Capítulo Único
analisou sua figura quase nua refletida no espelho.
Comparava sua versão adolescente com a adulta.
As curvas do corpo estavam mais sinuosas e certas características ainda lhe pareciam defeitos, porém, na maior parte dos 365 dias existentes no calendário, considerava a si mesma uma mulher confiante.
Apanhou o vestido de tecido delicado pendurado em um cabide no mancebo. Desceu o zíper e o colocou próximo ao chão, metendo o pé direito primeiro. Mesmo levemente folgado na parte acima da cintura, via-se o quanto lhe vestia bem o modelo azul-marinho.
Distraída, não percebeu quando a figura de um homem adentrou o pequeno quarto onde se arrumava.
— Ficou lindo em você, . — , seu primo dois anos mais novo a surpreendeu, ajudando-a a subir o zíper do vestido.
A peça de roupa acomodou-se melhor sobre seu busto e cintura, e as alças não mais ameaçavam cair por seu ombro.
— Cuidado para não chamar atenção demais.
revirou os olhos para seu aviso. Voltou suas atenções novamente para seu reflexo.
Estava se sentindo linda.
Não havia como não sonhar acordada dentro daquele vestido. Imaginando finais felizes.
Atrás de si, sentou-se em uma poltrona, cruzando as pernas e apoiando o rosto sobre uma mão — entediado.
— Uma moeda por teus pensamentos.
— Nem mesmo por um milhão! — dedicou-lhe um sorriso ladino através do espelho.
Sonhar era tudo o que ia lhe sobrar em breve...
Se a ela lhe fosse dada uma chance para conquistar o coração do homem por quem suspirava havia mais de seis anos, aquele seria o traje fatal.
Um vestido como aquele era servia para meros encontros familiares no final de semana, nem mesmo um passeio no parque ou cinema... não, precisava ser algo mais importante. Imponente. Onde ela pudesse brilhar o suficiente para que ele não a visse mais como sua priminha mais nova.
A festa de comemoração pelos dez anos de sucesso da start-up dele.
Aquele seria o evento perfeito!
chegaria às 7 — pois ele prezava pela pontualidade. Subiria os poucos degraus do apartamento onde mora e entraria no elevador. No espelho acertaria seus cabelos ondulados-quase-cacheados de tom . Certificaria-se de estar dentro do horário através de seu relógio digital simples, embora o terno cinza esbanjasse a ideia “Tenho muito dinheiro!”
Ao toque da campainha, estaria terminando de colocar um brinco dourado com pedras azuis, para combinar com o vestido. Caminharia até a porta com o balançar de quadris de uma modelo na passarela.
Com a porta aberta revelando a figura de cada um para o outro, um sorriso de satisfação brotaria nos lábios de ambos — felizes por serem um par aquela noite.
— Está maravilhosa. — diria , com o indicador alisando a lateral do rosto dela.
— Eu disse que esse tipo de terno slim te vestiria melhor! — brincaria, maquiando certos pensamentos libidinosos com a figura mais visivelmente esguia do rapaz.
daria de ombros, já que o complexo de patinho feio da infância não o fazia ligar muito para questões de aparência.
— Está pronta? Tenho uma surpresa lá embaixo. — perguntaria, visivelmente empolgado.
— Dois segundos! — correria, desviando dos móveis da sala, até alcançar sua bolsa. Regressaria um pouco ofegante, com a olhando preocupado.
— Tente não se machucar, ok? — suas mãos a amparariam pela cintura enquanto ela fechasse a porta, para que não caísse.
Quando ela se virasse para , ele estreitaria seus olhos sobre os a região de seus lábios:
— Está de batom ou... gloss? — jamais seria capaz de memorizar todos os itens de maquiagem usados por uma mulher.
— Nada! Não queria borrar...
Fecharia os olhos e se inclinaria até metade do caminho, sabendo que o resto do percurso seria feito por .
Seus lábios se encontrariam em um primeiro beijo. E finalmente descobriria qual o sabor de . A menos que o rapaz a surpreendesse, imaginava que o beijo seria calmo e ávido ao mesmo tempo, cheio de entrega.
E não precisava se preocupar com mais um romance fracassado, muito menos se conformar com alguém que amava mais ao seu dinheiro. Ela o amava.
se entregaria o mesmo tanto que ele. Cuidaria dele, se preocuparia por ele, o acompanharia para todos os lados e velaria seu sono.
