Lembro
quando eu tinha uns oito anos, eu vivia na rua da minha casa
jogando futebol com o
. Lembro
também do dia em que eu acidentalmente chutei a bola com um
pouco mais de força e ela acertou uma menina baixinha de
cabelos encaracolados, que estava na frente do jardim de uma das casas.
Fui até lá pra pegar minha bola e me aproximei da
menina.
-Oi
-Oi. Quem é você?
-Eu sou
,
prazer. - imitei o
papai e me curvei, dando um beijo na mão dela. Papai sempre
me disse que devemos tratar as damas com muito respeito, e ele sempre
fazia isso com as mulheres. - Qual seu nome?
-
- a menina ficou
vermelha, então eu achei que eu tinha feito algo errado.
Será que beijar a mão das mulheres era certo, mas
de uma garota é desrespeito? - Você mora onde?
-Ali, naquela casa - apontei pra uma casa quase na esquina e ela sorriu.
-Então você vai ser meu vizinho, eu vou morar
aqui com a vovó. - olhei pra casa atrás dela.
Sempre que a minha bola caia naquele quintal a senhora Smith me
devolvia, com um sorriso no rosto e algumas balas. Ela sempre foi super
legal com a gente, principalmente no Halloween: eu e
voltávamos
carregando quilos de doces quando saíamos da casa dela.
-Legal - sorri e puxei a mão dela, arrastando-a
até
, que me esperava
sentado na calçada.
-x-
Um ano depois... - 9 anos
-
, conta logo. -
corria
atrás de mim, pelo jardim da casa dela.
-Promete que vai ficar feliz? - parei de correr envolta das árvores e esperei ela me alcançar,
cansada.
-Talvez...
-Eumematriculeinasuaescola - falei sem parar pra respirar, emendando
uma palavra a outra.
-O que? - ela me olhou assustada.
-Eu me matriculei na sua escola.
-Que legal
-
me
abraçou, com um sorriso no rosto. Como amava aquele sorriso.
-x-
6 anos depois... - 15 anos
Fui caminhando até o parque. Minhas mãos suavam
como nunca e juro que estava a beira de um ataque cardíaco.
Fui me aproximando do banco onde minha melhor amiga estava sentada,
olhando pros all stars pretos, estilizados.
-
- ela sorriu quando
me viu. Aquele sorriso doce e apaixonante, que me deixava com as pernas
moles e o coração acelerado. Feliz. Apaixonado.
-
, eu... eu preciso
falar com você. - a encarei seriamente.
-Aconteceu alguma coisa? -
levantou
preocupada. Incrível como ela se preocupava com todos da
mesma forma, sempre disposta a ajudar.
-Eu.. eu... - passei a mão pelos cabelos, nervoso, e puxei
pra sentar ao meu
lado.
-Fala
, eu to ficando
nervosa.
-Eu... - travei.
Comecei a ficar mais nervoso ainda e só
conseguia encarar os lábios a minha frente. Fui me
aproximando, com medo, mas sabia que se não fizesse aquilo
naquele exato momento, nunca mais teria coragem de fazer. Cortei
qualquer espaço que existia entre nossas bocas e previa que
a qualquer momento iria ser estapeado por ter sido tão
atrevido e nunca mais veria o rosto do primeiro e único amor
da minha vida. Ao contrário do que imaginava, senti a
mão passando pela minha nuca e a minha língua em
contato com a dela, e juro que dentro de mim haviam fogos de
artifício.
Naquela semana, a pedi em namoro. Parecia que tudo melhorava pro meu
lado, minha vida ficava perfeita, com uma banda começando a
fazer sucesso, e o melhor de tudo: o amor da minha vida junto de mim.
Parecia bom demais pra ser verdade.
-x-
2 maravilhosos anos depois... - 17 anos
Estava jogado na cama, estudando química. Desde que comecei
a namorar a
, minha vida
mudou. Comecei a me dedicar mais aos estudos, a banda e até
a trabalhar. Estava quase me formando e já tinha juntado
algum dinheiro pra logo alugar algum apartamento e morarmos eu e ela.
