao me ver ao lado de Claire, e seu rosto mostrava um sentimento de leve desespero crescente. Já eu, senti todo o sangue de meu corpo subir até minha cabeça. Meu coração estava pronto para rasgar meu peito e sair saltitando pela cidade, enquanto o suor frio começava a ser expelido.
– , esse é o – Claire disse feliz. – , essa é minha irmã, .
Nenhum dos dois reagiu primeiramente. Ele continuava a me encarar sem saber o que dizer, e eu permanecia estática, ainda tentando entender se aquilo era verdade.
– Prazer em conhecê-lo. – eu disse, estendendo a mão. Ele me olhou confuso, mas logo respondeu o cumprimento. – Espero que você saiba o quão especial minha irmã é.
– Eu sei, não se preocupe – ele falou, fingindo um sorriso. – E ela me disse muito a seu respeito. Eu só... Não sabia seu nome inteiro, ela sempre te chamou de .
– É, Claire acha que me chamar pelo nome é algo muito sério, então ela só faz isso quando está brava comigo. – Tentei soar natural, mas ainda estava um pouco surpresa. – Bom, e-eu tenho que ir para casa. Mais tarde e-eu vejo vocês, digo, você, Claire.
– Você realmente tem que ir? – ela perguntou tristonha, e eu respondi afirmativamente com a cabeça. – Então ao menos me dê o endereço de onde vocês estão morando, assim quem sabe à noite eu jogue algumas pedrinhas na janela do seu quarto para te chamar.
Escrevi “Ebury Street, 24” em um pedaço de papel que eu retirara de dentro de minha mochila e entreguei a minha irmã. Sorri desconfortável para os dois e dei um abraço em Claire, olhando para por cima do ombro dela. Ela se afastou levemente de mim e colocou uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha.
– Ah, eu acho que você deveria vir nos visitar algum dia. – eu disse sincera. – Não apenas aparecer escondida por lá, e sim entrar pela porta da frente e cumprimentar todo mundo.
– , você sabe que não dá, a mamãe me odeia e eu... Não sou uma grande fã dela.
– Mas não é por isso, Claire. É que... – Olhei de relance para , lembrando-me da noite em que ele foi me consolar no hospital. – a Grace está doente. Ela tem... Leucemia.
Minha irmã levou a mão à boca, suspirando de susto. Ela não parecia acreditar totalmente na notícia inesperada e seus olhos demonstravam uma tristeza genuína. Encarei o chão e balancei levemente a cabeça, como se estivesse confirmando a pergunta que ela nem sequer havia feito.
– Mas... ela ficará bem, não é? – ela perguntou em um tom de desespero. – Quero dizer, existem tratamentos para isso!
– Ela fez tratamentos, sim, mas... Ela não estava respondendo a eles, então resolvemos parar e... Deixá-la viver normalmente. Não foi fácil para ninguém, mas Grace tem sido a mais forte de nós três em relação a esse assunto.
– ‘Nós três’? Como assim, ‘nós três’?
– Papai, ele... Foi embora. Fez as malas, disse que me amava e se foi. Ele não sabia sobre a doença de Grace, e eu tentei contatá-lo, mas sempre caí na caixa postal.
Claire ficou em silêncio por alguns segundos, tentando digerir toda a informação que acabara de receber. Eu conhecia minha irmã muito bem, e sabia que ela estava parcialmente arrependida de ter saído de casa, pensando que não deveria ter feito isso se soubesse que tudo isso teria acontecido.
– Bom, eu vou deixar você ir porque provavelmente tem muita coisa a fazer, não é? – ela falou, com a voz fraca.
– É eu preciso... – Levantei minha sacola da drogaria levemente, mostrando que o que precisava fazer estava relacionado à minha compra, mas logo me arrependendo de ter feito tal ação um segundo depois. – Eu preciso ir.
– O que é isso? – Claire perguntou, voltando ao seu sorriso natural e tentando pegar a sacola de mim. – Vamos, me mostre!
– Não, não vou mostrar! – Trouxe a sacola para trás de mim, evitando que minha irmã encostasse as mãos nela. – Me deixa, Claire, pare com isso!
– Mostre logo, mostre logo! – ela falava, ainda tentando pegar.
Houve mais algumas tentativas dela antes de finalmente conseguir tirar o produto de minhas mãos. Foi minha vez de esticar os braços para dominar de volta, mas ela conseguiu fugir de mim todas as vezes. Colocou a mão dentro da sacola e puxou a caixa triunfante, tirando o sorriso do rosto no momento em que viu o que era. Olhei para e vi que também fechou a cara ao ver a escrita “teste de gravidez” no canto inferior.
– Devolva isso. – Arranquei a embalagem das mãos de Claire e rapidamente coloquei dentro da sacola, que também tirei de seu poder. – Você não tinha o direito de fazer isso.
– ... O que você tem feito? – ela perguntou em tom maternal.
– Não venha me dar lições de vida, tá? Eu sei muito bem o que eu faço com a minha.
– Aparentemente, não – ela disse um pouco brava por causa da minha resposta. – Mas como isso aconteceu? Por acaso você nunca teve aulas de educação sexual na escola?
– Me deixe em paz.
Dei meia volta e comecei a andar rápido em direção à estação de metrô, deixando Claire e sem alguma resposta para o que acabaram de encontrar em minha posse.
CAPÍTULO XIX – I AM AN ENDLESS SOURCE OF USELESS INFORMATION
Virei à esquina e entrei na rua da minha casa, ainda com a cabeça um pouco esquentada. Meus sentimentos estavam divididos entre felicidade, por ter visto Claire depois de quase três meses; incredulidade, por ter descoberto que o garoto que eu gosto é namorado da minha irmã; e raiva, por causa de sua ação final antes de eu ter saído andando. Mas o que mais que incomodava era o fato de ter visto o meu teste de gravidez.
Parei em frente à casa de número vinte e quatro, mas não segui em frente. Ainda havia muita tensão entre eu e minha mãe, já que deixamos aquela discussão de sábado inacabada, e eu realmente não estava com vontade de enfrentá-la naquele momento. Dei mais alguns passos e subi os famosos degraus que sempre subo quando preciso de ajuda. Bati levemente na porta e esperei alguns segundos, vendo a imagem da mãe de Johnny logo a minha frente.
– ! – ela exclamou, abrindo os braços e me puxando para um abraço. – Como vai? Está tudo bem lá em casa? E a sua irmãzinha?
– Oi, Sra. Stevens – falei simpaticamente. – Está... Está tudo bem comigo, com todo mundo... na medida do possível, é claro. O John já chegou em casa, não é?
– Na verdade, não. Eu pensei que vocês tivessem parado no caminho para comer algum lanche – ela falou, estranhando o fato do filho estar ausente. – Ele não veio com você?
– Não, não, eu fui fazer outra coisa depois da escola. Então você não sabe quando ele vai voltar, não é?
– Não, querida, me desculpe, mas pode esperá-lo no quarto, se quiser. Tenho certeza de que não será nenhum incômodo para ele.
Pensei por um tempo, mas acabei concordando. Esperar por Johnny seria algo muito melhor do que entrar em casa rezando para que aquela discussão não desatasse. Subi pelas escadas, admirando as fotos penduradas nas paredes como sempre, e entrei no primeiro quarto à esquerda, fechando a porta logo atrás de mim.
Não sabia quanto tempo Johnny iria demorar para chegar, então eu resolvi tirar os tênis e me acomodar na cadeira do computador, algo que eu fazia sempre que passávamos a tarde juntos em sua casa. Estava entediada e não tinha o que fazer na Internet, já que não estava com ânimo para ficar jogando jogos on-line ou qualquer outro tipo de diversão por causa da dúvida que permanecia dentro de mim. Como solução, abri uma pasta do computador e comecei a olhar todas as fotos ali guardadas, sendo que já havia as visto mais de um milhão de vezes. Estava pronta para apertar o botão de fechar quando vi uma foto que nunca havia notado antes. Era Johnny e um garoto que eu já havia visto pelos corredores da escola, provavelmente chamado Matt, pois esse era o nome do arquivo. “Não sabia que Johnny era amigo dele”, pensei, estranhando levemente, já que, no primeiro dia de aula, ele havia me dito que não tinha amigos. Algumas informações foram se juntando em minha mente, quando, de repente, ouvi uma voz:
– Isso é invasão de privacidade, eu poderia mandar te prenderem.
– John! – exclamei, fechando rapidamente todas as janelas abertas e virando-me de frente para ele. – Você chegou! Por que demorou tanto para voltar para casa?
– E desde quando isso é da sua conta? – Ele sorriu. – Estou brincando! Eu estava resolvendo um negócio com um amigo sobre um trabalho que a gente tem que fazer...
– Ah, é mesmo? – Cruzei os braços e o encarei, com um sorriso de lado estampado no rosto. – Estranho, você tem feito tantos trabalhos ultimamente.
– É, sabe como é, o último ano é extremamente corrido. – Johnny se sentou em sua cama. – Quando você chegar lá, vai entender do que eu estou falando. É trabalho para cá, trabalho para lá... Mal tem tempo para ter uma vida social.
– Verdade? Por que eu acho que você tem uma ótima vida social. Eu tenho certeza que o Matt concorda comigo...
– O q-que v-você disse? – Johnny perguntou, engasgando. – Quem é Matt? – Ele riu nervosamente. – E-eu n-não conheço nenhum Matt.
– Conhece, sim, seu mentiroso! – Levantei-me da cadeira e apontei o dedo em seu rosto, rindo levemente. – John, por que não me disse que tinha um namorado? E todo aquele negócio do ? Eu pensei que você gostasse dele.
– Eu não tenho! Eu só... Tá, olha, você não pode contar para ninguém! Eu... Eu gosto do , sim, e o Matt sabe disso até. E ele não é meu namorado, o que nós temos é apenas... Uma amizade colorida, sabe? Só isso.
– Colorida em todos os sentidos, né? – eu brinquei. – Mas por que você não me disse antes? Por que não disse logo depois que me contou que era gay?
– Eu não sei também, . Olha, dá pra gente parar de falar sobre isso, por favor? Eu me sinto extremamente incomodado com esses tipos de questionamentos. – Ele mexeu nos dedos, envergonhado. – Diga-me, o que está fazendo aqui?
– Eu achei que... Talvez você quisesse estar comigo quando eu fizesse o, erm, teste.
– E por que você achou isso?
– Porque... Ah, porque eu preciso, tá? Eu não vou conseguir fazer isso sozinha, John, por favor, eu...
– , não precisa se explicar. Eu só perguntei porque você estava meio estranha comigo hoje mais cedo, sei lá, como se estivesse me evitando ou algo do tipo.
– Eu sei. – falei, voltando-me a sentar na cadeira. – Eu estava, para falar a verdade. Eu realmente não sei o motivo de ter feito aquilo, afinal, não é sua culpa, nada disso. – Parei e pensei. – Ok, um pouquinho, mas fui eu que cheguei à sua casa pedindo por ajuda, foi por minha causa que nós ficamos bêbados e, conseqüentemente, ahm... Você sabe. Foi idiota o que eu fiz, e eu peço desculpas.
– Desculpas aceitas. – Ele sorriu. – Mas... Só uma coisa: eu não acredito que dê para saber se o resultado está certo se você fizer o teste agora. Afinal, nosso erro ridículo foi há três dias atrás, e para fazer um teste de gravidez, tem que esperar mais alguns dias.
– Como você sabe disso?
– Eu sou uma fonte inacabável de informação inútil, como diria Jordan, do New Found Glory.
– Você está me zoando, não é? – perguntei, e Johnny respondeu negativamente com a cabeça. – Ai, que saco! – Joguei-me na cama, ao seu lado, encostando as costas na parede. – Quer dizer que eu só vou poder acabar com essa aflição daqui alguns dias?!
– Ei, você acha que eu também não estou preocupado? Não é só sua vida que depende desse resultado idiota. – Ele encostou-se também. – Mas a gente espera.
– É, é o único jeito.
Ficamos lá, em silêncio, como se estivéssemos esperando o tempo passar para que possamos descobrir o destino de nossas vidas. O único som que ouvíamos vinha do aspirador de pó que a mãe de Johnny passava no andar de baixo. O passarinho parado do lado de fora da janela do quarto acabou se tornando algo de extremo interesse, já que o tédio estava começando a dominar o ambiente.
– O Matt beija bem? – perguntei, querendo irritar Johnny.
– , pare!
N/A: Esse capítulo foi escrito por pura “encheção” de lingüiça... Na verdade, estava fora dos meus planos, mas tive que incluí-lo por erros técnicos. Por isso que ele está uma porcaria.
CAPÍTULO XX – TIMES ARE GOOD AND TIMES ARE BAD
Passei o resto da semana aflita. Escondi o teste de gravidez em uma de minhas caixas de sapato inutilizadas no momento e coloquei no fundo de minha mala, onde ainda havia algumas roupas – já que o armário recentemente comprado era menor do que uma geladeira. Johnny e eu tentávamos evitar o assunto sempre que estávamos juntos, mas o simples fato de olharmos um para o outro fazia relembrar-nos da responsabilidade que poderia surgir em nossas costas.
De uma maneira desconhecida, consegui evitar encontros com pelos corredores da Wimbledon High. Eu sabia que ele queria falar comigo, pois às vezes o via de longe e sentia que ele queria se aproximar de mim, mas eu sempre arranjava um jeito de desaparecer. Eu tinha medo de que ele viesse me perguntar se eu sou uma vadia por ter praticamente engravidado ou me dizer que contara à Claire que eu, na verdade, conhecia-o e havia o beijado, ou qualquer coisa que pudesse estragar minha relação com ela, sendo que as coisas entre nós duas não estavam muito bem, já que havíamos brigado da última vez que nos vimos e ela não havia dado sinal de vida durante a semana inteira.
A situação com minha mãe ainda estava extremamente tensa, mas isso era algo que eu já estava acostumada, então não fazia muita diferença. Ela tentava falar comigo de vez em quando, daquela forma fria e distante de sempre, mas eu dava respostas monossilábicas ou simplesmente a ignorava. Eu ainda não conseguia entender como ela fora capaz de dizer tal coisa para mim.
Para meu alívio, sexta-feira havia chegado e eu poderia finalmente voltar para casa em paz. Ou pelo menos tirar algumas preocupações de minha mente, como esbarrar acidentalmente no namorado de minha irmã, também conhecido como o garoto que eu gosto.
“Eu já venho”, gritei para Johnny, que entrava em sua casa, enquanto eu abria a porta da minha. Subi as escadas correndo, sem ao menos cumprimentar Grace e minha mãe, que se encontravam na sala, e fui até meu quarto. Tranquei a porta com cuidado, tentando não fazer barulho, e abri minha mala, retirando de dentro dela uma caixa azul, que estava embrulhada nas roupas que lá se encontravam. Coloquei a embalagem dentro do bolso do meu casaco moletom preto e desci correndo as escadas, gritando um “já volto” antes de bater a porta de entrada. Dei alguns passos pela calçada e entrei no pequeno caminho que cruzava o jardim da casa ao lado. Os pais de Johnny não se encontravam por lá naquele momento, então entrei no recinto sem mesmo bater, já que havia recebido, anteriormente, ordens para entrar direto. Fui até o andar de cima e parei na frente da porta branca do quarto do meu amigo. Respirei fundo, como se isso fosse me preparar psicologicamente, e girei devagar a maçaneta.
– Vamos fazer isso logo. – eu disse, quando dei o primeiro passo para dentro do recinto. – Eu quero... Quero acabar logo com tudo isso.
Johnny concordou com a cabeça e sorriu fraco, mostrando-me que estava ao meu lado para qualquer coisa. Correspondi seu sorriso e entrei no banheiro diretamente ligado ao quarto dele, fechando a porta logo atrás de mim. Apoiei-me nos cantos da pia branca e encarei meu reflexo no espelho oval pendurado na parede. “Você consegue, ”, eu disse, como uma forma de encorajamento. Tirei a caixa de dentro do meu bolso, retirei o teste e deixei apenas a embalagem em cima da bancada ao lado da pia. Segui todas as instruções necessárias para o processo e coloquei o teste em cima da caixa, logo depois de ter dado a descarga. Encostei as costas na parede e fui descendo até encontrar o chão, trazendo meus joelhos para mais perto de meu corpo.
– John? – falei alto. – Você pode entrar.
Vi a porta se abrir, e o próprio apareceu pelo vão. Ele me encarou com simpatia e levou seus olhos para aquele palito branco que se encontrava em cima da bancada, enquanto se sentava em cima da privada fechada. Ele brincou com os dedos por um curto período de tempo, com uma expressão pensativa, antes de levantar o rosto para mim.
– Quanto tempo nós temos que esperar? – ele perguntou, com um certo tom de medo em sua voz.
– A caixa diz uns quatro, cinco minutos.
– Tá. – Johnny mexeu no relógio de seu pulso. – Então vou colocar para apitar aqui quando der a hora.
Um silêncio reinou o banheiro logo após as últimas palavras de Johnny, e os segundos pareciam ter se tornado horas. A tensão do ambiente chegava a ser mais do que desconfortável, mas nenhum dos dois tinha coragem de quebrar essa quietude. Eu tentei arriscar.
– Então, eu, ahm... não te falei uma coisa – eu disse, brincando com a manga de meu casaco. – Eu vi minha irmã na segunda-feira.
– Você vê sua irmã todos os dias. – ele respondeu, como se eu fosse idiota por estar falando aquilo.
– Não, seu besta, não a Grace! Eu... Esbarrei com a Claire quando estava saindo da farmácia.
– Claire?! – ele perguntou surpreso. – Mas... Ela não estava na América do Sul? Ela sabia que você estava aqui? Sobre o que vocês falaram? Por que ela não veio falar com você de novo até agora? Ou veio e você não me contou? E por que--
– John! – gritei, interrompendo-o. – Respira, tá? Uma pergunta por vez! – Eu ri. – Ela estava, sim, na América do Sul, mas já saiu de lá faz um tempo. Não, ela não sabia que eu estava aqui, foi pura coincidência. Nós atualizamos algumas notícias, conversamos sobre Grace, meu pai, minha mãe e... Outras coisas. Ela não veio falar comigo de novo porque nós brigamos, eu acho. – Parei de falar e encostei a mão no queixo. – Esqueci de alguma?
– Não, acho que não. Mas o que ela está fazendo aqui, afinal?
– Ah, essa você não vai acreditar. Bom, ela veio aqui por causa daquelas viagens que ela tem feito e tudo mais, mas ela já está em Londres faz algumas semanas. E sabe por quê?
– Por quê? – ele perguntou curioso. – Por que, caramba?!
– Ela encontrou um namorado. Ela... Provavelmente está apaixonada por ele, afinal, ela não iria desistir de seus sonhos por um qualquer. Ela está namorando... o , John.
– O ?! – ele praticamente gritou. – Mas como?! Como eles se conheceram?!
– Não sei, acho que... As pessoas estão certas quando dizem que o mundo é pequeno. – Encarei o chão. – Mas não tem importância, eu... Eu não me importo.
– Tá, e eu sou o Papai Noel. , tá na cara que isso está te afetando! – Ele olhou para mim, mas eu não respondi. – E o que você fez quando descobriu que ele é namorado dela?
– Eu fingi que eu não o conhecia. Nem venha me falar nada, eu sei que foi idiota! Eu também não sei por que eu fiz isso. Mas... O que me mais me preocupa em relação a ele é o fato dele ter visto que eu comprara o teste de gravidez.
