15 canções     
by: Lilah Aoki
betada por: Carolis

 

Capítulo 1
 

Eram quatro e cinqüenta da tarde e se preparava para o habitual chá das cinco que, em três anos seguidos, jamais se realizara. Era incômodo sentar na ponta da cama e ficar observando a porta fechada, tendo a leve esperança de que sua carência seria arrancada do olhar perturbador que refletia no pequeno espelho do criado mudo, mas nada ali era real, a não ser o copo d’água posto sobre a mesa junto aos remédios coloridos.

  - Beba querida, ou não dormirá bem hoje à noite...
  A voz que ali soou era da mulher de vestes brancas, a psicóloga que lhe fazia perguntas freqüentes sobre o passado. Podia ver seu comportamento preocupado. Fazia dois dias que não tomava seus remédios e não pregava os olhos; ficava andando pelos corredores e se posicionava em frente a janela, debulhando-se em lágrimas todas as vezes que uma visita ia embora. Visitas que não eram dela e sim de suas colegas de personalidade irregular. Estavam naquele lugar por questões diferentes, mas pretendendo o mesmo fim.    
  - É melhor beber... – a mulher caminhou em direção a garota, dando-lhe a impressão de que a faria engolir até mesmo os copos plásticos. Inclinou-se e ficou diante dela – é para seu próprio bem, para que possa descansar...  

  abaixou a cabeça, dando movimento aos seus longos e negros cabelos, lisos, mas bagunçados. Suas mãos eram trêmulas como se sentisse frio o tempo todo e sua voz saía baixinho:    
  - Eu não quero... eu não preciso... eu preciso ficar acordada para vê-lo...    
Ela se referia a , o filho da psicóloga que aparecia todas as noites para dormir naquela “casa”. Alto e olhos azuis, já fazia meses que sonhava com ele alternadamente, mas sonhos já não bastavam, pois a sensação de vê-lo era muito mais satisfatória.   
  - Ver quem? De que está falando?
  - Eu... eu preciso vê-lo...
  - Fique calma, sim? Estou dizendo que precisa tomar isso...   
A garota não queria ser contrariada e com a mão esquerda derrubou os copinhos no chão. Com a respiração abafada, disse, em um tom de voz alto:   
  - Eu já disse que não quero!    
  Alguns segundos de paz interrompidos por três enfermeiras. Duas delas a imobilizaram enquanto a terceira lhe aplicou uma seringa com um líquido transparente no braço, fazendo com que seus olhos começassem a se fechar. Repetir palavras vagarosamente não faria nenhum efeito contra o sono que lhe tomava. Deitaram-na e lhe jogaram um cobertor por cima, deixando só a luz do corredor entrar.

So here we are
(Então aqui estamos)
We are alone
(Nós estamos sozinhos)
There's weight on your mind
(Há peso na sua mente)
I wanna know
(Eu quero saber)
The truth
(a verdade)
If this is how you feel
(Se é como se sente)
Say it to me
(Diga pra mim)
If this was ever real
(Se isto fosse sempre real)

 A porta da frente foi aberta com cuidado, sem ruído para não acordar ninguém. Ela podia ver a sombra de pelo vão da porta. A direção era a que ele sempre pegava, à direita, em seu quarto. Girava a chave e caía na cama, cansado, sem ao menos tirar os sapatos, trajando o mesmo casaco cinza escuro. o seguiu com passos leves para que não a percebesse e ficava esperando que alguma palavra surgisse dali. Como na noite passada, e em tantas outras, ela deitou-se ao lado do adormecido garoto que a abraçou pela cintura, mantendo aquecido seu corpo frágil. A respiração tocava seu pescoço e ela se arrepiava com a brisa gélida vinda da fresta da janela. tinha mãos frias e lábios rachados e no momento em que o beijou, sentiu sabor de sangue; ela recuou e ficou parada, sobre o tapete xadrez ao pé da cama. “Se ele não respirar, eu morrerei...”

 O peso sobre os olhos já desaparecera às sete da manhã. Depois do café, a sala lotou. Quatro garotas formaram uma pequena roda no canto da escada, carregando caixinhas com maquiagem; elas iam sair para um passeio com seus supostos namorados, sob as vistas de duas enfermeiras. A música que tocava na rádio era a mesma que escutara em seu sonho. The Truth, interpretada pelo Good Charlotte. Ela sentou-se no sofá, concentrada em cada palavra cantada por Joel, lembrando do sangue em suas roupas. Não piscava, parecia uma estátua exceto pelo tremor de seus braços. Houve algo errado, estava descomposto, estava diferente. Ele estava morrendo.

I know that this will break me
(
Eu sei que isto me quebrará)
I know that this might make me cry
(
Eu sei que isto poderia me fazer chorar)
You gotta say what's on your mind, on your mind
(
Você vai dizer o que está em sua mente, em sua mente)
I know that this will hurt me
(
Eu sei que isto vai me machucar)
And break my heart and soul inside
(
E quebrar meu coração e a alma por dentro)
But I don't wanna live this lie
(Mas eu não quero viver esta mentira
)

  Um grito no corredor e a voz de ecoou pelo quarto pedindo que ela fugisse.  
  - Eu amo você, mas me deixe esta noite...  
  Ela correu mais rápido do que podia, mas as portas fechadas pareciam não acabar. A neve que caía grossa lá fora, se desviava para dentro, transformando as cortinas azuis em tecidos pigmentados. Alguém agarrou-a pelos ombros e o chão se aproximou de seu rosto assim que a música parou.  
 
 
  - Me dê o lenço, me dê o lenço! – Sam gritava. Ela se encontrava em cima de , enforcando-a com um lenço amarelo, imaginando que a estariam roubando algo.
Foi tirada à força e trancafiada num quarto isolado. Sam podia ter ataques e era muito violenta. Estava ali porque perdera a mãe num incidente causado pelo pai e por, em seguida tentar matá-lo, segundo lhe disseram. Seu quarto era forrado com fotos de um garoto loiro e com olhos , a quem chamava de . o viu algumas vezes, parado no meio da sala ou andando ao lado de Sam, sem dizer nada. Ele às vezes sorria para ela, mas era como se ninguém pudesse vê-lo, e hoje ele estava na porta do quarto, talvez esperando que Sam a abrisse.

I don't care no more, no
(Eu não me importo mais, não)

Just give me the truth
(Apenas me dê a verdade)

Capítulo 2 

  O teto parecia aconchegante para os olhos. Sombras circulares rodavam a lâmpada desligada, ditando que ainda era dia. A garota do quarto ao lado gritara a tarde toda, fazendo os ouvidos de doerem. Ela, por sua vez, temeu sair para mais uma tediosa “consulta” com a psicóloga porque agora tinha medo de .  
  - , precisamos ir... 
  - Eu não quero, ele está furioso...   
  A enfermeira mais amigável permaneceu parada, com uma das mãos esticadas, esperando levantar-se. Fazia parte do tratamento cuida-la bem.   
  - De quem está falando?   
  Ela exitou e permaneceu muda.   
  - Diga-me, quem está furioso?
  - ... ...  
  - Quem é ?
  - Deixe que eu faça as perguntas – empurrando a enfermeira para fora, a psicóloga puxou pelo braço, segurando-a firmemente e levando-na até seu gabinete. Livros amontoados sobre duas ou três mesinhas transmitiam a impressão de que a sala era muito pequena, além de mal iluminada. Havia chaves nas paredes e um casaco cinza escuro familiar, recostado numa poltrona marrom, onde a doutora pôs sua bolsa horas antes. As mãos inquietas descansaram sobre a mesa – agora diga-me quem é , sim?
 
- Ele é amigo da Sam... deve ser...
 
- De onde o conhece? 
  Por um segundo ela pensou e talvez não fosse conveniente contar a verdade.
  - Não me lembro.
  - Por que estava com medo dele?
  fixou o olhar na grossa prancheta sob a mesa e lembrou-se do natal passado.

We'll do it all
(Nós faremos tudo isto)
Everything
(
Tudo)
On our own
(Sozinhos)
We don't need
(Nós não precisamos)
Anything
(De nada)
Or anyone
(
Ou de ninguém)

  A árvore nunca esteve tão bonita e em sua volta nunca houvera tantos presentes. Um especial de natal na TV trazia a banda Snow Patrol e a canção Chasing Cars soava tão bela que combinava com os sorrisos distribuídos na sala. Enquanto várias garotas atacavam os panetones da mesa de jantar, apertava um par de luvas brancas contra o peito, assistindo o jogo de luzes do clipe. Nenhum presente. O par de luvas fora o único desde a internação, o que não a deixava parar de sentir uma dor aguda por não ter em quem se apoiar. Distração a parte, notou que Sam ganhara mais um daqueles álbuns cheios de fotografias, porém esta, descontente, rumou para o quarto e despedaçou cada uma das páginas, prendendo as fotos na parede com esparadrapo.  
  - Por que ela faz isso,
 
  se aproximou do garoto e ambos passaram a observar o comportamento rude de Sam.
 
  - Ela ainda não entende, ...  
  - O que ela não entende? O que quer dizer ? 
  - Que eu nunca mais vou estar com ela...    
  Sam chorava, abraçando as imagens impressas nos papéis, deixando-as um pouco amassadas. aproximou-se singelo de , deixando-a pôr as mãos sobre sua blusa, beijando-a, sereno...   
  - Tem que me prometer que não vai deixar que a machuquem...
  - Eu prometo, , prometo que ela vai se acalmar...
  - Confio em você... – distanciou-se fazendo o desenlace das mãos – obrigado...    
A música foi ficando baixa e as luzes se tornando negras, sem que ela pudesse enxergar...  

Forget what we're told
(
Esquecer do que nos falam)
Before we get too old´
(
Antes de ficarmos muito velhos)
Show me a garden that's bursting into life
(
Mostre-me um jardim que esta se abrindo para a vida)
 
  - Por que estava com medo dele?
  - Porque quebrei uma promessa...  
  A voz saiu difícil e a garota apertou a barra da blusa, evitando olhar para a psicóloga e fazendo menção de querer gritar. A curiosidade daquela mulher parecia ter a ganância de penetrar nos pensamentos mais obscuros e se apoderar de todos os seus segredos. Isso a deixava impaciente e a fazia controlar tudo o que dizia, para não deixar escapar que a repugnava.    
  - Pode me dizer que tipo de promessa?    
  balançou a cabeça negativamente.   
  - Ele a fez prometer isso também?
  - Não. Apenas acho que não convém contar-lhe os detalhes, doutora.  
  - E onde ele está? 
  - Estava comigo no natal passado, mas a senhora não deve tê-lo visto pois estava com seu filho e... - O copo derramou toda a água ao ser brutamente virado pela alteração da psicóloga, que agora
estava em choque. Levou a mão direita à cabeça, como quem fora medir a febre, e quase que instantaneamente, respirou fundo e disse:    
  - Filho?    
  Haviam oceanos sobre as pálpebras de seus olhos e o inconsciente provocava a sensação de amargo entre os dentes, fazendo a psicóloga range-los de tanto temor.    
  - Seu filho ...
  
  - Meu... meu ? Mas...    
  Soluçou com as palavras e, olhando para , arrancou uma folha branca e rabiscou alguma coisa, fazendo-a sair depressa.    
  - Tem que tomar esses remédios, boa noite.  
O som da batida dada à porta repetiu-se durante horas em sua cabeça, deixando a impressão de que um tambor rufava, dirigindo um desfile na rua principal. Porque o nome causava-lhe tanta fraqueza era um mistério e, por mais fantasioso que isso fosse, ela pareceu-se com uma réplica da verdadeira doutora, porém muito mal concluída sem suas sórdidas atitudes.  

Forget what we're told
(
Esquecer do que nos falam)
Before we get too old
(
Antes de ficarmos muito velhos)
Show me a garden that's bursting into life
(Mostre-me um jardim que esta se abrindo para a vida) 

  A porta dos fundos escancarou-se e de lá, uma das quatro garotas que estavam festivas durante a manhã, saltitou aos berros para o banheiro, atraindo a curiosidade das outras. Deixou cair o cachecol e os brincos; logo depois, um garoto magro entrou e demonstrou desespero ao socar seguidamente a porta do banheiro, trancada por dentro. Enfermeiras tentavam controla-lo, sem efeito.   
  - Abra, Mandy, abra!   
  Os gritos estarrecidos pararam quando a porta se abriu, mas ganharam continuação pelo fato de Mandy atacar o garoto com uma tesoura. Debatendo-se contra ela, ele procurava uma maneira de conte-la, mas enfraquecia a cada segundo. Uma das enfermeiras tentou puxa-la pela perna e acabou com um grave corte no braço. Só parou quando outra garota lhe jogou água na cabeça.   
  - Eu não... não quero me afogar...   
  Mandy encontrava-se paralisada sobre o corpo do garoto, estatelado ao chão, com cortes profundos. Carregaram-na até seu quarto, dando-lhe uma camisa de força de presente; quanto ao garoto ferido, lamentavelmente ele estava em péssimas condições e inconsciente. Pelos poucos documentos, era de outra cidade e chamava-se .

All that I am
(
Tudo que eu sou)
All that I ever was
(
Tudo que eu sempre fui)
Is here in your perfect eyes, they're all I can see
(
Esta aqui em seus olhos perfeitos, eles são tudo o que eu consigo ver)
I don't know where
(
Eu não sei onde)
Confused about how as well
(
Confuso sobre o como também)
Just know that these things will never change for us at all
(
Apenas sei que estas coisas nunca mudarão para nós em nada)

Capítulo 3

 
Após o segundo ataque, foram estabelecidas mudanças nos horários e agora elas tinham menos tempo para o lazer. Passavam a maior parte do dia no quarto, escrevendo ou lendo alguma coisa, saindo apenas para coisas necessárias, como banho.