Só nós dois, pra sempre.
-
-
entrou no meu quarto
com uma cara preocupada - A gente precisa conversar.
-Fala amor - me aproximei dela, e quando fui lhe dar um beijo, ela se
esquivou para o outro lado e ficamos nos encarando, um de cada lado da
cama.
-
, eu... - sabia
todos os pontos da
, e quando ela
ficava nervosa, começava a estalar os dedos, como naquele
momento.
-Você...?
-Eu acho melhor a gente terminar. - ela disse, olhando pra parede. Acho
que naquela hora meu mundo explodiu. Parecia que o teto tinha
caído na minha cabeça, que alguém
tinha jogado um balde de água gelada na minha cara, ou coisa
do tipo.
-Terminar? Como assim? Você não gosta mais de mim
é isso? O que eu te fiz? - Comecei a perguntar
descontroladamente.
-
- ela veio
até mim e pegou em minhas mãos, me sentando na
cama ao lado dela - Eu acho que é melhor a gente 'dar um
tempo'. Ontem recebi uma carta confirmando que eu passei na prova e
consegui vaga numa das melhores faculdades, e eu acho que eu
não posso rejeitar isso.
-
... - meu olho
começou a embaçar com o acumulo de
água querendo sair - Você tá me
trocando por uma faculdade?
-
, entenda. Eu
preciso pensar no meu futuro, eu quero ser independente.
- E pra ser 'independente' a gente precisa terminar?
- É um tempo
. Eu não
poderia ir pra outra cidade comprometida, você sabe que
não duraria. Namoros a distância sempre acabam. -
ela tentava ser paciente. - Só quero que nossa amizade
não acabe. Eu sempre vou te ligar.
- Eu te amo - Já não conseguia mais segurar as
lágrimas.
- Sinto muito. - ela largou minha mão e se levantou.
Não olhei pra trás, só ouvi a porta
batendo e senti meu coração querendo saltar da
janela.
-x-
Uma
semana. Uma semana inteira. Agora minha vida ficava do quarto pra
dentro, junto com um caderno amassado, latas de cerveja e meu
violão.
me ligava durante
vários dias pedindo pra mim ir pros ensaios, mas eu nem
conseguia. Numa das ligações, me contou que a
tinha ido embora e
mandou um recado: Fique bem. Como ela queria que eu ficasse bem?
Passei a semana inteira bebendo, compondo e chorando. Poderia ter
até fumado, mas não tinha a mínima
coragem de ir até lugar nenhum comprar um maço de
cigarros. O único exercício que fazia era levar
latas até a boca, tocar violão, escrever, dormir,
ir ao banheiro e até a geladeira pegar mais cerveja, que
já estava no fim. Numa daquelas terríveis manhãs, senti
alguém me chacoalhando. Revirei-me na cama e abri os olhos
devagar, tentando aceitar que o sonho que eu estava tendo todas as
noites era só SONHO. Vi minha mãe sentada ao meu
lado, me olhando desconfiada e chamando.
-
, ACORDA!
- O que foi mãe? - sentei com dificuldade e cocei os olhos. -
Tive um sonho estranho.
- Sonhou com o que?
- A
voltava pra mim... -
olhei pra um ponto fixo do quarto e ela levantou, quase num pulo.
-
, VOCÊ
É UM OTÁRIO! GASTOU SEU SALÁRIO E A
SUA VIDA COM AQUELA VACA. A ESSA HORA ELA DEVE ESTAR SE APROVEITANDO DE
OUTRA BESTA IGUAL VOCÊ. BEM FEITO, EU TINHA TE AVISADO E
VOCÊ ME IGNORAVA.
- Mãe, ela não é uma vaca. - levantei
irritado, jogando o lençol no chão.