Ao final do beijo, afagaria os volumosos cabelos de .
Sua mão buscaria a dela para descerem pelo elevador até chegar ao hall.
— Uma limusine?!
— Gostou, né? — gentil e educado, abriria a porta para que ela se acomodasse no assento de couro claro.
— Muito!! Nunca andei em um desses.
— Então vai adorar o passeio.
Fecharia a porta com cuidado e daria a volta para entrar pelo outro lado.
Alisando o material do estofado, prestaria atenção a todo o ambiente, impressionada.
— Que tal vermos um filme? — se jogaria no assento, sinalizando com a mão para o motorista que este podia dar a partida.
— Não temos tempo para ir ao cinema, você sabe.
Com um sorriso astuto, faria gestos exagerados para então apertar um simples botão localizado logo acima da cabeça deles. Uma tela de tamanho médio surgiria do teto da limusine.
Oferecendo seu braço para que apoiasse sua cabeça nele, os dois se aconchegariam um no calor do corpo do outro. Assistindo, com risadas ocasionais, a uma espirituosa película de animação da Disney.
— Chegamos, senhor. — informaria o motorista ao desligar o carro por completo.
— Obrigado, Jonas!
abriria mais uma vez a porta para sua acompanhante, enquanto finalizaria o batom vermelho nos lábios. O olhar rápido e surpreso do rapaz ao vê-la a deixaria inquieta por saber:
— Exagerei?
— Não! É só que combina bem contigo, e eu não imaginava... pois é uma cor tão forte. — diria com certa falta de jeito.
— Obrigada.
De braços dados, seguiriam pelo carpete vinho estendido desde o começo da calçada até o elevador do prédio-sede onde a empresa de atuava. A recepção e a festa em si seriam realizadas na cobertura. Um lindo espaço com pé direito alto, todo de vidro, permitindo uma esplêndida visão de toda a cidade.
— Quer beber alguma coisa? — perguntaria , próximo do ouvido de , fazendo-a se arrepiar.
— Á-água.
O rapaz se afastaria para procurar por bebidas para ambos. desviaria dos inúmeros convidados ali presente, abrindo caminho até chegar a uma das janelas. Deixaria sua mente vagar em um momento de introspecção. Que futuro ela poderia ter ao lado de ?
Eles eram primos. Ele era significativamente mais velho do que ela.
Qual outro empecilho poderia lhe ser apontado para justificar que estar com era um erro?
— Parece triste... — a figura de uma taça cheia de água surgiu diante de si, segurada por um preocupado . — Algum problema?
suspirou, dando um gole na bebida baixo o olhar atencioso dele.
— Vários... Para começar, você não é real.
— E qual o problema nisso?
— Porque você não tem como me dar as respostas que preciso.
— O que gostaria de saber?
— Se você soubesse...! Se eu tivesse dito o que realmente sinto por você, isto de ‘nós’ poderia se tornar real?
O tilintar de uma taça começou e logo várias tilintavam juntas por obra dos convidados, todos voltados na direção de .
— Discurso! Discurso! Discurso!
olhou o chão. Ela jamais seria capaz de imaginar com perfeição qual poderia ser a resposta que receberia — pois não havia nenhum ‘nós’.
A taça desapareceu de sua mão.
O ambiente a sua volta desbotava.
— O problema da sua pergunta é que primeiro você teria de tornar uma parte dela real, entende?
O rosto de já não era mais tão nítido, parecia desvanecer aos poucos. Mas seu sorriso tranquilo — o detalhe que mais amava nele — resistia intacto.
— Entendo...
— LENA!!
A jovem deu um pulo no mesmo lugar. Um choque gelado pareceu percorrer toda sua espinha. Levou as mãos ao peito, para tentar acalmar sua respiração.
a olhava exasperado.
Estava de pé, com o blazer do terno no braço, próximo à porta.
— O carro chegou faz tempo! A senhorita já está pronta?!
piscou atônita algumas vezes. Perdera-se na sua própria imaginação, repleta de anseios. Apanhou a pequena bolsa perolada que escolhera para a ocasião e saiu desengonçada atrás de seu primo.
O carro era dirigido por seu tio, pai de . No banco do carona encontrava-se a mãe —buscada primeiramente no cabeleireiro.
— Sonhando acordada de novo? — perguntou após certificar-se de que seus pais estavam entretidos em uma conversa particular sobre quando se conheceram.
confirmou com um aceno de cabeça.