Hold up
(Acalme-se)
Hold on
(Aguente firme)
Don’t be scared
(Não se assuste)
You’ll never change what’s been and gone 
(Você nunca mudará o que aconteceu)

  entrou na banheira. A camisola branca em contato com a água a fazia lembrar-se dos rios onde costumava nadar. A pia trincada precisava de conserto e a janela fechada deixava escapar uma pequena parte do luar, cujo fecho de luz reclinava-se sobre a porta de um guarda-roupa devoluto, na parte mais sombria do banheiro. Ali ao lado, encostada numa parede manchada, havia uma cadeira com forro vermelho e pernas bambas, onde estava...
  - Você fica linda quando molha os cabelos...
  Dando um pequeno sorriso, olhava para a torneira, que gotejava, enquanto brincava com a cadeira. Pôde-se escutar o som do pêndulo preso ao relógio da sala; era novo, uma das enfermeiras o tinha colocado lá.
  - Eu mencionei que ele vinha?
  - Não.
  - Terá que cuidar bem dele... sabe disso não é?
  - Sei, mas até este instante eu não pude sequer vê-lo...
  Voltou os olhos a ele. Sua face denunciava que ele estava contente.
  - Perdoe-me por não lhe trazer presentes...
  - Não me preocupo com isso... tudo bem, ...
  - me disse... - ajeitava os sapatos - que ainda confia em você...
  Uma sensação de alívio filtrou o sangue dela, fazendo-a soltar um grande suspiro e relaxar. A luz vinda do corredor pareceu aumentar.
  - Pensei que...
  - Não precisa ficar com medo...
  - Ele me olhou com desprezo depois que a Sam... 

 

  Os sons dos passos de uma enfermeira começaram a reinar sobre os sussurros e a porta imediatamente se abriu.
  - Pronta para uma longa noite de sono?

  Os olhos atordoados iniciavam uma noite bem dormida. Os gritos do quarto ao lado diminuíam como no botão da TV. O travesseiro era seu melhor amigo agora. A imagem de , criada em sua cabeça, ficava embaçada, mas a voz se repetia incansavelmente: "Cuidar dele, cuidar dele, cuidar bem dele..." 

Cause all of the stars
(Porque todas as estrelas)
Are fading away
(Estão desaparecendo)
Just try not to worry
(Apenas tente não se preocupar)
You’ll see them some day
(Você verá algum dia)
Take what you need
(Apenas pegue o que você precisa)
And be on your way
(E siga seu caminho)
And stop crying your heart out
(E deixe de desespero)

  passou despercebido pela mãe, que colocou um de seus CD's maravilhosamente bem escolhidos. Ao som de "Stop Crying Your Heart Out" do Oasis, ela ficou brincando com sua cadeira do mesmo modo de . Lembrancinhas e fotos estavam por toda a parte; nas estantes, os vários retratos pareciam chacoalhar e em muitas prateleiras se encontravam livros e diários de folhas amareladas ou roídas. Tirou o jaleco e logo depois a blusa branca de mangas compridas, deixando a mostra uma grande cicatriz no braço direito. Abriu uma das gavetas e tirou um maço de cigarro. sentiu que estava encostada na porta do gabinete, invisível aos olhos da psicóloga que, a cada tragada, virava uma das páginas de um histórico aberto sobre a mesa.
  - Mandy Denver, 19 anos... "filhinha de papai"
  Ria aturdida, tirando as cinzas que caíam sobre a pasta. Por um momento, pensou em dar um passo à frente, mas foi puxada abruptamente por .
  - Não confie nada à ela...
  O garoto estava atordoado, o casaco cinza amarrotado e a voz fraca, dando a nítida impressão de ter sido atacado.
  - ... não é assim que alguém se refere à própria mãe...
  - Isso não é brincadeira...
  - Eu compreendo que não, mas por que não devo confiar nela?
  - Porque ela não é quem você pensa...
 

  Fora acordada com gritos e choros e pelas sirenes da ambulância e do carro de polícia. Assim que abriu a porta de seu quarto, viu Mandy coberta numa maca, sendo levada para fora, morta.
  - O que houve? - perguntou a uma enfermeira que estava paralisada junto a uma parede.
  - Ela se matou... cortou os pulsos.
  O alvoroço diminuiu quando o corpo foi levado. Todas as garotas se punham diante das janelas para vê-lo ir para longe, sabendo que Mandy não voltaria. apressou-se e adentrou na enfermaria, onde repousava, sem saber do ocorrido. Ela se agachou ao lado da cama, ouvindo a leve respiração do garoto, que devagar abriu os olhos e a encarou, dizendo:
  - O que aconteceu com a Mandy?
  Ela se dividiu entre contar ou não a verdade, mas se não o fizesse, logo saberia por outros.
  - Ela... ela se foi...
  Ele pareceu entender e aceitar bem, apesar de demonstrar, sem querer, a dor que tomava seu corpo. Deixou rolar uma lágrima, que foi limpa por um dos dedos de .
  - Você sabe por que ela estava aqui, ? Todos têm um motivo e...
  - Ela tentou me matar, como ontem...
  - Por que, se ela estava tão feliz para te ver?
  virou o rosto contra a garota, direcionando o olhar às camas vazias e permaneceu imóvel por alguns segundos. Extremamente triste, ele se recompôs e voltou-se à ela.
 - Acho que eu não fazia bem pra ela...
  - Impossível. Você era tudo o que ela tinha...
  - Então já tem um porquê, não acha?
  - Não.
  Séria, imaginou , três anos antes, quando ele não dava conselhos e sim, carinho.

Get up [get up]
(Levante-se [levante-se])
Come on [come on]
(Vamos! [vamos!])
Why’re you scared? [I’m not scared]
(Por que está assustada? [não estou assustada])
You’ll never change
(Você nunca mudará)
What’s been and gone

(O que aconteceu)  
       

   A neve encobriu todos os telhados e árvores e engrossava a cada hora. se atrasara novamente. A festa no fim, mas ela saiu para procurá-lo na escuridão mais patética, vencida pelas luzes do ano-novo.
  O parque e seu lago congelado davam espaço para as brincadeiras das crianças escandalosas e na frente de um dos prédios ela pôde ver Sam e seu lenço amarelo, ao lado de um alto e esbelto garoto e um cachorro. Acenou e continuou caminhando até ver encostado na parede de um mercado, muito atencioso, dando meias palavras encantadoras a uma garota, que hora corava, hora sorria, entregando-se à malícia do rapaz. Não acreditando no que viu, passou pelos dois e adentrou no mercado, fazendo percebê-la e seguí-la para se desculpar.
  - Não pense algo errado...
  Ela agora pagava por um litro de vodca. O atendente sem dar muita atenção, lhe entregou um pequeno calendário de bolso e os dois jovens saíram depressa, em direção à ponte central.
  - Me desculpe, eu não queria te ver assim, magoada...
  - E eu não queria um ano novo assim, ...
  Deu as costas, mas o garoto segurou-a pelo braço, fazendo com ela voltasse.
  - Me solta!
  Num movimento brusco, o litro quebrou-se ao ser jogado contra ele, que desmaiou e caiu nas águas correntes sob a ponte.
  - !!! 

   deu um pequeno pulo, acordando da alucinação.
  - E você? Por que está aqui?
  - Te digo outro dia ... até mais.
  A porta bateu e novamente ouviram-se gritos no quarto ao lado... aquela garota devia realmente estar passando mal.      

We’re all of us stars
(Nós todos somos estrelas)
We’re fading away
(Nós estamos desaparecendo)
Just try not to worry
(Apenas tente não se preocupar)
You’ll see us some day
(Você nos verá um dia)
Just take what you need
(Apenas pegue o que você precisa)
And be on your way
(E siga seu caminho)

Capítulo 4 

  Após uma longa hora, os gritos vizinhos pararam, como se alguém tivesse amordaçado sua língua. afundou a cabeça no travesseiro, pensando em algo para vencer a monotonia. Quando quase ficou sufocada, deitou-se novamente e deu um breve bocejo. estava sentado na ponta da cama, balançando as luvas brancas de um lado para o outro.
  - O que faz aqui?
  - Ora, você acabou de pensar em mim... por que não contou ao ?
  - Ele seria amigo de uma assassina?
  largou as luvas num canto.
  - Você não é assassina, foi um acidente...
  Ela descruzou seu olhar do dele e virou o rosto para o lado, deixando rolar algumas lágrimas desvalidas. Sentiu que ele tocava uma de suas mãos, tentando comprimir a dor da culpa, porém nada dizia. As sombras se moviam nas paredes e só o que se conseguia ouvir era a respiração alta de ambos. enxugou algumas lágrimas e resolveu falar:
  - Conta pro , talvez ele diga algo que te interesse...
  A porta se abriu e uma enfermeira avisou que ela teria uma "consulta" com a psicóloga. Para era uma sandice ter que ver a doutora mais que duas vezes por semana, mas não havia escolha, depois da manhã conturbada, todos deveriam estar preocupados se as garotas não fariam outras loucuras. Ela deixou e as luvas e direcionou-se até o gabinete. Assim que entrou, pôde ver três históricos sobre a mesa, incluindo o de Sam; todos em pastas negras com várias etiquetas. A psicóloga continuava a examiná-las e pediu que a garota se sentasse, sem ao menos olhar para ela.
  - Sam teve um lacônico ataque quando mencionei ... - agora ela encarava-a, como quem deseja uma resposta à todo custo - o que me diz sobre isso?
  - Ele deve ter sido alguém muito especial pra ela...      

E agora que você compôs essa canção
Esvaziou o ódio do seu coração
Viu que não é assim que você vai parar de chorar?

  Dias depois de seu aniversário, Sam ganhou o costume de se trancar no quarto e dizer coisas às fotos, tendo o leve devaneio de que ali estava ele, em carne e osso. Numa dessas tardes chuvosas e escuras, se pôs a ouví-la do outro lado da porta e o acompanhou, ficando ao seu lado. Fortes trovões impediam que escutassem tudo o que Sam resmungava, mas puderam compreender que ela pedia pra ficar junto dele.
  - Amanhã são exatos dois anos e ela deve ter se lembrado.
  - Não se preocupe ... ela vai ficar bem...
   sorriu e encostou o ouvido na porta, desejando mais do que nunca estar lá dentro. O barulho da tempestade foi diminuindo e ele permaneceu contente.  

E os teus olhos que não podem nem mais se fechar
Se toda vez que fecham te fazem lembrar
Memórias que a mente insiste em guardar pra te fazer chorar
Pare de chorar
Feche seus olhos e durma
E vá sonhar no seu sono profundo

  - Ele foi especial pra ela, senhorita , sabemos disso, consta na ficha... assim como na sua há um tal ... deseja falar sobre ele?
  A garota abaixou a cabeça e sua respiração tornou-se abafada, dando a entender que o nome mexia com seus nervos e, de fato, era muito importante em sua vida. A psicóloga gostou da reação, tirando proveito desse desvalido detalhe.
  - , 21 anos, causa da morte: afogamento... hum, quer dizer que você deu uma garrafada nele, muito original...
   ainda imóvel, começou a soluçar, já que a cena se repetia enquanto a doutora falava. Vivenciar todos aqueles fatos novamente seria seu pior castigo.
  - Querida... não precisa ficar assim... mortos não guardam rancor...
  Sua vontade era de pular no pescoço daquela mulher, fazê-la parar; tolice a dela pensar que isso ajudaria no tratamento. Rancor era uma mísera sensação psíquica perto do seu ódio e a única coisa que a impedia de se mover era o pequeno amor a vida que ainda conservava.
  - Ora, vamos... me fale mais sobre ele...
  - A senhora tem a ficha, por que não lê?
  - Não me venha com essa atitude, mocinha, quero ouvir da sua boca, sua impertinente...
  Socou a mesa, deixando o rosto ferver. olhava, um tanto espantada, imaginando se naquele braço haveria realmente uma cicatriz. As mãos trêmulas indicavam um nervosismo instável. A garota sem lembrou do que lhe disse e somente perguntou:
  - Vai mudar meus remédios?
  Enfurecida, a psicóloga rasgou e rabiscou uma folha, esticando-a em frente ao próprio rosto.
  - Tome isso agora... quero você dormindo e acordando só amanhã, boa tarde!          

Você sem querer mais acordar
Quero um sonho que você nunca sonhou
E uma razão pra voltar a amar
Aquele que nunca te amou 

  passou por sua mãe novamente, e desta vez, "Sono profundo" da banda Fresno, embalava seus pensamentos no isolado sofá do gabinete. seguiu o garoto, que caiu cansado sobre a cama. A razão dele estar assim, deveria ser o trabalho com que se ocupava ao dia e onde ele gastava toda a sua energia. Pediu que ela se aproximasse e segurou uma de suas mãos.
  - Não queria ter te conhecido nessas circunstâncias...
  - Se eu não viesse pra cá, nunca nos veríamos...
  - Sim, mas acho que seria melhor estar com você longe daqui...
  Os lábios se encostaram por um tempo. Ele sorriu enquanto ela massageava suas costas, aliviando um pouco a dor. A expressão de era exausta e ele mal se mexia; a boca machucada às vezes sangrava.
  Permaneceram ali, quietos, se entreolhando até a porta se abrir e a psicóloga estrar chorosa no local. Ajoelhou-se e debruçou os braços sobre um baú, abrindo-o um tempo depois. De lá saíram álbuns de fotos, roupas e brinquedos.
  - , por que... por que...?
  sentou-se na cama e passou a observar a cena.
  - ... sua mãe... está chamando por você...
  Ele sequer abriu os olhos. Continuou dormindo e segurando a mão da garota, que se preocupava com o aparente desespero daquela mulher.
  - ... sua mãe...
  - Deixe que ela me chame, deixe-a rasgar suas cordas vocais porque eu não me importo com alguém que não me ama!
  Agora ambos encontravam-se sentados, enquanto a doutora abraçava uma blusa preta do filho. Ela não reparava nele, como se estivessem invisíveis. sentiu seu coração apertar ao ver assustada com a frase que ele acabara de quase gritar. Tocou seu rosto, ainda ignorando a mãe.
  - Calma, sim? Ela não é o que chamamos de mãe exemplar...
  - Mas é SUA mãe...
  - Então diga isso à ela...
lhe deu um beijo e tudo em volta escureceu. Já não via mais nada, quando a porta se fechou.           