- COMO NÃO? VOCÊ VIU O QUE ELA TE FEZ? SE OLHA NO
ESPELHO! COMO VOCÊ AINDA TEM CORAGEM DE DEFENDE-LA?
- Mãe, eu a amo.
- MAS ELA NÃO TE AMA.
-Quer saber... eu vou embora. - Fui até o banheiro e ainda a
escutei berrando do outro lado da porta: -SE VOCÊ QUER IR,
VÁ. MAS NÃO VOLTE MAIS.
Sentei na privada com a cabeça entre as pernas. Fiquei
realmente arrasado. Primeiro a
, depois minha
própria mãe. Voltei pro quarto, que estava vazio
e joguei algumas roupas numa mochila grande. Peguei o caderno onde
tinha escrito um monte de coisas durante a semana e arranquei a
página na qual estava a única letras que tinha
ficado 'menos pior'. Guardei o papel no bolso, coloquei meu
violão na capa, a mochila nas costas e sai de casa. No
início pensei que minha mãe voltaria
atrás e me impedisse de fazer aquilo, mas nem isso ela fez.
-x-
Agora, estou aqui, deitado no sofá da casa do
. Não podia
ficar vagando pelas ruas, então pedi um espaço na
casa dele. 'Amigos são pra essas coisas' ele disse, antes de
ir no mercado comprar cerveja. Antes de vir pra cá pensei em
virar padre, mas duvido que me aceitassem num convento. Agora
só posso fazer uma coisa: esquecer. Talvez o povo tenha
dó de mim e me dêem o cargo de presidente de um
país qualquer, mas dúvido, sendo que nem minha
mãe se mobilizou com a situação.
Agora eu penso que há anos atrás eu deveria ter
batido com aquela bola na cabeça da
, pra nunca ter
me apaixonado por ela. Coloquei a mão no bolso da
calça e puxei o papel amassado, que tinha arrancado do
caderno horas mais cedo. Levantei e fui atrás de uma caneta,
e assim que achei uma, escrevi as últimas linhas. Estou
lendo o papel pela 34.242.354 vez e não é que
ficou bom?
'Eu
tinha apenas 8 anos
Quando nós nos conhecemos lá na rua da minha casa.
A gente brincava e aprontava
E até me matriculei na escola onde ela estudava
E foram muitos anos felizes
De sorrisos e amizade até que um dia aconteceu.
Eu olhei pra ela e dei um beijo
Naquela linda boca e ela correspondeu
E meu mundo girava, e eu nem acreditava
Que aquilo era tão bom.
Minha juventude brotava, e eu me apaixonava
Pela vida e por meu som
E aí veio o dia-a-dia
E o meu sonho crescia de viver com ela pra sempre.
O dia inteiro estudando, trabalhando e cantando
Para ter dinheiro pra gente.
E quando eu já me formava
De repente ela veio e falou na minha frente:
"eu não quero mais ficar contigo
Amanhã talvez te ligo
Quero ser independente"
E meu mundo explodia
Como um mar de água fria congelou meu
coração.
Não sei onde me escondo,
Eu só sei ficar compondo
Junto com meu violão.
Mas veio minha mãe de manhãzinha
Me gritou pra levantar, e eu acordei assustado.
Contei o que havia sonhado
Ela veio do meu lado e "sussurrou" no meu ouvido:
"
a seu moleque
otário
Trabalhou, ganhou salário
E foi gastar com aquela 'vaca'
Agora tá aí jogado
Eu já tinha te avisado
E você me ignorava"
Agora estou mesmo sem nada:
Sem minha mãe, sem namorada,
Desprezado e carente.
Já tentei até o seminário
Vou completar meu calvário
Só falta ser presidente.'
Mais tarde vou mostrar isso pro
, e quem sabe colocar
uma melodia?! Agora só quero dormir e esquecer aquela do
sorriso mais lindo e perfeito, que me fez descobrir o amor e o
desprezo:
.
Beijones :*
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