— O que foi?
— Estava pensando... E se eu contasse pra el-...?
— Não.
Os primos trocaram um olhar atravessado.
— Foi mal, mas você perdeu sua chance.
— Mentira! Eu nunca tive uma. Primeiro não seria “legal” perante a lei, quando eu já tinha 18, ele começou a ficar com aquela monstra por anos e depois veio essa... essa ‘coisa’ da Samantha.
— Ok, ok. Eu entendo. — colocou sua mão sobre a dela, indicando gentilmente que estava se excedendo e poderia atrair para si atenção indesejada do banco da frente. — Mas você não pode fazer isso hoje. O vai se casar, .
Por fora suspirou, embora por dentro gritasse de frustração.
Deixou seu corpo murchar no assento. Tombou a cabeça voltada para a janela, observando a paisagem sem real interesse.
Desejava voltar para o seu mundo de sonhos, mas a realidade os afugentava. Como podia seguir imaginando finais felizes ao lado de , quando se dirigia para o local do casamento dele com outra mulher?
***
— Está tudo tão bem decorado! — guinchou a mãe de , seguindo na frente, de braço dado com o marido. Logo atrás, vinham seu filho e , da mesma maneira.
Quando o primeiro casal entrou à direita no final do corredor improvisado ao ar livre, teve a visão do noivo. Onde o carpete de tecido branco terminava, abaixo de um arco adornado com flores rosadas e fitas brancas, encontrava-se um nervoso .
Os pulmões de se encheram de ar e então ela conteve sua respiração.
A imagem fazia parecer que esperava por ela, como a noiva.
O rapaz dedicou-lhe um rápido sorriso ao notá-la, pois seus olhos logo se voltaram para um ponto atrás dela.
— Vai começar! Vamos, vamos.
O corpo de foi empurrado sem tanta gentileza por para que esta seguisse para a direita, como seus tios, e tomasse assento no último banco.
As primeiras notas da marcha nupcial começaram a soar nas caixas de som, instaladas nos pilares que delimitavam o espaço da cerimônia religiosa. Com passos vagarosos, e acompanhada do pai, a noiva fazia sua entrada. Todas as atenções se concentravam nela, exceto a de — seus olhos pairavam sobre .
A cada passo da Samantha em direção ao seu noivo, sentia o sentimento de decisão se firmar dentro de si. Sendo mera espectadora da cerimônia, disse tão baixo quanto um sussurro:
— Eu vou contar pra ele.
— Ficou louca? O que espera fazendo isso? Acabar com a festa?
— Não espero nada, nada mesmo.
***
Era hora da despedida. Os recém-casados estavam a se despedir dos convidados, pois chegara à limusine que os levaria até o aeroporto para viajarem em lua-de-mel. Últimos agradecimentos por todos terem comparecido à cerimônia, votos de felicidade, cumprimentos. — ! — pousou sua mão sobre a da jovem, em uma última tentativa de fazê-la ter juízo. O gesto não a impediu de se levantar, precisava despedir-se. Para sempre. Jurara a si própria que não levaria consigo tais sentimentos depois daquele evento, daquela noite. Precisava chegar ao dia seguinte livre de qualquer amarra sentimental. O primo a acompanhou em seu encalço. Se não podia impedi-la, ao menos poderia estar por perto caso surgissem problemas. — Felicidades ao casal! Tudo de bom! — forçou seu melhor sorriso treinado com afinco em frente ao espelho. Seus braços aberto logo foram amparados pelos da recém-esposa. — Ownnn, muito obrigadinha!! — respondeu Samantha com sua voz infantilizada de sempre. Tão doce e genuinamente falsa. Após o abraço frio e genérico, deixou terminar de despedir-se de uma tia-avó conhecida por suas longas despedidas. Quando notou como a seguinte, dedicou-lhe aquele mesmo sorriso tranquilo. Os braços dele vieram de encontro aos dela para o que tinha como registro de melhor e mais aconchegante abraço. Escondido no regaço de estava o sorriso de . — Sentiremos saudades. — disse ele, polido, já habituando ao uso da primeira pessoa do plural e não mais do singular. murchou de leve em seus braços, mas aquilo não a impediria. Nada a impediria. Na ponta dos pés, sussurrou no ouvido de : — Eu te faria muito mais feliz do que ela jamais fará... Olhou para baixo logo em seguida, não tinha coragem para ver sua reação. Saiu do abraço sem que as mãos dele impedissem-na de se afastar. Estava se deixando livre... E não havia ninguém para correr atrás dela.