Então deixa eu cantar
Pra você dormir
E nunca mais acordar
Do sonho que eu fiz pra ti

Capítulo 5

Naquela manhã, os corredores estavam silenciosos e limpos. A luz do sol que partia da janela acordou , que permaneceu pensativa sobre o sonho que acabara de ter. tinha uma enorme fúria nos olhos, uma fúria que ela jamais viu em pessoa alguma.
Uma enfermeira abriu a porta levemente espiando para ver se a garota já acordara. Ao ver que sim, disse:
- Pode vir até a enfermaria?
Os joelhos ainda dormentes, a enfermeira aparentava ter sono e dor de cabeça. Entraram na enfermaria, onde a maioria das coisas eram brancas, e estava olhando para o nada.
- Ela está aqui, fiquem à vontade!
A mulher saiu e os deixou a sós na sala. se voltou para , sorrindo.
- Eu pedi que ela te chamasse...
- Algum problema?
- Não, mas gosto de ter com quem desabafar...
sorriu ligeiramente, fazendo ela se lembrar do dia em que Mandy chegou ali.

I open my eyes
(Eu abro meus olhos)

I try to see but I'm blinded by the white light
(eu tento enxergar mas estou cego pela luz branca)
I can't remember how
(não consigo lembrar como)
I can't remember why
(não consigo lembrar porquê)
I'm lying here tonight
(Estou deitado aqui esta noite)
And I can't stand the pain
(e eu não posso agüentar a dor)
And I can't make it go away
(e eu não posso fazê-la ir embora)
No I can't stand the pain
(não, eu não posso agüentar a dor)


Em um ano, a única novata era Sam. Costumavam ser amigas lá fora, o que distorceu levemente a idéia de loucura. A porta se abriu e de lá veio Mandy, tonta por conta de alguns medicamentos. Trancaram-na num quarto que desde então passou a ser o local onde ela se recompunha. Outras garotas sussurravam e inventavam histórias do porquê de sua vinda, mas ninguém sabia ao certo. não trocava palavras com ela nas horas das refeições, até porque permanecia muito tempo calada e quase sem se recordar da própria voz, mas o motivo deveria ser o mesmo. Todas as garotas que ali viviam, sob vigília constante, tinham motivos para não voltar pra casa, para uma vida convencional; todas ali haviam trocado proezas felizes por medos e transtornos; todas sabiam que o descontrole guardava-se em seus corpos para sair e se alimentar de crises... todas elas mataram alguém.

Um forte vento entrou na enfermaria, fazendo os cabelos de ambos esvoaçarem. falava pouco e, percebendo pequenas distrações momentâneas de , decidiu perguntar-lhe sobre ela.
- Diga-me, por que está aqui?
- Deve saber... Porque matei uma pessoa.
- Sim, mas conte-me sua história...
ficou cabisbaixa, enquanto contava a história de que se recordava a cada minuto e que se repetia. Ela podia ver claramente se afogando, mas tudo não passava de uma lembrança.

Mandy ficou encolhida num canto do corredor, observando todos que ali passavam, fitando o chão às vezes e cantarolando algo.

How could this happen to me?
(como isto pôde acontecer comigo?)
I made my mistakes
(eu cometi meus erros)
Got no where to run
(não tenho pra onde correr)
The night goes on
(a noite vai embora)
As I'm fading away
(eu estou murchando)
I'm sick of this life
(estou cansado dessa vida)
I just wanna scream
(eu só quero gritar)
How could this happen to me?
(como isto pôde acontecer comigo?)

sentou-se ali em frente, ainda encarando os sapatos, esperando alguma pergunta ou mesmo bronca.
Era o Valentine's Day e as pessoas costumavam se agitar, pensando nos bombons e nas atitudes caretas dos apaixonados. havia penteado os cabelos, tinha brilho no lábios e usava um vestido azul; não tinha o que comemorar, mas queria que a visse assim. Já Mandy vestia qualquer blusa branca com um jeans rasgado, cantarolando o refrão da música repetidamente, até que parou e disse:
- É bom você não me amar...
encarou-a, perguntando o porquê.
- Todos que me amam deveriam estar mortos...

prestava atenção nos gestos da garota, concentrado em cada palavra. Quando ela terminou, ele não se conteve:
- Foi um acidente.
Era o que todos repetiam, menos a psicóloga, que parecia julgá-la como insana. A transparência dos fatos direcionava a palavra "assassina" para bem longe, mas a doutora fazia questão de tornar a sua vida turva e sombria, fazendo-a esquecer das boas recordações. não mais sabia como conhecera , mas se esforçava para lembrar, sem sucesso e, aos poucos, a psicóloga também lhe arrancaria da memória o dia em que conhecera .
A mão de escorregou pelo braço da garota, dando-lhe a impressão de que encontrava segurança ali.
- Eu conheci o ...
- E me odeia por tê-lo matado?
- Não. E tenho certeza que ele ainda ama você...
- Como?
- Nós nunca esquecemos do amor de alguém quando ele é demonstrado com sinceridade, mesmo que isso só cause destruição...
O silêncio abrangeu a sala, deixando livre o canto de um pequeno pássaro parado à janela. Ambos tinham lágrimas nos olhos. Eram onze e quarenta e teve de sair para deixá-lo descansar. Fechou os olhos enquanto caminhava em direção à sala onde todos estariam se preparando para o almoço, e podia escutar acalentando seu sono, num acampamento escolar, descansando as mãos sobre seus cabelos, fazendo-a estar protegida envolta em seus braços. Era assim que o conhecera e era assim o modo como deveria lembrar-se dele.
Sentou-se numa das pontas da mesa. Sam estava lá e logo atrás dela. Ela parecia estar bem. Um pequeno sorriso despontava em seu rosto, e ao que tudo indica refletiu em , fazendo-o ter um ar mais feliz.
O lugar de Mandy permaneceu vazio por semanas. Poucas vezes, uma garota ou outra repousava ali uma rosa branca, um significado de respeito para com sua memória, mas não tocavam em seu nome.
circulava pela "casa" em certos dias, mas continuava fraco e não se sentia bem com a presença da psicóloga.
Aos poucos, foi calando-se novamente, guardando as palavras para suas diárias conversas na enfermaria.

Everybody's screaming
(todo mundo está gritando)
I try to make a sound
(eu tento fazer um som)
But no one hears me
(mas ninguém me ouve)
I'm slipping off the edge
(estou caindo do alto)
I'm hanging by a thread
(estou pendurado por um fio)
I wanna start this over again
(eu quero começar de novo)
So I try to hold onto
(então eu tento esperar)
A time when nothing mattered
(pelo tempo quando nada importava)
And I can't explain what happened
(e eu não consigo explicar o que aconteceu)
And I can't erase the things that I've done
(e eu não posso apagar as coisas que eu fiz)
No I can't
(não eu não posso)[Untilted - Simple Plan]

Capítulo 6  

- Eu me lembrei ... 
A garota entrou contente na enfermaria, puxando uma cadeira e direcionando um sorriso singelo a ele, que retribuía com o doce olhar que sempre a encantava. 
-
Acampamentos escolares são realmente ótimos para conhecer pessoas...
- Sim, sim... Mas... está melhor hoje?
revirou os olhos, dando uma coreografia maluca a eles. Queria dizer que não muito, pois os cortes ainda lhe arrancavam gemidos de dor. não queria, francamente, que ele se recuperasse tão cedo. Não por ser má, mas para não ter que perder suas agradáveis manhãs, recheadas de conversas e olhares. Simplesmente não queria vê-lo ir embora.
- Quando melhorar... Você vai me esquecer?
- Não.
- Mas, er... Eu não quero que você melhore, quero dizer, eu quero, mas...
- Por quê?
- ...
Ela parou as mãos entrelaçadas diante do peito, inspirou e expirou o ar devagar, apertou os olhos, deixando que uma lágrima escorresse e continuou:
- Todos que eu amo vão embora...

Such a lonely day
(Que dia solitário)
And it's mine
(E é meu)
The most loneliest day of my life
(O dia mais solitário da minha vida)

Such a lonely day
(Que dia solitário)
Should be banned
(Devia ser banido)
It's a day that I can't stand
(É o dia que não posso aguentar)


Os portões aumentavam e o carro se aproximava daquele lugar estranho. olhava pela janela e depois para sua mãe, que dirigia um tanto aborrecida. Pararam no jardim, lotado de flores pequenas. A placa não indicava coisas animadoras:"Centro de adaptação psicológica". A mãe e a garota seguiram a psicóloga até o gabinete.  
passeou os olhos por tudo, girando com a cadeira sem entender muito; duas semanas antes estava trancada em seu quarto, proibida de ir ao enterro de , e agora esta casa com leviana aparência de hospital.  
Alguém, em um dos quartos, ligara uma música que vinha sorrateiramente aos ouvidos da garota. Já não prestava mais atenção ao que as duas mulheres à sua frente diziam, mas reconheceu "Lonely Day" do System of a Down. A letra caía perfeitamente sobre sua vida nos últimos tempos.

The most loneliest day of my life
(O dia mais solitário da minha vida)
The most loneliest day of my life
(O dia mais solitário da minha vida)

Such a lonely day
(Que dia solitário)
Shouldn't exist
(Não devia existir)
It's a day that I'll never miss
(É o dia que nunca sentirei falta)


Ainda distraída, olhou para um porta-retratos da estante e viu a foto de , por quem estremeceu. Sua mãe levantou-se e deu-lhe um forte abraço, deixando fora do transe momentâneo. Saiu e foi embora. 
- Bem vinda, senhorita , a partir de agora esse é o seu novo lar... 

não se importou quando mudou o assunto. Os dois não queriam falar de idas e vindas e abandonos, mas não evitavam o assunto. Contudo, ela sabia que um dia a deixaria, porque ele tinha que voltar para sua própria vida.

Sam vinha para a sala, à tarde, com seu lenço amarelo enrolado nos dedos. Parecia um tanto confusa. Sentou ao lado de outras garotas no sofá e comentou algo como "esquecer vale a pena". estranhou não ver e buscou sua imagem por todos os lados. 
- O que você fez?
Sam parou de falar para entender a pergunta.
- Como... O que eu fiz?
- Você... Você o apagou? O esqueceu?
parecia preocupada. Sam sabia o que ela queria dizer e murmurou um "estou tentando" bem baixo, enquanto as outras brincavam com retalhos de panos coloridos. Uma delas apontou para a janela e todas se levantaram para ir até lá, deixando as antigas amigas esquecidas.
Ainda respirando abafado, não queria acreditar que Sam deixara suas lembranças serem esmagadas daquela forma. , com certeza, era a pessoa mais importante em sua vida e estaria chateado com essa atitude. Sam inclinou-se um pouco e cochichou:
- Estou fingindo...
A outra garota franziu a testa, inclinando-se também, para que a conversa não fosse estendida a outro alguém.
- Ninguém pode saber... A doutora quer que eu o esqueça, então é melhor que eu finja ou...
- Ou o que?
- Ou vocês terão de esquecer a mim...
As palavras aturdiram a cabeça da garota, fazendo-a ficar mais confusa que anteriormente. O termo "esquecer" não era bem vindo em seu vocabulário e Sam, mesmo tão diferente, lembrava a boa atriz do colégio. retirou-se, despedindo-se da amiga com um sorriso um tanto forçado. Entrou no quarto e pô-se a encarar o teto. Sam nunca esquecerá ... Nunca o deixará de lado, nem as lembranças, nem os sonhos... Ao menos que tudo fosse arrancado pela morte.  

And if you go
(E se você for)
I wanna go with you
(Eu quero ir com você)
And if you die
(E se você morrer)
I wanna die with you
(Eu quero morrer com você)
Take your hand and walk away
(Pegar sua mão e ir embora)


A escola lotava no festival de fim das aulas. Era onde os encontros mais aconteciam, porque, no ano seguinte, não aturariam mais tudo aquilo, poderiam entrar em férias permanentes se quisessem.
e Sam andavam pelo lugar, comendo guloseimas e bebendo um pouco. Algumas vezes se perdiam e se encontravam em lugares inusitados, como a barraquinha de arrecadação de "fundos para novas flores na praça". Num desse desencontros, Sam conheceu , se apresentaram, se gostaram e não se separaram mais. adorou a nova companhia da amiga e começou a sentir-se responsável para tornar aquele relacionamento uma coisa certa e otimista, para que a vida corresse em perfeição. Queria poder retribuir os cuidados que a amiga tinha quando chegou em seu mundo, mostrar que o amor unia ainda mais aquela amizade.

Such a lonely day
(Que dia solitário)
And it's mine
(E é meu)
It's a day that I'm glad I survived
(Fico feliz por ter sobrevivido a dias assim)
 



Capítulo 7

atravessou o corredor, acompanhando uma enfermeira. Abriram a porta  e adentraram no gabinete, onde a psicóloga rabiscava nuns papéis, relendo tudo para entender o que fazer. A garota se sentou e conseqüentemente voltou o olhar para o casaco cinza escuro. Escorregando um pouco da cadeira, viu o histórico de Sam. Fez menção de pegá-lo, mas recuou; aquilo não era mais um de seus pertences, dos quais se apoderava a qualquer instante e não tinha a ver consigo. Endireitou-se e fitou a janela ao lado da estante.
- Pode ver se desejar...
A doutora apontou com a cabeça, ainda com uma caneta em mãos, escrevendo continuamente em um bloco, distraída. segurou aquele histórico trêmula, mas curiosa, não sabia de fato, o que ocorrera para Sam estar ali. Abriu na primeira página, deixando algumas fotos de lado.   

