História por Laura Pereira | Revisão por Lucci

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Capítulo I – Parecido com um lar


                Eu não gostava da onde morava. Não gostava do bairro, não gostava da rua, não gostava da casa onde morava e muito menos da casa que abrigava os garotos da rua de trás. Ou eu apenas estava numa fase ruim. O fato é que eu nunca morei em outro lugar, eu apenas observava as ruas simples onde minhas amigas moravam e rogava algumas pragas na mania de luxo da minha mãe.
                Não que fossemos ricos demais. Mamãe tinha batalhado muito pra conseguir uma casa num dos melhores loteamentos da cidade. Aquele que abrigava, além de tudo, rockstars e atores locais. Só pra se mostrar, imagino. E como eu e papai sempre gostamos de coisas simples, vivíamos nos sentindo deslocados.
                A poucos metros da minha casa ficava o parque, que era o meu local preferido naquele mundo estranho. Eu me sentia a vontade lá porque não há o que ter muito de luxo, então era finalmente um bom lugar.
                A poucos metros também, mas em outra direção, mais precisamente na rua de trás, a casa. A casa dos garotos, a casa dos Jonas. Era grande e bonita, mas o melhor de tudo é que se parecia com um lar.

Capítulo II – Oito anos atrás

                Os três meninos que lá viviam eram, sem dúvida, diferentes. Eles tinham uma banda, algumas fãs enlouquecidas, uma família perfeita e eram lindos. E me irritavam.
                Me contaram que eu brincava com eles até os sete anos, mas não, eu não me lembro de momentos bons, eu só me lembro das brigas – que não foram poucas. Na verdade, se isso faz oito anos como me dizem, eu deveria lembrar. Mas realmente não consigo.
                Assim que o irmãozinho mais novo deles nasceu, eles ficaram realmente centrados na família e foi quando eu comecei a notar que essa amizade deles não me trazia nada além das nossas intrigas. Então eu me afastei. E depois de um tempo, eles ficaram famosos.

Capítulo III – Os Jonas

                E falando um pouco sobre cada um, eu posso passar horas fazendo isso. Porque eu os conheço. Oh, sim! Eu os conheço. Mas serei breve. Vejamos o mais velho. Ele tem o nome do pai, Paul Kevin, mas todo mundo o conhece por Kevin. Hoje ele tem 21 anos e creio que seja um bom moço, assim como todos os outros (e é isso que me irrita mais). Ele dirige e tudo, mas tenho certeza que tem milhões de pessoas que fazem isso por ele. Na banda, ele toca guitarra, e manda muito bem.
                Depois tem Joe, o do meio se você considerar apenas a banda. Joe canta perfeitamente, é lindo, engraçado, romântico e possivelmente tudo o que uma garota quer. Ele consegue fazer tudo virar uma piada, e de vez em quando isso é demais. Mas não tem quem não goste dele.
                E por último: Nicholas, o Nick. Ele tem minha idade e talvez eu o entenda melhor por isso, apesar de encarar igualmente os três. Além disso, ele canta. Nick foi quem começou e é quem comanda o Jonas Brothers.
                Eu poderia falar de Frankie, mas não o conheço e ele é muito novo pra ter algo que seja realmente importante de comentar. E esses quatro, mais Sr. Paul e a Sra. Denise, formam a família perfeita da rua de trás. Os Jonas.

Capítulo IV – A gente não escolhe

                Como eu já comentei, toda essa perfeição me irrita. Talvez porque minha casa estivesse longe de ser um paraíso. Minha mãe tinha suas manias e estava sempre brigando com o meu pai. Talvez porque ele nunca tinha tempo pra gente, vivia trabalhando.
                Eu gostava deles, é claro, e muito. Eu era mais parecida com o meu pai, é verdade. Mas também amava muito minha mãe. Apesar de nesses últimos tempos brigarmos por tudo.
                Acho que eu sempre sofri mais por ser filha única, porque tem essa coisa de agüentar sozinha... Eu não sei ao certo. Eu precisava de alguém, mas eu não tinha. Família é mesmo coisa que a gente não escolhe.

