Era
para ser um dia comum, não fosse a pequena discussão que teve
com o namorado uma semana atrás e que resultou no fim do relacionamento. Em pleno natal, só o
que alegrava a garota era o fato dela poder voltar pra casa depois de uma tarde
cheia e de uma dor de cabeça insuportável. Ela saiu de uma loja no centro da
cidade, onde trabalhava, e decidiu tomar alguma coisa numa das lanchonetes que
ainda estavam abertas.
Por mais incrível que
parecesse, tudo conspirava contra ela. Pensava que passaria um natal brilhante
ao lado daquele que amava e agora não tinha mais ele ao seu lado. Não podia
voltar para sua cidade natal, pois era muito longe. Pensou que de nada
adiantaria ficar matutando essa dura realidade e abriu a porta do lugar, ouvindo
os sininhos pendurados na porta tilintarem. Estava lotado, quase não parecia
sobrar lugares vagos. se aproximou do balcão e pediu um café ao
atendente que anotou algo num bloco de papel e desapareceu por detrás de uma
porta. Ela se virou cuidadosamente pra não trombar com nenhuma criança que
estivesse passando e de repente viu alguém que no mesmo instante a
encarou.
Era . O garoto estava sentado numa das mesas
perto da janela, aparentemente fazendo nada. estava petrificada. Seu
coração começou a dar pulos - que ela não identificava se eram de alegria ou
de ódio - e quase desmaiou quando o menino apontou para a cadeira à frente
dele, demonstrando que era para ela se sentar.
O atendente voltou e lhe
entregou o café. sorriu em agradecimento e voltou a se virar para .
Ele parecia esperá-la. Ela deu passos lentos até que o alcançou e o viu
indicar o lugar vago na frente com a cabeça. Ela suspirou e se sentou, apoiando
o copo na mesa e desviando o olhar para fora dos vidros da janela.
-
Okay, não está sendo um bom dia pra mim também - disse esperando
convencer a garota a falar com ele. Ela apenas balançou a cabeça sem tirar os
olhos do lado de fora - ... - ele insistiu - vamos... vamos conversar.
-
Conversar? - ela falou sem se mover - sobre o que? Sobre como meu natal foi
arruinado por alguém que só brincou comigo?
- Eu não brinquei com você!
- ele se manifestou e ela riu irônica.
- Mas é claro que não... - disse
- fui eu quem brincou com você, não?
abaixou a cabeça. Fazia
exatamente uma semana que não a via. Tinha saudades, afinal um ano e meio era
tempo suficiente pra poder dizer que estava apaixonado de verdade. Ele tentou
ser sutil, ao contrário dela que parecia querer ser o mais rude
possível.
- , o que foi que eu fiz pra você? - ele perguntou
baixinho. se virou, sem encará-lo e bebeu um gole do café.
- Você
não me amou, , não como eu esperava... - ela respondeu, fazendo careta.
-
Como assim? - ele não entendeu.
- Como assim o que? - ela indagou.
-
Como assim eu não te amei... ? - ele franziu a testa e a garota bufou - quer me
explicar, por favor?
riu. Bebeu outro gole do café e fez mais uma
careta. O que é que estava havendo, ela nem gostava de café! Mexeu na franja
afastando-a dos olhos e mirou um ponto na mesa.
- Tenho mesmo que explicar?
- ela perguntou e o garoto concordou - está bem, vamos por ordem... 1...
-
Espera! - ele pediu e tirou o celular do bolso que parecia vibrar. Ele desligou
o aparelho, voltando a prestar atenção na face murcha e triste da menina -
continua...
- Você... desligou o celular? - ela disse, assustada e
apontando para o bolso dele.
- Aham, continua... - ele falou.
- Mas...
você nunca desliga o celular... - ela continuava estranhando aquela atitude -
você... - viu a cara de sonso que ele estava fazendo e se recompôs - tudo bem,
voltando... número 1, você é ...
- O que tem a ver? - ele
arregalou os olhos e ela finalmente o encarou. Viu como ele estava bonito. Usava
uma blusa xadrez azul, e tinha os cabelos levemente arrepiados. A blusa estava
repousada na cadeira e era de cor preta. Ela pôs as mãos na mesa e começou a
brincar com um guardanapo. Estava nervosa, e sempre que ficava assim tinha que
procurar se distrair com algum objeto - vamos, o que tem a ver?
- Tem a ver
que só consegue ser tão frio e distante... - ela deu de ombros
e ainda não entendia muito bem.