Samantha Melvic, 19 anos, filha de Hally Melvic e Stand Melvic, acusada de homicídio culposo.

concentrou o olhar no que lia e acabou sem perceber que a psicóloga a observava atentamente. Estava colhendo informações, exatamente o que não queria. A garota se aprofundara tanto ali, que começou a se sentir mal. ... também estava morto. Sam atirou nele e depois tentou suicídio... em vão, tudo em vão... ela fechou os olhos, tentando não se sentir daquele jeito, tentando não crer que aquilo havia realmente ocorrido.
- Você está bem? O que houve?
- Eu... estou... tonta...
A garota dizia pausadamente. A luz da luminária parecia piscar.
- Vá para seu quarto, sua tarde será de descanso hoje...

Já deitada, olhava o pé da porta, esperando que alguém aparecesse. Ela necessitava de algum consolo. A luz fraca que entrava em seu quarto, diminuía aos poucos. Lá fora as nuvens tornaram o céu claro num acolchoado nebuloso. Rapidamente foram recolhidas as roupas e trancadas todas as janelas. sentiu o frio tocar sua pernas e abraçou a coberta para aquecer-se. Seria uma grande tempestade. 

Oh! Simple thing where have you gone
(Coisa simples por onde você tem andado)
I'm getting old and I need something to rely on
(Eu estou ficando velho e preciso de algo em que confiar)
So tell me when you're gonna let me in
(Então me fala quando você vai me deixar entrar)
I'm getting tired and I need somewhere to begin
(Eu estou ficando cansado e preciso de algum lugar para começar)


Novamente o gabinete. O som parecia ter sido ligado sozinho e a melodia de "Somewhere Only We Know" do Keane ecoava por todos os lugares. encontrava-se perto da estante, defronte aos livros ali postos, arrumados e de aparência velha. O desalento tomava conta de si quando lhe chamou à porta. Ainda mais fraco, pediu a ela que o escondesse. Partiram então para uma espécie de porão, cuja cavidade encontrava-se embaixo do tapete do gabinete. Ela não fazia idéia de onde ou do porquê de irem para esse lugar, e lhe garantiu que ali era um excelente esconderijo.
- Preciso que permaneça em silêncio.
A garota balançou a cabeça e o abraçou quando ouviu passos. Sentia arrepios ao tentar imaginar quem estaria ali em cima, procurando por seu . Lágrimas caíam por conta de seu nervosismo, mas ele não dizia nada. Segurou forte a cintura de , que soluçava, preocupada. A pessoa que caminhava no andar de cima, agora esmurrava as portas e as paredes, percebendo, de repente, algo sob seus pés. 
- Acorde, , acorde! - teve a impressão de ouvir dizer.

O alçapão foi aberto bruscamente e a luz ofuscou seus olhos.


So If you have a minute
(E se você tiver um minuto)
why don't we go
(por que nós não vamos)
Talk about it somewhere only we know?
(falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?)
This could be the end of everything
(Isso poderia ser o final de tudo)
So why don't we go
(então por que nós não vamos) 
Somewhere only we know?
(para algum lugar que só nós conhecemos)


Sentou-se depressa na cama, ofegante. Olhou em volta e pôs a mão na cabeça, como quem mede a febre de alguém. Parou um pouco, voltou a deitar-se e dessa vez não conseguiu lembrar. Que sonho estranho fora aquele? A cabeça começou a latejar e sentia que não podia mais levantar-se. Prosseguiu com os pensamentos, preocupada agora com , se ele estaria bem. Trovoadas não lhe afetavam a concentração e, aos poucos, seus olhos pesavam novamente. Quem era aquele que os descobriu ali embaixo? O que ele queria? As perguntas formavam-se em sua mente e era como se isto a enlouquecesse ainda mais. Já não sentia o calor de e a recordação estava fraca. O que tinham lhe escondido? Por que tudo terminou ali? A chuva não parava e o som da água se misturou ao toque da música. deitou a cabeça de lado e adormeceu.  

I came across a fallen tree
(Eu encontrei por acaso uma árvore caída)
I felt the branches of it looking at me
(Eu senti seus ramos olhando para mim)
Is this the place, we use to love
(Esse é o lugar que nós costumávamos amar?)
Is this the place that I've been dreaming of
(Esse é o lugar com o qual eu tenho sonhado)

Sozinha, sentada no corredor perto da porta daquela última sala. A enfermaria estava trancada e as janelas hora abriam, hora fechavam, debatendo-se por causa da ventania. Após longos quinze minutos, estava em pé, correndo em direção ao gabinete e escancarando a porta. O local havia sido revirado e o alçapão aberto. Uma trilha quase imperceptível de sangue a fez pensar que houvera uma luta ali, da qual alguém saiu ferido. As mãos da garota tornaram a estremecer e ela caminhou lenta para trás, encostando em alguma coisa. Sam estava pálida e chorosa e abraçou a amiga o mais forte que pôde. 
- Sam?
- Eu... eu não sei por que ela quer isso, ...
- Ela quem?
Sam apontou para o porta-retrato na mesa, onde havia uma foto de e sua mãe, também manchadas de sangue. observava de longe ao lado de . pôde vê-los logo depois, enquanto Sam, chocada, respirava com dificuldade. As duas seguiram na direção dos garotos, mas ao olhar para trás, deu de cara com , que caiu. Ele sangrava muito e quase não podia falar. Agarrou-se aos braços dela, tentando achar uma sensação boa que o fizesse esquecer de tudo, sussurrou palavras incompreensíveis e um momento de calma se estendeu. Os barulhos das janelas e do relógio da sala renderam-se ao silêncio imposto pela cena que seguiu assim por mais um tempo.
- Eu a odeio... - sussurrou.
olhou confusa e percebeu que Sam não estava mais lá. se abaixou e ficou perto dela, mas , imóvel, deixava seus olhos aguarem.
- Preciso dizer isso à ela...
- Não, , fique quieto... - A garota quase implorava, mas repetia... " a odeio, ela precisa saber". Não havia ninguém para acalmá-los ou ajudá-los e a dor de cabeça aumentou. A garota suportou até onde pôde, mas a vista escureceu novamente e ela não sentiu mais nada...


This could be the end of everything
(Isso poderia ser o final de tudo)
So why don't we go
(Então porque nós não vamos)
Somewhere only we know?
(para algum lugar que só nós conhecemos?)


Capítulo 8

pôs um grosso casaco vermelho, que a fazia ficar bonita mesmo com os cabelos desgrenhados. Ela se sentou no canto da cama, sentindo pontadas na cabeça e no estômago e recordando o sonho da noite passada. A cada dia essas fantasias tornavam-se mais estranhas e dolorosas e as cenas repentinas, mais temerosas. Alguém sempre estava contundido.
Ficou ali, dispersa em pensamentos quando a porta foi aberta. Demorou-se um pouco e ao olhar sorriu, vendo bem vestido, encarando-a. 
- Dê-me seu braço e me acompanhe!
Os dois saíram e rumaram até a sala, onde todas as garotas carregavam rosas brancas. fez olhar de interrogação e o garoto lhe seguiu explicando que a psicóloga tivera a idéia de continuar uma tradição. Faria uma missa para Mandy. 
Estava realmente frio quando todos caminhavam até a capela da pequena cidade. A "casa" onde elas permaneciam por longos tempos era um tanto afastada, com leviana aparência pura, mas assombrada pela neblina. A garota ainda tinha as mãos enroladas aos braços de que, com um gentil gesto, entregou-lhe uma rosa branca, o que a fez recordar-se de .  

This is my December
(Este é meu dezembro)
This is my snow covered home
(Esta é minha casa coberta de neve)
This is my December
(Este é meu dezembro)
This is me alone
(Este sou eu sozinho)


Antes do ano novo, foi até a casa de para combinar onde passariam as festividades. Haviam se distanciado um pouco de Sam, por ela ter se mudado para o outro lado da cidade, mas queria fazer algo com a amiga, o que foi totalmente contra os planos de . Naquela tarde eles tiveram uma pequena discussão e ele saiu furioso. A garota nada fez, a não ser ficar trancada em seu quarto o resto do dia. 
Casais sempre tinham seus desentendimentos, o que não era de assustar e muito menos quando se metia a Amizade no meio. À noite, depois que todos se recolheram, voltou à casa dela e permaneceu sentado na calçada. Olhou em volta e como era comum, viu vários colegas seus abraçados com garotas que julgava frívolas. Apertou a campainha e esperou impaciente. As mãos ocupadas com um buquê de rosas brancas começavam a suar com a demora. Percebeu um som que vinha do quarto da garota e apertou novamente a campainha. A melodia se estendeu quando a porta foi aberta e ele podia ouvir "My December" do Linkin Park tocando no andar de cima. a mãe de pediu que o garoto subisse e sorriu ao ver que, agora, tudo estava bem.

This is my December
(Este é meu dezembro)
These are my snow covered dreams
(Estes são meus sonhos cobertos de neve)
This is me pretending
(Este sou eu fingindo)
This is all I need
(Isso é tudo o que eu preciso)


As palavras do homem sobre o pequeno palco à frente quase não chegavam ao ouvidos de por conta de seu devaneio. Encarava as próprias mãos, tentando vencer a tremedeira, com o pensamento longe, estagnado talvez, entre a morte de e a de . , que se encontrava ao seu lado, ouvia atentamente os sermões e de relance piscava forte ao sentir algum tipo de dor. Emocional ou física, tanto fazia, pois as duas eram muito fortes. Estavam de mãos dadas quando a missa chegou ao fim e muitos já se levantavam para ir embora. O tempo naquela cidade parecia mudar como mágica. As árvores, já cobertas por uma camada fina de neve, ainda tinham pequenas folhas coloridas nos galhos, desprendendo-se e mais uma vez cobrindo o chão. O frio denso fazia as pessoas se encolherem com seus casacos e agora brincava com suas luvas brancas. Quem quer que tivesse lhe dado aquilo, acertou no último presente. a olhava com um singelo sorriso nos lábios. Ainda tentava entender por que uma garota como ela agüentava toda a solidão daquele lugar, passando três anos longe de todos a quem dedicava o amor e sem a mínima vontade de fugir. Se se colocasse em seu lugar, enlouqueceria. porém, pensava em como seria quando partisse. Conservava um enorme carinho por ele e cuidava-o o melhor possível, como lhe pedira, mas um dia teriam de separá-los como com todos em sua vida. 
Os portões foram ficando próximos e aquilo nunca mudava. A mesma sensação de aprisionamento cutucava-lhe as artérias. Passar o jardim e a porta da frente faziam-na lembrar de sua mãe e nas notícias que nunca mais teve. Todas as garotas se diziam consadas e cada uma seguiu para os quartos, exceto Sam, que permaneceu na sala junto à e

And I...
(E eu...)
Just wish that I didn't feel
(Apenas não queria sentir)
Like there was something I missed
(Como se houvesse algo que perdi)
And I...
(E eu...)
Take back all the things I said
(Retiro todas as coisas que eu disse)


Uma pequena luz acendeu-se no fim do escuro corredor. Parecia uma vela. A mão esquerda de estava quase atada a de , que respirava rápido e sentia aflito logo atrás.
- Eu a odeio...
A luz crescia conforme se aproximava e a garota tentava controlar-se, sentindo o coração na boca. começou a gemer, ainda imóvel. não podia ver seus olhos, mas sabia que estavam cheios de água. Ah, e seus lindos olhos , ela não podia imaginar o porquê de sua reação. 
- Eu a odeio...
A voz de já enfraquecia, mas a força de seu aperto de mão fazia não querer largá-lo. a luz estava a menos de cinco metros e alguém dava passos barulhentos, ecoando e batendo nas portas. De primeiro instante lhe ocorreu que fosse a mesma pessoa que os descobriu no porão, mas pensou bem e se convenceu de que não era nada mal ou já lhe teriam ferido também. Fechou os olhos e de repente lhe puxaram para trás. 

- O que você tem?
A garota se encontrava no colo de que a olhava assustado. Ela estava pálida e sem entender o que acabara de ver. passou os dedos por seu rosto, acariciando seus cabelos em seguida.
- Estou com medo, ...
Ela passou os braços em volta do pescoço do garoto, abraçando-o o mais forte que podia. Estava realmente apavorada e essa era uma das únicas vezes que demonstrava a outro alguém. Queria desesperadamente saber de , onde estava e a quem odiava. Queria ver e ouvir . Queria não mais largar .
As lágrimas molhavam os ombros do garoto que a mantinha presa pela cintura, respirando seu perfume e se sentindo responsável, de qualquer forma, por seu bem estar, agora interrompido. Entre soluços, ela suspirava tentando acalmar-se, mas seu coração palpitava tão depressa que podia simplesmente parar de repente ou explodir. Essa cruel aflição fazia ferver todo o sangue de seu corpo. Era terrível e ao mesmo tempo reconfortante e em demorados minutos eles já estavam absortos na irreal sensação de pane. afastou-se, apoiando uma das mãos no sofá. Respirava fundo cada vez que piscava e pôde ver imobilizado e cabisbaixo. Tinha os olhos fechados, como se a claridade lhes fizesse mal. A garota chegou mais perto, beijou seu rosto e o abraçou novamente, mas, diferente ao ato anterior, eles sentiram que um sempre precisaria do outro.  

Give it all away...
(E eu daria tudo)
Just to have somewhere to go to
(Apenas para ter algum lugar para onde ir)
Give it all away....
(Daria tudo)
To have someone to come home to
(Para ter com quem voltar pra casa)


Capítulo 9  

Sam os observava calada, enrolando o lenço amarelo nos dedos e às vezes até o torcendo com força, deixando seus polegares inchados. Ela os alvejava com os olhos, parecendo querer gritar. Levantou-se e com largas e fortes pisadas, encaminhou-se até seu quarto. A esta altura, e já estavam separados, com medo do que a psicóloga pensaria. 
- Até quando vai ficar aqui?
- Preciso que a psicóloga avalie meu estado e me dê alta...
- E isso vai demorar?
O garoto aparentava estar mais calmo. Nenhum dos dois tivera coragem antes de tocar no assunto, mas partiria nas próximas semanas, mesmo que não quisesse, afinal, devia explicações à sua família e não poderia ficar ali pra sempre. 
- Eu não sei, . Em 3 anos quase nada mudou...