– E por que--
Johnny não pôde completar sua pergunta. Seu relógio começou a apitar, e nós dois olhamos imediatamente para ele. Ele desligou o alarme e me olhou, e, apenas por seu olhar, eu pude perceber como seu coração estava batendo forte, porque era exatamente como o meu estava.
– Você olhe, eu não consigo. – eu falei.
Johnny concordou com a cabeça e pegou o teste para comparar com as instruções da caixa, enquanto eu me levantava rapidamente do chão. Ele estava demorando para me dar uma resposta, e eu já estava começando a ficar aflita com isso. Ele levantou os olhos para mim e eu prendi a respiração.
– Deu negativo. – Ele sorriu. – Deu negativo!
– Deu negativo?! – eu gritei feliz. – Ah, meu Deus, John! – Corri em sua direção e dei um abraço apertado e sufocante nele. – Deu negativo, eu não acredito!
Ele correspondeu meu abraço e começou a me girar, mas o banheiro era pequeno demais para isso, então meus pés esbarravam em tudo que se podia encontrar por lá. Nós não nos importamos. A felicidade era maior do que algumas coisas quebradas ou dores nos meus pés. Johnny me colocou de volta no chão e eu pude ver o sorriso lindo e aliviado que estava em seu rosto.
– Sabe do que precisamos? – ele perguntou. – De uma festa! Vai ter uma festa amanhã, e nós vamos!
– Mas, John... você nunca vai às festas!
– É, mas eu vou dessa vez, porque eu estou feliz e quero usufruir dessa felicidade. – Ele parou de falar e encarou o chão envergonhado. – E o... Matt me chamou para ir.
– Oh, que fofo! – eu falei, apertando suas bochechas, mas ele fez cara de bravo e bateu em minhas mãos para tirá-las de seu rosto. – Mas eu não vou. Você pode ir, é que eu realmente não quero.
– Por que não? Poxa, na única vez em que eu vou, você não vai?
– É, é melhor assim. Não quero ficar de vela para vocês dois e... o pode estar lá.
– Ai, , deixa disso! Um dia você vai ter que encará-lo de qualquer jeito, afinal, tenho certeza de que sua irmã aparecerá novamente, e ele estará com ela provavelmente. Então trate de acabar logo com isso! Além do mais, nós temos que comemorar, ou seja, você vai! – Johnny parou de falar quando ouvimos alguém gritando. – Você ouviu isso?
– Ouvi. Eu acho que tem alguém me chamando. Ah, meu Deus, é minha mãe!
Saímos do banheiro rapidamente, corremos escada abaixo e chegamos à minha casa em menos de trinta segundos. Eu abri a porta de entrada desesperada e um déjà vu veio à minha cabeça quando vi Grace novamente caída no chão da sala.
CAPÍTULO XXI – EU FICO AQUI NA MINHA E VOCÊ AÍ NA SUA
Os paramédicos colocaram Grace dentro da ambulância, e, logo após, vi minha mãe entrando na parte de trás da mesma. “Venha, ”, ela disse, segurando a mão da outra filha. Subi no degrau da ambulância e me sentei ao lado de minha mãe. Johnny se apoiou na porta para fazer o mesmo, mas o paramédico o impediu de continuar a ação.
– Você é algum membro da família? – ele perguntou sério.
– Não, eu sou ami--
– Desculpe – ele o interrompeu. – Apenas membros da família são permitidos.
– Não se preocupe, , eu vou com o carro da minha mãe, eu vou segui-los e--
– John, não precisa. Fique aqui, ok? – eu disse, segurando seu ombro. – É sério, não precisa ir. Isso vai demorar e não quero que você passe o resto do seu dia no hospital. – Ele ameaçou começar a falar, mas eu não deixei. – John, sério, não precisa. Fique aqui, tá?
Johnny deu alguns passos para trás para permitir que o paramédico fechasse as portas da ambulância. Eu o olhei pela pequena janela e sorri, enquanto ele me deu um fraco aceno com a mão. O automóvel começou a andar, e a imagem de Johnny desapareceu quando viramos a esquina. Encostei a cabeça na parede da ambulância e expirei. Não queria que Johnny tivesse que suportar todo o sofrimento que eu tinha certeza que estávamos prestes a presenciar. Eu queria apenas que eu pudesse pular toda essa parte de ver minha irmã no hospital e simplesmente acordar horas depois no meu quarto.
– Como você explica isso?! – minha mãe gritava para o médico, que sempre tentava falar, mas era interrompido por ela. – Nós estivemos aqui semana passada! Ela parou o tratamento há exatamente sete dias! Como ela pode ter vindo para o hospital tão cedo assim, pelo amor de Deus?! Como você explica isso?!
– Sra. , por favor, tente me ouvir. – o médico disse de uma forma profissional. – O caso de Grace é muito delicado, pois o câncer está progredindo mais rápido do que esperávamos. Em toda minha carreira médica, eu nunca havia visto um caso assim, mas não é impossível de acontecer.
– Mas e agora? – perguntei com a voz trêmula. – A gente fica aqui esperando que... Ela morra?!
– Nós faremos com que ela fique o mais confortável possível, e vocês podem contribuir para que ela se sinta melhor, mas... acredito que não há mais nada que possamos fazer. – Ele abaixou os olhos ao ver que minha mãe estava à beira de cair aos prantos. – Ela está no quarto descansando agora, mas vocês podem ficar lá com ela.
Assenti com a cabeça e comecei a andar, porém, após ter virado no corredor à esquerda, percebi que somente eu seguia o médico. Pedi para que ele esperasse mais um pouco e voltei para meu local de origem, encontrando minha mãe parada, encarando o nada. “Vamos, mãe”, eu disse, mas ela não se moveu. Tudo que ela fez foi abrir a bolsa e retirar de dentro um frasco prata. Ela desenroscou a tampa da pequena garrafa brilhante e virou-a em sua boca. Um cheiro forte de álcool passou por meu nariz, e foi assim que me dei conta do que ela estava fazendo.
– Mãe, você está bebendo?! – falei baixo. Ela não me respondeu, apenas fechou o frasco e o colocou de volta ao lugar onde estava antes. – O que você pensa que está fazendo?! Você não está apenas consumindo bebida alcoólica em um hospital, mas também está bebendo em pleno dia!
– , pare de me encher o saco, tá? – ela finalmente disse. – Eu lido com essa situação do modo que eu bem entender.
Ela começou a andar, e eu levei um tempo antes de voltar a mexer minhas pernas. Deixei a indignação de lado e apertei o passo para poder acompanhar o médico e chegar ao quarto onde Grace estava descansando pacificamente. Nós entramos em silêncio, e, enquanto minha mãe se acomodava em uma cadeira próxima à cama de minha irmã, fui me sentar no sofá encostado à parede do quarto, como uma forma de evitar que ela começasse a falar comigo.
Ficamos sentadas em silêncio por um tempo indeterminado – mas aparentemente longo –, e Grace permanecia desacordada. Eu não gostava de olhar diretamente para ela, pois aquilo trazia uma dor muito forte no meu peito, e dor era o que eu menos necessitava em um momento daqueles. Eu queria ser forte, queria não mostrar o quanto isso me abalava, mas as lágrimas que se acumulavam embaixo dos meus olhos entregavam meus verdadeiros sentimentos. Pisquei algumas vezes para fazê-las desaparecerem, porém sabia que só iriam embora por ora.
– Eu vou pegar algo para beber. – eu disse baixo à minha mãe, levantando-me do sofá. – Você quer que eu pegue algo para você também?
– Não – ela respondeu secamente, mantendo o mesmo tom de voz que eu. – Quero dizer, não, obrigada.
Atravessei o quarto escuro e abri cuidadosamente a porta, passando por ela e fechando-a da mesma forma. Virei-me para seguir meu caminho até as máquinas de refrigerante da sala de espera e acabei dando de cara com alguém que não esperava encontrar por lá.
– Claire. – eu falei surpresa. – O que você está fazendo aqui? Como... Como você sabia que estávamos aqui?
– Eu fui até aquele endereço que você me deu aquele dia e fiquei tocando a campainha, mas ninguém parecia estar em casa. – Olhei por cima do ombro dela e vi que se aproximava de nós. Senti meu corpo tremer ligeiramente, mas resolvi ignorar minha reação e focalizei minha atenção em minha irmã. – Então, um rapaz saiu da casa ao lado, Jackie ou algo assim--
– Johnny. – eu corrigi, olhando diretamente para , que agora se encontrava ao lado de Claire.
– Certo, Johnny. Então, ele me disse que vocês tinham vindo para cá porque Grace havia desmaiado. – Ela parou de falar e recuperou o fôlego. – Como ela está? Ela está bem?
– Ela está descansando agora, mas não sei se... Posso dizer que ela está bem, afinal... – Respirei fundo para que não começasse a chorar, encarando um ponto fixo no chão. – A doença está atacando seu corpo agressivamente, eu acredito. Você vai entrar para vê-la?
– Eu acho melhor deixar isso para mais tarde, sabe? Quando... Quando ela estiver acordada ou...
– Ela não vai sair de lá. – eu disse, lendo os pensamentos de Claire. – Você pode esperar o quanto quiser, mamãe não vai sair de lá. Então você terá que enfrentá-la. E eu acho que você deveria fazer isso, sabe? Porque vocês duas têm assuntos muito mais importantes nesse momento do que suas diferenças.
Claire hesitou por um momento, mas logo deu um passo a frente e encostou sua mão na maçaneta. Abriu a porta levemente e, pela janela do corredor que dava acesso ao quarto, pude ver a expressão de surpresa no rosto de minha mãe quando viu sua filha pela primeira vez depois de tanto tempo. Elas começaram a ter uma briga através de murmúrios, assim como eu previa, então fiz meu caminho até a máquina de refrigerantes. Senti que me seguia, mas não virei para olhá-lo, apenas continuei meu caminho. Cheguei ao meu destino e tirei algumas moedas do bolso da frente de minha calça, colocando-as no orifício necessário para que pudesse pagar por minha bebida, mas permaneci em silêncio, mesmo sentindo que estava parado ao meu lado me encarando.
– Então... Você está grávida? – ele perguntou, quebrando o silêncio e fazendo-me congelar por um segundo.
– Eu não acho que isso seja da sua conta – respondi, tentando parecer normal, e apertei o botão que escolhia o refrigerante que eu desejava tomar.
– É do Johnny, não é?
– Novamente – Virei-me de frente para ele e encarei seus olhos brilhantes que eu parecia não ver a séculos – eu não acho que isso seja da sua conta. – Apertei novamente o botão, já que minha bebida não havia descido da máquina, e pude ver que minha mão estava tremendo. – Mas já que você insiste em perguntar, não, não estou grávida.
– Você está com ele? Com o John?
– E se eu estiver com ele? – Virei-me novamente para ele e cruzei os braços. – Por que você se importa?
– Porque... Bom, é porque... Eu não me importo – ele finalmente disse. – Pode ficar com ele, não me importo. Só perguntei por perguntar.
– Não, não estou com ele. – Senti a necessidade de responder a ele. – Que droga, cadê minha Coca-Cola? – Apertei o botão mais outras vezes, começando a me irritar. – Vai logo, porcaria, dá minha bebida!
Comecei a chutar a parte de baixo da máquina e a balançá-la agitadamente, fazendo com que as pessoas da sala de espera olhassem para mim. Parei ofegante, um pouco descabelada, e me dei conta do que estava fazendo. me encarava como se eu fosse louca, e eu estava pronta para vê-lo se afastar de mim o mais rápido possível. Ao invés disso, ele retirou algumas moedas do bolso e as colocou na máquina devagar. Ainda olhando para meu rosto, ele pressionou o botão que escolhia a bebida, e, imediatamente, houve o barulho de lata rolando. Ele se abaixou, retirou o refrigerante de dentro da máquina e a entregou para mim. Eu demorei um pouco para reagir, mas logo estendi a mão e peguei a lata. Ele deu um sorriso amigável e foi de volta para a porta do quarto de Grace, encostando-se na parede ao lado, enquanto eu o assistia estática. Balancei a cabeça, voltando um pouco à realidade, e fui até ele.
– Obrigada pelo... Refrigerante – falei, levantando levemente a bebida. – Eu esqueci de falar quando você, erm... Obrigada.
– Por que você fez aquilo? – ele perguntou, sem ao menos dar uma resposta à minha fala anterior. – Por que fingiu que não me conhecia quando Claire me apresentou a você?
– Eu... Eu não sei. Foi automático, simplesmente saiu aquilo.
– Sabe, eu não sabia que vocês eram irmãs, tá? – Seu tom de voz estava pesado e sério. – Não é minha culpa que você me beijou. Eu não quero ter que ficar mentindo para a minha namorada por um erro que você fez.
– Um erro que eu fiz?! – Eu tentava falar baixo por causa do local onde estávamos. – Eu nem sequer sabia que você tinha namorada! Você não me conta nada!
– , eu já te falei sobre isso, caramba!
– Quer saber? – Coloquei impaciente a mão livre nos cabelos e olhei pelo vidro do quarto de Grace. Claire e minha mãe pareciam ter finalmente entrado em um acordo, pois haviam parado de brigar e estavam indo em direção à porta. – Não importa. Minha mãe te conhece, ela vai falar que te viu aqui naquela primeira vez que Grace desmaiou e Claire vai perceber que sou uma mentirosa. Ah, foda-se.
A porta se abriu e as duas saíram em silêncio, minha irmã fechando a porta atrás dela. Eu prendi a respiração ao ver que minha mãe havia percebido a presença de no local.
– Mãe... – Ainda havia uma grande tensão entre elas, e percebi isso pela forma que Claire disse essa palavra. – Esse é o meu namorado, .
– Olá – ela disse, tentando soar simpática, diferente de como ela sempre era quando conhecia alguém, e estendendo a mão. – Eu já te vi em algum lugar?
– Oi, Sra. , prazer em conhecê-la. – Ele contribuiu o cumprimento oferecido por ela. – Ahm... Para dizer a verdade, não, acredito que nunca nos conhecemos. – ele mentiu. – É normal, pessoas tendem a achar que me conhecem.
– Ah, devo estar confundindo com outra pessoa, então.
– É, creio que sim – ele sorriu simpático, de uma forma que parecia ter feito o lugar se iluminar.
Claire disse algo como “estamos indo à lanchonete”, mas não entendi ao certo. Estava concentrada demais em meu pensamento de incredulidade sobre o que acabara que fazer. Eu não podia acreditar que ele mentira para minha mãe somente para que as coisas não ficassem ruins entre eu e minha irmã... Eu acho.
CAPÍTULO XXII – YOUR HAND ON MINE, I HEAR THE WORDS
Um barulho alto fez com que eu acordasse imediatamente. Levei um tempo para perceber onde estava, até que olhei para frente e vi Grace deitada em uma cama de hospital, olhando para mim. Ela tinha um sorriso de quem acabara de fazer algo errado, mas, mesmo assim, seus olhos expressavam uma inocência que eu nunca havia reparado antes.
– Desculpe, não quis te acordar. – ela falou. – É que eu estava tentando pegar meu livro, mas não alcançava. Quando eu finalmente encostei os dedos nele, ele caiu no chão.
– Não tem importância. – eu disse, mexendo no pescoço por causa do torcicolo que o sofá havia me dado. – Eu pego para você.
Levantei-me com um pouco de dificuldade por causa da tontura que o sono havia me trazido. Eu passara a madrugada acordada por causa do desconforto que o sofá estava causando, e só consegui cair no sono quando meu corpo já não agüentava mais. O sol que vinha da janela mostrava que boa parte do dia já havia passado. Olhei no relógio pendurado no alto da parede e confirmei meu pensamento: eram mais de seis horas da tarde. Abaixei-me e peguei o tal livro que me fizera acordar, deixando-o ao lado da cama de Grace, em cima do criado-mudo, onde havia algumas flores de familiares que nunca ouvi falar.
– Pronto – eu disse, dando um tapinha na capa do fornecedor de conhecimento. – Ei, você sabe onde a mamãe foi? Eu achei que ela havia grudado a bunda na cadeira, para nunca sair do seu lado.
– É, eu também. – Ela riu. – Ela foi ao banheiro, mas faz um certo tempo já, então acho que já deve estar voltando daqui a pouco.
– Você se importa se eu der uma saída rapidinho? Eu só quero dar uma lavada no rosto, acordar direito, sabe? Prometo que voltarei antes mesmo de você perceber que eu saí.
– Eu consigo ficar sozinha por cinco minutos. – Ela sorriu. – Não se preocupe, , eu não preciso ser vigiada vinte e quatro horas por dia. Eu consigo me virar sozinha.
– Mesmo? Porque o livro prova que você não é tão auto-suficiente assim – brinquei. – Ok, daqui a pouco estou voltando, então.
Saí do quarto e fui até o banheiro feminino daquele andar. O lugar estava vazio e silencioso, e o único barulho que ecoava pelos ares vinha do lado de fora. Liguei a torneira e juntei minhas mãos, preenchendo com água o espaço formado por elas e a espalhando pelo meu rosto. Apoiei-me no mármore na pia e deixei que algumas gotas geladas escorressem pela minha pele, misturando-se com as lágrimas quentes que eu não deixara cair na noite passada. Não queria que meu rosto ficasse inchado e entregasse minha tristeza à Grace, então peguei alguns pedaços de papel e rapidamente me sequei. Atravessei a porta do banheiro, limpando as mãos ainda úmidas no pano da calça, e vi minha mãe sentada no sofá da sala de espera, segurando aquele mesmo frasco prata que vira na noite anterior. Apertei o passo e parei ao chegar a sua frente.
– Por favor, não me diga que você saiu do quarto para comprar bebida – falei, cruzando os braços. – Mãe, Grace precisa de você mais do que nunca nesse momento, e você fica aí se embebedando?! Você realmente acha que ela não vai perceber quando você estiver bêbada?
– , me deixa em paz. – ela disse calma. – Eu não estou com saco para ficar discutindo, tá? E você não tem o direito de ficar falando comigo desse jeito, eu sou sua mãe.
– Ai, meu Deus... – Passei impaciente a mão direita pelo rosto e indo até os cabelos. – Quer saber? Cansei de ficar aqui. Vou para algum lugar, qualquer lugar, mas não posso ficar mais um segundo no mesmo ambiente que você.
Fui me afastando dela com passos apertados e de aparente raiva, mas acabei sendo parada por Claire, que cruzou comigo quando estava bem próxima da porta de entrada. , como sempre, acompanhava minha irmã, e a visão de seus dedos entrelaçados aos dela me fez sentir uma leve pontada no peito.
– Espere aí, moça! – ela disse, segurando meu braço, com um sorriso no rosto. – Onde você pensa que está indo desse jeito, tão brava?
– Não, Claire – falei séria. – Não faça isso. Não finja que tudo está bem entre nós duas, que você não me deixou extremamente magoada naquele dia em que nos encontramos. Você não tinha o direito de ter pegado aquilo da minha mão! E também não tinha o direito de ter opinado em relação àquilo.
– E por que não? – Ela soltou e colocou as mãos na cintura. – Eu sou sua irmã mais velha, e meu papel como irmã mais velha é cuidar de você, para que você não saia fazendo burrices por aí, como engravidar. Essa é minha responsabilidade!
– Ah, não, não venha me falar sobre responsabilidades! A partir do momento em que você deu um passo para fora de casa, eu me tornei a irmã mais velha! Você não tem mais essas responsabilidades, porque você resolveu sair dessa família!
– Eu pensei que você me apoiasse em relação a isso – Claire falou baixo.