Capítulo V – Meu próprio alguém

                De uns três anos pra cá, eu comecei a perceber que não podia mais ficar calada. Eu não ia pegar o primeiro na rua e despejar todos os meus problemas, óbvio. Minha mãe não iria me entender e me mandaria pra um psicólogo. E olha que esse esquema de psicólogo é como contar pro primeiro da rua. Meu pai estava ocupado demais ganhando um pouco de dinheiro pra gente viver. Amigos de verdade, eu não tinha. Não um que pudesse ouvir tudo o que eu sentia.
                Cogitei passar na casa dos Jonas, mas depois ri de mim mesma. Seria ridículo e com certeza os garotos não estariam em casa. Foi quando eu peguei uma folha de caderno e comecei a rabiscar. E isso me fazia sentir melhor.
                Estava perto do meu aniversário e uns dias depois teve uma grande festa (contra a minha vontade). Lembro que ganhei um caderno, mas na verdade, eu fiquei tão encantada com aquilo que não sei de quem foi a brilhante idéia. E era no caderno que eu contava meus problemas: eu escrevia, e o caderno, era meu próprio alguém.

Capítulo VI – Abrindo meu coração

                Todo mundo gosta demais de fazer alguma coisa, e eu gostava de escrever. No começo, eu escrevia como se fosse um diário, contava meu dia, mas em forma de metáforas. Depois eu fui escrevendo poemas e por último, eu já estava criando minha melodia. Eu estava escrevendo músicas.
                Contando os momentos em casa e as aulas que eu passava escrevendo, o caderno que eu ganhei de aniversário acabou rapidinho. O problema é que eu me afeiçoei a ele. Ou seja, eu comprava cadernos e mais cadernos pra suprir meu vício, mas o primeiro estava sempre junto. Ele me inspirava e me acalmava.
                O que me deixava em pânico era a possibilidade de alguém ler aquilo. Eu não queria. Realmente não queria. Não era vergonha, mas sim desrespeitar meu espaço, minha privacidade. Por isso, eu trancava tudo a chave, e a levava no meu colar. Afinal, ela abria meus cadernos, que abriam meu coração.

Capítulo VII – Segredos revelados

                Há algumas semanas teve um feriado, e eu adorava horas de folga porque podia ir direto ao parque e passar o dia escrevendo. Eu não me importava se o tempo estava congelante, a música me aquecia. Eu escolhia uma árvore, sentava perto de suas raízes e deixava as coisas fluírem.
                Esse dia não foi diferente. Mas uma hora, a luz foi bloqueada e eu tive que olhar pra cima. Tinha um garoto na minha frente.
                - O que você está fazendo, ? - Num impulso, fechei tudo e larguei os cadernos trancados.
                - ... Você ainda lembra meu nome. E está na vizinhança. Quem diria, hein? O que está fazendo aqui, não tem shows pra fazer ou autógrafos pra assinar?
                - Tenho, tenho sim. E muitos! – Ele deu um sorriso convencido e eu quase o soquei, só por ser tão idiota. – Estou passando o feriado em casa. Mas eu perguntei primeiro. – Ele pareceu interessado e se sentou ao meu lado.
                - Eu... estava fazendo tarefa.
                - No feriado? Essa é boa. Aliás, no caderno que eu te dei há três anos?
                Eu não conseguia falar nada. As coisas pareciam confusas. Eu imaginei por anos quem teria me dado aquele caderno. Quem teria me salvado. Enquanto mergulhava em meus pensamentos, ele tentava abrir os cadernos e ver o que tinha de tão misterioso. E se fosse um diário? Será que ele não sabe que não se lê o diário de uma garota sem a sua permissão? Fiquei realmente brava, mas não consegui gritar ou mandar ele se afastar, pois ele já estava com os cadernos abertos e os olhos brilhando. Quando eu senti que ele ia falar algo, saí correndo. Não sabia pra onde iria ou o que queria fazer, mas eram os meus cadernos! Eu os mantive escondidos por tanto tempo e de repente meus segredos são revelados a um garoto que eu nem ao menos gostava.