I never meant the things I said
(nunca quis dizer as coisas que eu disse)
To make you cry
(Pra fazer você chorar)
Can I say I'm sorry
(Posso dizer que sinto muito?)


Seu quarto era um tanto quanto pouco iluminado. A noite caiu depressa e olhava constante e friamente para a janela, queria que lhe buscassem e lhe tirassem daquele lugar, porque ali ela não se sentia nada bem.  
- Podemos começar agora, se quiser...
"Começar o que?" pensava, mas o medo a impedia de questionar. A doutora pegou uma cadeira e ficou próxima a cama, onde a garota estava sentada, enrolando a barra da blusa e rolando os olhos. Talvez procurando uma saída. Ditou algumas frases interrogativas e a garota, sem prestar muita atenção, foi contando os detalhes de sua vida. Após uma longa "conversa", a psicóloga se retirou. Não tocou no nome de , mas já sabia a história toda. 

- Vou me deitar, caminhar é um pouco doloroso ainda.
lhe deu um beijo na testa e foi à enfermaria repousar. estava sozinha novamente, vendo a luz desenhar sombras irregulares nas paredes. Era isso, pensava, todos a sua volta tinham segredos minuciosamente bem guardados, o que a fazia exilar-se em dúvidas sobre quem eles realmente eram. Abaixou a cabeça murmurando algo inaudível. Era demais pra ela saber que estaria sem consolo outra vez. Respirou devagar, levantando-se e seguindo para seu quarto. Caiu na cama despejando lágrimas sobre o travesseiro. Agora era tontura, somente isso.   
Cochilou por alguns minutos, acordando um pouco mais calma. Dessa vez não havia visto nada. a abraçava.
- Ele sempre vai estar com você - sussurrou referindo-se à e, cuidadosamente, lhe dando um beijo. Deitou a cabeça sobre o ombro da garota e começou a cantar baixinho, embalando seus sonhos.

And yes I regret
(E sim eu me arrependo)
All these mistakes
(De todos esses erros)
I don't know why you're leaving Me
(Eu não sei por que você está me deixando) 
But I know you must have your reasons
(Mas eu sei que você deve ter suas razões)
There's tears in your eyes
(Há lágrimas em seus olhos)
I watch as you cry
(Eu assisto enquanto você chora)
But it's getting late
(Mas está ficando tarde)


Um vasto campo coberto de neve era o que ela podia ver. Ao fundo, conseguia escutar a voz de cantando Too Close For Comfort sem sequer saber onde estava. Tudo era vazio e gélido. Encolheu-se num abraço, movendo as mãos e tentando aquecer-se, mas não parecia estar dando muito certo. Ajoelhou sobre o gelo e gritou por , fazendo a voz dele parar e tudo em volta eclipsar. 
 
Was I invading in on your secrets?
(Eu estava invadindo seus segredos?)
Was I too close for comfort?
(Eu estava perigosamente perto?)
You're pushing me out
(Você está me afastando)
When I'm wanting in
(Quando eu quero entrar)
What was I just about to discover?
(O que eu estava a ponto de descobrir)
I got too close for comfort
(Quando eu cheguei perigosamente perto)
Driving you home
(Dirigindo até sua casa)
Guess I'll never know
(Acho que nunca saberei)

piscou os olhos seguidamente. Estavam embaçados. Virou de lado e tudo estava escuro. Julgou já ser noite e abriu a porta, rumando para o corredor. Estava um silêncio absurdo que, por sinal, ela repudiava, achando um som assombroso. Foi até a entrada da enfermaria e encostou o ouvido esquerdo na porta, sorrindo ao perceber que estava dormindo. Virou o rosto e viu uma luz pela janela da sala. Afastou um pouco uma das cortinas e apoiando os dedos no vidro, pôde ver um casal discutindo com a psicóloga. Gesticulavam exageradamente, dando a impressão de que ela os expulsava. concentrou-se  na cena, sem nada entender. Por que estariam agindo daquela forma?
O casal entrou no carro e se foi, por entre a neblina. A doutora entrou pela porta da frente, dando de cara com a garota, agora sentada no sofá e paralisada em frente à TV. 
- O que faz aqui? - disse num tom de fúria.
- Por que ele não veio?
- Ele quem?
- ...
A psicóloga fuzilou o relógio por alguns segundos. Estava suficientemente alterada para cometer uma loucura qualquer como em todo e qualquer momento de sua vida. Cerrou os punhos e estremeceu, não podia mostrar-se tão cedo, mas não entendia os motivos de sua paciente se interessar por seu filho.
- Ele não quis vir... Acho... Que não pôde...
sentiu os olhos lacrimejarem. Queria perguntar sobre aquele casal, mas previu ser muito covarde para isso, e lhe apareceu na memória, o que a fez seriamente querer saber porque a doutora nunca falava nele. As duas não se encaravam. A garota mexeu os braços notando o frio e a mulher levou as mãos ao rosto, fungando e parecendo chorar. examinou a distância entre as duas e levantou-se, voltando para o quarto. Com passos pequenos e silenciosos ela andava sem tirar os olhos da maçaneta. 
- Um minuto...
Parou sem ao menos se virar. A psicóloga permaneceu num canto obscuro da sala. podia ouvir as lágrimas escorrendo pelo rosto daquela mulher. Era a primeira vez que a via tão frágil. 
- Por que fala do com tanto carinho?
A garota apertou os olhos e sentiu uma ardência por eles estarem secos. Tentou mirar seus pensamentos num outro lugar, fingindo que talvez, poderia se tele-transportar.  
- ... Por que fala dele? ... - a psicóloga ria entre as palavras - nem está mais aqui...
Seu rosto foi iluminado pela luz do farol de um carro que se aproximou e refletiu à janela. 
- nem ao menos sabe da sua existência! Ele era um ingrato de quem ninguém deveria ter piedade...
Imóvel, sentia raiva. Ela não podia falar assim de , não a mãe dele... E por que aquela luz lhe ofuscava os olhos se estava contra ela?
- Você o ouve? O vê no seu casaco cinza escuro? Você dorme com ele? Eu acho que não... - o riso da mulher aumentava, ironicamente. Bateu uma ou duas palmas e foi em direção à porta, saindo e murmurando - Maldito casal.
O som da porta batendo ecoou pelo resto do local e sentiu as pernas bambas. Caiu de joelhos, arfando e querendo desacreditar que um dia fez algo tão indecoroso para merecer os três piores anos de sua vida. Podia arrancar cada fio de cabelo pra tentar livrar-se de todos aquele sonhos e podia dizer o quão grotesco era o vocabulário da doutora que sempre a quis como cobaia. Ou simplesmente agir como Mandy e escapar de tudo em poucos segundos. Porém, ela só conseguia sentir , como se ele a tivesse nos braços naquele instante, guiando anjos para salvá-la.

Would you think about what you're about to do to me
(Você não vai pensar no que está a ponto de fazer comigo)
And back down...
(E voltar atrás...)

Capítulo 10
  
Oh my love for the first time in my life,
(Oh, meu amor, pela primeira vez na minha vida,)
my eyes are wide open.
(meus olhos estão bem abertos)
Oh my lover for the first time in my life,
(Oh, minha namorada, pela primeira vez na minha vida,)
my eyes can see.
(meus olhos podem enxergar)

ficou horas sem conseguir fechar os olhos. Tudo o que a psicóloga regurgitou em palavras lhe dava a impressão de que era uma farsa. Sua cabeça latejava. Ela se levantou e foi para a enfermaria, como em todas as manhãs. estava sentado na ponta da cama, que estava arrumada. Olhava pela janela e não notou a presença da garota. Estava perdido nos desenhos daquelas nuvens.
- Bom dia...
Ele se virou e sorriu. Não aparentava estar muito feliz. Levantou-se e correu na direção da garota, a abraçando forte.
- Eu estava te esperando, eu... tenho que partir...
Ele disse com os olhos marejados. Em tão pouco tempo tinham sido confidentes e trocado não só memórias e segredos, como sentimentos e sensibilidade também. permaneceu parada. O dia que ela menos esperava havia chegado. As garotas na sala ligaram o rádio e "Oh my love" de John Lennon ecoou pelas portas. sorriu forçado enquanto se separava para vestir seu casaco vermelho. Se entregaram a mais um abraço e ele sussurrou algo no ouvido dela. 
- Sempre precisarei de você, , eu volto pra te buscar...
Deu-lhe um beijo no rosto e andou até a porta da frente sem se virar para trás. Odiava despedidas e tinha certeza de que aquela não seria mais uma. o acompanhou com os olhos e viu a sombra de diminuir até desaparecer por completo.
Um leve frio despontou em seu peito e ela se sentiu ainda mais infeliz. Estava sozinha de novo. Escorregou as costas pela parede e sentou-se no chão gelado do corredor. O gabinete tinha a porta fechada. Sam estava lá dentro, respondendo as perguntas da doutora. abaixou a cabeça, deixando lágrimas caírem sobre sua roupa. Ainda parecia não acreditar. 
 
I see the wind.
(Eu vejo o vento)
Oh, I see the trees.
(Oh, eu vejo as árvores)
Everything is clear in my heart.
(Tudo está claro em meu coração)
I see the clouds.
(Eu vejo as nuvens)
Oh, I see the sky.
(Oh, eu vejo o céu)
Everything is clear in our world.
(Tudo está claro em nosso mundo)


As caixas estavam todas empilhadas pela casa e Sam juntava suas coisas para a mudança. estava acompanhando a amiga, mesmo sabendo que a esperava. 
- me disse coisas lindas hoje.
Os olhos de Sam brilhavam ao falar nele. Era incrivelmente bom para saber que sua amiga estava feliz. Dificilmente trocava palavras com , mas sabia de seus passos.
- Ele disse que sempre vai ficar comigo, não é um doce?
apenas concordava com a cabeça, sentindo-se um pouco vazia e com uma ponta de inveja. não lhe dizia essas coisas, simplesmente demonstrava, um pouco frio. Mas no fundo ela sabia que seu amor era recompensado e retribuído.
- Obrigada por me ajudar com a mudança, , você sempre será minha melhor amiga.


Sam saiu cabisbaixa do gabinete e a psicóloga chamou . A garota fechou a porta e sentou-se na cadeira, sem olhar muito para os lados. A sensação de vazio a fazia querer gritar, porque doía saber que não estava lá. 
Um vapor quente subia da xícara sobre a mesa, repleta de papéis. Tudo ali parecia mofar. 
- Está triste porque o garoto foi embora?
continuou com a cara fechada, esperando que a psicóloga não repetisse a pergunta, porque aquela voz e curiosidade lha davam raiva. Onde estaria agora?
- Não quer dizer? Tudo bem, já me acostumei com sua recusa, senhorita , mas é melhor responder minha próxima pergunta - a doutora apoiou os cotovelos na mesa e encarou a garota - você quer sair daqui?
Nada mais fazia sentido. sentiu seus glóbulos ferverem. Sair dali era a única coisa que ela queria e sabia que uma questão assim, não viria à toa. Que ironia! Há um ano ela começou a ter certeza de que passaria a eternidade naquele quarto fechado, usando sonhos como alimento para a solidão e que ali seria seu túmulo, esbranquiçado por tinta barata; mas três palavras desfizeram todo o seu conhecimento sobre onde, realmente, seria seu lugar. 
Pensou em muitas hipóteses. Brincadeira? Talvez seu estado clínico estivesse muito prejudicado pra ser zombada. Sonho? Sincera sensação que ela já compreendia: já não sabia mais o que era real. Interesse? Haveria algo por trás disso tudo? Talvez aquela palavras tenham sido soltas oportunamente para terem algo em troca, como na alquimia e sua troca equivalente. Sair dali... que resposta daria e que conseqüências atrairia?
- Sair... daqui?
- Sim, sair, ir embora... voltar pra casa... 
O coração passou a bater muito devagar depois de ouvir a palavra "casa". Teria ela, ainda, um lar?
 
Oh my love for the first time in my life,
(Oh, meu amor, pela primeira vez na minha vida)
my mind is wide open.
(Minha mente está bem aberta)
Oh my lover for the first time in my life,
(Oh, minha namorada, pela primeira vez na minha vida)
my mind can feel.
(Minha mente consegue sentir)


As portas e janelas trancadas. Assim estavam para que não saísse. estava sendo sepultado naquele cemitério de grama verde e num dia nublado. Ela vestia preto e sentia que vomitaria seus órgãos de tanta dor. era tudo pra ela, mas tinha acabado com isso na noite de ano novo. Um mal sinal, já que agora sofreria para o resto da vida. O quarto onde passavam horas juntos pareceu apodrecer e ela não se importava em acender ou não a luz. Era culpa própria estar sozinha.
Sua mãe se preocupava e, vez ou outra, tentava contato com a filha, que permanecia calada e imóvel, abraçando os joelhos em cima da cama. A garota se sentia desleal e suja por ter tirado do mundo alguém tão especial. 
Passou cinco noites tendo o mesmo pesadelo e várias vezes pensou em suicídio, mas era muito covarde. As lâminas pareciam pequenas demais. Ela já se sentia castigada pelas vozes que criavam-se em sua cabeça, chamando a fúria para dentro de si.
Até que na segunda semana do ano, mandaram-lhe fazer as malas porque, segundo sua família, tudo seria diferente
.