– Eu... Eu te apoio, Claire, você sabe disso, mas... Não é tão fácil assim. – respondi no mesmo tom de voz. – Você nos abandonou, você nos deixou para trás. Não pode esperar que tudo volte ao normal só porque está novamente conosco. Acredite, ainda quero seguir seus passos, mas... Sei lá. Eu já não sei mais nada.
– Desculpe-me, – ela disse sincera. – Por... Por tudo. Pelo que eu te fiz quando nos reencontramos, por ter te abandonado e deixado tudo em suas mãos. Eu sinto muito.
– É, eu sei que sente. Não se preocupe, eu te desculpo. – Sorri, recebendo um dela de volta. – Mas agora eu tenho que ir, não agüento mais ficar aqui.
– Vocês são estranhas. Há dez segundos estavam discutindo e agora estão sorrindo? – comentou, fazendo apenas Claire rir.
– Pois é, as garotas são extremamente complexas. – minha irmã brincou, e se voltou para mim. – Mas por que está indo? E para onde está indo?
– Eu estou me revoltando com a forma que mamãe está lidando com tudo isso! Se eu passar mais um segundo com aquela futura alcoólatra, eu vou ter uma crise de loucura! Eu preciso ir pra qualquer lugar, sei lá, para casa, dar uma volta em um parque, ou para aquela festa idiota que Johnny quer me levar. Qualquer lugar!
– Ah, você vai para a festa? – perguntou, apenas dando-se conta do que estava falando depois da frase ter sido terminada.
– O quê? – Claire perguntou confusa, seu olhar indo de seu namorado para mim e voltando para ele. – Você sabe de que festa ela está falando?
– Ahm... e-eu... Mas é claro que sei! – ele respondeu, e eu arregalei os olhos. – Nós estudamos na mesma escola! As notícias por lá voam. Se algo acontece de manhã, todos já sabem do acontecimento na hora do almoço.
– Então... Espere. Vocês se conhecem?!
– Mas é claro que não! – Ele me cortou quando eu estava pronta para responder a primeira coisa que viesse à minha cabeça. – Primeiro que ela nem sequer é do mesmo ano que eu. Segundo que a escola é enorme, é impossível conhecer todo mundo! Principalmente alguém que entrou há pouco tempo.
Claire olhou de volta para mim e eu apenas assenti com a cabeça, sorrindo nervosamente. Minhas mãos estavam suadas e meu coração batia mais rápido do que nunca. Eu achava que ela não fosse acreditar, até que vi um sorriso surgindo em seu rosto. “É, tem razão, seria muita coincidência se vocês se conhecessem”, ela disse. Soltei um suspiro discreto e logo me despedi deles, falando que precisava me arrumar.
Peguei o metrô de volta para casa, ainda tentando entender por que continuava mentindo para Claire. Minhas suspeitas eram que ele queria me ajudar, já que eu começara mentindo, mas as coisas não estavam muito bem entre nós dois, o que me fazia desacreditar em minha teoria. Cheguei em casa e entrei pela porta de trás, pois havia esquecido de pegar minha chave na correria para o hospital. Subi as escadas rapidamente, retirando minhas roupas e jogando-as pelo caminho, e passei pela porta do banheiro. Deixei o chuveiro ligado para a água poder esquentar, enquanto prendia meu cabelo em um rabo alto e bagunçado. Entrei no box e fechei os olhos ao sentir aquele jato massagear minhas costas. Parecia que fazia séculos que eu não me sentia tão relaxada dessa forma, sem qualquer preocupação, apenas sentindo o toque da água contra a minha pele.
Meu banho durou um pouco mais do que dez demorados minutos, mas girei a torneira do chuveiro quando me dei conta da quantidade de água que gastara. Sequei-me rapidamente e levei mais algum tempo selecionando a roupa que iria usar, decidindo no final vestir uma calça jeans básica, blusa de manga cumprida e meus bons tênis da Adidas. Passei os braços pelo meu casaco preto, desci as escadas e bati a porta de entrada ao sair, lembrando-me, dessa vez, de carregar a chave comigo. Fui até a varanda da casa de Johnny e toquei a campainha. Esperei alguns minutos, até que ele abriu a porta e fez uma expressão de ligeira surpresa ao me ver.
– , o que você está fazendo aqui? – ele perguntou, dando-me um leve abraço. – Eu pensei que você fosse estar no hospital.
– É, mas eu queria mudar um pouco de ambiente, sabe? – Sorri fraco. – Além do mais, você disse que eu teria que ir à festa, então... Aqui estou!
– Mas eu não esperava que você fosse depois... Daquilo. – Ele me encarou e viu que eu não iria desistir. – Tá, então vamos, eu já estava de saída mesmo. – Ele pegou o casaco do closet, que se encontrava logo ao lado, e o vestiu, fechando a porta atrás de si. – E como está Grace?
– Ela está bem, e... Eu realmente não queria falar sobre isso. Vamos apenas nos divertir, ok?
Johnny assentiu e me deu o braço, guiando-me até o carro de sua mãe. Ele abriu a porta para mim e deu a volta, entrando no lado de motorista.
– John, você veio! – um garoto falou, aproximando-se de nós, ao entrarmos na casa que parecia estar incomodando a vizinhança inteira com a música alta. – E você deve ser a . Sou o Matt. – Ele estendeu a mão para mim. – Ouvi falar muito de você!
– Prazer, Matt. – Correspondi ao seu cumprimento. – Eu também ouvi falar de você, mas não muito, já que Jonathan resolveu te esconder de mim por um bom tempo.
Senti um beliscão em meu braço e vi que meu amigo me encarava de uma forma séria. Sorri e dei uma pequena piscadela com o olho direito, divertindo-me em fazer Johnny se sentir embaraçado dessa forma.
Matt parecia ter saído de uma revista de moda masculina. Seu sorriso era extremamente contagiante, assim como seu senso de humor, mas o que mais o que mais se destacava era a formação óssea de seu rosto. As maçãs de sua bochecha completavam perfeitamente seus olhos castanhos, da mesma forma que sua pele cor de chocolate combinava com seus cabelos de curtíssimo comprimento.
A festa continuou e Johnny parecia estar se divertindo um bocado com seu mais novo namorado – mas de uma forma discreta, já que eles tentavam evitar qualquer tipo de preconceito. Eu, no entanto, não conseguia me distrair. Havia tanta coisa acontecendo na minha vida que uma festa dessas parecia algo frívolo. Resolvi ir para algum canto mais calmo e vazio, então fui ao segundo andar da casa e entrei no primeiro quarto que vi. Apertei o interruptor, mas a luz não parecia vir. Copiei minha ação mais algumas vezes e acabei desistindo quando vi que realmente nada iria acontecer. “Droga”, resmunguei. Não queria voltar para aquela multidão de pessoas sorridentes e felizes, então fechei a porta, fui mais além do quarto e sentei-me em uma cama, que se encontrava encostada à parede. Arrumei os travesseiros atrás de minhas costas, já que ainda estavam um pouco doloridas por causa da posição em que eu havia dormido, encostei-me um pouco para trás e estiquei as pernas na colcha. Estava encarando as sombras no teto, causadas pela luz de fora, quando alguém entrou pela porta.
– Quem está aí? – perguntei, sem conseguir ver o rosto da pessoa.
– Sou eu. – Ouvi a voz de e senti meu coração pular, como sempre acontecia. – Eu... Eu queria falar com você, e como você disse que estaria aqui, achei que... Pudéssemos conversar.
Senti-o se aproximando de mim, mas não me dei conta do quão perto ele estava até se sentar no canto da cama. Apesar da falta de luz, pude ver que estava com uma expressão séria, quase triste. Ele colocou sua mão sobre a minha, seu rosto ficou mais perto do meu e seu olhar me examinava de um jeito que me fez sentir preocupada.
– Eu queria que você soubesse – ele começou, ainda me olhando fixamente – que... Eu teria te beijado de volta naquele dia. Eu teria retribuído seu beijo da forma mais apaixonante que você poderia esperar. Eu só não fiz isso porque... Eu acho que realmente estou me apaixonando por Claire. – Meus olhos se encheram de lágrimas, mas eu lutava para que elas não caíssem. – Eu sei que você vai falar que eu sou louco por estar me sentindo dessa forma, afinal, eu a conheço há tão pouco tempo, mas... Eu não controlo meus sentimentos.
– Eu não vou falar que você é louco. – As lágrimas inevitáveis caíram sobre minha pele. – Mas vou dizer que... Queria que você tivesse me beijado de volta só para que eu pudesse ter uma lembrança boa, no meio de toda essa tragédia que vem acontecendo. Eu só queria ter algo para me tirar da tristeza, nem que fosse por um momento. – Eu já estava aos prantos, tentando controlar meus soluços. – Eu só queria ter seu beijo comigo... Para sempre.
passou seu polegar por minha bochecha, e eu fechei meus olhos ao sentir seu toque. Sua respiração batia em meu rosto e me surpreendi ao sentir seus lábios encostarem os meus. Sua boca era macia e seu beijo era sem pressa, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Os segundos pareciam ter se tornado minutos, mas a felicidade foi arrastada para longe quando ele se afastou lentamente de mim.
– É melhor eu ir. – ele falou, fazendo-me sentir uma pontada de dor no peito.
– Ir até Claire?
Ele não respondeu. Secou minhas lágrimas novamente e se levantou da cama, encarando-me uma última vez antes de abrir a porta e sumir do quarto. Eu levei os joelhos até o peito e desatei a chorar.
CAPÍTULO XXIII – WINTER JUST WASN’T MY SEASON
Estávamos no meio de março e já era possível sentir os indícios da primavera chegando. O frio já estava distante, uma blusa fina de manga comprida era suficiente para proteger as pessoas das brisas diárias, e não se via mais gente com três camadas de roupa andando pelas ruas de Londres.
Johnny estava ficando um pouco distante de mim, pois resolvera assumir sua verdadeira sexualidade para o mundo e passava muito tempo com Matt. Sua mãe recebera a notícia de uma forma pacífica, mas foi difícil para fazer seu pai aceitá-lo. Ele ainda havia uma mente muito fechada em relação a homossexualismo, porém acabara percebendo que seu filho ainda continuava o mesmo. “Matt é um ótimo rapaz”, sua mãe falava. Em resposta, ela recebia um Johnny sorridente e de olhos brilhantes. Ele não queria admitir, mas eu sabia muito bem que estava apaixonado.
Minha mãe parecia ter realmente se entregado à bebida. Ela ainda fingia estar tudo bem quando estava no quarto de hospital junto à Grace, mas sempre dava uma escapada para aliviar seus desejos pelo álcool. Eu continuava a avisando que esse não era o melhor jeito de acabar com a dor que ela carregava no peito, porém, como sempre, ela me mandava ficar quieta e ir embora.
fora um grande problema para mim nas últimas semanas, pois eu tinha que fazer um grande esforço para evitá-lo, já que ele vivia atrás de mim na escola. Quando ele ia visitar Grace com Claire, eu fingia estar tudo bem entre nós, mas tentava não ficar a sós com ele. Nas vezes em que isso infelizmente acontecia, ele sempre me perguntava a mesma coisa: “está tudo bem entre nós?”. “Sim”, eu sempre respondia, de forma monossilábica. Mas ambos sabiam que não estava.
Grace aparentava ser a única pessoa feliz em toda essa história, apesar de ser a única que realmente poderia reclamar da vida. Ela sempre estava com seu sorriso infantil no rosto, e eu acabei percebendo como ela mudara depois da doença. Deixara de se importar tanto com as coisas que minha mãe dizia e parecia dar importância a assuntos mais importantes, como simplesmente aproveitar o resto de tempo que ainda tinha, mesmo estando praticamente confinada no hospital.
Eu estava perdida em meus pensamentos quando ouvi uma voz anunciando que havíamos chegado à estação de metrô em que eu precisava descer. Levantei-me rapidamente do banco e fui pedindo passagem para as pessoas, até finalmente conseguir sair do transporte, sendo quase fechada pela porta automática. Subi as escadas da estação e andei mais umas duas quadras até chegar ao hospital onde Grace estava internada. Passei pelas portas que se abriam para mim todos os dias quando ia lá e fui em direção ao quarto de minha irmã. Diminui o ritmo ao ver minha mãe encostada na parede contrária do quarto, encarando algum ponto fixo no chão. Ela não estava bebendo como sempre, estava apenas abraçando sua bolsa com as duas mãos.
– Mãe, o que você está fazendo aqui parada, sem fazer nada? – perguntei, ao me aproximar dela. Ela não olhou para mim, mas pude ver que seus olhos estavam inchados. – Mãe... está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
– Ahn? O quê? – Ela finalmente desviou seu olhar do chão. – Ah. Você está aqui.
– Sim, eu estou. Sou eu, mãe, sua filha, . – Eu estranhei o fato dela estar tão distante. – Por que está aqui fora? Por que não está lá dentro com Grace?
– Grace? – ela disse, despertando completamente. Seus olhos se encheram de lágrimas, e o esforço que ela fazia para não chorar não fora suficiente. – Oh, Grace... Oh, não, Grace! – Ela deixou a bolsa cair no chão e colocou as mãos na cabeça. – Oh, não! , ela... ela... se foi!
– Ela o quê? – Minha voz ficou falha e eu senti meus joelhos ficarem fracos, quase não suportando o peso do meu corpo. – Ela morreu? Mas... Mas... Não! – Senti os braços de minha mãe me puxando para um abraço, e eu não hesitei, envolvendo os meus em seu corpo. – Mãe! Oh, meu Deus, mãe!
Seu ombro foi meu conforto por minutos, assim como o meu foi o dela, enquanto derramávamos nossas lágrimas pela partida daquela garota que fizera parte de nossas vidas por uma década inteira. Uma década que nunca será esquecida.
– Queridos amigos, estamos aqui reunidos para homenagear a vida da pequena Grace, que pouco ficou entre nós – disse o padre, parado do outro lado do caixão branco. – Ela pode não ter vivido muito tempo, mas...
A voz daquele senhor entre seus sessenta e setenta anos foi desaparecendo de minha mente. Eu não conseguia pensar em mais nada além de quem estava prestes a ser colocada a dez palmos do chão em que pisávamos. Grace, minha irmãzinha, aquela pentelha que eu sempre dizia odiar, não estaria mais conosco para ser protegida por minha mãe, não estaria mais me oferecendo sanduíches à escondida, não estaria mais brigando comigo, dizendo que precisava estudar. Daquele momento em diante, ela ficaria imóvel, em um único lugar, para o resto de nossas vidas.
O sol que fazia era extremamente contraditório em relação ao sentimento de todas as pessoas reunidas. Olhei para um de meus lados e vi minha mãe segurando um lenço na altura de seu rosto, aos prantos e soluços. Seus olhos estavam fixos no pequeno caixão, recusando-se a desviarem. Olhei para meu outro lado e pude ver Claire, a alguns metros de distância, chorando silenciosamente. Ao seu lado, como esperado, estava , com sua mão apoiada no ombro de minha irmã, consolando-a com apenas seu toque. Seus olhos encontraram o meu, e ele sorriu fraco, mostrando-me que sentia muito pela minha perda. Eu correspondi com um aceno de cabeça, e logo voltamos nossos olhares para o motivo de nossa presença naquele cemitério.
A cerimônia terminou, para o alívio de todos, e cada familiar foi para seu carro, prontos para voltarem à nossa casa e nos desejarem os pêsames enquanto se alimentam de nossas comidas servidas. Eu, minha mãe, Claire e entramos na limusine preta estacionada logo a frente do cemitério e seguimos pelas ruas asfaltadas. O silêncio reinava pelo automóvel; todos estavam vulneráveis demais para terem a coragem de trocar palavras com qualquer outra pessoa. O ambiente estava tenso, e eu não queria que nos sentíssemos assim em um momento tão difícil para todos nós, afinal, precisávamos uns do outros para conseguirmos continuar nossas vidas normalmente.
– Eu nem tive a chance de dizer adeus. – eu comentei, com a voz baixa, fazendo os três olhares se voltarem para mim. – Eu realmente queria ter dito adeus.
CAPÍTULO XXIV – WON'T TAKE LONG FOR YOU TO FIND OUT THAT I'M GONE
Já fazia alguns dias que o silêncio reinava nos cômodos da casa. Eu não sabia ao certo quantos dias, pois perdera a noção do tempo. Mesmo com as visitas de Claire, não era muito comum ouvir barulhos pelos corredores, já que minha mãe permanecia trancada em seu quarto e eu e Claire quase nunca conversávamos. Eu nunca havia lidado com morte, a não ser quando meu peixinho morreu quando eu tinha uns cinco anos de idade. Mas Grace não era um peixinho. Grace era minha irmã, um membro da família, um ser humano.
Eu achava quase normal ouvir falar de mortes na televisão e não via nada de extraordinário quando acontecia em filmes, mas tudo é diferente quando você realmente vive a situação. O simples pensamento de que nunca mais na minha vida eu iria ver aquele rostinho que me enchera o saco por todos esses anos simplesmente... Machucava. Era como se tivessem enfiado uma mão pelo meu peito e apertado meu coração o mais forte possível. Para falar a verdade, a dor que tomava conta do meu corpo era indescritível.
Eu não achava que a morte de Grace fosse me afetar tanto dessa forma, afinal, ela nunca fora uma das minhas pessoas preferidas nesse mundo, porém eu não sentia vontade para fazer quase nada. Não que eu tivesse entrado em depressão, mas eu simplesmente não conseguia tirá-la da minha mente, e isso colocava meu humor abaixo de meus pés. Já havia faltado dois ou três dias na escola, e, em todas às vezes, Johnny passara em minha casa para perguntar se eu também ia com ele. “Talvez amanhã”, eu respondia. Ele apenas sorria com simpatia, assentindo com a cabeça, e seguia seu caminho pela calçada.
E era exatamente o que havia acontecido naquela manhã. Eu estava assistindo Johnny se afastar de mim, quando senti meu estômago roncar. Eu parara de seguir uma alimentação regular, dividindo meus horários entre café da manhã, almoço e janta, e passara a comer somente quando meu corpo me pedia. E esse era um dos casos. Fui até a cozinha, pisando na barra da calça do meu pijama, e abri a geladeira. Nada. Tudo que era possível encontrar lá dentro era um pedaço de queijo embolorado, uma maçã completamente murcha e um pote com algo questionavelmente estranho*, que eu nem me dei o trabalho de descobrir o que era. Nós urgentemente necessitávamos fazer algumas compras no supermercado, mas Claire estava em seu apartamento e eu ainda não tinha tirado minha carta de motorista. Subi as escadas preguiçosamente e bati de leve na porta do quarto de minha mãe. Não recebi resposta, então girei a maçaneta e abri a porta devagar, vendo uma imagem nada agradável de minha mãe sentada em uma cadeira ao lado da janela. Seus olhos estavam inchados, e ela aparentava não dormir a dias. Como esperado, seus dedos estavam envolvidos em um copo de cristal, preenchido por uma dose de uísque. Dei alguns passos dentro do recinto e parei em frente a ela, fazendo-a virar devagar seu olhar para mim.
– Mãe, é... – Eu mexia nervosamente nos meus dedos, pois tinha medo de deixá-la mais triste do que já estava. – Nós... Nós não temos nada para comer. A geladeira está praticamente vazia.
– E o que você quer que eu faça? – ela perguntou em um tom entediado.
– Ahm... Não sei, talvez ir ao supermercado e fazer algumas compras – respondi como se fosse óbvio.
– , olhe para mim. Olhe para minha situação! Olhe para a minha vida! Você realmente acha que eu consigo lidar com você, que eu consigo cuidar de você?!