- ... resume tudo e só me
diz o que foi que eu fiz, por favor? - ele quase implorou. Estava começando a
achar que ela tinha inventado tudo o que já tinha dito, e por isso não fazia
sentido.
- Não dá pra resumir, ... - ela esticou a mão direita e
começou a numerar - você estava sempre ocupado com seus amigos, não saía
comigo, não me dizia mais as coisas que eu gostava de ouvir e não me escrevia
mais músicas... eu não pedia nada cara, só atenção e você ainda teve
coragem de dizer que tudo não faz sentido? Ah, dá um tempo!
não
sabia o que dizer. Era verdade que nos últimos tempos estava bastante ocupado
com seus amigos, mas era porque tinham uma banda e trabalhavam um bocado pra
compor e gravar demos. Ele tinha um sonho, e estava conseguindo seguí-lo com
dedicação. Queria que fizesse parte desse sonho também, e ela fazia,
mas estava sendo difícil pra ela se adaptar.
- Me desculpe, mas
isso não é motivo pra você dizer que eu não a amava o suficiente... - ele
disse, mas o interrompeu, resmungando algo.
- Não foi isso o que
eu disse - ela falou - você me amava o suficiente, mas não como eu gostaria,
é diferente...
- Como diferente??? - ele disse um pouco mais alto, chamando
a atenção de algumas pessoas de mesas próximas - posso saber o que você
esperava de mim então?
Ele estava incrédulo. Não entendia como
podia querer tanto dele. Ele se esforçava ao máximo para demonstrar que era
pra ela que ele vivia e que era por ela que faria qualquer coisa, mas agora, com
aquelas palavras, parecia que ela era uma esganada e insatisfeita engolidora de
sentimentos. , por sua vez, queria fazer o garoto compreender que não
bastavam carícias e afins. Ela o queria por perto quando tirava folga, quando
tinha que ficar sozinha ou em todo e qualquer momento do dia, porque o amava e
odiava estar longe dele. O que ele não entendia era que ela era alguém que não
suportava não ser ouvida.
- Esperava que você se importasse - ela disse
apenas. ergueu uma sobrancelha e se calou por um tempo. Tempo suficiente
pra que os dois sentissem o silêncio cutucar suas entranhas e os fazer sentirem-se mal. Era até constrangedor eles não se encararem, como se fossem
estranhos tendo que dividir a mesa ou inimigos. O clima estava realmente pesado.
- Vão querer mais alguma coisa? - o atendente perguntou se
aproximando da mesa. Os dois olharam pra ele.
- Um chá - pediu.
-
Bolachas - falou em seguida e o olhou de repente - sem recheio, por
favor.
- Claro - o atendente sorriu e seguiu pra outra mesa. mirava
.
- Pára com isso... - ela disse rindo e ele balançou a cabeça.
-
Bolachas... - ele repetiu - pra você molhar no chá... eu sei que você gosta.
-
É, combina com natal não? - ela olhou para os enfeites em toda parte - ainda
mais se forem em forma de bonequinhos... - disse mais pra si mesma, mas
escutou.
- OW, TRAZ BOLACHAS EM FORMA DE BONEQUINHO, OKAY? - ele gritou,
erguendo o braço para o atendente, que fez joinha.
- Você é
louco? - perguntou, revirando os olhos de vergonha, enquanto algumas
pessoas olhavam pra mesa deles estranhamente.
- Não. - ele respondeu,
bagunçando os cabelos. viu como ele ficava bonito quando ajeitava a si
mesmo.
- Então, algo marcado pra noite de hoje? - A garota puxou assunto.
debruçou os braços na mesa e encarou os olhos da menina. Tão
brilhantes como se dentro deles houvesse mil pisca-piscas. Ele sorriu abobado.
- Acho que vou voltar pra casa apenas e assistir alguns desenhos - ele
sorriu de lado - e você? Algum encontro? Algo com pista de patinação e um
grosso casaco verde?
- Não, meu último encontro foi assim e ele foi
desastroso - ela riu, lembrando-se de três semanas atrás - o garoto derrubou
sorvete no meu casaco verde e eu o cortei com meu sapato na hora de patinar. Se
fossemos maiores, estávamos mortos...
- Que exagero - ele fez careta -
aposto como esse cara era bonitão, não era?
- Ihh, aflorando seu lado
feminino, ? - ela brincou e ele desmunhecou o pulso pra zombar dela, que
continuou rindo. Fez que era brincadeira e a garota deu um risinho - nah, era
bonitinho...