- Quer?
saiu da lembrança mirando os olhos assustados para frente e balançando a cabeça positivamente.
- Que bom - a doutora sorriu verdadeira, como nunca havia feito. Ainda lhe restava alguma alegria no peito. - Verifiquei seu histórico e já está apta a voltar ao convívio com a sociedade... só precisa de mais uma semana, talvez duas...
A garota ouvia a peripécia. Era irreal, parecia ser mais um sonho feliz, como os que tinha aos 5 anos com nuvens cor de rosa. Ela seria livre pra voltar ao mundo que ditava ser normal.

I feel the sorrow.
(Eu sinto a tristeza) 
Oh, I feel dreams.
(Oh, eu sinto os sonhos)
Everything is clear in my heart.
(Tudo está claro em meu coração)
I feel life.
(Eu sinto a vida)
Oh, I feel love.
(Oh, eu sinto o amor)
Everything is clear in our world.
(Tudo está claro em nosso mundo)

 

Capítulo 11
 
parou por alguns instantes. A psicóloga então se pôs de pé e seguiu até a porta, deixando a menina estática no gabinete.
- Pense um pouco, menina, depois descanse.
estava isolada em seu pequeno mundo. Olhou em volta e os retratos de pareciam sorrir para ela. Foi até a poltrona e sentou-se, pegando o casaco cinza escuro e o colocando sobre o colo. Fechou os olhos.

Something has been taken from deep inside of me
(Algo foi tirado bem do fundo de mim)
The secret I've kept locked away no one can ever see
(Um segredo que tenho mantido trancado, ninguém pode sequer ver)
Wounds so deep they never show they never go away
(Ferimentos tão profundos nunca mostrados, nunca desaparecem)
Like moving pictures in my head for years and years they've played
(Como figuras se movendo em minha cabeça por anos e anos elas passam)

ligou o som do seu quarto e deixou tocar "Easier to Run" do Linkin Park, como sendo a última canção, antes de partir. O casaco branco e azul que vestia não a mantinha tão aquecida quanto os braços de , agora tão frios. Ela caminhou até a janela e deu uma longa olhada para a sua paisagem. Todos aqueles lugares em que ela se animava lhe traziam memórias com poderes de apagar qualquer sorriso. Trancou o vidro e puxou a pequena cortina bege, voltando a se sentar sobre uma cadeira ao lado da cama. Observou a pequena mala ao lado da porta e pensou rápido que talvez a estariam fazendo fugir.
Abaixou a cabeça e chorou baixinho.


If I could change I would take back the pain I would
(Se eu pudesse mudar eu o faria, tirar a dor eu tiraria)
Retrace every wrong move that I made I would
(Refazer cada passo errado que dei, eu faria)
If I could stand up and take the blame I would
(Se eu pudesse ficar e levar a culpa eu o faria)
I would take all my shame to the grave
(Levaria toda a vergonha para a sepultura)


Se tivesse uma vida pela frente, como ela seria, já que agora carregava um epíteto pesado e desastroso...?
se levantou da cama assim que ouviu sua mãe chamar e andou até a cômoda, arrancando uma foto de e enfiando-a num dos bolsos. Não o matou, não o amor deles...


Suspirou e começou a dar passos pelo gabinete, segurando o casaco contra o corpo. Por outro ângulo era assustador. Se partisse, nunca mais sentiria e ele não a encontraria, já que passaria a odiá-la.
A cabeça de começou a doer e ela não pôde deixar de notar cinco enormes caixas no lado mais escuro do local. Se não tivesse caminhado até lá, pensaria que eram uma parte deformada da parede. Abaixou-se e com um pouco de esforço, puxou uma delas. Abriu com cuidado, cheia de receios. Não sabia que coisas haviam ali, mas sabia que poderiam ser importantes. Ajoelho-se mais perto. Era um amontoado de cartas, grandes, médias e pequenas, e também alguns pacotes amassados, cheios de fitas coloridas e papéis estampados. Cartas recentes e presentes, talvez de natais passados, tudo no mesmo esconderijo. Devagar, foi lendo os destinatários, até achar uma no nome de Sam. O remetente era Josh Melvic, seu irmão. Segurou com a mão esquerda, junto com o casaco e revirou a caixa novamente, encontrando uma em seu nome. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ler o remetente. Pensou no tempo que havia gasto ali, enfiou tudo no bolso e guardou os objetos no devido lugar, saindo e indo até seu quarto, onde prendeu a porta com uma cadeira. 
pôs a carta de Sam embaixo da cama, junto à sua mala, correu até o guarda-roupa e de lá tirou a foto de , tanto tempo reclusa no escuro bolso do casaco branco e azul. Sentou-se na ponta do colchão e ficou olhando do papel, onde seu nome se encontrava, para a foto.

",
Espero que esteja bem e que não sinta ódio de mim. Hoje, como em tantos outros dias, me sentei na mesa da sala de estar para lhe escrever novamente. Há tanto tempo não recebo notícias suas e meu coração, já fraco, está cada vez pior. Choro quando falo de você e quando penso que está voltando para casa com sua mala e braços abertos. Sinto falta daquela coisa 'mãe e filha'. Não estou bem o bastante para te buscar. Seu pai deixou muitas dívidas, como deve saber e meu estado não melhora. Mas, por favor, espere... você é minha única filha e eu sofreria amargamente se algo ruim te acontecesse. Repito que não foi culpa sua. Os acreditam que foi um acidente, eles mesmos me disseram. Escreva para mim... é só o que eu peço mais uma vez...
Com amor, Mary
"

Pequenos borrões formaram-se sobre a bela caligrafia no papel, devido às lágrimas de . Então sua mãe se importava, mas nunca soubera. Sentiu uma mão fria tocar seu rosto.
- Todos se importam, meu anjo, todos... - disse, encostando o rosto com o dela, que estremeceu. Ela colocou uma das mãos no rosto do garoto.
De repente, a saudade e a surpresa deram lugar ao ódio.
apertou a carta com muita força contra o peito. A psicóloga a manteve longe de sua família por todo o tempo, sugando toda a sua vida, fazendo-a pensar que o mundo a exilara, quando na verdade, ela ainda tinha o que amava. Começou a tremer, achando que seus pulmões não aguentariam todo o excesso de ar. Tentou achar uma razão.
- Acalme-se, , tudo tem o seu tempo...
- Agora sei porque a odeia, ... 
- Sim, eu sei que sabe, mas ainda tem muito a descobrir...
A garota o olhou cansada e o envolveu num abraço. Acabou adormecendo.

It's easier to run
(É mais fácil corrrer)
Replacing this pain with something numb
(Substituindo essa dor por algo insensível)
It's so much easier to go
(É muito mais fácil fugir)
Than face all this pain here all alone
(Do que encarar toda essa dor aqui sozinho)


Caída no corredor, usava um longo vestido preto. Olhou em volta eo tempo era nebuloso e escuro. Sentou-se ali mesmo, apoiando as costas na parede, esperando um bom motivo para se mexer. Teve a impressão de ficar horas assim até ver discutindo com a mãe.
- Eu te odeio!
Os dois diziam em altos tons de voz. , furioso, jogou um punhado de papéis no chão e saiu, passando pelo corredor sem nem ao menos notar , que chamou:
- ...!
Mas o garoto passou reto.
Sentiu um aperto na garganta, tentando gritar, sem sucesso. O ambiente mudou sem mais nem menos. Estava com um vestido prata agora.
- ...
Ouviu a voz de e ficou como uma estátua. Ele veio até ela e entrelaçou as mãos de ambos, abraçando-a por trás e beijando sutilmente seu pescoço.
- O que é que está acontecendo, , eu me sinto mal...
- Você só está encaixando as peças, desvendando o quebra-cabeças...
- Isso não parece um jogo...
- Eu sei que não.
Sentaram-se no chão. Ela ficou entre as pernas de enquanto ele brincava com as mãos, querendo dar nós com os dedos. Parou para olhar o quão vazio aquilo estava.
- O que discutia com sua mãe?
- Era minha lembrança do dia em que descobri que ela escondia cartas do meu pai...
- É uma mania?
- Não sei te responder, ela tem muitas...
Ele passou os braços sobre os dela e cantarolou "You're not alone".


despertou com fortes batidas na porta. Empurrou tudo para debaixo da cama - papéis, fotos - e a destrancou. Uma enfermeira estava parada e olhou a garota da cabeça aos pés. Adentrou o quarto e verificou se estava tudo em ordem. Em seguida, tirou a cadeira de lá e levou-a embora. fechou a porta e olhou-se no espelho. Tivera dois sonhos distintos em um só, e se sentiu mal ao ser tocada por , como se, mesmo tão perto, ele estivesse fora do seu alcance. Ela se deitou no chão com as mãos na cabeça, ouvindo o apito do vento ecoar pela sua janela. No meio da baderna sob a cama, ela puxou a carta de sua mãe e ficou lamentavelmente quieta. Sua mãe citara dívidas, coração fraco e culpa. O que, em três anos, poderia ter acontecido com o que chamava de lar?

Sometimes I remember the darkness of my past
(Às vezes me lembro da escuridão do meu passado)
Bringing back these memories I wish I didn't have
(Trazendo de volta essas memórias que eu desejava nunca ter)
Sometimes I think of letting go and never looking back
(Às vezes penso em deixar e nunca olhar para trás)
And never moving forward so there'd never be a past
(E nunca seguir adiante, nunca haveria passado)




Capítulo 12 

Quatro dias e ainda pensava sobre como descobrir o que havia ocorrido em sua casa. Queria ter certeza de que tudo estava em ordem antes de voltar, mas era algo que ela não sabia como obter. Dispersa em preocupações, ela caminhou até a sala e se juntou às outras garotas que ali estavam, assistindo a programas infantis na TV. Olhou pela janela e viu Sam no jardim, chorando.

Take my photo off the wall
(Tire minha foto da parede)
If it just won´t sing for you
(Se ela não for cantar pra você) 
Cause all that´s left has gone away
(Porque tudo o que sobrou se foi) 
And there´s nothing there for you to prove
(E não há mais nada pra você provar)


foi visitar a nova casa de Sam, no outro lado da cidade, sem , mais uma vez. Estava bastante frio. Ao virar a esquina, deu de cara com a amiga aos prantos e correu para abraçá-la. O que quer que tivesse acontecido, era seu dever tentar ajudar, pois sempre é amargo ver alguém que você gosta, sofrer. 
- O que houve?
- não me quer, nunca me quis, ele dizia coisa tão bonitas e nenhuma delas era verdade - Sam tapava o rosto com as mãos, deixando sua voz um tanto quanto abafada. A rua, nada movimentada, tinha flores caídas das árvores e se tornava colorida, mas nada ao redor conseguia mudar a infelicidade dentro dela - a mãe dele, ela me disse que ele estava com a namorada, mas EU sou a namorada dele e ela não pareceu perceber este detalhe...
não sabia o que dizer, embora soubesse o quão desajustados os garotos podiam ser. Ora atenciosos, ora desleixados e incompreensíveis a todo nível. Tratou então, de convencer que ali houvera apenas uma pequena confusão, nada além disso...


Oh, look what you´ve done
(Oh, olhe o que você fez) 
You´ve made a fool of everyone
(Fez a todos de bobo) 
Oh well, it seems likes such fun
(Oh bem, parece tão divertido) 
Until you lose what you had won
(Até você perder o que ganhou)
 

- Por que o choro Sam? - perguntou, juntando-se a garota de belos traços desfeitos pela solidão.
- Eu... eu fiz a minha escolha... - Sam soluçava.
viu de longe. Ele as estava observando da janela da sala e a impressão era de que estava desalentado. Ela parou os olhos diante da cena e sentiu um frio no estômago. Algo estava errado novamente. A palidez da amiga lhe fez concluir que talvez ela não estivesse se alimentando direito, mas mal queria saber de pequenos detalhes. Sam parecia demasiadamente abatida e por suas poucas palavras, era por algo que havia feito. 
- Escolha?
Sam sacudiu a cabeça, dizendo sim. Despejou algumas lágrimas e em seguida abraçou , que viu aquilo como algo insperado.
- Eu escolhi ficar, , ficar aqui! - Sam se distanciou um pouco, enxugando o rosto com o lenço amarelo. Olhou para o alto e respirou fundo. Ela transmitia melancolia nos olhos, como se sua alma estivesse em cacos. Fez um pequeno nó no lenço - ela me perguntou, sabe? E eu disse que não, que queria ficar!
- A psicóloga?
- Sim... eu... não quero ir... não tenho mais nada...
- Sam... - disse pausadamente, cortando um breve desespero da amiga - eu te trouxe uma coisa, é... uma carta... do seu irmão.
As duas garotas voltaram os olhos para o papel rosado, cujo selo tinha uma bela flor estampada. As letras de Josh eram garrafais e davam um toque de leveza às palavras. Os nomes estavam ali, junto aos endereços, mas a coragem de ler era mínima. Sam a pegou nas mãos e sequer abriu, deixando que os sentimentos expressos fluíssem pelo tato. Inusitadamente, amassou-a e segurou com força.
sorriu ao ver a ponta de alegria aflorar dos olhos de Sam.
- Nunca repita que não tem nada... - disse oportunamente.
Levantou-se e seguiu para dentro, deixando a garota aos sonhos lá no jardim. Era o que ela precisava, saber que não esteve sozinha todo esse tempo.
caminhou até o quarto, onde deitou na cama com os pés encostados na parede e fechou os olhos. A dor de estar só, diminuíra ao fazê-lo com sua amiga, que agora aparentava estar melhor, mas algo a fazia questionar o lugar onde estava. Questionar se haviam mais mentiras.