– O que... O que você está dizendo? – perguntei baixo. – Você está desistindo de mim? Não pode fazer isso!
– Mas é claro que eu estou desistindo! Eu não consegui impedir que minha filha mais velha fugisse de casa, eu não consegui salvar a minha filha mais nova. Você realmente acha que eu tenho condições de cuidar de você?! Você já é toda estragada, como espera que eu te crie?
– Ei, não jogue a culpa do seu fracasso nelas! Sabe, Claire também me deixou para trás, Grace também era alguém muito importante na minha vida! Você não tem o direito de usar os tempos ruins da sua vida como desculpa! Eu passei por tudo isso que você passou e muito mais! Não foi você que se apaixonou pelo namorado da sua irmã! Não foi você que quase engravidou do seu amigo gay! Não foi você que foi criada pela pior mãe do mundo, que sempre te tratou como lixo! Mas você não me vê desistindo, não é? De alguma forma, eu ainda estou aqui, parada em sua frente, tentando convencê-la de que a vida não é tão ruim! Eu posso ter passado por maus bocados, mas tem alguma coisa dentro de mim me dizendo que existe algo melhor, e que todo esse sofrimento tem alguma recompensa. Por que você não pode acreditar o mesmo?!
Eu parei de falar ofegante e fiquei a encarando nos olhos. Eu não conseguia lê-la pelo olhar que estava me dando. Não sabia se ela estava tentando encontrar uma forma de me pedir desculpas por tudo ou se estava pronta para jogar a bebida de seu copo em meu rosto. Minha respiração já estava voltando ao normal quando ela finalmente resolveu falar:
– Minha bebida acabou, vá comprar outra garrafa de uísque para mim.
Ela retirou algum dinheiro de dentro da bolsa e esticou o braço para mim, entregando-me as notas. Eu as encarei por alguns segundos, desacreditando no que ela havia acabado de falar. Levantei devagar minha mão na altura do dinheiro e o peguei, demorando alguns segundos antes de dar meia-volta e sair do recinto. Apertei o passo e entrei rapidamente em meu quarto. Encostei-me na porta e comecei a chorar desesperadamente, arrastando as costas até encostar no chão. Abracei meus joelhos e continuei a chorar, chegando até a soluçar, sem entender direito por que estava me sentindo daquela forma. Respirei fundo, sentindo uma raiva tomar conta de meu corpo em uma fração de segundos, e me levantei de uma forma brusca. Coloquei minha mala de escola em cima da cama e retirei tudo que havia lá dentro, jogando os objetos no chão. Abri meu armário e peguei o máximo de roupas que meus braços conseguiam segurar, enfiando-as dentro de minha mochila, sem ao menos me importar se elas iriam ficar amassadas. Quando já não havia mais espaço, fechei o zíper e fui até o banheiro, pegando alguns utensílios necessários e colocando-os no compartimento da frente da mochila. Estava pronta para sair, quando me dei conta que ainda vestia meu pijama. Retirei-os rapidamente e vesti algo adequado para o clima e confortável a ponto de não me incomodar caso eu tivesse que ficar com as mesmas roupas por muito tempo. Calcei meus tênis Adidas de sempre e joguei a mala sobre meu ombro direito. Segui devagar pelo corredor, sem querer causar algum barulho, e parei em frente à porta do quarto de minha mãe. Se havia algum momento para desistir, aquele era o momento, mas eu não o fiz, apenas segui em frente e desci as escadas. Entrei no pequeno escritório, que antes pertencia ao meu pai, e abri um dos armários, retirando um humilde bolo de dinheiro, que guardávamos para algum tipo de emergência. Apertei o passo e passei rapidamente pela sala, fechando cuidadosamente a porta de entrada. Sentei-me em um banco que havia na varanda e fiquei esperando. Eu não podia ir embora sem antes fazer o que eu pretendia fazer.
Já haviam se passado mais de cinco horas desde que eu havia sentado naquele banco. Arrependimento, vontade de voltar atrás e vários outros sentimentos da mesma categoria passaram por mim, mas minha decisão anterior foi mais forte.
Eu já estava começando a desistir de fazer isso antes de finalmente partir, quando ouvi o assobio de Johnny vindo do começo da rua. Levantei-me rapidamente e joguei minha mochila atrás da moita do jardim, voltando a me sentar e tentando fazer uma expressão descontraída no rosto. Ele finalmente apareceu no meu campo de vista e parou de andar quando percebeu minha presença, formando um pequeno sorriso no rosto.
– Ah, Johnny, você já chegou? – perguntei, tentando fingir que não sabia que ele estava chegando, enquanto andava até sua direção. – Nem vi o tempo passar!
– O que você está fazendo aqui fora? – Ele olhou para mim da cabeça aos pés. – E por que está vestindo uma roupa normal ao invés do seu pijama?
– Não sei ao certo. Achei que se mudasse um pouco de ambiente e de vestimenta, meu humor pudesse melhorar um pouco. – Passei meu braço por dentro do dele e sorri. – Vamos a sua casa! Faz tempo que eu não falo com a Sra. Stevens!
– Você está bem? – ele perguntou, analisando meu rosto. – Você parece um pouco... Tensa. Aconteceu alguma coisa?
– Não, não... – menti. – Só achei que seria bom passar um dia com meu amigo John. A não ser que você não queira, é claro.
– Claro que quero! Nós temos nos visto menos ultimamente, eu tenho sentido sua falta. – Ele sorriu para mim. – Então vamos lá, estou cansado de ficar em pé.
Johnny me guiou até sua casa, ainda com seu braço entrelaçado no meu. Entramos pela porta de entrada, e logo ouvi a voz de sua mãe, feliz em me ver, como sempre. Com seu jeito de mãe protetora, perguntou-me como estava me sentindo e mostrou-se disponível caso eu precisasse de alguém para conversar. Ela me ofereceu um sanduíche de pasta de amendoim, e, com a fome que estava, não tive nem a educação de recusar de primeira. Ela tentou me dar algo mais para comer, mas eu não podia mais perder tempo.
Eu e Johnny subimos as escadas e entramos naquele quarto que sempre me trazia um conforto que nem mesmo meu próprio quarto conseguia me dar. Sentei-me em sua cama e, enquanto mexia nas pontas de minhas unhas, senti o olhar de Johnny sobre mim.
– Vai, desembucha. O que está acontecendo? – ele perguntou, sentado na cadeira de seu computador. – Por que você está agindo dessa forma estranha?
– John... – Levantei meus olhos para ele. – Eu te amo, tá? Eu queria que você soubesse disso. Apesar de tudo que a gente passou, eu te amo. Você é a única pessoa em que eu posso confiar sem problemas. – Eu já estava cansada de chorar, mas meus olhos se umedeceram involuntariamente. – Você sempre esteve ao meu lado quando eu precisava, você me deu um carinho que nem minha própria mãe me dá. Obrigada pela sua amizade.
– Eu também te amo. – Ele colocou sua mão sobre minha bochecha. – Mas por que você está me dizendo tudo isso?
– Acho que, com a morte de minha irmã, acabei percebendo que é preciso dar valor a certas coisas na vida. – falei com sinceridade, apesar daquele não ser o motivo principal para eu estar fazendo aquilo. – E, acredite, amizade está no topo da lista.
Johnny sorriu para mim e me puxou para um abraço. Eu o apertei o mais forte possível, pois não sabia quando seria a próxima vez que o veria. Fechei meus olhos apertados, enquanto as lágrimas que escorriam molhavam a camiseta dele. Nós nos afastamos um pouco, e ele me deu um beijo leve na testa.
– É melhor eu ir agora. – eu disse, sentindo um aperto no coração. – M-minha mãe pode acabar percebendo que... Eu não estou em casa, e não sei se é uma idéia muito boa deixá-la sozinha nesse estado.
Levantei-me da cama e fui em direção à porta, girando levemente a maçaneta. Estava pronta para dar meu passo para fora do quarto, quando ouvi Johnny me chamar. Virei-me para trás, tentando esboçar um sorriso, e esperei que ele falasse.
– Você está indo para algum lugar?
– Não – menti. – Apenas para casa.
Ele assentiu com a cabeça, mas permanecia com uma expressão séria no rosto. Talvez ele soubesse o que eu estava planejando, mas não fez nada para me impedir. Desci as escadas correndo, mas não fui embora antes de dar um pequeno abraço em Sra. Stevens. Fingi apenas estar carente, para que ela não suspeitasse de nada, como o filho estava fazendo. Saí pela porta da frente e fui até a moita do jardim de minha casa, pegando minha mochila, que antes estava escondida. Passando meus braços pelas alças, comecei a andar pela calçada, mas senti um olhar sobre mim. Virei-me para trás e vi Johnny parado na janela de seu quarto, observando-me ir embora. Dei um pequeno aceno com a mão, e, para minha surpresa, ele retribuiu. Voltei-me para frente e continuei a andar.
Já estava anoitecendo quando eu finalmente cheguei à estrada. Parei em um ponto fixo e levantei meu polegar, tentando conseguir uma carona para sair de lá. Eu não sabia quanto tempo teria que esperar para alguém me levar para algum lugar, mas pelo menos eu estava feliz por dentro. Eu tinha feito acontecer.
Meu braço estava ficando cansado e eu estava pronta para começar a andar, quando um carro parou ao meu lado. O motorista abaixou a janela do lado do passageiro, e eu me apoiei sobre a porta, descobrindo um rapaz maravilhoso atrás do volante.
– Para onde você está indo? – ele perguntou, mostrando-me um sorriso encantador.
– Para o mais longe possível.
– Bom, eu estou a caminho de Kingston. Se você quiser, eu posso te deixar na rodoviária ou qualquer outro lugar.
Endireitei-me e olhei para os outros carros que passavam pela estrada; sabia que demoraria para conseguir outra oferta de carona, então abri a porta e acomodei-me no banco da frente. Ele olhou para mim e voltou a sorrir.
– . – Ele esticou a mão para mim, e eu o cumprimentei.
– .
* “Queijo embolorado, uma maçã completamente murcha e um pote com algo questionavelmente estranho” é o que a personagem de DUSK AND SUMMER encontra em sua geladeira, no capítulo 2 (não recomendo essa fic).
CAPÍTULO XXV – HANDS AGAINST THE WHEEL, YOUR HEAD AGAINST THE GLASS
– Você matou alguém? – perguntou, sorrindo para mim, enquanto o carro seguia pela estrada.
– O quê?!
– É que eu acho que você deve ter feito algo horrível para querer ir o mais longe possível. – ele se explicou. – O que você fez? Roubou um banco? Atropelou uma velhinha? Não vou contar a ninguém, pode me falar.
– Eu não fiz nada... – respondi, rindo levemente. – Eu só... Cansei de ser desprezada o tempo todo, cansei de ser o saco de pancada. Simplesmente cansei de sofrer, sabe? Eu precisava de uma vida nova, e... Bom, se deu certo com a minha irmã, deve dar certo para mim também, não é?
– Ahm, eu não sei quem é sua irmã, mas... Sim, claro, vai dar certo – ele falou, fazendo-me rir um pouco mais. – Então, deixe-me ver se eu entendi direito. Você fugiu de casa? Sozinha? Apenas com sua humilde mochila e determinação no coração?
– Exato.
– Afinal... Quantos anos você tem?
– Quinze. Quero dizer, dezesseis. Dezesseis, a partir de hoje, para falar a verdade.
– Hoje é seu aniversário? – ele perguntou, com o mesmo sorriso no rosto que esteve até agora. Eu assenti silenciosamente. – Bom, feliz aniversário, então. Mas você não é um pouco nova demais para sair fugindo desse jeito?
– Não é preciso ser maior de idade para odiar seus pais. – respondi séria, encarando-o firmemente. – Ahm... e você? – perguntei, mudando de assunto. – Qual é a sua história?
– Eu estava em Manchester, assistindo a alguns jogos de futebol, e acabei fazendo algumas apostas. Mas eu perdi, e perdi feio. Então estou fugindo dos caras, porque não tenho dinheiro para pagá-los, e eles estão atrás me mim, falando que vão me matar. – Eu o encarei um pouco assustada por alguns segundos, mas ele logo soltou uma risada gostosa. – Estou brincando! Minha tia tem uma casa em Kingston, e, agora que meu tio se aposentou, eles resolveram viajar pela Europa Oriental, então vou ficar na casa deles, cuidando de seus gatos por duas semanas. Não é algo muito agradável, mas eles me prometeram algumas libras em troca.
– E você não estuda, não?
– Não – ele respondeu o que eu não esperava. – Eu me formei ano passado, então tenho me dedicado mais a minha banda. Nós ainda não somos conhecidos, nem nada, mas estamos à beira de um contrato, então mantenho meus dedos cruzados. Ou seja, há grandes chances de que logo, logo vamos gravar nosso primeiro álbum.
– Quem sabe eu compre quando vocês lançarem, então – eu falei, jogando um certo charme, mas logo fechei a cara quando percebi o que havia acabado de falar.
Não era apenas o fato de eu estar flertando com um garoto que eu nunca havia visto na minha vida, mas senti como se já tivesse dito essa mesma frase, desse mesmo modo para outra pessoa, só não me lembrava quem.
Virei a cabeça para o lado contrário do motorista e encarei pela janela os carros passando ao nosso lado. A noite já havia chegado e o céu nublado mostrava que a chuva estava por vir. Depois de alguns minutos de silêncio entre nós dois, vi a primeira gota d'água pingar na janela. Encostei o canto da testa na mesma enquanto outras gotas tocavam o vidro gelado que impedia a água de entrar no carro. Não demorou muito para que a chuva começasse a cair forte, tornando-se o único som que tomava conta daquele ambiente. Fechei os olhos tristemente, lembrando-me da última conversa que tivera com a minha mãe, e senti um ligeiro aperto no coração. Eu havia finalmente conseguido fazer o que sempre quisera, mas era como se houvesse algo dentro de mim que estava arrependido de ter feito tal ação. Minha mente não entendia como eu poderia estar me sentindo mal por ter fugido de casa, enquanto meu coração estava dividido em dois. Fechei os olhos mais forte quando me lembrei da cena de Johnny parado na janela de seu quarto, assistindo a minha fuga. A dor cresceu um pouco mais com o simples pensamento de que, mais uma vez, estava me afastando de minha irmã, a garota que me inspirou a sumir da forma que estava fazendo. Mas um involuntário e murmurado gemido saiu de minha boca apenas quando um nome veio à mente: .
– ? – A voz de me tirou dos meus pensamentos, e eu rapidamente abri os olhos e me virei para ele. – Você está bem?
– Ah, s-sim, eu só... Eu estou bem – respondi, depois de muito gaguejo.
– Mesmo? Porque as suas lágrimas parecem estar dizendo totalmente o contrário. – Ele sorriu um pouco desconfortável.
– Lágrimas? Eu não... – Encostei a ponta de meus dedos contra minha bochecha e senti certa umidade. – Ah, eu... Eu nem reparei que... Mas não se preocupe, estou bem. – Abri um pequeno sorriso. – Mesmo.
Ele balançou a cabeça positivamente, soltando um “ok” da boca, e voltou a prestar atenção na estrada. A chuva não parecia ceder e continuava a bater forte contra o pára-brisa, enquanto o limpador ia de um lado para o outro, arrastando a água para os lados. Estávamos seguindo normalmente pelo asfalto molhado, quando, de repente, girou o volante para a esquerda, diminuindo a velocidade. Eu não entendi por um momento o que ele estava fazendo, mas tudo ficou mais claro quando o carro parou em frente a uma lanchonete mal-cuidada, ocupando uma das vagas do estabelecimento.
– Venha, eu estou com fome – ele falou, saindo rapidamente do automóvel e me deixando ali sozinha.
Eu o observei correr até a porta para não se molhar e desaparecer ao entrar no recinto. Fiquei estática dentro do carro por alguns segundos, ainda um pouco perdida em meus pensamentos, até que abri a porta e encostei meu tênis no chão molhado. Fechei-a, mas continuei sem me mover, sentindo as gotas da chuva escorrerem pela minha pele. Meus olhos se fecharam, meu rosto mirou para o céu escuro, meus braços se abriram, e eu me entreguei completamente ao momento. Não sabia ao certo o que estava fazendo, apenas gostava da sensação que aquilo me trazia. Ouvi alguém me chamar, mas minha mente estava desligada do mundo real. Foi somente quando senti uma mão me puxar que eu abri os olhos e voltei à realidade. me levou correndo para debaixo do toldo da lanchonete, e nós batemos contra a parede por causa do impulso da correria.
– Você é maluca?! – ele começou a gritar. – Você vai pegar pneumonia desse jeito! Sem falar que vai molhar completamente o banco do meu carro! Nenhuma dessas coisas passou pela sua cabeça?! O que você estava pensando ao fazer isso?! O que você...
parou de falar e se deu conta do quão perto nossos corpos estavam. Sua respiração ventilava em meus cabelos e esquentava a pele de meu rosto. Seus olhos estavam extremamente fixos nos meus, hipnotizando-me de alguma forma. Ele mordeu levemente o lábio inferior de sua boca e encarou a minha. Eu dei um passo à frente e meu nariz encostou no dele, fazendo com que sua respiração ficasse mais intensa.
– Eu não te conheço – sussurrei, dando um pequeno sorriso de lado.
Afastei-me de e fui em direção à porta da lanchonete, dando uma última olhada nele antes entrar no recinto. Segui pelo piso do local sorrindo triunfante, mas sentia meu coração batendo forte pela vontade de ter respondido ao sentimento dele.
CAPÍTULO XXVI – HOJE A NOITE NÃO VAI ACABAR
– Ai, ai – suspirou, encostando-se preguiçoso nas costas da cadeira. – Estou comido. – Ele massageava a própria barriga, enquanto eu ria de sua fala. – Você realmente não vai pedir nada para comer?
– Não, já comi antes de sair de casa e não quero gastar meu dinheiro com coisas desnecessárias. Afinal, como vou o mais longe possível se ficar gastando dinheiro com comida? – Sorri, encarando-o em seus olhos penetrantes. – Então pode comer aí, eu não me importo em esperar.
cruzou os braços e se inclinou para frente, apoiando os cotovelos em cima da mesa engordurada daquela lanchonete, sem tirar os olhos de mim. Enquanto seu cérebro parecia processar algo que eu não entendia, comecei a me sentir um pouco desconfortável por causa de seu olhar fixo. Para meu alívio, ele passou a encarar o cardápio ao lado de seu guardanapo e se encostou para trás.
– Vai, escolhe alguma coisa para comer. – Ele arrastou o menu pela mesa com as pontas dos dedos, aproximando-o de mim. – Eu pago para você, não se preocupe.
– Não precisa, sério. – respondi sinceramente agradecida. – Eu comi um sanduíche com pasta de amendoim antes de sair de casa. Juro. Meu estômago é pequeno, eu agüento mais algumas horas sem nada.
– Mesmo? – Ele me olhou desconfiado, e eu assenti com a cabeça, rindo levemente. – Tá bom, então. Mas, ó, preste atenção na chance que acabou de perder! Essa é a última vez que eu pergunto: tem certeza mesmo?
– Tenho! – Ri mais forte.
– Ok, então. – retirou a carteira do bolso de trás da calça e tirou algumas notas de cinco, colocando-as sobre a mesa. – É melhor irmos, antes que eu fique com sono pós-comida. – Ele se levantou da cadeira, e eu copiei a ação. Comecei a segui-lo, mas ele parou de andar e colocou a mão no queixo, pensativo. – Estranho... Não é só em relação à alimentação que tenho esse tipo de sono...