O olhar estava fixo na janela, a mente vagava longe. Em suas mãos, uma caneca com chocolate quente fumegante. A manta lhe escorregava pelo corpo. Observava a água da chuva forte que caía, bem como os que transitavam com e sem guarda-chuva, e os carros que passavam com velocidade reduzida. Um táxi parou logo abaixo da entrada de seu prédio e um homem desceu correndo com o paletó sobre a cabeça para não se molhar. deu um gole de sua bebida quando ouviu o toque insistente de sua campainha repetidas vezes. Não esperava por ninguém, ainda mais àquela hora da noite. Sua mente logo pensou se tratar de problemas — quem sabe familiares, ou um amigo próximo. A manta voou. A caneca foi deixada perigosamente sobre a beirada da moldura de madeira da janela. percorreu a sala de um ponto a outro com sua blusa de lã, moletom e meias felpudas. Posicionou-se logo atrás do olho mágico e então viu alguém que não podia estar lá de verdade — a menos que tivesse pegado no sono sem dar-se conta. Girou o ferrolho da porta e a puxou com força. Apoiado sobre o batente, ofegante e encharcado, estava a figura de: — ...?? A voz saiu quase em um sussurro. Um sorriso surgiu nos lábios dele. — ‘Muito mais feliz’, não foi isso o que me prometeu?
Comparava sua versão adolescente com a adulta.
As curvas do corpo estavam mais sinuosas e certas características ainda lhe pareciam defeitos, porém, na maior parte dos 365 dias existentes no calendário, considerava a si mesma uma mulher confiante.
Apanhou o vestido de tecido delicado pendurado em um cabide no mancebo. Desceu o zíper e o colocou próximo ao chão, metendo o pé direito primeiro. Mesmo levemente folgado na parte acima da cintura, via-se o quanto lhe vestia bem o modelo azul-marinho.
Distraída, não percebeu quando a figura de um homem adentrou o pequeno quarto onde se arrumava.
— Ficou lindo em você, . — , seu primo dois anos mais novo a surpreendeu, ajudando-a a subir o zíper do vestido.
A peça de roupa acomodou-se melhor sobre seu busto e cintura, e as alças não mais ameaçavam cair por seu ombro.
— Cuidado para não chamar atenção demais.
revirou os olhos para seu aviso. Voltou suas atenções novamente para seu reflexo.
Estava se sentindo linda.
Não havia como não sonhar acordada dentro daquele vestido. Imaginando finais felizes.
Atrás de si, sentou-se em uma poltrona, cruzando as pernas e apoiando o rosto sobre uma mão — entediado.
— Uma moeda por teus pensamentos.
— Nem mesmo por um milhão! — dedicou-lhe um sorriso ladino através do espelho.
Sonhar era tudo o que ia lhe sobrar em breve...
Se a ela lhe fosse dada uma chance para conquistar o coração do homem por quem suspirava havia mais de seis anos, aquele seria o traje fatal.
Um vestido como aquele era servia para meros encontros familiares no final de semana, nem mesmo um passeio no parque ou cinema... não, precisava ser algo mais importante. Imponente. Onde ela pudesse brilhar o suficiente para que ele não a visse mais como sua priminha mais nova.
A festa de comemoração pelos dez anos de sucesso da start-up dele.
Aquele seria o evento perfeito!
chegaria às 7 — pois ele prezava pela pontualidade. Subiria os poucos degraus do apartamento onde mora e entraria no elevador. No espelho acertaria seus cabelos ondulados-quase-cacheados de tom . Certificaria-se de estar dentro do horário através de seu relógio digital simples, embora o terno cinza esbanjasse a ideia “Tenho muito dinheiro!”
Ao toque da campainha, estaria terminando de colocar um brinco dourado com pedras azuis, para combinar com o vestido. Caminharia até a porta com o balançar de quadris de uma modelo na passarela.
Com a porta aberta revelando a figura de cada um para o outro, um sorriso de satisfação brotaria nos lábios de ambos — felizes por serem um par aquela noite.
— Está maravilhosa. — diria , com o indicador alisando a lateral do rosto dela.
— Eu disse que esse tipo de terno slim te vestiria melhor! — brincaria, maquiando certos pensamentos libidinosos com a figura mais visivelmente esguia do rapaz.
daria de ombros, já que o complexo de patinho feio da infância não o fazia ligar muito para questões de aparência.