Capítulo VIII – Na porta de casa

                No dia seguinte, eu já estava mais calma e tinha posto as idéias no lugar. Ouvi a campainha tocar e quis matar minha mãe por dizer que eu estava em casa. Fui até a porta, e lá estava ele.
                - Olá, . – Cumprimentei o garoto com cara de poucos amigos.
                - Olha... Você esqueceu umas coisas. – Ele me entregou os cadernos.
                - Não faz diferença. – “Agora que já leu tudo, vá em frente e tire sarro”, pensava. Ele estava remexendo os bolsos e eu não entendia sua expressão.
                - Ah sim... Tem mais isso. – me mostrou o cordão com a chave. Ele estava meio sem jeito, mas fez sinal para eu me virar, pra ele poder colocar em mim. Eu mordia os lábios e nem sabia direito o que sentia. – Nós precisamos conversar.
                Me virei de volta para ele. Eu não queria. Podia fazer tudo, menos conversar com ele. E afinal, que diabos ele queria? Apenas concordei com a cabeça, fechei a porta de casa e o segui.

Capítulo IX – Cantando sentimentos

                Fomos até o parque, em silêncio. Eu já sabia que não queria conversar, mas fiquei surpresa por ele não ter dito nada também. Sentamos num banco qualquer e ficamos encarando o horizonte.
                Nós conversamos durante muito tempo. Ele foi legal e eu não pensei no ocorrido. Nem lembrava das nossas brigas infantis ou do quanto ele era irritante. Era... diferente. Quando ficamos em silêncio, decidi comentar o que me intrigava.
                - Eu pensei que ia atrás de mim quando eu saí correndo. – E depois de ter dito isso, fiquei pensando na minha estupidez. Droga, agora ele iria pensar que eu fiz isso só pra ele vir atrás, ou pior, que eu estava interessada.
                - Você precisava de espaço. Olha, me desculpa pelo que eu fiz, eu li aquilo tudo sem sua permissão, e o mínimo que podia fazer era deixar você em paz por algum tempo. - Ah, pelo menos a teoria ele entende. – Me desculpa, eu li tudo. E... Tudo o que você escreveu... É muito legal. – Do que ele estava falando? – Suas músicas têm sentimento, eu não sei direito se são músicas ou poemas, mas poderiam funcionar perfeitamente se você me mostrasse o ritmo.
                - Não estou interessada em mostrar nada a ninguém.
                - , olha. Eu tenho uma banda, eu não sei se você sabe – Ele deu um sorriso bobo, mas lindo – e eu queria tocar suas músicas. Aquilo me ofendeu, e muito. Eram meus sentimentos. Eu não queria revelar a ninguém, muito menos ouvir alguém cantando.
                - NÃO! Eu não queria nem que você lesse! Agora você quer cantar as minhas músicas?

Capítulo X – Pressão fraternal

                Depois que eu descobri que tinha lido todos os meus cadernos, mostrado para os irmãos e ainda se interessado por aquilo, e que estava sendo legal comigo por puro interesse, eu não sabia mais o que fazer ou pensar. Eu não queria que todo mundo ouvisse. Tudo bem, ele me devolveu, mas e se tivesse copiado? E se eles tocassem sem a minha permissão? Não, eram corretos demais para isso. Mesmo assim, eu não conseguia ficar calma.
                E além de tudo, os outros dois vieram falar comigo, queriam que eu cedesse. Pararam as bicicletas do meu lado e começaram a conversar. Até que eram legais. Mas interesseiros, como o irmão. Eu jamais, jamais esperaria isso da família perfeita. Foi um feriado agitado. Então me pediu para ir ao parque, de novo. Pra resolver tudo.