Soltei uma gargalhada um pouco alta e dei um leve tapa em suas costas, sinalizando para que ele continuasse a seguir pelo caminho. A chuva não estava tão forte quanto antes, mas corremos para chegarmos até o carro, apesar de que eu ainda estava um pouco úmida. Ajeitei meus cabelos semi-secos enquanto girava a chave, ligando o carro, e engatava a ré. Não demorou muito para que ele conseguisse desocupar a vaga e voltar a seguir o fluxo da estrada.
A noite estava quase se tornando madrugada, mas eu e conversávamos de uma forma tão ativa que o sono não parecia chegar. Revelei minha vida a ele como se fôssemos amigos há anos, contando sobre os últimos acontecimentos que vinha me abalando. Ele também se abriu em relação a sua vida e falou um pouco mais sobre sua banda, fazendo-me perceber o quanto ele realmente queria aquilo.
– É, daí eles vão vir para casa da minha tia no fim de semana para não perdermos o hábito de ensaiar – explicava, gesticulando com a mão que não segurava o volante. – Mas acho que estamos prontos para uma turnê.
– Bom, estou com meus dedos cruzados por vocês. – Levantei a mão, demonstrando a ação que acabara de descrever, sorrindo firmemente.
correspondeu meu sorriso, mas logo voltou a prestar atenção na estrada. Olhei para fora da janela e vi uma placa iluminada pelo farol do carro. Não tive muito tempo para ver o que dizia, mas tudo que vi foi a palavra “Kingston”, então imaginei que estivéssemos perto.
– Estamos chegando? – perguntei como uma criança impaciente faria com seu pai.
– Quase, só mais alguns minutos – ele respondeu, rindo levemente pelo jeito que eu havia me expressado. – Por falar nisso, onde você quer que eu te deixe? Na rodoviária ou você tem algum parente por lá, em algum lugar em que você possa passar a noite?
– Ahm... Na verdade, não. – Mordi a ponta da unha do meu dedo indicador, pensando no que fazer. – Eu estou um pouco cansada, então apenas me deixe no primeiro motel da cidade que você encontrar. Não, espere. Deixe-me no mais barato. – Sorri para ele, mas ele não o fez de volta. – Eu não sou exatamente a pessoa mais rica do mundo, não é? Então está decidido, deixe-me no mais barato.
– Não – ele falou, para a minha surpresa. – Eu não vou fazer isso, não vou te deixar em um motel qualquer, todo sujo e cheio de doenças!
– Eu não acho que essa seja uma decisão que você tenha que tomar! – eu disse indignada. – Eu sei que é você que está me levando, e eu agradeço por isso, mas acredito que sou eu que escolho meu destino!
– Eu sei disso, e eu concordo, mas mesmo assim, não posso fazer isso. Não tem nada a ver com você, para falar a verdade. Eu simplesmente não me sentiria bem te deixando em um lugar horrível como um motel barato! Eu acredito em carma, e tenho certeza de que isso vai voltar se eu fizer o que você me pede.
– Carma?! Pelo amor de Deus, né, ! – Encarei-o, de braços cruzados, mas ele permaneceu quieto. – Onde você espera que eu fique, então? Debaixo da ponte?!
– Não! Eu só... – Ele parou de falar e ficou em silêncio por alguns segundos, como se pensasse em algo. – Talvez você poderia... ficar comigo, lá na casa da minha tia, só por hoje. Aí amanhã eu te levo para a rodoviária, ou sei lá.
– Aham, tá bom, claro. – respondi sarcasticamente. – Não me leve à mal, nós até conversamos bastante e tudo mais, mas eu nem sequer te conheço! Não posso simplesmente sair aceitando propostas assim, por mais tentadoras que sejam.
– Se você quiser, tranca a porta do meu quarto e esconde a chave, só para você ter certeza de que eu não sou um assassino ou um estuprador. Não, quer saber? Se quiser, durma com uma faca debaixo do travesseiro até! – Ele me olhou rapidamente como se pedisse para que eu aceitasse, apenas com o olhar. – Olha, a casa da minha tia tem vários quartos disponíveis. Sério, você tem muito mais chance de ser estuprada em um motel do que lá comigo.
Encarei a estrada escura logo à frente e pensei na oferta que ele estava me oferecendo. Em minha mente, era completamente uma loucura sequer pensar em aceitar, mas estava certo, seria loucura também querer ficar em um motel mal-cuidado, como eu planejava. Bufei. Estava confusa, não sabia o que fazer.
– Então...? – ele perguntou arrastado, tirando-me de meus pensamentos.
– Ahm... ok – respondi baixinho, sorrindo envergonhada. – Mas só por essa noite! E, ó, você disse que iria me levar para a rodoviária, então nada de simplesmente me jogar para fora de casa amanhã de manhã, hein?
– Palavra de escoteiro. – levantou os três dedos do meio da mão esquerda, fazendo-me rir.
O carro parou na frente de uma casa de cor rosa salmão, mas os vestígios de sujeira que a chuva deixara ao longo dos anos davam uma aparência de mal-tratada àquela residência. Abri a porta e desci do carro, ainda estudando os detalhes da moradia. Peguei minha mochila, jogada no banco de trás, e fui atrás de , que abria o pequeno portão enferrujado que bloqueava a passagem pelo estreito caminho do jardim. “Damas primeiro”, ele falou, deixando-me passar antes dele. Sorri agradecida e segui em frente, parando ao chegar à porta. encaixou a chave, destrancando-a, e girou a maçaneta, revelando uma sala escura e espaçosa. Ele tocou no interruptor e a luz pregada ao teto me fez ficar surpresa ao ver pelo menos cinco bichanos pulando sobre os móveis ou deitados preguiçosos na escada.
– Uau! – falei um pouco espantada. – Quando você disse que sua tia tinha gatos, você realmente quis dizer “gatos”. Plural.
– Nunca falei que eram poucos. – Ele riu. – Venha, deixe-me mostrar o quarto onde você irá ficar.
foi subindo as escadas, expulsando um dos felinos do primeiro degrau, e eu fui atrás, sendo guiada por ele. Fomos ao fim do corredor do segundo andar, e ele abriu a porta, expondo um quarto simples, mas extremamente ajeitado.
– Então... – ele começou. – Você quer que eu vá lá embaixo pegar uma faca ou você tem seu próprio canivete?
– Eu ficarei bem. – respondi, rindo de sua piada. – Eu confio em você.
Ele sorriu para mim e deu dois leves tapas nas minhas costas, desejando-me boa noite. Entrei no quarto silencioso e fechei a porta atrás de mim, enquanto descansava minha mochila no chão, logo ao lado. Virei-me de frente para cama e, em menos de um segundo, senti toda aquela tristeza de antes voltar a dominar meu corpo.
CAPÍTULO XXVII – I'M LEARNING HOW TO MAKE IT THROUGH THIS LIFE I'M IN
Entrei cambaleando de sono no banheiro da suíte onde eu dormira e apoiei minhas mãos na pia, analisando a ferrugem da torneira prateada. Quando finalmente acordei por completo, levantei o rosto e encarei meu reflexo no espelho logo à frente. Meus olhos estavam ligeiramente inchados por causa das lágrimas que caíram sobre o travesseiro enquanto eu tentava pegar no sono e conseguir esquecer aquele dia, e meus cabelos pareciam ter tido uma guerra entre eles durante a madrugada. Abri a torneira e espalhei uma quantidade considerável de água gelada pelo meu rosto. Enquanto tocava a toalha contra minha pele, senti uma vontade súbita de chorar. Eu estava cansada de sofrer dessa forma, então apenas apertei os olhos e esperei o sentimento passar. Troquei minhas vestes, escovei os dentes, penteei os cabelos, fiz tudo para que estivesse pronta para ir embora o mais rápido possível. Eu tinha fugido, tinha me livrado de minha mãe e todos os problemas que me rodeavam, mas eu não me sentia satisfeita. Achei que talvez fosse por ainda estar muito perto, então queria me afastar mais.
Passei para o corredor e andei atentamente pelo carpete, tentando descobrir se estava acordado. Ouvi um barulho vindo no andar debaixo, então desci as escadas e fiz meu caminho até a cozinha. Parei no batente e ri ao ver o que fazia. Ele estava dançando e cantando ao som de alguma música que saía pelas caixas de algum rádio, ao mesmo tempo em que fritava algo no fogão. O volume da minha risada aumentou um pouco, fazendo com que ele parasse o que estava fazendo e olhasse para mim.
– Ah, você acordou! – Ele sorriu e foi até o rádio, abaixando o volume.
– Desculpa, eu não queria ter te interrompido nesse momento de diversão consigo mesmo. – Ri mais um pouco. – Mas estava engraçado demais para me conter.
– É, continua me zoando, aí a gente vai ver quem vai te levar para a rodoviária – ele brincou. – Venha, venha, sente-se aqui e aprecie as obras de arte do chef !
Fui mais para dentro da cozinha e me acomodei na cadeira de madeira escura, posta logo à frente da mesa de mesma cor. Ele colocou um prato de panqueca em minha frente e me entregou a cobertura de chocolate, que eu espalhei pela massa sem dó. Cortava quase desesperadamente um pedaço do meu alimento por causa da fome que eu estava, enquanto se sentava calmamente à mesa. Coloquei o pedaço na boca e cheguei até a fechar os olhos de prazer ao sentir o açúcar do chocolate encostar à minha língua.
– Então... – ele começou. – Você realmente vai fazer isso?
– Fazer o quê? – perguntei, enquanto engolia o alimento triturado pelos meus dentes. – Continuar fugindo? Mas é claro! Eu não voltar depois de ter chegado até aqui!
– Mas, , eu acho que... Eu acho que você não deveria fazer isso. – Eu abri a boca para protestar, mas ele logo voltou a falar. – Eu acho que você não deveria fazer isso ainda. Você estava com raiva quando saiu de casa, mas quem sabe depois de esfriar a cabeça você mude de idéia.
– Eu nunca vou mudar de idéia! – Elevei o tom da voz, um pouco indignada com a sugestão dele. – Eu quis isso desde... Desde sempre! Eu não agüento mais ficar naquela casa! E agora que Grace morreu, minha mãe ficou pior ainda! Não, não vou mudar de idéia.
– , eu te entendo, você tá sofrendo, mas você já parou para pensar que talvez acabe se arrependendo por tudo isso? – falava calmamente. – Você está inteiramente feliz com seu ato? Eu acho que não. Sério, pensa nisso. Eu sei pelo que você está passando.
– Não, não diga isso! Você não sabe! – Levantei-me bruscamente da cadeira. – Você pode ter tido momentos ruins na sua vida, mas não venha compará-la com a minha! Não diga que você me entende, porque você não entende!
– Tá, talvez eu não entenda, mas eu sei o que é ficar arrependido e não poder voltar atrás! – Ele também se levantou. – O que você está fazendo é um passo muito grande, . Por favor, veja a situação pelo meu ponto de vista apenas uma vez.
– Por que você não pode ver a situação pelo meu ponto de vista?! Pelo amor de Deus, , deixe de ter uma cabeça tão fechada e se ponha em meu lugar!
– Você está me dizendo para eu parar de ter uma cabeça fechada?! – Ele apontou para o próprio peito, e sua expressão demonstrava que ele estava ligeiramente bravo. – Quer saber? Cansei. A vida é sua, o problema é seu. Vai lá pegar as suas coisas que a gente vai para a rodoviária daqui a pouco.
Saí da cozinha praticamente batendo os pés e subi rapidamente as escadas, sem me preocupar com o susto que um dos gatos, que estava no canto de um degrau, levou. Peguei minha mochila do chão, coloquei-a sobre a cama desarrumada e enfiei meu pijama até o fundo. Fui ao banheiro e envolvi minha mão na escova de dente que havia deixado sobre a pia, colocando-a no compartimento da frente da mala. Joguei-a sobre meu ombro, mas não andei. Fechei os olhos e deixei com que o peso do meu corpo me sentasse sobre a ponta da cama. Eu estava cansada demais para isso. Cansada de ficar com raiva, de me sentir triste, de... pensar. Minha cabeça caiu pesadamente e eu fiquei encarando meu colo, tentando me livrar de tudo que rodeava minha mente. Estava começando a relaxar, quando ouvi alguém bater na porta.
– Você já está pronta? – perguntou secamente, aparecendo apenas pela fresta aberta por ele.
– Ahm... Por quanto tempo eu posso ficar aqui? – falei baixo.
Ele abriu devagar a porta por inteiro e deu um passo a frente, entrando no quarto. Seus olhos me olharam fundo, e eu senti uma certa mudança de humor vindo dele. Ele colocou as mãos nos bolsos das calças jeans e balançou levemente o corpo para frente e para trás.
– Você tem o tempo que quiser... desde que se decida até o fim da semana que vem – ele falou, fazendo-me soltar uma risada fraca e rindo comigo. – Duas semanas – ele disse sério. – Eu vou ficar aqui por duas semanas, então é esse o tempo que você tem.
– Ok – falei. Ele deu meia-volta e puxou a porta para que fechasse assim que saísse. – Ah, ! – chamei, fazendo-o parar e se voltar para mim. – Obrigada.
Ele balançou a cabeça levemente e sorriu. Não demorou muito para que ele desse um passo para fora do quarto, mas não fechou a porta antes de me mostrar uma última vez seu sorriso cativante. Joguei-me para trás e fitei as pequenas manchas que se encontravam no canto do teto branco.
– Você acha que eu fico sexy com essa barbichinha? – falava com uma voz grossa e engraçada, enquanto o ator da televisão movia os lábios sem som e coçava o queixo.
– Não sei, mas devo te avisar que eu também tenho barba! – Minha voz fina ia de acordo com os movimentos da boca na mulher na mesma televisão, enquanto ela tocava as próprias bochechas.
Era sexta-feira noite e eu já estava naquela casa desde segunda-feira da mesma semana. Eu ainda não havia feito nenhuma decisão sobre meu próximo destino, já que estava ocupada demais me divertindo com . Toda noite, fazíamos algo para acabar com o tédio, já que apenas saíamos daquela casa quando necessitávamos de comida ou algum tipo de produto higiênico. Aquele era o dia de assistirmos alguma novela patética sem som e fazermos as falas, transformando o programa em algo extremamente engraçado.
– Eu fugi do circo e raspei minha barba! Não agüentava mais aquela vida como alguém anormal! – Eu continuava a fazer a voz da atriz do programa. – Por favor, Sebastião, entenda! Não é fácil evitar que minha monocelha volte a crescer, mas eu faço isso por você!
– Está bem, mas eu devo te avisar que... eu não tenho testículos! – falava, tentando segurar a risada de uma forma não muito sucedida.
– O quê?! – Eu tentei mostrar-me indignada, mas o riso alto que saía de minha boca era mais forte do que minha atuação amadora.
A sala escura foi tomada pelo som de duas risadas que pareciam crescer a cada momento. afundou o rosto no meu ombro, tentando se conter, mas eu estava tão fora de controle quanto ele. Os risos foram cedendo, e o silêncio começou a substituí-los aos poucos. levantou seu rosto, agora com apenas um sorriso estampado, e percebi o quão perto ele estava de mim. Seu rosto foi ficando sério junto ao meu, mas nossos olhos estavam fixos um no outro e nada parecia tirá-los disso. Ele foi se aproximando um pouco mais, até que senti seus lábios pressionarem contra o meu. Eu levei minha mão à sua nuca, enquanto ele me deitava no sofá onde estávamos sentados. Sua língua massageava desesperadamente a minha, e eu já estava começando a ficar sem ar, mas eu não o afastei. Sua mão foi subindo por dentro da minha blusa, e, quando estava quase ao meu sutiã, algo me acertou como um raio. Empurrei-o com uma das mãos, e ele logo parou de me beijar.
Seu rosto demonstrava uma expressão de confusão enquanto voltávamos para a posição inicial, sentados educadamente cada um em um canto do sofá.
– Eu... eu sinto muito, – falei ofegante, tocando meus lábios com as pontas dos dedos. – Eu só... Eu fiz um pacto comigo mesma, sabe? Eu decidi que algo assim só aconteceria com alguém que eu gostasse bastante, porque, acredite, desejos impulsivos como esse já me deram muitos problemas – disse baixo, tentando não magoá-lo. – Eu não quero ficar por ficar. Desculpa...
– Está tudo bem. – Ele forçou um sorriso. – Eu entendo. Entendo perfeitamente.
– Mesmo? Porque, sabe, eu não--
– . – Ele segurou minha mão. – Eu disse que entendo.
Ele se levantou do sofá e foi ao fundo da sala, desaparecendo ao subir as escadas. Peguei uma almofada ao meu lado e cobri meu rosto com ela, sentindo uma vontade enorme de gritar. Eu realmente achava que o charme de tinha um certo poder sobre mim, e eu realmente queria beijá-lo naquele momento, mas ele havia se transformado alguém como Johnny para mim: um amigo. Um grande amigo, para falar a verdade.
Alcancei o controle remoto e desliguei a televisão que ainda estava transmitindo a novela que havia alegrado nossa noite por um momento. Levantei-me para ir ao meu quarto, mas me assustei ao ver de volta à sala.
– Eu só vim avisar que meus amigos vêm aqui amanhã ensaiar, então não se assuste se você vir três ogros andando pela casa. – Ele sorriu sincero. – Eles podem ser feios, mas garanto que você vai gostar deles.
– Ahm... Ok – respondi.
CAPÍTULO XXVIII – NAKED AND TANGLED AND TWISTED IN LOVE
Eu estava calçando o segundo pé do meu tênis quando ouvi a campainha tocar. Assim que abriu a porta da frente, gritarias começaram a ecoar pela sala. Eu não conseguia identificar nada do que estavam falando, mas pude ver, pelo tom de suas vozes, que estavam felizes em ver o amigo. Levantei-me da ponta da cama e abri devagar a porta do quarto, espiando pela fresta. Não pude ver nada, então passei para o corredor delicadamente para que não chamasse muita atenção. Quando já estava em um dos últimos degraus da escada, um rapaz sentado no sofá virou seu rosto para mim, fazendo com que o outro, que abrigava o mesmo ambiente, copiasse sua ação.
– Ah, então você que é a garota que tem morado com nessa última semana! – O rapaz que estava no sofá se levantou e estendeu a mão para mim. – Eu sou o .
– . – Cumprimentei-o. – Ah, então você tem falado de mim, huh? – disse para , que ficou ligeiramente rosado.
– Não, eu só falei que tinha uma garota aqui comigo. – ele respondeu um pouco baixo de vergonha, o que me fez soltar uma leve risada. – Eu nem sequer mencionei seu nome.
– Bom, já que ninguém vai me apresentar, eu sou o . – O outro garoto veio em minha direção e me cumprimentou com a mão. – O melhor da banda.
– Aposto que sim, . – falei, rindo um pouco mais. – Ué, pensei que fossem quatro integrantes! Não está faltando alguém, não? – Olhei pelos cantos da sala, sem encontrar uma terceira pessoa desconhecida.
– Ahm, ele foi ao banheiro – respondeu . – Ah, aí está ele! , esse é o . – Ele apontou para alguém que parecia estar atrás de mim.
Dei meia-volta com um sorriso no rosto, pronta para ser simpática, mas minha expressão desmoronou quando vi quem era. De todos os s do mundo, eu não conseguia acreditar que aquele era justamente o namorado de minha irmã. Encarei-o por um bom tempo, com a respiração pesada, enquanto ele fazia o mesmo.