— Está pronta? Tenho uma surpresa lá embaixo. — perguntaria, visivelmente empolgado.
— Dois segundos! — correria, desviando dos móveis da sala, até alcançar sua bolsa. Regressaria um pouco ofegante, com a olhando preocupado.
— Tente não se machucar, ok? — suas mãos a amparariam pela cintura enquanto ela fechasse a porta, para que não caísse.
Quando ela se virasse para , ele estreitaria seus olhos sobre os a região de seus lábios:
— Está de batom ou... gloss? — jamais seria capaz de memorizar todos os itens de maquiagem usados por uma mulher.
— Nada! Não queria borrar...
Fecharia os olhos e se inclinaria até metade do caminho, sabendo que o resto do percurso seria feito por .
Seus lábios se encontrariam em um primeiro beijo. E finalmente descobriria qual o sabor de . A menos que o rapaz a surpreendesse, imaginava que o beijo seria calmo e ávido ao mesmo tempo, cheio de entrega.
E não precisava se preocupar com mais um romance fracassado, muito menos se conformar com alguém que amava mais ao seu dinheiro. Ela o amava.
se entregaria o mesmo tanto que ele. Cuidaria dele, se preocuparia por ele, o acompanharia para todos os lados e velaria seu sono.
Ao final do beijo, afagaria os volumosos cabelos de .
Sua mão buscaria a dela para descerem pelo elevador até chegar ao hall.
— Uma limusine?!
— Gostou, né? — gentil e educado, abriria a porta para que ela se acomodasse no assento de couro claro.
— Muito!! Nunca andei em um desses.
— Então vai adorar o passeio.
Fecharia a porta com cuidado e daria a volta para entrar pelo outro lado.
Alisando o material do estofado, prestaria atenção a todo o ambiente, impressionada.
— Que tal vermos um filme? — se jogaria no assento, sinalizando com a mão para o motorista que este podia dar a partida.
— Não temos tempo para ir ao cinema, você sabe.
Com um sorriso astuto, faria gestos exagerados para então apertar um simples botão localizado logo acima da cabeça deles. Uma tela de tamanho médio surgiria do teto da limusine.
Oferecendo seu braço para que apoiasse sua cabeça nele, os dois se aconchegariam um no calor do corpo do outro. Assistindo, com risadas ocasionais, a uma espirituosa película de animação da Disney.
— Chegamos, senhor. — informaria o motorista ao desligar o carro por completo.
— Obrigado, Jonas!
abriria mais uma vez a porta para sua acompanhante, enquanto finalizaria o batom vermelho nos lábios. O olhar rápido e surpreso do rapaz ao vê-la a deixaria inquieta por saber:
— Exagerei?
— Não! É só que combina bem contigo, e eu não imaginava... pois é uma cor tão forte. — diria com certa falta de jeito.
— Obrigada.
De braços dados, seguiriam pelo carpete vinho estendido desde o começo da calçada até o elevador do prédio-sede onde a empresa de atuava. A recepção e a festa em si seriam realizadas na cobertura. Um lindo espaço com pé direito alto, todo de vidro, permitindo uma esplêndida visão de toda a cidade.
— Quer beber alguma coisa? — perguntaria , próximo do ouvido de , fazendo-a se arrepiar.
— Á-água.
O rapaz se afastaria para procurar por bebidas para ambos. desviaria dos inúmeros convidados ali presente, abrindo caminho até chegar a uma das janelas. Deixaria sua mente vagar em um momento de introspecção. Que futuro ela poderia ter ao lado de ?
Eles eram primos. Ele era significativamente mais velho do que ela.
Qual outro empecilho poderia lhe ser apontado para justificar que estar com era um erro?
— Parece triste... — a figura de uma taça cheia de água surgiu diante de si, segurada por um preocupado . — Algum problema?
suspirou, dando um gole na bebida baixo o olhar atencioso dele.
— Vários... Para começar, você não é real.
— E qual o problema nisso?
— Porque você não tem como me dar as respostas que preciso.
— O que gostaria de saber?
— Se você soubesse...! Se eu tivesse dito o que realmente sinto por você, isto de ‘nós’ poderia se tornar real?
O tilintar de uma taça começou e logo várias tilintavam juntas por obra dos convidados, todos voltados na direção de .