Give me back my point of view
(Devolva-me meu ponto de vista) 
Cause I just can´t think for you
(Porque eu não posso pensar por você) 
I can hardly hear you say
(Eu mal posso te ouvir dizer) 
What should I do, well you choose
(O que eu devo fazer, bom você escolhe)
 

sentou-se ao seu lado no sofá da sala vazia. Era dia das mães e as garotas saíram para ir ao parque fingir que tinham suas mães por perto. Mas resolveu ficar, talvez sua mãe pudesse ligar, pensava, ou talvez ela pudesse invadir o gabinete e ligar escondido para casa. Ficou minutos pensando em como tudo estaria.
Virou-se e encarou . Sua face assustada e pensativa, como se estivesse querendo algum consolo. 
- Belo dia. - ele balbuciou. Passou os lindos olhos pela sala. A permuta de silêncio denunciou que ambos estavam sem ânimo para conversar. 
mexia as mãos enquanto ouvia o vento soprar as flores da fachada. Sua expressão não mudara. 
- Por que ela não consegue me esquecer? - disse alto e rapidamente. quis responder, mas não sabia o que falar, não conseguia mais entender Sam e nem a maneira como tratava o caso de . Nem bem se entendia. Balançou a cabeça negativamente e completou o silêncio mais uma vez.


A maçaneta começou a se movimentar e se pôs sentada na cama. Ajeitou os cabelos e tossiu disfarçadamente, vendo a psicóloga surgir na porta. Esta, porém, passou os olhos pelas quatro paredes, verificando se estava tudo em ordem. Viu o olhar lacrimejado da garota e sentiu que era hora de contar-lhe a verdade.
- Venha até o gabinete. - disse simplesmente e saiu.
pensou em não obedecer, mas algo pedia para lutar consigo e reaver os fatos. Logo sairia dali, portanto era bom fazer o que a mulher de branco pedia. Juntou os pés ao chão, levantando-se e caminhando para fora do quarto. Viu de relance o quarto de Sam, onde a garota arrancava as fotos de da parede, guardando-as dentro de uma pasta. Parou. O que estaria havendo? Pensou, sem tirar as mãos dos bolsos. Sentiu alguém tocar sua cintura e escutou:
- Ela finalmente compreendeu... obrigado por tudo!
Uma brisa gélida bateu em seu rosto, fazendo-a virar para . Ele sorria. Seu corpo começou a esfriar e a garota achou a situação um tanto quanto estranha. a encarava e agradecia, rindo e mirando Sam.
- Adeus.
ouviu o garoto dizer e de repente, desaparecer. A brisa parara e Sam cantava feliz em seu quarto. Algo como "Look What You've Done" do Jet. Era como se, por instantes, uma história tivesse sido resolvida.



Capítulo 13 

Os joelhos tremiam e o silêncio estava de volta. Parecia incrível, mas ele nunca a abandonara. Depois de alguns minutos, se deu conta de que havia ido embora, agora para sempre, pois Sam o havia libertado. Sorriu consigo e escutou uma porta ser aberta. Rumou com medo até o gabinete, onde previu ser bronqueada por ter fuçado onde não devia, mas se assustou ao ver o jaleco da psicóloga sobre a mesa.  
- Sente-se. 
estremeceu e se jogou sobre a cadeira. A tranqüilidade exposta pela doutora a fez cultivar um certo receio. Olhou para o braço dela, para a cicatriz, exatamente como no sonho, era idêntica. Sentiu um frio ruim subir pela traquéia. Era terrível saber que o que vira era real.  
- Não vou mais esconder-lhe nada, senhorita . Seu estado psicológico teve muitas melhoras e já está na hora de voltar às normalidades.
O estômago pareceu afundar e a respiração tornou-se difícil. teve de se conter para não gritar, já que não suportava tanta formalidade.
- Que quer dizer?
A garota arriscou, recebendo um sorriso de volta. Teve a leve impressão de que o escritório estava maior e mais iluminado, podendo assim, contemplar melhor os retratos de . A psicóloga recomeçou:
- Quero dizer que vou lhe contar tudo o que quiser saber... vamos, comece!
A doutora se sentou frente a frente com a garota e passou a observá-la. No fundo de toda a amargura, havia uma mulher envolta em sonhos e que odiava seu trabalho. Mas ela mostrou-se realmente como era, queria paz e sua família de volta. Ela sentia-se culpada por
pensou nas milhões de perguntas em sua cabeça e disse:
- O que aconteceu com a minha casa, minha família?
A garota teve medo da resposta, mas ouviu, séria.
- Sei que em três anos você nunca teve notícias, , mas é hora de saber. Depois que você foi trazida para cá, seu pai saiu de casa e deixou a cidade - a doutora pausou a frase ao ver a expressão inconformada da menina - seja forte - concluiu. Sentiu que poderia continuar - ninguém sabe dele.
sacudiu a cabeça e se lembrou de um outono antigo.

Well when you go
(Quando você partir)
Don't ever think I'll make you try to stay
(Não pense que vou tentar fazê-la ficar)
And maybe when you get back
(E talvez quando você voltar)
I'll be off to find another way
(Eu terei saído para encontrar outro caminho)


Seu quarto estava todo empacotado. Acabara de se mudar e havia adorado a vista de sua nova casa. Foi até a porta e escutou pequenos murmúrios, o que a fez aproximar-se do quarto de seus pais. Ficou assistindo a uma pequena discussão, prevendo que um dia, tudo acabaria. Ela sabia que seus pais não mais se amavam e isto há um longo tempo. A única coisa que desejava era que eles entrassem em um acordo e recuperassem a harmonia da casa, o que não era nada fácil.

- Sei que poderá me odiar e, convenhamos, quero que saiba que eu própria me odeio, mas seja corajosa, menina. Sua mãe sempre lhe escreveu e em todas as cartas declarava o quanto te amava.
piscou seguidamente. Sabia do que falavam. A doutora continuou:
- Ela queria seu bem e conseguiu me fazer entender que você só estaria apta a sair daqui quando soubesse definir quem eram as pessoas que realmente se importam... e o momento chegou.
A garota brincava com a blusa e parou. Os olhos chegaram a brilhar.
- Quer dizer que vou poder ver minha mãe?
- Não... não mais...
Sua esperança fora corroída visivelmente. Se fosse uma árvore, todos os seus galhos cairiam. As garotas se reuniram na sala para ouvir I Don't Love You do My Chemical Romance e balançar os cabelos ao som da música. O coração de foi sendo cortado devagar e ela insistiu em não chorar.
- Por... por quê? - gaguejou.
- Ela teve problemas com o coração. Pedi a ela para cancelar sua estadia aqui, mas ela recusou. Repito: queria o seu bem, somente o seu. Pediu para cuidá-la e para esconder-lhe tudo o que pudesse vir a causar algo pior, mas ela morreu. Ela pensou que teria tempo de vê-la se recuperar e até eu acreditei, mas o mundo não lhe deu tempo suficiente.

And after all this time that you still owe
(Afinal depois de todo esse tempo que me tomou)
You're still a good-for-nothing I don't know
Você ainda é essa inútil que eu nem conheço)
So take your gloves and get out
(Então pegue suas luvas e vá embora)
Better get out
(É melhor ir embora)
While you can
(Enquanto você pode)


Uma lágrima escorreu dos olhos da garota viajando por seu rosto. Concretos desmoronavam dentro dela, trazendo a poeira para as pálpebras. Suas mãos oscilavam sobre os braços da cadeira e ela jurava ouvir um agudo zumbido penetrar seus neurônios. Morta? Era a última coisa que desejava ouvir. Demonstrou um pouco de frieza e despejou:
- Por que me escondeu isso?
- Acha que estaria viva se soubesse? - a doutora disse calmamente - por que acha que Mandy se suicidou? Ela tinha passos e tratamentos pela frente... poderia estar curada hoje, mas jogou tudo fora ao saber que seus pais estavam mortos.
Cada palavra assustava mais do que sentir pontadas fortes na cabeça. ouvira tal comentário, segurando-se para não surtar, já que um redemoinho de lembranças confundia seu cérebro. Mandy era mais sensível do que imaginara.
- Todos passam por isso, perdem pessoas... Mandy não foi tão forte quanto Sam está sendo. Ela pensou que não tinha mais nada e quis acabar com o garoto que a amava para que ele não sofresse. Escondi as coisas de você para que não cometesse os mesmo erros e garantir que, brevemente, poderia lhe dar opções, crente que faria as escolhas certas... - a psicóloga continuou a explicar, tentando ao máximo oprimir o drama. - ... e eis que concluo ter acertado. Aí está você, menina...
Os olhos encharcados foram rapidamente enxugados pela manga da blusa de , que repetia o gesto a cada momento. Estava compreendendo... tudo se encaixava.
- Você e todas essas meninas passaram por situações conturbadas e garanto que permanecer num lugar como este não é a melhor coisa do mundo. Apesar disso, conheço cada tristeza e amargura por ter vivido algo semelhante...
- Com ?
A doutora inspirou fundo, tomando um pequeno gole do café, aparentemente quente pelo vapor que emitia. Olhou em volta, para os retratos e chaves e sorriu francamente.
- Que bom que chegou a este ponto, eu o estava esperando, mas antes preciso que me responda: o que significa pra você?
- é o garoto que me deu forças para continuar...

When you go
(Quando você partir)
Would you even turn to say(Você deveria ainda sim voltar para dizer)
I don't love you, Like I did yesterday
(Eu não te amo, como amava ontem)


A quarta noite num lugar desconhecido não imprimia imagens muito diferentes. estava sentada na cama, a mala desarrumada no chão. Sentia um vento frio invadir o local, pois deixara a janela aberta para tentar não sentir-se sufocada. A cada hora, a lua tornava-se mais chamativa e iluminava um canto da porta fechada. Assim que resolveu se levantar e caminhar pelo quarto, ouviu um som abafado vindo de fora. Não temeu e abriu a porta devagar.  noite nefasta deixava o corredor obscuro, mas ela pôde ver o vulto de um garoto passar e parar um pouco à frente.
- Quem é você?
Disse baixinho, mas ele não a ouviu, ou fingiu, e se dirigiu até outro quarto, sendo seguido por , nem um pouco intimidada. O perfume e a sombra do garoto a atraíam como se já o conhecesse. Até um ponto, os dois seres se encontravam imóveis e compenetrados no silêncio. sentiu seus joelhos amolecerem e caiu com eles no chão. Não sabia de onde havia vindo essa fragilidade, mas o medo começava a se apossar de seus nervos, impedindo-a de manter-se em pé. Após cinco longos minutos, o garoto se ajoelhou em frente à menina e segurou seu rosto com delicadez, fazendo-a encarar seus olhos azuis.
- Eu sou o ...

Sometimes I cry so hard from pleading
(Às vezes eu choro tanto por implorar)
So sick and tired of all the needless beating
(Tão doente e cansado dessa violência desnecessária)
But baby when they knock you
(Mas, meu amor, quando te derrubarem)
Down and out
(No chão e te jogarem pra fora)
Is where you oughta stay
(É lé que você deve ficar)


A psicóloga acariciou seu braço direito e riu baixinho, tirando do transe. Logo sua face tornou-se séria novamente.
- sempre foi um bom menino, sabe? Meu único filho...
- E o que houve? Por que ele insiste em ter ódio de você?
A doutora mordeu os lábios e sentiu que ficara pálida. Tapou o rosto com as mãos e se pôs a chorar, como no fim de um trágico filme.

So fix your eyes and get up
(Então dê um jeito em seus olhos e levante-se)
Better get up
(É melhor se levantar)
While you can
(Enquanto você pode)


continua...


Capítulo 14

A noite soou estranha e talvez vazia. Ainda tinha coisas com as quais poderia e ia se surpreender já que a psicóloga apenas mencionou "que haveria um tempo certo" para revelar o que acontecera ao . pensou em e em Sam e em como ela e a amiga se divertiam, mesmo amarguradas, nos sábados e domingos, deitadas nos colchonetes de um sótão empoeirado, ouvindo músicas como "Letting the cable sleep" do Bush. Pensou em   e no ele estaria fazendo. Ou se nela pensava. Lembrou-se de sua mãe. 

You in the dark, you in the pain, you on the run
(Você no escuro, você na dor, você numa corrida)
Living a hell, living your ghost
(Vivendo um inferno, vivendo uma assombração)
Living your end
(Vivendo seu final)


tinha 11 anos e brincava de boneca no quarto. Sentira uma vontade estranha de abraçar seus pais e correu para o quarto deles. Estavam brigando. Pela primeira vez, viu que nada era tão perfeito. Pessoas escondem grandes realidades e a lição que você pode tirar disso é que todos têm imensos segredos, sejam eles comuns, imaginários, sujos ou dementes. viu a cena e sua face entristecida deu ao ar uma penumbra sensação de desânimo. Poderia jurar que o efeito era horrível. Jogou sua boneca no chão, o que chamou a atenção dos adultos, e correu para a escada. Sua mãe veio depressa e lhe aqueceu com um abraço, tentando aliviar o peso do discussão que fora longe demais. Prometeram nunca mais brigar.

Never seem to get in the place that I belong
(Nunca pareço estar onde realmente pertenço)
Don't wanna lose the time
(Não quero perder o tempo)
Lose the time to come
(Perder tempo pra chegar)


A mala arrumada fora repousada ao lado da cômoda. O quarto já tinha um ar familiar, o que não deixaria esquecer daquele lugar. Seriam suas últimas horas antes de voltar para casa. Penteou os cabelos, dando uma leve aparência límpida aos fios, que viviam embaraçados, e mal viu se sentar.
- Está linda!
sorriu ao ver o garoto observá-la. Costumavam estar desta forma ao acordarem nas manhãs, sempre juntos, cuidando um do outro. se importava muito com ela, embora pouco repetisse aquelas três palavras mágicas.
- Estou conseguindo ver a verdade agora...
- Era exatamente o que eu queria ouvir.
- Posso te fazer uma pergunta? - ela se sentou ao lado do garoto, que sorria - o que acontecerá com você se eu for embora?
acariciou o rosto de , deitando-a sobre a cama. Ela fechava os olhos e sentia a respiração dele muito próxima, enquanto se envolviam num forte abraço. Parecia uma despedida.
- Eu sempre vou estar com você.
Ouviu ele dizer, deixando as emoções fluírem.