– O que você está fazendo aqui?! – perguntei, sentindo minha voz falhar levemente.
– O que você está fazendo aqui?! – ele falou, tão atordoado quanto eu. – Como você a conhece, ?! – Ele se virou para o amigo. – Por que não me disse que ela estava aqui nessa casa esse tempo todo?!
– Eu a conheci nessa segunda-feira, eu dei carona a ela quando estava a caminho de Kingston! – nosso amigo em comum respondeu. – Eu não sabia que vocês se conheciam! Afinal, como vocês se conhecem?!
– Ela é irmã da Claire! – exclamou.
– Você é irmã da Claire?! – os outros três perguntaram ao mesmo tempo.
– Você conhece a Claire?! – Eu me virei para . – Como você não deduziu que ela fosse minha irmã?! Eu contei a história da minha vida para você!
– Ei, eu a vi umas duas vezes, mas isso não significa que eu sei a biografia completa da garota! Para mim, ela é simplesmente a namorada do , só isso! Eu nem sequer sabia que ela tinha fugido de casa no começo desse ano, nem nada!
– Por que você fugiu?! – perguntou a mim, tirando minha atenção da outra conversa. – Você tem noção do quanto isso afetou sua família? Seus amigos?!
– Meus amigos?! Johnny me viu indo embora! Ele é o único amigo que eu tenho, ele sabia o que eu estava fazendo! Não pense que você está nessa lista, porque desde que você começou a namorar minha irmã, eu praticamente não tenho tido nenhum contato com você! – eu quase gritava.
– Ahm, e-eu... – Ele tentava pensar em algo para falar, mas pelo olhar que estava dando, nada parecia vir. – , você tem que voltar. Claire está aflita, não pára de se preocupar com você, e sua mãe... sua mãe teve um ataque cardíaco por causa disso! Ela está deitada na cama do hospital nesse exato momento, esperando por você!
– Não foi por minha causa, tenho certeza de que não. Ela não se importa comigo! Por que iria ter um ataque cardíaco?! Ela deveria estar dando uma festa, isso sim! Acredite, , não foi por minha causa.
Tentei passar ao seu lado para voltar ao meu quarto, mas senti-o segurar meu braço antes que pudesse continuar meu caminho. Seu olhar sério estava fixo em mim, e seu rosto estava tão perto do meu que eu chegava a sentir sua respiração bater contra minha pele.
– Foi por sua causa, sim. Acredite você – ele disse baixo.
– Tire suas mãos de mim – respondi no mesmo tom, conseguindo me livrar de sua mão.
Subi as escadas rapidamente, enquanto o silêncio desconfortável reinava naquela sala, e bati a porta ao entrar no quarto. Joguei-me de costas na cama e fechei os olhos, tentando fazer com que meu coração parasse de bater tão rápido. Eu não queria mais reagir dessa forma sempre que estava perto dele.
A noite já havia chegado fazia algumas horas, mas eu permanecia enclausurada no quarto. havia passado algumas vezes pela porta, perguntando se eu queria algo para comer, mas neguei, apesar de querer responder o contrário. Não queria ter que dividir o ambiente mais uma vez com , pelo menos não depois da discussão que tivemos.
Joguei o vento do secador de cabelo uma última vez na mecha da frente antes de desligar o eletrodoméstico. Passei a escova por minhas madeixas, encarando-me firmemente no espelho. Eu estava entediada e cansada de ficar voluntariamente confinada, mas era orgulhosa demais para me render. Coloquei a escova sobre a pia e me dirigi ao quarto, desligando a luz do banheiro antes de sair.
Fui ao armário e peguei uma manta rosa que vinha usando nesses últimos dias em que estive na casa da tia de . Segurei duas pontas da manta e a joguei para o ar, deixando-a cair reta sobre o colchão, enquanto eu permanecia com os dedos enrolados na borda dela. Afofei um pouco um dos travesseiros da cama de casal e desliguei o abajur. Estava pronta para me deitar quando senti a presença de alguém parado na porta do quarto. Olhei para o lado e vi me encarando profundamente com seus olhos que sempre me cativaram. As luzes estavam apagadas, mas a iluminação de fora fazia com que eles brilhassem levemente.
– Hey. – ele disse, mantendo uma expressão calma, mas séria ao mesmo tempo, em seu rosto.
– Hey. – respondi de volta, sem saber ao certo o que dizer.
deu seu primeiro passo sobre o carpete do quarto com seu pé descalço e veio devagar em minha direção. Eu não entendia o que ele estava fazendo, mas não me movi. Ele parou logo em minha frente e encostou sua testa na minha, fazendo minhas pernas fraquejarem um pouco. Colocou as duas mãos na minha nuca, fechando os olhos e respirando forte, enquanto eu senti um frio correr pela minha coluna. Eu fechei os olhos da mesma forma que ele, sentindo meu coração bater tão forte que chegava a doer, quando mordeu levemente meu lábio inferior, fazendo-me sussurrar um gemido. Ele entrelaçou seus dedos por meus cabelos e pressionou sua boca contra a minha, ao mesmo tempo em que eu passava minhas mãos por debaixo de sua camiseta cinza. Puxei a barra dela para cima, e levantou os braços para eu retirá-la, parando de me beijar por somente alguns segundos. Ele desceu seus lábios para meu pescoço, enquanto levantava minha regata, deixando minha barriga nua antes de tirá-la totalmente. Assim como o primeiro beijo que me dera na festa, tudo acontecia como se estivéssemos em câmera lenta, aproveitando cada segundo que gastávamos juntos.
Seus lábios macios continuavam a tocar nos meus, assim como sua língua fazia com a minha, enquanto meus dedos obrigavam minhas calças a descolarem de meu corpo até caírem no chão, deixando-me somente de calcinha. me deitou cuidadosamente na cama, tentando retirar suas calças pretas sem descolar nossas bocas. Ele, já sem seu samba-canção, desceu seus beijos pelo meu queixo, passando pelo meio dos meus seios e chegando ao meu umbigo. Ele passou sua mão por dentro da alça da minha calcinha e a retirou devagar, assistindo atentamente enquanto ela escorregava pelas minhas pernas. jogou a lingerie no chão e colocou seu rosto próximo ao meu novamente. Seus olhos pareciam ver através de mim, como se ele entendesse cada parte do meu corpo. Eu descansei minha mão sobre sua bochecha e arrastei meu polegar por seu lábio inferior, recebendo um beijo na parte de dentro do dedo. Foi minha chance de ser responsável ao menos uma vez, então tive certeza de que estávamos protegidos. Os movimentos de eram cuidadosos e delicados, e seu olhar estava fixo no meu, com uma atenção extrema. Nossos corpos pareciam ter se transformado em um só, enquanto a noite seguia naquele quarto escuro.
CAPÍTULO XXIX – THE SILENCE FROM THE SIDE OF THE CAR TELLS ME EVERYTHING
O quarto estava mergulhado no puro silêncio, mas os pensamentos que passavam por minha cabeça naquela manhã faziam com que eu me sentisse no meio de uma multidão. Eu estava sentada na borda da cama, enrolada na manta rosa que eu estendera na noite anterior, e meu olhar estava preso em um ponto fixo no carpete bege. A imagem de Claire parecia não querer sair de minha mente, e isso fazia com que uma pontada de dor e arrependimento atacasse meu coração. Eu estava indignada comigo mesma por ter a traído dessa forma, independentemente dos meus sentimentos por . Eu não podia negar o fato de que eles estavam juntos, apesar de que ele havia iniciado o beijo. Eu era tão culpada quanto ele. E saber disso fazia com que eu me sentisse pior ainda.
Senti um movimento vindo do outro lado da cama e pude ver pelo canto do olho que estava acordando. Voltei a encarar o chão, sem mover um músculo de meu corpo. Um vento quente de respiração vindo de trás bateu no meu ombro pouco antes dele encostar levemente seus lábios em meu pescoço. “Bom dia”, ele sussurrou em meu ouvido. Seus dentes se fecharam delicadamente na ponta da minha orelha, mas eu afastei a cabeça antes que caísse em tentação.
– Eu decidi voltar. – falei baixo, brincando com as pontas dos dedos de minha mão.
– Que bom. – ele disse no mesmo tom, ainda com seu rosto próximo ao meu.
Ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha e voltou a pressionar seus lábios contra minha pele, mas eu rapidamente me levantei da cama e me virei de frente para ele, surpreendendo-me um pouco ao vê-lo completamente nu.
– , não... – comecei, encarando o dia ensolarado pela janela, ligeiramente envergonhada. – N-não faça isso, por favor.
– Por que não? – ele perguntou, mas pude ver pelo tom de sua voz que já sabia a resposta. – Eu pensei que--
– Olha, você me dá uma carona até a rodoviária ou eu peço para o ? – Fui direta, interrompendo-o.
Ele ficou quieto por alguns segundos, mas logo se levantou. Em silêncio, pegou seu samba-canção e o vestiu, permitindo-me a voltar a encará-lo. Sua feição estava séria enquanto ele passava as pernas por sua calça preta e a subia até abaixo da cintura. Eu tentei procurar seu olhar, mas ele não correspondeu.
– Eu te levo de volta para Londres. – ele falou, vestindo sua camiseta cinza, que antes se encontrava jogada no chão. – Apenas deixe-me acordar melhor e nós já saímos.
Antes que eu pudesse falar que não era necessário ir comigo de volta para a cidade onde morávamos, bateu a porta do quarto, deixando-me sozinha, segurando a ponta da manta para que ela não se soltasse de meu corpo.
– Então, você tem sentimentos por ele. – A voz de me fez pular de susto enquanto eu guardava as últimas coisas que havia deixado para fora de minha mala.
Virei-me para trás e o vi com o ombro encostado no batente da porta, os braços cruzados e seus olhos atentamente focalizados em mim. Eu não conseguia ler pela sua expressão facial se ele falava com tristeza ou simpatia.
– C-como assim, ? Do que v-você está falando? – Eu ri nervosamente. – E-eu não... eu não tenho sentimentos por ninguém, não tenho.
– Você disse que somente iria dormir com alguém que você gostasse. Então isso significa que você gosta do , certo?
– E-eu não dormi com ele. Por que você... Por que você acharia que eu fiz isso?
– Eu o vi saindo do quarto ontem à noite, e o vi saindo desse quarto hoje de manhã – ele se explicou, e meu coração deu uma batida mais forte. – Olha, eu não estou aqui para reclamar por você não ter me beijado ou qualquer coisa em relação àquele dia. – Ele colocou as mãos nos bolsos da calça e entrou devagar no quarto. – Mas eu só acho que você deveria tomar cuidado. Não quero que você se machuque. Nenhum de vocês dois. – Ele sorriu sincero. – Eu espero que você saiba o que está fazendo.
– Eu sei. – respondi firmemente. – Eu sei muito bem o que estou fazendo. Quero dizer, o que fiz.
– Bom. Isso é bom. – Ele se sentou na cama e puxou minha mão para que eu fizesse o mesmo. – Sabe, ele pode não ter me dito, mas sei que sente algo por você. O jeito que ele falava seu nome ontem simplesmente me mostrava isso. – As palavras de criaram um pequeno sorriso no canto da minha boca. – Mas ele tem uma namorada, e você sabe muito bem disso. E, bem, ela veio primeiro, não é?
Minha expressão voltou a ficar séria por causa da última frase dele. Eu não podia concordar com sua afirmação, eu não acreditava que fosse verdade. Pousei minha mão sobre a de , que estava em cima do colchão, e passei a sorrir novamente.
– Eu sei que você tinha boas intenções em vir falar comigo sobre isso, e eu estou agradecida por isso. Muito! Mas eu sei o que tenho que fazer para que tudo fique certo.
– Bom, eu espero que tudo fique certo mesmo.
– Hey. – bateu duas vezes os nós dos dedos na porta aberta, fazendo com que eu voltasse minha atenção para ele. – Está pronta?
Concordei com a cabeça e me levantei. fez o mesmo que eu e me puxou para um abraço de despedida, que logo correspondi. Joguei minha mochila sobre meu ombro e segui até o primeiro andar. Os outros dois rapazes se encontravam na cozinha, preparando algo que realmente não me apetecia, então apenas fiz um aceno de mão e dei um sorriso. Fui para o lado de fora da casa com o namorado de minha irmã e pude ver como o dia estava claro. A primavera já estava cobrindo os vestígios do inverno, preparando as flores para se abrirem e colorirem as árvores das cidades.
Eu e entramos no carro estacionado em frente à casa, logo atrás do carro em que me dera carona. Ele girou a chave, ligando o motor, engatou a primeira e seguiu pela rua asfaltada de Kingston.
Comparando com o relógio, não demorou muito para que entrássemos na estrada, indo a caminho de Londres, mas o silêncio dominante fazia os minutos passarem mais devagar, de uma forma quase torturante. Eu olhava para pelo canto do olho de vez em quando, mas ele permanecia com seu olhar fixo no trajeto.
– Eu pretendo terminar com ela, sabe? – ele falou de repente. – Não pense que--
– Não, , não faça isso. – eu disse, sem deixá-lo terminar sua frase. – Não termine com ela por causa do que a gente fez. Ela não precisa saber disso, ela não merece. Vamos simplesmente deixar assim.
– Você está dizendo que quer fingir que nada aconteceu?
– É. – falei com receio. – Não há motivos para estragarmos a sua e a minha relação com ela. O que fizemos foi um erro. Um erro que deve ser esquecido.
– Um erro? – ele perguntou ligeiramente surpreso. – É isso que você acha que fizemos?
– É. – eu disse, olhando atentamente para sua feição. – Eu acredito que, em um dia são, nós nunca teríamos feito isso, certo?
Ele não respondeu. Apenas permaneceu com as duas mãos no volante, o olhar reto e a respiração forte. Ele parecia pensar no que falar, e eu fazia uma certa idéia do que se passava na cabeça dele. Eu não queria ouvi-lo dizer isso.
– Olha, eu sei que você pensa que eu gosto de você e tudo mais, mas aquilo foi puro instinto, sabe? – menti. – Você estava lá, eu estava lá. Apenas... aconteceu.
– Mas e o beijo que você me deu na minha casa? E as lágrimas que você derramou quando eu fui falar com você na festa?
– Aquilo... Aquilo foi há muito tempo. Deve ter sido um simples surto que eu tive, nada demais. Além do mais, eu e você... nunca daria certo. Afinal, de acordo com o que você disse, você está apaixonado por Claire. Certo?
– Certo. – ele respondeu depois de alguns segundos.
Eu sentia vontade de contar a verdade, de falar que tudo que eu queria fazer era ficar com ele para sempre. Mas minha irmã é minha irmã, e simplesmente não se faz isso. Ela era alguém importante demais para mim para arriscar dessa forma.
– Hey. – eu chamei carinhosamente. – Prometa-me uma coisa. Prometa-me que não vai contar a ela. Eu tenho certeza de que, se ela descobrir sobre isso, eu vou perder a melhor amiga que já tive até agora. Por favor.
– Eu prometo. – ele falou, sem olhar para mim.
Balancei a cabeça positivamente e voltei a encarar a estrada do lado de fora. O silêncio novamente passou a reinar o automóvel, fazendo com que o único ruído de dentro do carro fosse o motor funcionando.
CAPÍTULO XXX – I NEVER SAID THAT I DIDN’T NEED YOU
Estávamos indo em direção àquelas portas automáticas daquele hospital que eu conhecia tão bem quanto a palma de minha mão, quando segurei o braço de , impedindo-o de continuar a andar. Ele me olhou confuso, como se me perguntasse o motivo de ter feito isso.
– É melhor eu ir primeiro, sabe? – eu disse, evitando olhar diretamente em seus olhos. – Não quero dar nenhum indício de que estivemos juntos nesse tempo em que eu estive fora de casa. Eu acho que isso poderia levantar algumas dúvidas.
– Mas não foi como se você soubesse que eu conhecia ! – ele falou um pouco indignado com minha sugestão. – Mesmo que a gente não tivesse... Foi apenas coincidência, , isso não diz nada.
– , por favor. – pedi com um tom de voz baixo e evidentemente cansado.
Ele me encarou por alguns segundos, pensando na resposta que ia me dar, enquanto eu suplicava através de meu olhar. Eu sabia que teria que lidar com muita coisa ao passar por aquelas portas e realmente não estava no pique de ter mais um problema no momento.
– Tá, eu... eu volto daqui meia hora, então. – ele finalmente disse.
Sorri agradecida e segui meu caminho para dentro do hospital. Fui ao andar indicado pela recepcionista e não demorei muito para encontrar Claire sentada no sofá da sala de espera. Ela estava com a cabeça baixa, concentrada na revista que apoiava no colo. Eu dei alguns passos à frente, deixando meus pés em seu campo de vista, e ela logo levantou o olhar até meu rosto.
– Oi, Claire. – Sorri fraco, mas com simpatia.
– Meu Deus, ! – Ela se levantou em um impulso. – Onde você esteve, porra? Como você pode simplesmente sumir desse jeito, sem avisar?! Você tem noção de que quase matou a mamãe? Não basta perder uma irmã, não? Tem que ser a família inteira?!
– O quê?! – praticamente gritei, sem acreditar nas palavras que acabara de ouvir. – Como você tem coragem de me falar uma coisa dessas, Claire?! Você fugiu de casa também, e foi pior do que eu! Você foi para outro continente, outro país! Se eu não tivesse esbarrado em você naquele dia, você provavelmente estaria em alguma jornada idiota pela Ásia ou sei lá! Sem contar do apoio que você me dava para fugir de casa! “Faça acontecer, , faça acontecer”. E quando eu finalmente faço, você vem gritando comigo, dizendo que eu não deveria ter feito isso?! Sabe, eu... – Suspirei, abaixando o tom de voz. – Eu pensei que você fosse outra pessoa. Você mudou demais, Claire. Demais.
Dei meia-volta e comecei a me afastar de minha irmã. Eu não podia acreditar que aquela garota que sempre me inspirara a ser quem eu realmente era, a fazer o que eu realmente queria fazer estava me dando um sermão daqueles. Era tamanha hipocrisia que me deixava estupefata.
– E só para sua informação... – falei, parando de andar por alguns segundos e olhando-a por cima do meu ombro. – Você não veio primeiro.
Virei-me de frente e continuei meu caminho. “E que merda você quer dizer com isso?”, ela perguntou. Mas não respondi. Continuei a seguir em frente, deixando para trás alguém que eu achava conhecer.
Cheguei ao quarto e logo coloquei a mão na maçaneta, mas não a girei. Ao ver minha mãe através do vidro da porta me fez perceber que mais uma discussão estava por vir. Já não bastava as coisas estarem mais estranhas entre eu e e eu ter acabado de brigar com Claire, eu sabia que mais gritaria estava por vir.
Abri e fechei a porta devagar e delicadamente, sentindo os olhos de minha mãe focalizados em mim. Encostei-me no canto, respirei fundo e esperei que ela começasse a gritar. Ela não o fez. Apenas moveu seus lábios em o que parecia ser um leve sorriso.
– Que bom que você voltou. – ela falou sincera.
– É-é só isso? – perguntei incrédula. – Você... você não tem mais nada a falar? Não vai reclamar que eu estive ausente por uma semana?
– Não. – Ela permanecia a sorrir. – Venha mais perto, – ela falou com uma voz doce, dando leves tapas no espaço vazio da cama, ao seu lado. – Sente-se aqui, querida.