— Discurso! Discurso! Discurso!
olhou o chão. Ela jamais seria capaz de imaginar com perfeição qual poderia ser a resposta que receberia — pois não havia nenhum ‘nós’.
A taça desapareceu de sua mão.
O ambiente a sua volta desbotava.
— O problema da sua pergunta é que primeiro você teria de tornar uma parte dela real, entende?
O rosto de já não era mais tão nítido, parecia desvanecer aos poucos. Mas seu sorriso tranquilo — o detalhe que mais amava nele — resistia intacto.
— Entendo...
— LENA!!
A jovem deu um pulo no mesmo lugar. Um choque gelado pareceu percorrer toda sua espinha. Levou as mãos ao peito, para tentar acalmar sua respiração.
a olhava exasperado.
Estava de pé, com o blazer do terno no braço, próximo à porta.
— O carro chegou faz tempo! A senhorita já está pronta?!
piscou atônita algumas vezes. Perdera-se na sua própria imaginação, repleta de anseios. Apanhou a pequena bolsa perolada que escolhera para a ocasião e saiu desengonçada atrás de seu primo.
O carro era dirigido por seu tio, pai de . No banco do carona encontrava-se a mãe —buscada primeiramente no cabeleireiro.
— Sonhando acordada de novo? — perguntou após certificar-se de que seus pais estavam entretidos em uma conversa particular sobre quando se conheceram.
confirmou com um aceno de cabeça.
— O que foi?
— Estava pensando... E se eu contasse pra el-...?
— Não.
Os primos trocaram um olhar atravessado.
— Foi mal, mas você perdeu sua chance.
— Mentira! Eu nunca tive uma. Primeiro não seria “legal” perante a lei, quando eu já tinha 18, ele começou a ficar com aquela monstra por anos e depois veio essa... essa ‘coisa’ da Samantha.
— Ok, ok. Eu entendo. — colocou sua mão sobre a dela, indicando gentilmente que estava se excedendo e poderia atrair para si atenção indesejada do banco da frente. — Mas você não pode fazer isso hoje. O vai se casar, .
Por fora suspirou, embora por dentro gritasse de frustração.
Deixou seu corpo murchar no assento. Tombou a cabeça voltada para a janela, observando a paisagem sem real interesse.
Desejava voltar para o seu mundo de sonhos, mas a realidade os afugentava. Como podia seguir imaginando finais felizes ao lado de , quando se dirigia para o local do casamento dele com outra mulher?
— Está tudo tão bem decorado! — guinchou a mãe de , seguindo na frente, de braço dado com o marido. Logo atrás, vinham seu filho e , da mesma maneira.
Quando o primeiro casal entrou à direita no final do corredor improvisado ao ar livre, teve a visão do noivo. Onde o carpete de tecido branco terminava, abaixo de um arco adornado com flores rosadas e fitas brancas, encontrava-se um nervoso .
Os pulmões de se encheram de ar e então ela conteve sua respiração.
A imagem fazia parecer que esperava por ela, como a noiva.
O rapaz dedicou-lhe um rápido sorriso ao notá-la, pois seus olhos logo se voltaram para um ponto atrás dela.
— Vai começar! Vamos, vamos.
O corpo de foi empurrado sem tanta gentileza por para que esta seguisse para a direita, como seus tios, e tomasse assento no último banco.
As primeiras notas da marcha nupcial começaram a soar nas caixas de som, instaladas nos pilares que delimitavam o espaço da cerimônia religiosa. Com passos vagarosos, e acompanhada do pai, a noiva fazia sua entrada. Todas as atenções se concentravam nela, exceto a de — seus olhos pairavam sobre .
A cada passo da Samantha em direção ao seu noivo, sentia o sentimento de decisão se firmar dentro de si. Sendo mera espectadora da cerimônia, disse tão baixo quanto um sussurro:
— Eu vou contar pra ele.
— Ficou louca? O que espera fazendo isso? Acabar com a festa?
— Não espero nada, nada mesmo.