- É? - ele perguntou interessado. Era engraçado vê-la falar
dele daquela maneira.
- Aham - ela sorriu, mirando os olhos dele - ele tem
a mesma idade que você, sabe? - entrou no jogo - mas ele é mais bonito...
-
Oh, não, fui trocado... - ele falou, pondo a mão no peito, encenando levar um
tiro. riu.
- E você? Nenhum encontro desastroso? - ela perguntou,
esperando que ele levasse na brincadeira também.
- Algo parecido com o
seu, mas sabe? - ele se aproximou, fingindo que ia contar um segredo - mesmo ela
tendo me cortado acidentalmente, eu me sentia inteiro por ela estar ali...
Ele
se afastou novamente e corou de leve.
- E você a amava? - quis
saber.
- Acho que sim, ela era gostosa - ele disse e a menina abriu a boca
indignada - brincadeira, eu a amava sim, muito e... posso te contar um segredo?
- falou e viu ela mexer a cabeça, dizendo sim - acho que ainda a amo, mais do
que antes... sabe aquelas coisas que crescem dentro de nós?
- Sei, sei
muito bem... - ela disse e o silêncio voltou à tona.
Os dois miraram a
rua de novo. O frio, as pessoas e seus casacos. O natal era uma época em que
todos iam pra casa, comer peru e jogar conversa fora com a família. As
crianças só pensavam em presentes, mas dormiam cedo, ansiosas. E nas ruas só
ficavam grupos de corais e aquelas pessoas que não sabiam o que fazer.
Os
sininhos da porta da lanchonete tilintavam à todo instante e o brilho dos
enfeites fazia querer voltar a ser pequena, à época em que só o que
fazia era esperar o bom velhinho deixar seu presente embaixo da árvore. Ah, uma
árvore de natal, tinha tantas saudades de casa, do ótimo jantar que sua mãe
preparava e das histórias mágicas que seu pai contava. Agora estava ali, num
lugar que cheirava vazio, com um garoto que ela pensava conhecer bem, mas não,
não sabia nem metade do que ele era verdadeiramente.
também tinha
saudades, mas no exato momento só conseguia olhar pra . Aquela pele que
ele não sentia há uma semana, a voz que ele tanto adorava escutar. Tudo o que
ele queria era se redimir mesmo que não soubesse porque.
O atendente pôs
um prato com biscoitos na mesa, junto ao chá da garota. Eles agradeceram e o
moço se retirou.
apontou para os biscoitos, enquanto soprava
a xícara.
- São em forma de bonequinhos - ele sorriu feito criança e
ela pegou um dos biscoitos. Tinha bracinhos, perninhas e uma cabeça redonda com
olhinhos e boquinha. Os botões eram feitos com açúcar. Ela mergulhou o
biscoito no chá como gostava de fazer.
- E o pobre morreu afogado! tsc,
tsc - brincou e tirou o biscoito do chá. Estava meio mole.
-
Coitadinho - ela exclamou olhando para o estrago - hum, agora já foi.
riu vendo ela comer o biscoito com pena de desmanchá-lo. Eram bonitinhos. Ele
resolveu experimentar um e estavam realmente bons.
- Eu como uma perna e
depois a outra - ele disse, mordendo o biscoito com cuidado - agora os braços e
ops...! Lá se foi uma cabeça!
- Pára , está massacrando os
coitados - deu um tapa de leve na mão do menino que riu.
- Mas você
está afogando eles nesse chá fervente - ele reclamou, apontando para a xícara
que exalava vapor.
- Ah é... - ela falou com o dedo no queixo e deu de
ombros - bom, o sofrimento acabou, os biscoitos acabaram...
- Pois é - ele
mordeu o lábio. Consultou o relógio e viu que eram onze horas da noite - vai
pra casa?
- Vou - ela respondeu e se levantou.
pagou a conta e
os dois saíram ouvindo os sininhos tilintarem uma última vez. A rua estava
começando a ficar deserta porque todos voltavam pra festividade de suas casas.
Ele meteu as mãos nos bolsos da calça e apertou seu casaco com força
por causa do vento frio. Seus rostos estavam levemente corados. mexeu os
pés de uma forma engraçada e virou na direção de , que encarava os
próprios sapatos.
- Bom... feliz natal - ele disse de repente. Suas
mãos estavam suando.
- Feliz natal - ela falou e sorriu amarelo. Se
encararam por alguns instantes até que cada um virou para um lado.
- Até
mais - ele se despediu.