A última palavra que saíra de sua boca entrou em meu ouvido e me paralisou. Fazia tanto tempo que minha mãe não me chamava de querida que eu simplesmente não conhecia mais a pessoa que estava logo a minha frente, pedindo-me para sentar. Era como se, depois de quatro anos, a minha verdadeira mãe estivesse voltando para me salvar daquela bruxa que vinha cuidando de mim todo esse tempo. “Venha”, eu ouvi, saindo do transe. Levantei meu pé direito alguns milímetros do chão e dei meu primeiro passo. Segui em frente devagar e me acomodei ao lado dela, ainda um pouco atordoada.
– Ouça, eu... Eu queria pedir desculpas. – Ela pegou minha mão e a segurou firmemente, passando seu polegar pelos nós de meus dedos. – Eu não me orgulho da forma que tenho te tratado, você não merece esse tipo de coisa. Eu apenas... – Ela respirou fundo e seu lábio inferior tremeu ligeiramente, demonstrando que ela estava a ponto de chorar. – Eu apenas acreditava que o importante é... É ser inteligente e estudiosa, e quando Claire... Quando Claire desistiu dessa vida, eu simplesmente fiquei tão desapontada. – As lágrimas inevitáveis começaram a cair de seus olhos, umedecendo o avental do hospital que ela vestia. – Eu não deveria ter me sentido assim, mas... E então você... Você começou a seguir os passos dela, e eu simplesmente desisti, eu desisti... Eu sabia que não poderia mudá-la, então eu desisti. Mas Grace... – Seus soluços fizeram com que meus olhos lacrimejassem rapidamente. – Grace me fez perceber que a vida não é feita para obter sucesso, que ela é curta demais para nos preocuparmos tanto com isso. Ela era tão estudiosa e... e ela... – Minha mãe cobriu a boca com a mão livre, deixando as lágrimas involuntárias caírem silenciosamente por um tempo. – Eu sei que você é tão inteligente quanto ela, , eu sempre soube. Eu finalmente percebi que o melhor para você é simplesmente ser você mesma. E eu te amo, sim, tá? Sempre, sempre...
– Ah, mãe! – Eu inclinei-me rapidamente para frente e envolvi meus braços em seu corpo, enquanto ela abraçava firmemente o meu.
– Eu sinto muito... Sinto tanto! – ela sussurrou em meu ouvido, enquanto passava as mãos em meus cabelos.
Suas lágrimas já estavam misturadas com as minhas, enquanto continuávamos em um abraço apertado. Eu não tinha mais forças para controlar meus soluços, mas eu não me importava. Apenas estava feliz que tinha minha mãe de volta, aquela que cuidara tão bem de mim quando eu era pequena.
– Está tudo bem. Está tudo bem. – eu murmurei de volta, ainda em prantos. – Eu também te amo. Te amo muito!
O abraço durou por algum tempo, como se estivéssemos recuperando todos esses anos que passamos odiando uma a outra. Voltei para minha posição normal, encarei minha mãe em seus olhos úmidos e inchados e sorri, recebendo outro sorriso de volta. Por um motivo desconhecido, uma risada vinda de mim começou a surgir, sendo seguida por outra de minha mãe. Apenas paramos as gargalhadas sem motivo quando vi o rosto dela ir para um estágio de leve preocupação.
– O que houve? – perguntei, franzindo a testa. – Aconteceu alguma coisa?
– É que... – Ela soltou um suspiro pesado. – Nós, ahm... nós vamos voltar para casa.
– Mesmo? Mas o médico já te deu alta? Porque, sabe, eu acho que--
– Não. – ela me interrompeu, colocando sua mão sobre a minha. – Nós vamos voltar para casa – ela falou mais devagar, olhando-me seriamente. – Para Nova York.
– O quê? – Minha voz saiu em um sussurro, de tão surpresa que eu estava. – Você não... Você não está falando sério, está?
– É melhor assim, sabe? – ela tentava se explicar, com medo de que eu ficasse brava. – Esse lugar... tem tantas memórias ruins. Nem mesmo o motivo para termos vindo até aqui foi algo bom. Eu sei que você tem se ajustado bem aqui em Londres, principalmente por causa daquele nosso vizinho, Jason...
– Johnny. – corrigi, encarando minhas próprias mãos, que estavam sobre minhas coxas.
– Certo, Johnny. Eu sei que vocês se tornaram grandes amigos, mas não tem acontecido nada de bom desde que nos mudamos. Nova York é onde pertencemos. Lá, poderemos recomeçar, eu, você e... Claire, se ela aceitar voltar conosco. Por favor, , entenda. Eu--
– Está bem. – falei, sem deixá-la terminar a frase, olhando-a nos olhos. – Se você realmente acha que é a melhor coisa a se fazer, então tudo bem. – Sorri fracamente, voltando a encarar meu colo. – Nós iremos voltar para Nova York.
– Eu realmente acho que é a melhor coisa. – Ela colocou a mão em meu queixo e levantou meu rosto. – Você ficará bem. Nós ficaremos bem.
CAPÍTULO XXXI – I THOUGHT THAT I COULD ALWAYS COUNT ON YOU
Claire pagava o taxista enquanto eu ajudava minha mãe a sair do carro. “Pode deixar”, ela falou, recusando delicadamente a mão de apoio que eu havia oferecido. Fui um passo para trás, dando espaço para que ela pudesse se levantar do banco do automóvel, e fechei a porta logo após. Claire brincava com as chaves da casa enquanto subíamos as escadas da varanda, quando ouvi alguém chamar por mim. Olhei para o lado e lá estava Johnny, com um sorriso estampado no rosto e os olhos verdes brilhando por causa da luz do sol de final de tarde. Os músculos do meu rosto se contraíram involuntariamente, criando um sorriso tão grande quanto o dele, e a mochila que estava sobre meu ombro escorregou pelo braço até encostar o chão. Ele começou a vir em minha direção, e seu passo foi aumentando de velocidade, até que chegou a mim e me puxou para um abraço tão apertado que eu achava que fossemos nos fundir. Mas eu não me importei. Eu sentia falta de sua presença, de seu cheiro, de sua amizade.
– Eu pensei que nunca mais a veria. – Johnny falou, quando nos separamos, ao mesmo tempo em que Claire e minha mãe desapareciam pela porta da frente.
– Deixe de ser dramático, John, eu só estive fora por uma semana. – Eu ri, sentando na escada da varanda e puxando-o para fazer o mesmo.
– Eu sei, mas... aquele jeito que você se despediu de mim me fez achar que seria aquilo, sabe? Seria aquele o dia em que iríamos por caminhos diferentes. E te ver se distanciar pela janela simplesmente confirmou tudo.
– Então você sabia que eu estava fugindo? – perguntei, e ele concordou com um pequeno resmungo. – Então por que você não me impediu?
– Porque eu sabia que não podia. Nada que eu dissesse faria você mudar de idéia. Sair de casa sempre fora algo que você quisera fazer desde que eu te conheci. Quem sou eu para te impedir, certo? Você não pertence a esse lugar, e eu entendo isso.
– Bom, talvez não seja tão assim, talvez apenas houvesse algo que me impedisse de me sentir em casa, mas isso não significava que eu não pertencia aqui. – Johnny me olhou confuso, como se pedisse uma explicação. – Minha mãe... ela mudou. – Eu sorri. – Ela simplesmente pediu desculpas por tudo e... John, ela disse que me ama!
– E o que a fez fazer tudo isso? Você a drogou ou algo do tipo?!
– Não. – Eu ri, batendo levemente em seu braço. – Para falar a verdade, eu também não sei. Há uma semana, ela estava desistindo de mim, e agora... Mas eu não me importo, sabe? Não preciso saber como ela chegou a isso. Talvez foi por causa de Grace ou por causa do ataque cardíaco, mas nada disso importa. Pelo menos ela mudou, pelo menos... ela é minha mãe novamente.
– Que bom, então, que está tudo dando certo para vocês duas. – ele falou sincero. – Mas me diga... O que fez você voltar para cá?
– Ah, tantas coisas aconteceram, John, tantas. Eu estava tão confusa...
– Que tipo de coisas?
– É que... – Suspirei. – Certo, foi assim... Eu peguei carona com um garoto lá na estrada, e nós nos demos bem logo de cara, para minha surpresa. De alguma forma, ele me convenceu a ficar na casa dele até ter certeza absoluta de que eu realmente queria seguir em frente. Mas o inesperado aconteceu. apareceu lá.
– quem? – ele perguntou, mas logo arregalou os olhos quando se deu conta de quem eu falava. – ?!
– Pois é, também não pude acreditar quando o vi. Aparentemente e coincidentemente, ele é da mesma banda que o , o garoto que me deu carona. Ele começou a me dar uma bronca sobre como eu não poderia ter abandonado tudo e todos, e, por causa disso, passei o dia trancada no quarto. E então... Ah, John, foi tão estranho, mas... à noite, ele apareceu na minha porta e simplesmente me beijou!
– O quê?! – Ele abriu a boca incrédulo. – Mas... Como... E a... Mas... Ahn?!
– Exato! – Dei uma leve risada. – Eu também não entendi o que aconteceu, mas, meu Deus, como eu estava gostando! Eu não parei para pensar em nenhum segundo, eu simplesmente deixei rolar, e uma coisa levou à outra e...
– Espere. – Ele tocou no meu braço. – Você não está dizendo que vocês, erm... – Seus olhos interrogativos se fixaram em mim e eu apenas concordei levemente com a cabeça. – Oh, Deus. Mas e a Claire?
– Pois é, é isso que vem me cutucando nas últimas horas. – Abaixei a cabeça preocupada. – Eu o fiz prometer que não iria contar a ela sobre o que fizemos. Eu não quero ser o motivo dela ser infeliz, e muito menos ser a pessoa que a traiu!
– Mas você gosta dele, não é? – ele perguntou, já sabendo a resposta. – Digo... você o ama. E aposto que ele nem sabe disso.
– Ah, mas isso não importa mais mesmo. – Meus dedos corriam sobre os cadarços do meu tênis sujo. – Eu vou estar longe daqui em pouco tempo, não há motivos para começar algo que não tem futuro.
– Como assim, você estará longe em pouco tempo? Você vai fugir novamente?
– Não, é que... Ah, droga, como vou falar isso? – falei baixo, para mim mesma. – Johnny, eu... Eu vou voltar para Nova York. – Sua expressão foi rapidamente para uma mistura de indignação com surpresa, e ele logo abriu a boca para começar a falar, mas eu já sabia o que ele iria me perguntar. – Daqui uma semana. Eu sei, é cedo demais e longe demais, mas... eu preciso arrumar minha vida, sabe? Nesses últimos meses, ela esteve tão complicada que eu fiquei até tonta. Agora que está se ajeitando, eu preciso simplesmente seguir o fluxo.
– Mas... você não pode ir. – ele falou baixo.
– Eu tenho que ir, John. – Encostei a cabeça em seu ombro e passei meu braço por dentro do seu. – Eu tenho que ir.
Ficamos em silêncio por um bom tempo, apenas vendo as sombras formadas pelos raios de sol desaparecerem, enquanto a noite começava a chegar discretamente. O céu alaranjado foi escurecendo e surgiram indícios de estrelas naquela imensidão.
– Eu vou sentir sua falta. – A voz de Johnny quebrou o silêncio que havia dominado o momento.
– Não. – falei, desencostando-me dele. – Não faça isso, pelo menos agora. Não quero já começar a me despedir. Eu só quero... Só quero aproveitar. Despedidas são para mais tarde, agora não. Por enquanto, vamos fingir que hoje é apenas mais outro dia, só que com um pouco mais de felicidade, ok?
Johnny concordou silenciosamente no mesmo momento em que seu relógio apitou uma vez, avisando que as seis horas da noite haviam chegado. “É melhor eu ir”, sussurrei, dando um beijo em sua cabeça e me levantando do degrau. Peguei minha mochila, passei pela porta de entrada e a fechei, ainda vendo as costas de Johnny, que permanecia sentado na varanda cabisbaixo.
Subi as escadas preguiçosa, cansada de todo o trajeto de volta para Londres e da tarde passada no hospital. A porta do quarto de Grace estava fechada, como sempre, assim como o de minha mãe, que provavelmente descansava. Estranhei ao ver a porta do meu quarto aberta, já que não mantinha o hábito de deixar tudo à vista, mas entendi quando vi Claire próxima à janela e de costas para a entrada, contemplando a primavera de fora.
– O que está fazendo aqui? – perguntei, jogando minha mala no canto.
Ela não respondeu. Apenas se virou de frente para mim, e eu pude notar as lágrimas que escorriam por sua pele. Seu lábio inferior tremia ligeiramente e seus braços cruzados mostravam seu sentimento de nervosismo.
– Sua... vadia. – ela falou devagar. – Sua vadiazinha. Como, ? Eu te pergunto: como você pôde fazer uma coisa dessas comigo? Eu pensei que eu fosse sua amiga, sabe? Eu pensei que pudesse confiar em você.
– Eu... Eu não sei do que você está falando – respondi, tentando manter a compostura.
– Ah, não se faça de cínica! – Ela aumentou o tom de voz. – Eu sei sobre você e o , ok? Eu sei. Você dormiu com ele! Você enfiou uma adaga nas minhas costas e depois riu na minha cara! Você realmente acha que conseguiria esconder isso de mim?!
– Claire, eu posso explicar! Não é o que você está pensando! Eu... eu... Eu explico, ok? Apenas me dê uma chance!
– Certo, então explique! Me diga por que você faria uma coisa dessas! Ele te obrigou ou algo do tipo? Porque, para mim, essa é a única explicação que me faria te perdoar!
– Eu... Ahm...
Cruzei os braços. Nada vinha à minha cabeça. Eu olhava para todos os lados do quarto, mas evitava encontrar o olhar de minha irmã. Eu a sentia me encarando intensamente, esperando por uma resposta. Encarei meus pés, rendendo-me.
– Como, ahm... Como você descobriu? – perguntei baixo.
– Como você acha, hein?! – Ela colocou os dois punhos na cintura. – Ele me ligou agora pouco e me contou tudo! Sobre a discussão que tiveram, sobre a noite que passaram juntos, sobre como ele não quer nada com você... Ele me disse tudo.
Eu estava sem palavras. E não apenas pelo fato de ter descoberto que ele não sentia nada por mim. Ele havia prometido que não iria contar. Eu não achava que ele fosse capaz de mentir dessa forma, sabendo que eu confiava nele. Todos os meus conceitos em relação a caíram abaixo do chão. A raiva começou a dominar meu corpo, e eu não sentia mais forças para discutir com Claire.
– Eu sinto muito. – eu disse, com a voz falha, usando a frase como último recurso, enquanto lágrimas começavam a se alojar abaixo dos meus olhos.
– Você é patética. – ela respondeu, bufando.
Minha irmã passou ao meu lado e bateu a porta do quarto ao sair, deixando-me parada em frente à cama, sem saber o que fazer. Joguei-me sobre o colchão, aos prantos. Com o rosto enterrado no travesseiro, derramei as lágrimas de raiva, tristeza e desespero. Simplesmente chorei, enquanto a noite chegava por completo.
CAPÍTULO XXXII – YOU'RE PROBABLY ON YOUR FLIGHT BACK TO YOUR HOMETOWN
Meus olhos estavam fixos no teto branco, onde os raios de sol que passavam pela janela eram projetados. Minhas mãos estavam apoiadas sobre minha barriga, no mesmo local onde o fim do lençol alcançava. Eu estava inteiramente despertada, mas não queria sair da cama, não queria ter que pisar naquele chão uma última vez, olhar por aquela janela uma última vez. Eu não entendia como, mas uma certa simpatia por aquela casa havia surgido dentro de mim, apesar de todos os ocorridos. Ou talvez não fosse aquela casa, e sim a do lado. Ou simplesmente a cidade onde ela se encontrava. Não sabia, mas isso pouco importava. A única coisa que tinha certeza era que não queria ir embora.
Olhei para o lado direito ao ouvir o celular tocar. O criado-mudo de madeira barata tremia de acordo com o eletrônico, que levou um bom tempo para desistir. Eu sabia quem estava me ligando, então nem sequer me dava o trabalho de checar a ligação. tentara se comunicar comigo durante toda a semana, mas eu sempre arranjava um jeito de fugir dele. Ele queria me dar explicações, mas nada que ele dissesse poderia melhorar a situação, então eu apenas o ignorava e saía andando. Suas chamadas não atendidas na bina do meu celular eram constantes e já estavam começando a me irritar.
Voltei a encarar o teto. Não demorou muito para que eu ouvisse batidas na porta. “, é melhor você já levantar”, disse minha mãe, encostando-se no batente, assim que abriu a porta do meu quarto. Levantei o lençol até a cabeça, cobrindo o rosto inteiro. Eu sentia sua presença me esperando e colocando pressão sobre mim. Bufei. Descobri-me, e meus pés logo se encostaram ao assoalho empoeirado. Eu, sentada na borda da cama, olhei para minha mãe. Ela apenas me deu um sorriso e sumiu pelo corredor, voltando a encaixotar nossos pertencentes.
Sem escolha, fiz impulso e me levantei. Meu humor estava em um dos piores, e agradeci por ter separado uma muda de roupa na noite anterior, já que não estava em condições de escolher nada. Meu quarto já estava arrumado, quase pronto para ser deixado para trás, se não fosse pela cama desajeitada onde deitava há pouco tempo.
Escovava meus dentes devagar, apenas observando a garota cansada que me encarava do outro lado do espelho. Eu passara o resto da semana aproveitando cada segundo com Johnny, nem que isso significasse ficar até tarde da madrugada fazendo nada além de brincadeiras infantis que nos alegrara constantemente nesses últimos dias juntos.
– , você já está pronta? – minha mãe perguntou do meu quarto. – Porque eu já terminei de tirar os lençóis aqui, então só falta você. – Sua voz foi aumentando de volume, até ela aparecer na porta do banheiro. – Quanto mais cedo sairmos de casa, melhor, assim não pegamos fila no check-in.
– Tá bom. – respondi desanimada.
Terminei de me aprontar e logo desci as escadas com minha mala para ajudar minha mãe. Para minha surpresa, tudo estava praticamente vazio, e nem sequer havia sinal da própria. Fui para fora de casa com minha bagagem, e lá estava ela, conversando com quem eu não havia trocado uma palavra durante toda a semana: Claire.
Aproximei-me devagar, mas minha mãe logo sentiu minha presença e se virou para mim, enquanto minha irmã virou o rosto para o outro lado.
– Ah, eu já chamei o táxi, ok? – ela falou, olhando para o lado e não entendendo o fato de Claire estar se afastando. – Então se você já quiser se despedir e tudo mais...
– Certo.
Comecei a andar em direção à casa de Johnny, mas logo o avistei me encarando pela janela. Eu fiz um sinal com a mão, pedindo para que ele viesse ao meu alcance, e, da mesma forma que eu, ele avisou que já estava indo. Não demorou muito para que ele saísse da residência e parasse a minha frente logo na calçada.
– Então, ahm... eu acho que é isso. – falei, balançando para frente e para trás, com as mãos nos bolsos. Ele apenas concordou com a cabeça, encarando os próprios pés. – Olha, eu só queria dizer que... você foi a melhor pessoa que eu já conheci na minha vida. Eu espero que você saiba que... – Eu forcei para que não começasse a chorar, já que era algo que fazia constantemente. – que eu nunca vou te esquecer, tá? Você é importante demais para isso acontecer. – Minha voz saía falha, e minha pele já estava começando a umedecer por causa das lágrimas derramadas. – Você me ajudou tanto... Você foi o amigo, e juro que não me arrependo daquela noite. – falei baixo a última frase. – Eu nunca, nunca quero perder contato, sempre vou te mandar e-mails e... Que droga, John, fala alguma coisa!