Era hora da despedida. Os recém-casados estavam a se despedir dos convidados, pois chegara à limusine que os levaria até o aeroporto para viajarem em lua-de-mel. Últimos agradecimentos por todos terem comparecido à cerimônia, votos de felicidade, cumprimentos. — ! — pousou sua mão sobre a da jovem, em uma última tentativa de fazê-la ter juízo. O gesto não a impediu de se levantar, precisava despedir-se. Para sempre. Jurara a si própria que não levaria consigo tais sentimentos depois daquele evento, daquela noite. Precisava chegar ao dia seguinte livre de qualquer amarra sentimental. O primo a acompanhou em seu encalço. Se não podia impedi-la, ao menos poderia estar por perto caso surgissem problemas. — Felicidades ao casal! Tudo de bom! — forçou seu melhor sorriso treinado com afinco em frente ao espelho. Seus braços aberto logo foram amparados pelos da recém-esposa. — Ownnn, muito obrigadinha!! — respondeu Samantha com sua voz infantilizada de sempre. Tão doce e genuinamente falsa. Após o abraço frio e genérico, deixou terminar de despedir-se de uma tia-avó conhecida por suas longas despedidas. Quando notou como a seguinte, dedicou-lhe aquele mesmo sorriso tranquilo. Os braços dele vieram de encontro aos dela para o que tinha como registro de melhor e mais aconchegante abraço. Escondido no regaço de estava o sorriso de . — Sentiremos saudades. — disse ele, polido, já habituando ao uso da primeira pessoa do plural e não mais do singular. murchou de leve em seus braços, mas aquilo não a impediria. Nada a impediria. Na ponta dos pés, sussurrou no ouvido de : — Eu te faria muito mais feliz do que ela jamais fará... Olhou para baixo logo em seguida, não tinha coragem para ver sua reação. Saiu do abraço sem que as mãos dele impedissem-na de se afastar. Estava se deixando livre... E não havia ninguém para correr atrás dela.
7 Anos depois...
O olhar estava fixo na janela, a mente vagava longe. Em suas mãos, uma caneca com chocolate quente fumegante. A manta lhe escorregava pelo corpo. Observava a água da chuva forte que caía, bem como os que transitavam com e sem guarda-chuva, e os carros que passavam com velocidade reduzida. Um táxi parou logo abaixo da entrada de seu prédio e um homem desceu correndo com o paletó sobre a cabeça para não se molhar. deu um gole de sua bebida quando ouviu o toque insistente de sua campainha repetidas vezes. Não esperava por ninguém, ainda mais àquela hora da noite. Sua mente logo pensou se tratar de problemas — quem sabe familiares, ou um amigo próximo. A manta voou. A caneca foi deixada perigosamente sobre a beirada da moldura de madeira da janela. percorreu a sala de um ponto a outro com sua blusa de lã, moletom e meias felpudas. Posicionou-se logo atrás do olho mágico e então viu alguém que não podia estar lá de verdade — a menos que tivesse pegado no sono sem dar-se conta. Girou o ferrolho da porta e a puxou com força. Apoiado sobre o batente, ofegante e encharcado, estava a figura de: — ...?? A voz saiu quase em um sussurro. Um sorriso surgiu nos lábios dele. — ‘Muito mais feliz’, não foi isso o que me prometeu?
Fim.
Nota da autora: Hey, people!
Mais uma vez, uma fic terminada nos 45 minutos do segundo tempo. Eu não sei porque meu cérebro gosta de se desafiar assim >.<
Esta é a primeira fic que escrevo ‘de trás pra frente’. Eu escrevi a parte do ‘7 anos depois’, então a da ‘despedida’ e aí o começo da fic até a cerimônia. Meio arriscado, mas por ser uma história pequena no geral, fiz assim mesmo. Quando a idéia surgia, saia escrevendo.
A quem possa interessar:
A história é levemente biográfica... Então, tenho mais material do que o apresentado (por ser short tive de dar uma enxugada). Tenho a pretensão de um dia contar melhor sobre essa história, mas não posso dizer com exatidão quando isso se tornará real.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Mais uma vez, uma fic terminada nos 45 minutos do segundo tempo. Eu não sei porque meu cérebro gosta de se desafiar assim >.<
Esta é a primeira fic que escrevo ‘de trás pra frente’. Eu escrevi a parte do ‘7 anos depois’, então a da ‘despedida’ e aí o começo da fic até a cerimônia. Meio arriscado, mas por ser uma história pequena no geral, fiz assim mesmo. Quando a idéia surgia, saia escrevendo.
A quem possa interessar:
A história é levemente biográfica... Então, tenho mais material do que o apresentado (por ser short tive de dar uma enxugada). Tenho a pretensão de um dia contar melhor sobre essa história, mas não posso dizer com exatidão quando isso se tornará real.
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