- Até - fez o mesmo e começou a caminhar
na direção oposta. Tinha sido uma conversa não finalizada, mas parecia ter
terminado bem, na paz. Ela sentiu alguém tocar em seu braço e se virou, dando
de cara com .
- Esqueci de uma coisa - ele disse arfando por ter
corrido até ela e tirou um envelope amassado do bolso - agora sim, feliz
natal...
pegou o envelope e viu o garoto desaparecer na esquina,
junto a escuridão. Ela andou por mais algum tempo, até chegar num parque velho
e vazio. Sentou-se num dos bancos que havia perto de uma luminária e olhou
séria para o envelope. Decidiu abrir. Havia um papel e um saquinho pequeno
de confetes de chocolate. Ela riu e desamassou o papel pra ler.
",
Eu
pensei, e pensei, e pensei, mas sabe, não consegui achar um presente ideal pra
você. Sabe, qualquer coisa ia ser muito pouco se comparado àquilo que você me
dá todos os dias, que é seu amor, seu afeto, sua companhia. Sei que você ama
chocolate então estes doces são apenas um trote, está bem? Qualquer dia
desses a gente combina de sair e daí você escolhe o que você quiser. É
sério, pode estar rindo agora, mas eu estou sendo sincero com você. Não sou
de escrever cartas, não sou de me expressar muito bem com atitudes, mas apesar
de tudo, quero que saiba que eu amo você, muito mesmo, tanto que acho que
ganhei meu presente de natal antecipado. Um ano e meio antes pra ser mais
exato.
Bom, é isso, te vejo mais tarde, amor.
."
sentiu seu coração disparar. Leu uma, duas, três vezes e sentiu seus olhos
lacrimejarem. Então ele se importava? Como ela pôde ser tão egoísta e pensar
só no próprio bem estar, descartando todo aquele belo sentimento que
mantinha em si? Ela tinha sido muito burra, pensou.
Amassou o
envelope com uma das mãos e decidiu ler o bilhete mais uma vez. Ela não podia
acreditar.
De repente, notou um pequeno borrão no canto da folha e
forçou a vista pra tentar ler. Parecia algum tipo de complemento.
"Desculpe
pelo telefonema e pela briga. Amo você."
- Não vai abrir
o docinho? - ela escutou e deu um pulo, assustada. estava logo atrás do
banco.
- Senta... senta aqui - indicou o lado vazio
do banco e o
garoto se sentou. Ela sentiu um arrepio passar por seu corpo e não se conteve,
abraçando com força.
Ele passou seus braços pela cintura
dela, apertando-a contra seu corpo. Era tão bom tê-la tão perto de novo,
sentir o perfume que lhe entorpecia, sentir a respiração que o deixava louco.
Era tudo o que ele precisava.
- Me desculpa, , eu sou uma idiota por
pensar aquelas coisas de você - ela disse chorosa - eu te amo, eu te amo, por
favor, me perdoa...
- Só por uma condição... - ele a afastou, ainda
segurando em sua cintura e olhando fundo em seus olhos.
temeu a fala
do garoto. E se ele dissesse que não, que ela não significava mais nada pra
ele? Ela morreria.
- Qual? - falou tristonha, sentindo o sangue gelar.
-
Que você volte comigo... - ele disse e sorriu. mordeu o lábio e se
aproximou até encostar a boca na dele e o beijar intensamente. Ele era tudo o
que ela mais queria naquele natal.
- Então... você volta? - ele perguntou
depois de partir o beijo. Ela sorriu.
- Sim, sim, eu te amo... - disse,
beijando-o novamente.
- Eu também amo você... - ele falou e deixou que
apoiasse a cabeça em seu peito. Ela pegou o pacote de chocolates e abriu.
-
Os azuis são meus - disse e abraçou o menino, que riu e beijou o topo da
cabeça dela.
- Papai Noel foi bonzinho mesmo eu tendo massacrado os
biscoitos bonitinhos... - ele falou, tentando dar um tom de surpresa à fala.
-
Ainda bem, né? - disse, brincando com o cordãozinho da blusa preta dele.
-
Ainda bem...
Fim.
n/a: Ahhh,
Feliz Natal!!!
Essa foi a primeira fiction de natal que eu escrevi. Queria
agradecer ao Poynter por me inspirar e por ser o baixista mais lindo ever xD
Obrigada ao tempo, por ter passado devagar hoje, a banda de J-Pop Smap, porque
eu ouvi a música deles e me inspirei [não pergunte como] e à todos vocês que
leram, que gostaram ou não. Comentem pra que eu saiba tá? ^^
=* .Lilah.
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