Cobri meu rosto com uma mão, tentando amenizar os soluços que começaram a ocupar as palavras. Eu levantei meu olhar na altura de seus olhos e o encarei, esperando que ele dissesse algo. Ele não chorava como eu, mas sua tristeza estava evidente em sua feição.
– Isso é mais difícil do que eu pensei que fosse ser... – ele finalmente falou, em um tom baixo. – Dizer adeus dessa forma é simplesmente... difícil. Dói. – Ele deu um sorriso fraco.
Meu choro ficou mais forte após sua fala, e Johnny me puxou pela nuca, enterrando-me em seu peitoral. Ele acariciava meus cabelos enquanto eu molhava a parte frontal de sua camiseta com as lágrimas que teimavam em cair. Eu senti um beijo no topo da minha cabeça, e os braços dele apertaram-me mais forte. “O táxi chegou” foi o que fez nos separar. Encostei levemente meus lábios no de Johnny com um beijo fraternal e me separei dele relutantemente.
Minha mãe já estava dentro do carro quando parei na frente de Claire. Não nos despedimos nem sequer com um abraço. Tudo que ela fez foi retribuir o “adeus” que eu dera, mas de uma forma fria e distante, mostrando-me que ela não iria me perdoar tão cedo. Balancei a cabeça positivamente, compreendendo a situação, e me acomodei ao lado de minha mãe no automóvel.
Eu assisti minha casa se distanciar pelo vidro de trás do carro, enquanto o taxista dirigia pela rua de Londres que me habitara durante esses últimos meses. Johnny e Claire foram ficando cada vez menores e desapareceram ao virarmos a esquina. Ajeitei-me no banco e senti o olhar de minha mãe sobre mim.
– O que está havendo entre você e Claire? – ela perguntou docemente.
– Nem queira saber. – respondi triste. – Eu simplesmente estraguei tudo e agora tenho que arcar com as conseqüências. É melhor eu não te preocupar com as burradas que eu faço na minha vida.
– Bom, se um dia você quiser conversar, prometo não favorecer nenhuma de vocês duas. – Ela sorriu sincera. – Só tentarei ajudar.
Resmunguei um “obrigada” e encostei a cabeça em seu ombro ao sentir sua mão me puxar para me aproximar. Passamos o trajeto até o aeroporto sem trocar ao menos uma palavra, apenas ao som da música indiana que saía do rádio do táxi.
CAPÍTULO XXXIII – I SWEAR I'LL NEVER LET YOU GO
O sol quente torturava o concreto das ruas de Nova York. Era final de junho e o verão mal havia começado, mas já era possível perceber que iria ser uma estação intensa. Sombras se estendiam ao longo dos meus passos, seguindo-me fielmente enquanto eu andava pelas calçadas desgastadas daquela cidade. Já havia virado rotina fazer esse caminho todo dia, seguindo pelas ruas à tarde depois de um longo dia na escola.
De início, eu achara estranho voltar a um lugar onde vivera toda minha vida. Não sabia que havia me acostumado tanto com Londres. Sentia-me estranha naquele ambiente que há poucos meses considerava minha casa, e às vezes até me esquecia que não podia bater na porta do vizinho a qualquer momento e me sentir à vontade para fazer qualquer coisa.
Mas as semanas foram se passando e o costume eventualmente acabou chegando, o que me fez aprender que eu não tinha mais meu melhor amigo ao meu lado, que eu continuava sentindo que havia perdido minha irmã e que minha vida não era mais tão ruim, apesar de tudo.
Eu podia estar andando sozinha, mas não sentia mais aquele desgosto de voltar para casa. Em alguns dias, quando meu humor estava bem elevado, eu até esperava ansiosa pelas noites, para que pudesse assistir novela sentada no sofá, entre minha mãe e minha avó, que estava nos abrigando enquanto procurávamos por um pequeno apartamento para morar. Eu passara anos sem aquele aconchego, então tentava recuperar pelo tempo perdido.
Revirei minha mochila enquanto passava pelo portão do jardim, encontrando a chave somente quando cheguei à porta. Encaixei-a na fechadura e fiz o mesmo do outro lado após entrar em casa.
– Mãe? – chamei, entrando na cozinha, à procura da mesma. – Vó? Tem alguém aqui? – Um cheiro gostoso me enfeitiçou e descobri um bolo de chocolate em cima do fogão. – Oh, Deus... – falei, quase babando naquele recém-assado pecado e passando o indicador na cobertura. – Mã-ãe!
– Elas acabaram de sair.
Uma voz feminina me assustou, fazendo-me dar um pequeno pulo para trás, mas, quando me virei para a porta, dei-me conta de quem era. Eu não estava entendendo o motivo dela estar de volta à Nova York e muito menos estar falando comigo.
– Elas foram ao supermercado comprar algumas coisas, mas disseram que já voltam. – Claire falou, com um pequeno sorriso sincero no rosto e as mãos nos bolsos da calça. – Eu teria ido, mas estava cansada demais por causa da viagem.
– Claire, o que... O que está fazendo aqui?
– Ah, senti falta de casa. – Ela deu de ombros. – Não sei, eu estava um pouco... sozinha fazendo todas aquelas viagens pela Europa. Aí, eu liguei para a mamãe uns dois dias atrás para perguntar onde vocês estavam e, bem, o resto você sabe.
– Ah, certo. Eu pensei que nunca mais a veria, eu achei que você estava brava comigo. – Cocei a nuca desconfortável e encarei meus próprios pés.
– Eu estava. – ela respondeu direta. – Eu não achava que fosse te perdoar, mas acho que eu só precisava de um tempo para refrescar a cabeça, sabe? E viajar foi a melhor forma de fazer isso. Com o tempo, eu acabei percebendo que não poderia ficar brava com você para o resto da minha vida. Sim, o que você fez foi--
– Inaceitável? – interrompi-a. – Traumatizante? Absurdamente fora dos limites?
– É – ela concordou, soltando uma leve risada. – Mas... você é família, . Algum dia eu teria que falar com você novamente, não é? Você sempre foi minha melhor amiga, e eu sei que seu motivo por ter feito isso deve ser... coerente de alguma forma.
– É, então, deixe-me explicar...
– Não. Vamos deixar isso para lá, . Está no passado e eu já te perdoei, então esqueça e simplesmente aceite, ok? – Ela riu. – Agora, venha cá.
Ela abriu os braços e eu fui em sua direção, deixando minha mochila cair no meio do caminho. Envolvi-a em um abraço e não pude evitar que um sorriso surgisse em meu rosto. Eu sentia falta de poder fazer isso com minha irmã, sentia falta de sua presença e de saber que está tudo bem.
Os movimentos para cima e para baixo que minha cama fazia interromperam meu sonho da forma mais desagradável. Eu ainda estava um pouco inconsciente para poder entender o que estava acontecendo, até sentir alguém pular em cima de mim.
– Acorda, sua dorminhoca! – Claire gritou, ainda balançando meu colchão. – Vai, levanta que o dia já chegou! Acorda, acorda, acooorda!
– Hoje é sábado, eu não preciso acordar! – resmunguei, cobrindo o rosto com um dos travesseiros da cama de casal em que eu dormia. – Me deixa em paz!
– Não importa, eu quero que você acorde! – Ela pegou o travesseiro de cima de mim e jogou no chão, pouco antes de abrir as cortinas do quarto, fazendo com que os raios de sol machucassem meus olhos. – Vai, levanta que são sete horas da manhã!
– Sete horas da manhã?! Que saco, Claire! – reclamei, ficando na posição sentada. – O que é que você quer a esse horário, caramba?!
– Eu quero conversar com você. – Ela se sentou na ponta da cama e me olhou nos olhos. – É algo sério e eu não tenho tempo para perder. Você não tem tempo para perder. Eu deveria ter te dito ontem, para falar a verdade.
– Então, diga logo.
– Certo. Veja, o que eu estou prestes a te falar provavelmente vai te deixar bem brava comigo – ela dizia, brincando com a ponta do lençol. – Mas você não pode, afinal, eu te perdoei. Então, simplesmente ouça e me perdoe da mesma forma. Promete que vai fazer isso?
– Prometo, Claire. Agora, fala logo que eu já estou ficando curiosa.
– Tá. É que... – Sua atenção continuava naquele pano de algodão. – Bom, é que, erm, o não me contou sobre o que aconteceu entre vocês dois. Para falar a verdade, ele nem sequer havia me ligado naquela hora.
– Como assim? – perguntei confusa.
– Eu, ahm... acidentalmente, e coloco ênfase nisso, eu acidentalmente ouvi sua conversa com o Johnny quando vocês estavam sentados na varanda, naquele dia que mamãe voltou do hospital. Eu fiquei chocada, indignada, e, principalmente, com raiva. Eu não agüentava o fato de você ter me traído.
– Ah! – falei, ainda processando a informação recentemente obtida.
– Eu queria... Queria te magoar da mesma forma que você fez comigo, e, por você ter dito a Johnny, eu sabia que você tinha profundos sentimentos por , então eu... menti. Eu não me importava naquele momento como você tinha ficado triste, porque era exatamente o que eu queria fazer. – Ela mordeu levemente o lábio inferior e me encarou, esperando que eu respondesse algo. Eu não conseguia, estava em estado de choque. – De qualquer forma, eu acho que foi algo de muita maldade, mas espero que você possa me perdoar.
– Eu... – comecei devagar. – Eu juro que não esperava por algo assim. Sabe, todos esses meses, eu me obriguei a perceber como ele é idiota, e, no final das contas, eu que fui, por ter o ignorado sempre que ele vinha falar comigo, por não ter atendido suas ligações... Eu realmente achava que ele tinha te contado.
– É, bem... Ele é uma boa pessoa. É humano, mas uma boa pessoa. – ela afirmou. – Então, erm, tem como estarmos quites agora?
– Não se preocupe, Claire. – Toquei em sua mão, que ainda segurava a ponta do lençol. – Eu não estou brava com você. Estou chocada, porque não sabia que você podia ser tão malvada, mas não estou brava. – Nós rimos juntas.
As risadas foram cessando, e o silêncio ocupou o lugar. Eu sentia um certo alívio por ter descoberto a verdade sobre , mas, ao mesmo tempo, sentia-me levemente culpada por ter ido embora sem ao menos um adeus.
– Então... Você ainda o ama? – Claire perguntou, quebrando a quietude do quarto.
– Para falar a verdade, eu nunca deixei de amar. – Levei meus joelhos até o peito e os abracei. – Mesmo achando que ele havia quebrado a promessa. Afinal, ninguém consegue controlar os próprios sentimentos, não é? – Sorri tristemente. – Mas o que importa agora? É tarde demais. Ele já deve estar com outra.
– Talvez não. – Um sorriso maroto surgiu nos lábios de Claire.
– Como assim?
– Bom, antes de voltar para Nova York, eu dei uma passada em Londres para pegar algumas roupas que eu havia deixado em meu apartamento, e, um dia, eu acabei esbarrando em . Tá, mentira, eu fui falar com ele.
– Falar com ele? – perguntei surpresa. – Sobre o quê?!
– Sobre você, é claro! Ele também achou estranho o fato de eu ter ido até a casa dele depois de descobrir o que vocês haviam feito, mas acabamos tendo uma conversa muito boa, sabe? E ele me contou... que ainda gosta muito de você. Sim, ainda é a palavra.
– Mas ele havia me dito que te amava!
– Não, . Ele era apaixonado por mim. Paixão. Amor é algo completamente diferente. E é por isso que eu acho que você deveria ir falar com ele.
– O quê?! – perguntei assustada. – Me desculpe, Claire, mas acho que essa sua viagem pela Europa te deixou maluca! Como você acha que eu vou até Londres falar com um garoto sem nem ao menos ter certeza de que ele realmente me quer?!
– Mas é claro que você tem certeza! Eu acabei de te falar que ele me disse que gosta de você! Ele, o próprio! Quer certeza melhor? – Ela se levantou da cama e começou a revirar meu armário. – Agora, vamos, se troque logo, porque, como eu já disse, você não tem tempo a perder.
– Claire, pára de loucura, eu não vou agora até Londres falar com o garoto! – Também me levantei e parei atrás dela, que continuava a mexer em minhas roupas. – Eu preciso fazer toda uma programação para poder viajar para outro país, outro continente!
– Não, , você não tem tempo para isso! – Ela se virou para mim, entregando-me um bolo de roupas. – Ele vai viajar daqui algumas horas, porque a turnê deles vai começar hoje! Se você sair agora, poderá encontrá-lo no aeroporto. Agora, vá, se troque logo!
– Claire, eu--
– Não, você não tem o direito de negar! – Ela apontou seu indicador em meu rosto. – Acredite, se você não fizer isso, vai se arrepender para o resto da sua vida, mesmo que ele te diga um grande “não” na cara!
Troquei-me o mais rápido que pude, por causa da pressão de minha irmã, e logo fui arrastada para o andar de baixo. Aparentemente, todos ainda dormiam, então Claire deixou um simples bilhete preso à geladeira e me empurrou para fora de casa, quase me impedindo de pegar minha bolsa.
O carro andava acima da velocidade permitida, e, apesar de meus avisos de que iríamos ser multadas, minha irmã não parou. A viagem até o aeroporto JFK parecia ter demorado menos do que uma simples ida até minha escola. Andamos o mais rápido possível, até chegarmos ao balcão, onde, milagrosamente, não havia fila.
– Ai, droga, não pegamos meu passaporte! – Bati em minha própria testa.
– Não se preocupe. – Ela retirou de sua bolsa o dito cujo e logo o entregou à moça a nossa frente, que permanecia com um sorriso estampado no rosto. – Uma passagem para menor desacompanhado para Londres, por favor.
Com seu jeito persuasivo, Claire conseguiu fazer com que eu entrasse no vôo seguinte ao meu destino desejado, dando-me apenas quinze minutos de preparo. Fomos até o portão de embarque e ela me segurou pelos ombros quando parei a sua frente.
– Eu vou ligar para ele assim que você entrar no avião e dizer que você está a caminho. – ela disse, olhando-me atentamente nos olhos. – Então, quando você chegar, ele provavelmente estará a sua espera. A partir daí... seja feliz.
– Mas como você sabe que ele já não foi para sei lá onde vai ser o primeiro show? – perguntei preocupada.
– Ele me contou o horário quando fui visitá-lo. Não se preocupe, vai dar tudo certo! – Ela me puxou para um rápido abraço. – Agora, vá, porque seu avião já vai sair daqui a pouco.
Dei um sorriso nervoso e logo segui pelo terminal. Minhas pernas estavam fracas e, apesar do calor, eu sentia meus dedos gelados. Entrei na aeronave e logo me acomodei na poltrona, onde passei as seis horas olhando para fora da janela, esperando impacientemente para que chegássemos e eu pudesse acabar logo com toda essa agonia.
Quando finalmente pousamos no aeroporto de Heathrow, eu travei. Não sabia o que falar e nem como reagir quando o visse. Milhões de perguntas começaram a rodear pela minha cabeça, deixando-me ligeiramente tonta. Eu temia que ele pudesse estar bravo comigo por ter deixado de falar com ele em meus últimos dias em Londres, ou que só tivesse dito a Claire que ainda gostava de mim para não parecer muito insensível. Voltei a encostar completamente o corpo na poltrona, assistindo todos saírem do avião, mas uma das aeromoças logo veio até mim e pediu para que eu me retirasse. Hesitante, levantei e fiz meu caminho até o salão do aeroporto. Era impossível reconhecer algum rosto no meio daquela multidão. Comecei a passar por entre as pessoas, olhando atentamente para o rosto de cada uma. Não conseguia encontrar aqueles olhos que sempre se destacavam nos lugares mais cheios. O pânico começou a tomar conta de mim, quando senti meu celular tocar. Agachei-me, apoiei a bolsa do chão e o retirei do fundo.
– Claire? – choraminguei, após apertar o botão verde do aparelho. – Ai, meu Deus, que idéia idiota que tivemos! Não acredito que você conseguiu me convencer a vir até aqui para falar com ele! A partir de hoje, nunca mais vou te ouvir!
– Como assim? – ela perguntou do outro lado da linha. – Ele não quis ficar com você?
– Eu nem sequer cheguei a vê-lo! Não tem como encontrar alguém no meio desse bando de pessoas, e eu tenho certeza de que ele nem sequer está aqui!
– Ai, Deus, você e essas suas certezas! – Claire reclamou. – Como é que você tirou uma conclusão dessas?
– Bom, se ele realmente quisesse me ver, estaria me esperando logo na porta, pois somente uma pessoa insana não conseguiria ter o bom senso de fazer isso. Acredite, Claire, ele não queria me ver.
– Mas ele me disse que estaria esperando por você, ! Eu falei até em que portão você iria desembarcar. Vai ver que você não olhou direito. Você olhou direito?
– É claro que sim, né! Eu vim justamente para isso, eu não iria sair andando, sem nem ao menos notar as pessoas a minha volta. Olha, eu vou desligar agora, depois a gente resolve isso melhor. Sei lá, preciso jogar uma água no rosto.
Minha irmã se despediu de mim e eu logo coloquei o celular dentro da bolsa. Ainda agachada, cobri meu rosto com as duas palmas das mãos e respirei fundo. Minhas esperanças eram tão altas que acabei me iludindo. Eu apenas queria que aquela dor fosse embora.
Estava pronta para me levantar quando senti uma mão em meu ombro. Virei-me para trás e lá estavam aqueles olhos que eu procurara por tanto tempo. Um de seus joelhos estava encostado ao chão, deixando-o no mesmo nível que eu. Seus dedos tocaram levemente minha bochecha, e meu coração parou por uma batida.
– ... – murmurei.
Sua mão me puxou para mais perto, e eu me entreguei ao seu abraço. Eu o apertava forte, demonstrando o quanto senti sua falta, enquanto ele fazia o mesmo. Ele me afastou ligeiramente e segurou meu rosto com as duas mãos, respirando intensamente. Seus lábios se pressionaram contra o meu de uma forma desesperada, como se ele estivesse sufocado esse tempo todo e eu fosse o ar que o fizesse sobreviver. Seus beijos desceram pela minha bochecha, até chegarem ao meu pescoço, quando me puxou para mais um abraço. Ele me soltou devagar e me encarou firmemente nos olhos. Seu rosto se aproximou lentamente do meu, e ele encostou sua testa na minha, de olhos fechados.
– Eu te amo – ele sussurrou.
Essa fic foi finalizada no dia 01/06/07, revisada nos dias 12/12/08 e 20/11/10.
Eu queria agradecer à Vii, Mah Roncon, Criickz, Mandy e Le. Uma virou amiga depois da fic terminar, duas viraram amigas graças à existência da fic, uma era amiga e nem tinha lido a fic ainda quando foi finalizada e a última sempre esteve comigo, no matter what. Obrigada, vocês são demais :)
E obrigada também a você que leu a fic. Se quiser, pode deixar um comentário ali embaixo para mim; muitas pessoas acham que eu não leio, mas já li todos esses comentários!
Se alguém quiser meu MSN, mah_lorandi@hotmail.com :) Pode adicionar no ORKUT também, mas se nós pararmos de conversar e eu te deletar depois de alguns meses sem conversa, não leve para o lado pessoal, é que eu tenho um complexo de organização e não gosto de ter pessoas com quem não converso e/ou não conheço pessoalmente :/ Mas se você puxar conversa comigo, eu prometo que farei o máximo para o assunto não acabar :D
Beijo, e obrigada novamente!
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