“E todas as músicas de amor que eu já fiz
Eu fiz... pra você”


A garota encarava a janela. Lá fora uma chuva fina caia depois de um temporal. O vento levava as gotas até sua janela, impedindo que ela visse mais do que os pontos de água chocando-se com seu olhar. Como suas emoções chocavam-se com seu coração e sua mente.
Como ele pudera? Ele sabia, simplesmente sabia que era a vida dela. Ele sabia que todos os passos que dava eram pra ele. Que cada vez que sua voz saia, era por ele.
E ele sabia que ela o amava, e sempre o amara. Ele não poderia nunca duvidar daquilo. Mas duvidara, duvidava, e isso a machucava.
Isso fazia sua revolta crescer, mas maior que sua revolta era sua dor.
Quem inventara os sentimentos? Quem fora o tolo que inventara o amor? E ela, como fora tola ao acreditar nisso.
Era óbvio que ele não a amava. Que nunca a amara. E que todos os momentos eram mentira.
Ele era uma droga de mentira, assim como tudo que a rodeava agora. Seus presentes, suas lembranças, e os seus traiçoeiros sentimentos. Eles deveriam estar a seu favor, e não a favor dele.
Acendeu um cigarro, sem deixar seu olhar fugir. Ela ainda encarava a janela. A mesma janela.



“E todos os filmes de amor que eu já vi passar
Passaram...pra você”


Um filme passava pela cabeça dela. Todos os momentos juntos, todos os momentos felizes.
-? –ela o chamou.
Estavam deitados na areia, abraçados, como sempre faziam quando queriam fugir do mundo.
-Hm? –ele respondeu, ainda olhando pro céu.
-Eu amo você. –ele baixou seu olhar e a encarou.
-Eu também amo você, pequena. –ambos sorriram. Era a primeira vez que ele dizia que a amava.
Ela apagou o cigarro.Uma lágrima escorreu de repente pelo rosto dela. Como ele pôde terminar assim com o relacionamento? Três anos e, de repente, o fim.



“É, você 'tá em todos os momentos que eu vivo
E que eu desejo”


Ela secou a lágrima com violência. Não se permitiria sofrer mais. Não se permitiria chorar por ele. Ele não merecia. Não...mesmo com todos os momentos que passaram juntos.
As lembranças invadiram novamente sua mente. Não era algo que ela podia escolher ou evitar.
-Amor, eu juro que volto. – ela sentou-se no colo do namorado.
-Eu sei que volta. – ele sorriu.
-Promete que me espera? Eu realmente preciso fazer essa turnê.
-Baby, é o seu trabalho... – ele a beijou levemente. – Eu entendo...juro.
-Eu vou estar pensando em você, eu sempre estou pensando em você.
-Eu também, minha vida. Eu só quero ficar com você até o fim...
-E mais além.
-Muito mais... – ele a puxou para um beijo calmo.
Ambos sabiam que teriam que se separar por dois meses. Mas contavam com o telefone e a internet. E com o amor que os unia, é claro.
Essa lembrança fez com que mais lágrimas corressem por seu rosto. A garota das lembranças nem de longe lembrava a garota de hoje. Ela parecia apenas esperar...



“É, você impregnou na minha carne, nos meus sonhos
E agora não tem volta, eu preciso te viver”


-Droga! –ela bateu na janela, tentando conter as lágrimas. Por mais que tentasse, não conseguia esquecê-lo. Por que aquelas lembranças teimavam em incomodá-la? Por que simplesmente não desapareciam e a deixavam em paz?
Ela foi até a cama e pôde sentir o cheiro dele nos lençóis. Era inevitável. Ele estava em todos os lugares naquele quarto.
-Droga !! –ela encarou o travesseiro. –Quer fazer o favor de me deixar em paz? –ela dizia, como se ele estivesse ali para escutá-la.
deitou ainda sentindo o perfume dele. No fundo, ela o queria ali. Mas ele estava longe demais. Ela puxou o travesseiro, o abraçando.
E sentia falta do abraço dele, dos beijos dele. Do olhar atento do seu garoto em todas as coisas que ela fazia. Dos sorrisos involuntários, e das vezes que ele fingia estar irritado.
Sentia falta de chegar em casa cansada e encontrá-lo no sofá, prestes a fazer com que todos os problemas sumissem.
Não tinha mais solução...ele era uma realidade, e a necessidade que sentia de tê-lo por perto era sua obsessão.