Whatever you say it's alright
(O que você diz está certo)
Whatever you do it's all good
(Tudo o que você faz está bom)
Whatever you say it's alright
(O que você diz está certo)


Gritos ecoavam pelo jardim, coberto de neve e escuridão. Era uma noite muito fria e pôde ver um carro prata ao fundo da cena e um homem dentro dele. A porta da frente foi escancarada e apareceu aos berros com sua mãe. Ela chorava e implorava algo para o filho, que sequer a olhava e, cada vez mais, se apressva em entrar no carro. Quando o fez, partiu, deixando a mulher aos prantos. Ficaram assim por horas, até sentir uma forte pontada no peito que, de tanta ardência, a fez querer gritar.

- !
A garota se levantou assustada, rodando os olhos ao seu redor para verificar onde estava. O sonho repentino acabara, mas a dor ainda a seguia. Ela respirou fundo. Qual seria a mensagem desta vez?
A psicóloga adentrou o quarto e sutilmente pediu que a acompanhasse. A menina pegou suas luvas brancas e, sem reclamações, foi andando ao lado da doutora, ambas sérias. ainda pensava no sonho que tivera e na rápida noite que estivera com . Mas algo lhe dizia que seus conturbadas tentativas de juntar pistas estavam no fim.
Ao passar pelo lado da cidade que não conhecia, viu o quão pacata ela era. A praça tinha pássaros e as ruas eram limpas. As crianças corriam alegres e dividiam doces com os avós. Pessoas trabalhavam nas pequenas lojas e vez ou outra, acenavam com grandes sorrisos. Eram vidas comuns e interligadas pela paz. 
As duas andaram um pouco mais e pararam em frente ao hospital da cidade. se perguntava o que estariam fazendo ali, já que nunca imaginou obter respostas num lugar como aquele. 
- Venha... - a doutora disse, sem olhar para trás, e elas entraram. 
Percorreram um grande corredor e a cada porta ela podia ver sofrimentos distintos. Parecia mais que normal, até chegarem numa ala diferente, onde se podiam ver os quartos através de grandes janelas de vidro. E foi em frente a uma dessas janelas, que a psicóloga parou.
viu as lágrimas correndo pelo rosto da mulher e demorou um pouco para que entendesse o motivo, mas ao fixar os olhos no mesmo ponto que os da doutora, um choque percorreu seu corpo, prendendo-a no chão. O que via tornava tudo muito claro: deitado numa cama e vários aparelhos a sua volta. A garota sentiu um frio invadir o peito, deixando-a quase sem ar. Não podia ser verdade, Não. 
- Não sei como dizer isto, mas... como? Eu o via, eu... eu sentia o ... como é possível? - perguntou, entrando em desespero. A psicóloga balançou negativamente a cabeça e apenas suspirou alto.
- Não sei explicar... está assim há anos. Há quatro anos para ser exata...
Imediatamente, a cena de seu último sonho repetiu-se e a menina apoiou uma das mãos no vidro. Observava , com a respiração abafada por ainda não querer acreditar, enquanto a psicóloga falava. 
- Nós brigamos naquela noite e decidiu ir embora. Ligou para o pai e foi com ele, mas... no caminho... a neve... o gelo... - dizia quase sem respirar, pausando as palavras para chorar - foi um terrível acidente...
encarou os olhos fechados do garoto, querendo, mais que tudo, que ele os abrisse. Acariciou o vidro, tentando transpôr suas mãos até o outro lado, só para sentir-se mais próxima dele. Não podia ser real. Ela se recusava a acreditar.
- Me ligaram e me contaram do ocorrido... deve imaginar como foi horrível ter que escutar aquilo - a psicóloga desviou os olhos para seu lado e enxergou a menina num estado desorientado. Por que se pareciam tanto? - o pai dele morreu na hora e nunca mais falou, nem moveu, nem viu mais nada... 
Apesar das circunstâncias, não pôde deixar de se sentir mal pelo fato de que não soubera desta história. Por que não lhe contaria e por que ela fora tão insensível a ponto de não perceber? Via o garoto em estado de inconsciência profunda, querendo sacudi-lo e gritar seu nome. Ela, ao contrário de todos, o conhecia. Ao menos o bastante para dizer que o amava. Sentiu o coração parar por segundos e voltar a pulsar com muita força. Afastou as lembranças de si. Não. Não o conhecia. 
- Por que motivo ele a odiava?
- Brigamos antes daquela noite. Ele não sabia, mas o pai era um covarde que me batia e me dizia coisas pavorosas - a doutora permanecia imóvel e mais calma - nós nos separamos, mas , por não se lembrar de nossas brigas, refez a imagem do pai, dando à ele um conceito melhor...
- Então a cicatriz...
- Foi uma surpresa para ele... - a mulher tocou o braço direito, como se o local doesse - por isso discutimos. Ele a viu e me perguntou o que houvera. Pela primeira vez se mostrou preocupado e eu lhe contei a verdade, mas a boa idéia que tinha daquele homem não o deixou crer. disse... coisas.... e... e arrumou as malas para partir.
As duas se encararam e perceberam as semelhanças de suas vidas. Eram maiores que as diferenças, e pôde ver o quanto era importante para aquela mulher, tentar ajudar garotas como ela, mesmo que odiasse o mundo todo.

Silence is not the way
(O silêncio não é o caminho)
We need to talk about it
(Nós precisamos falar sobre isso)
If heaven is on the way
(Se o céu está no caminho)

...Watching the lights go down
(Vendo as luzes apagando)
Letting the cables sleep
(Deixando as amarras desatarem)



Capítulo 15

As marcas no vidro e as pequenas gotas salgadas no chão mostravam as reações daquelas duas mulheres. Elas ainda sussurravam sobre a história do garoto que fora parte de suas vidas.
- Eu posso... entrar lá?
perguntou baixinho, recebendo um aceno positivo da psicóloga, que se retirou. A garota respirou fundo e rumou até a porta girando a maçaneta vagarosamente. Adentrou o quarto fazendo o mínimo barulho. Aquele ruído a assustava. Ela ajoelhou ao lado da cama, recostando a cabeça na ponta do travesseiro de . Fechou os olhos e agarrou a mão do garoto, tentando ser salva daquela melancolia. O calor e o bem estar eram os mesmos de quando sonhava com ele e agora sim, podia senti-lo perto. Voltou a abrir os olhos e não conteve as lágrimas ao vê-lo preso àquele lugar. Pensou e tudo não era mais tão verossímel. 

I wish I could bubble wrap my heart
(Gostaria de poder embalar meu coração em papel de bolha)
In case I fall and break apart
(Em caso de eu cair, e ele partir)


- ... - disse carinhosamente. Sabia que não podia ser ouvida, mas tinha que relutar - descobrir a verdade não é mesmo fácil... sabe, eu não entendi porque escolheu estar em meus sonhos, mas agradeço por ter me dado o prazer de estar com você... 
Ela sorriu sozinha e logo voltou ao ar triste.
- Eu... eu queria ficar, mas... aconteceram tantas coisas e partir é o último requisito na minha história, espero que compreenda...
O rosto feminino encharcado tinha feições emocionadas. Ela sentia que tinha tantas coisas para falar, mas só conseguia ouvir o coração pedindo para ir embora. O perfume de estava impregnado ali, assim como todas as sensações de sua mente.
- Eu amo você, mas não tenho certeza se um dia vou poder abraçá-?????u??????lo de novo, então... não odeie sua mãe, ela... ela é uma boa pessoa e ela o ama mais do que a si própria...
piscou rápido e enxugou algumas lágrimas. Sentiu um enorme frio no estômago. Lembrou dos contos que lia anos atrás e em como se emocionava quando os escritores descreviam lágrimas dos personagens em coma. Claro que não choraria, pois a ficção fica muito distante quando você vive realmente a cena. Levantou-se, ainda com a mão entrelaçada a do garoto.
- Vou embora, mas vou deixar uma parte de mim aqui... você sabe qual é... adeus, .
Aproximou-se e selou um beijo doce nele, acariciando seu rosto em seguida. Tinha-o como um anjo. Esperou um certo tempo e chegou até a sentir um aperto de mão mais forte, criado por sua imaginação. Foi deixando que a mão dele escorregasse e aos poucos a soltou, saindo e o vendo cada vez mais distante. Fechou a porta.
- Adeus.

I'm not God
(Eu não sou Deus)
I can't change the stars
(Eu não posso mudar as estrelas)
[...]
But I know you hurt
(Mas eu sei que você machucou)
people that you love and those who care for you
(As pessoas que você ama e aqueles que se importam com você)


Conforme caminhava pelos corredores, recordava os momentos em que "despedida" não fora somente uma palavra de nove letras. Seu sentimento de solidão era profundo e constante, mas ela não sentia mais medo como antes. Estava imune a ele.
A garota saiu do hospital e se encaminhou até a psicóloga, que estava sentada num dos bancos da calçada.
- Vamos...
Disse, tentando parecer bem e então retornaram à casa.
Seus pensamentos, agora ordenados, não a incomodavam mais como anteriormente, e suas veias não doíam. Assim que passou o portão, sorriu ao ver um garoto de casaco vermelho?????u?????? sentado no meio fio do jardim, encarando os pés. 
Era quem ela mais gostaria de ver e ele parecia ter o dom de ler seus pensamentos. Não a notou, mas não estaria ali por outro motivo.

I'm a little dazed and confused
(Eu estou um pouco tonto e confuso)
[...]
All my days are turning into nights
(Todos os meus dias viraram noites)
Cause living without, without, without you in my life
(Porque estou vivendo sem, sem, sem você na minha vida)


deixou que a doutora entrasse e foi na direção de . A cada passo, sentia um calor, bom, subir por seu corpo e a vontade de tê-lo como antes, aumentava.
- ...
- ... - ele a abraçou forte. Ela jurou ter estado no paraíso quanto à esta recepção. Olharam-se e ambos estavam felizes por se verem novamente. Ele não largou as mãos da garota - eu senti saudade...
Um leve frio tomou conta de seu peito, mas dessa vez, era uma sensação boa. sentiu que conseguia respirar sem dificuldades. Sentiu que suas dúvidas estavam limpas. Sentiu que podia tornar as coisas melhores. Percebeu o olhar diferente de para ela. Estava arrumada, perfumada, os cabelos bem penteados; chamava a atenção por ter recuperado o brilho nos olhos e por estar sorrindo, e ele, sem dúvida, havia percebido o quão bonita ela era. Ou realçado este pensamento.
- Também senti saudade... pensei que não te veria mais...
- Por dias eu também pensei, mas sabia que aquela não seria nossa despedida.
- Eu sou uma pessoa melhor agora.
sentiu-se estranha ao ouvir seu próprio riso, preso há tanto tempo. Passou os olhos em volta e viu a psicóloga chegar com sua mala. Sem pensar duas vezes, a m?????u??????enina correu em sua direção e lhe deu um abraço. Precisava e devia isso à ela.
- Obrigada por tudo.
- Era meu trabalho, senhorita ...
- Não, não era... era uma missão, parabéns!
Ambas sorriram.
- Seja feliz, menina.
- Você também e... quanto ao , ele... ele te ama, ama sim... - disse, abraçando-a novamente e pegando sua mala - cuide bem de Sam por mim, sim? Prometo voltar para visitá-las. Até um dia.
- Até...

Turn on the radio honey
(Ligue o rádio, querida)
Cause every single sad song you'll be able to relate
(Porque cada música triste, você conseguirá se relacionar)
[...]
You're unable to comunicate
(Você é incapaz de se comunicar)


Acenou. segurou a mala e lhe abraçou. Assim, os dois deixaram o local. tinha outra mente e sentiu-se amadurecida com toda a verdade dosada nas últimas horas. Olhou para e viu algo em seus olhos que não pôde explicar. Como prometido, ele estaria ao seu lado para sempre. O coração palpitou repentinamente e ela se viu pronta para ser feliz de novo. Encostou os lábios nos de e sonhos bons se tornaram reais. Ela os distinguia.
- Não me abandone.
- Nunca.
As árvores pareciam florir para o casal e o céu se mostrava radiante. Ela teria sua vida de volta e tudo agora estava bem. Tudo sempre ficaria bem.

I give up this heart of mine
(Eu desisto desse meu coração)
This is goodbye


.fim.

N/A: É, acabou. Só quero agradecer à todos que tiveram paciência de ler e dizer que eu amei os comentários... deixei todo mundo pensando nesse fim, que nem foi tão legal, mas deixou claro que eu adoro essa coisa que fica entra a linha do sobrenatural e da vida. A fic começou a ser escrita no finzinho de 2006 e foi finalizada em 2007, mas só depois de um tempo eu resolvi mandá-la para o site. Está há um tempão no ar o.O
As quinze canções:
1. The Truth - Good Charlotte
2. Chasing Cars - Snow Patrol
3. Stop Crying Your Heart Out - Oasis
4. Sono Profundo - Fresno
5. Untiltled - Simple Plan
6. Lonely Day - System Of A Down
7. Somewhere Only We Know - Keane
8. My December - Linkin Park
9. Too Close For Comfort - McFly
10. Oh, My Love - John Lennon
11. Easier To Run - Linkin Park
12. Look What You've Done - Jet
13. I Don't Love You - My Chemical Romance
14. Letting The Cables Sleep - Bush
15. Bubble Wrap - McFly

Obrigada a todos, eu amo mto vocês!

E estas são as fics que eu tenho aqui no site:
15 Canções [McFly/finalizadas] xD
Valentine's Day 1, 2 e 3 [McFly/finalizadas]
You Should Be With Me [McFly/finalizadas]
Fim de Festa [McFly/finalizadas]
Happy Kids [McFly/finalizadas]
I Can't Wait Forever [Simple Plan/finalizadas]
Dentista [Hein?/finalizadas]
Love Like A Bomb [McFly/em andamento]


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