Capítulo XI – Trechos de uma discussão

                - Mas eu não quero, , eu não quero que as pessoas ouçam isso.
                - Tudo bem. Mas fique sabendo que seria muito bom pra nossa banda.
                - Não me interessa se está bom pra banda de vocês, que escrevam as próprias músicas, mas os meus sentimentos, ah, eles ficarão pra mim! E se você leu, azar. Ai de você se eu ouvir um pedacinho do que eu escrevi no seu novo CD boboca.
                - , você nasceu pra escrever, nasceu mesmo. Você escreve com o coração e isso torna as suas músicas lindas. Mas se não quer publicá-las, está ok. Guarde tudo para você, mas só lembre-se de que nós gostamos muito, e qualquer um que ler ou escutar vai adorar. Um dia você vai lembrar da gente.
                - Joguinhos sentimentais? Chantagens? E pior, você está se fazendo de legal só por interesse. Jonas, eu jamais esperaria isso de ti. Pra mim chega.
                - Escuta, POR QUE VOCÊ ME ODEIA TANTO? – Eu já estava afastada quando ouvi ele gritar. Mas parei. De costas para ele, fiquei pensando na pergunta, e pensando em toda a minha raiva com os três garotinhos que só gostavam do que eu escrevia. Talvez eles não merecessem tudo isso, eu estava, como sempre, escondendo meus sentimentos. Juntei toda a minha coragem, respirei fundo e falei baixinho, ainda de costas.
                - Porque, , eu te amo.

Capítulo XII – Suave e demorado

                Então ele veio até mim, parou uns segundos na minha frente e eu caí em seus braços. Estava próxima o bastante para inalar seu perfume - Era um cheiro diferente. Forte e suave ao mesmo tempo - e para sentir o calor de seu corpo a centímetros do meu. Eu não conseguia pensar em nada e podia dizer que, pela sua expressão confusa, ele também não. Nossos olhos brilhavam e transmitiam toda a emoção do momento. Deitei a cabeça em seu peito e os braços fortes dele me envolveram. Eu me senti segura e satisfeita.
                O cenário não podia ser melhor: o parque, nosso parque; aonde tínhamos passado a infância e as lembranças fluíam por toda parte. De repente seus dedos tocaram o meu queixo, me acordando dos meus próprios pensamentos. Virei meu rosto para ele num sobressalto, e percebi que um grande sorriso se esboçava naquela face tão conhecida, deixando-a completamente estranha para mim. Ele se aproximava e eu não sabia se isso me acalmava ou me deixava nervosa. Seus lábios encontraram os meus num beijo suave e demorado, enquanto eu passava as pontas dos meus dedos em seu cabelo escuro. Todas essas emoções misturadas me faziam sentir borboletas no estômago. Quando acabou, seus braços continuaram me envolvendo, enquanto ele se afastava lentamente com aquela expressão confusa e enigmática; e num sussurro, me disse:
                – Eu também.

Epílogo

                Estou olhando pela porta entreaberta. Dentro do quarto, está com nosso pequeno no colo. Está contando histórias, possivelmente da sua época de banda. Sempre conta que o terceiro CD “foi escrito todinho pela mamãe, depois de muito o papai pedir”. Isso me faz rir. Me lembra aquele dia no parque, há muitos e muitos anos. Chego mais perto para ouvir. Ele está dizendo que o mandei escrever as próprias músicas, mas que eu não sabia que ele já fazia isso - e todas para mim. De repente, eu amava a minha vizinhança.

N/A:
Muito obrigada a todos que leram :) Deixem comentários, é importante pra mim.
(Fernanda, Cicely, Mila & Yasmin, que sempre me apoiaram com isso, eu amo vocês)
Xoxo,
L.




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