“E todas as flores que eu já vi desabrochar
Desabrocharam... pra você”


Ela tateou a cama, a procura do celular. O encontrou perdido entre as roupas desarrumadas. Não quisera refazer aquelas malas. Era difícil para ela. Não queria ter que deixá-lo, não queria ter sido deixada.
Mal chegara daquela maldita turnê e já precisaria viajar novamente. Ela esperava que ele entendesse. Que ao menos explicasse. Mas a única coisa que ouvira era o suficiente para acabar com tudo.
“Acho melhor não nos vermos mais”.Fora assim que ele acabara com tudo. Fora assim, dessa maneira cruel que ele destruíra os sonhos dela. Os sonhos deles...
Ela esperava tudo. Saudade, beijos, mas não aquela frase. Não esperava encontrá-lo pela última vez ao chegar em casa. Não esperava, ao invés do sorriso, uma expressão séria e decidida.
Simplesmente não esperava aquilo dele. Não da única pessoa que fazia o seu mundo girar, do único que tirava seus pés do chão.
Apertava sem forças o pequeno botão. E a cada vez que apertava, uma lembrança. Na tela, os sorrisos de dois apaixonados e um amor.
Que agora se resumia a decepção e dor.



“E todos os beijos mais apaixonados que eu guardei
Estão guardados... pra você”


Ela parou naquela foto e sorriu, involuntariamente. Era a preferida dela. A noite antes da viagem e o beijo de despedida.
-Eu queria te levar comigo. –ela abraçou o namorado.
-E eu queria não te largar...pra você não ir. –ele sorriu com o nariz encostado no dela.
-Eu volto. Juro que volto.
-Eu vou estar te esperando. –ele encarou os lábios dela e a beijou lentamente.
Ele pegou o celular da namorada e os fotografou.
Era a última lembrança que ela tinha dos dois juntos.
Além de tudo ele mentira. Mentira quando dissera que estaria esperando por ela. Mentira ao fazê-la pensar que tudo seria como antes. Não era.
E todos os beijos que ela guardara em dois meses ainda estavam ali, guardados, e destruídos. Junto à relação deles.
Tudo o que ela cuidara por tanto tempo ali...no chão.



“É, você 'tá em todos os momentos que eu vivo
E que eu desejo
É, você impregnou na minha carne, nos meus sonhos
E agora não tem volta, eu preciso te viver

Contam nossa história
De tristezas e glórias
O poema mais bonito
Que eu já li...”


Ela agora não olhava mais para a janela. Encarava o teto, mas seus pensamentos estavam longe. O filme ganhara velocidade, e agora ela já não conseguia mais ter certeza sobre as lembranças. Eram como flashs, eram frases misturadas, diversos momentos.
Sua cabeça doía, as lágrimas corriam por seu rosto. Ela sentia como se agulhas estivessem furando seu corpo. Como se a dor e o desespero consumissem seu corpo.
Algo precisava ser feito. Não era justo com ela sofrer daquela maneira. Ele não voltaria, de qualquer maneira. Ele não diria que estava errado.
Ela simplesmente não tinha mais nenhum motivo...nada que a fizesse continuar.
Tinha sido bonito...mas era necessário que acabasse. Definitivamente.



“É, você 'tá em todos os momentos que eu vivo
E que eu desejo”


Ele tentava abrir a porta de maneira desajeitada. Suas mãos tremiam. Estava nervoso. Precisava falar com ela. Ela não atendera suas ligações. Mas era óbvio que não faria. Tinha agido como um idiota. Movido pelo momento, pela ligação na noite anterior dizendo que ficaria apenas alguns dias. Não queria perdê-la de novo. Tinha ciúme de sua carreira. Ficava louco quando ela precisava estar mais tempo com os outros do que com ele. E sentia saudade. Se arrependera das palavras ditas na manhã anterior. Ela mal chegara. Ele viu a decepção nos olhos dela.
-...amor, eu quero pedir desculpas. – ele entrou no quarto, afoito. – Você ta dormindo? – ele se aproximou, tranqüilamente. – Bebê? – ele acariciou o rosto dela.
Gelado. Imóvel. Os olhos dele criaram pânico. Seu coração parou por um segundo,e logo voltou a bater, acelerado. Tentou sentir a respiração dela. Só poderia ser uma brincadeira.
Nada.
Buscou o pulso gelado da garota.
Nada.
O corpo dela estava ali, sobre aquela cama.
olhou em volta. Precisava de uma explicação. Apenas uma explicação.



“É, você impregnou na minha carne, nos meus sonhos
E agora não tem volta, eu preciso te viver”


Ele ainda encarava o vidro vazio dos remédios. Se tivesse chego antes...se tivesse evitado tudo aquilo.
O corpo dela já não estava mais lá. Os olhos vivos dela, ele jamais veria novamente.
Não sentiria o toque dela, nem o beijo. E não ouviria mais os gritos, as risadas e a bela voz.
Ela poderia ser uma estrela pro mundo, mas pra ele, era apenas sua Pequena.
Abriu a janela que outrora era observava e deixou o vento invadir o quarto.
Sem que ele percebesse, um bilhete voou para o outro lado do quarto.



“E todas as músicas, os filmes, e as flores e os beijos...
Pra você!”


E ele jamais leria.



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