Última atualização: 04/05/2020

Capítulo Único

O ônibus freou e meu corpo foi levemente para frente. As portas se abriram e os passageiros se levantaram apressados. Eu continuei sentada. Ajeitei minha única bagagem, uma bolsa com poucas peças de roupa, no ombro. Levantei e fiquei atrás da fila de pessoas que restavam sair. Fui a última a desembarcar. Quando pisei na rua de pedra e areia, senti o cheiro de maresia. Escutei umas folhas ao longe voarem até mim. Elas rodopiaram na minha frente e meu cabelo tampou minha visão. Senti como se fosse um beijo de boas-vindas. Meus olhos se encheram d’água, molhando minhas bochechas.
– Sabe para onde ir? – Escutei a voz do motorista atrás de mim.
Engoli em seco, pensando. Eu não sabia para onde ir. Virei para ele e neguei com a cabeça.
– Onde fica a igreja? – Perguntei e sua expressão ficou confusa.
Eu também ficaria confusa em seu lugar, me observando. Primeiro, saí correndo do bar de meu pai até o ponto de ônibus, que ficava do outro lado da rua. Entrei no transporte coletivo com um olho roxo, desesperada e com uma bolsa. Perguntei se sua rota passaria por alguma cidade com praia. E ali estava eu, perguntando onde ficava a igreja.
Esperança. Eu ainda tinha esperança.

Meus pés já estavam doendo quando avistei uma estrutura tão alta que eu poderia dizer que tinha uns cinco andares. As paredes eram cremes. As janelas mais altas, em formato de meia lua. As outras, abaixo dessas, eram em formato retangular em pé. Uma grande porta de madeira estava aberta e, lá de dentro, saía uma luz amarelada. Meus pés me levaram no automático. Quando cheguei na escadinha que me levava até lá dentro, consegui enxergar um altar. Um enorme altar. Olhei para o teto, alto, com pinturas de anjinhos. Crianças pequenas com asas. Cabelos enroladinhos, olhos grandes, inocentes. Fiquei de costas para o altar, observando todo o lugar. Parecia puro.
– Estamos fechando. – Uma voz grave se pronunciou atrás de mim.
– Eu só estou… – Eu me virei para o dono da voz e me calei.
Eu imaginei um diácono mas, quando me virei, vi um rapaz de cabelos bagunçados, roupas totalmente pretas: calça jeans, camiseta, jaqueta de couro e coturnos grosseiros. Engoli em seco, um pouco assustada.
– Olhando? Aqui não é museu ou galeria de arte. – Sua voz grave e seu temperamento nada gentil fizeram meu rosto ficar vermelho.
O que estava acontecendo?
– Quem é você? – Perguntei, confusa.
Por que um homem como aquele estaria cuidando da igreja?
– Não é da sua conta. – Ele pegou o celular no bolso e olhou as horas. – Já estou fechando a porra da igreja, caralho.
Como ele conseguiu falar tantos palavrões em uma única frase e dentro de uma igreja?
– Sabe onde consigo um hotel? – Respirei fundo, cansada.
Tudo que não precisava naquele dia era de uma discussão. Mais uma discussão.
– Ou um hospital, né? – Ele falou, observando meu rosto.
Toquei meus hematomas e fiz uma careta.
– Um hotel. – Tentei não chorar.
Meus olhos se encheram d’água.
– Eu tenho cara guia turístico? – Ele passou por mim e abriu um quadro de energia atrás da porta de entrada.
Desligou as luzes e me assustei por um momento.
– Não pode me ajudar? – Perguntei mais uma vez.
O choro veio. Só precisava descansar. O corpo, a mente, o coração.
– Reza que passa. – O tom de deboche me deixou sem chão. – Eu tenho um compromisso e você está me atrapalhando.
– Vai pro inferno, seu egoísta do caralho. – Minha voz saiu mais alta do que eu gostaria.
Caminhei até a saída e me virei, dando de cara com ele.
– O que está fazendo em uma igreja? Seu merda!
Ali na porta, uma luz iluminou seu rosto e, de perto, consegui ver rapidamente uma expressão de surpresa, que logo deu lugar à carranca novamente. Antes que me humilhasse mais, ou me destratasse, lhe dei as costas. Perdida. Era assim que me sentia. Mas me sentia assim desde os 12 anos. E parece que só ficava pior.
– Na rua de trás. – Escutei ele dizer, o que me surpreendeu e muito.
Seguindo sua informação mas sem olhar para trás, fui para o hotel.

O box do banheiro era uma grossa parede baixa. Consegui colocar minhas coisas ali, como sabonete, lâmina, sabonete íntimo. Coisas que coloquei na bolsa às pressas. Peguei tão poucas roupas. Mas pelo menos tinha dinheiro.
Meu coração se apertou quando lembrei de horas antes. O homem bêbado me encurralou no balcão, enfiou a mão por dentro de minha camiseta. Tampou minha boca. Meu pai não estava conseguindo mais ficar em pé após tanta pinga que havia tomado. Claro que ele não estava vendo o que estava acontecendo. Mas ele nunca via. Porém nunca tinha ido tão longe. Até aquele dia.
Ensaboei meu joelho, que estava dolorido. Lembrei de ter dado uma joelhada em suas partes baixas e, quando ele se abaixou, ajoelhei sua testa. E depois disso, dois homens vieram em minha direção. Levei um soco no olho, em meus braços haviam marcas que já estavam roxas. Depois, corri até o andar de cima. Peguei o máximo de coisas que consegui. Abri o cofre de meu pai. Eu levei tudo. Limpei a caixa de aço. Deixei uma carta, escrita com muita emoção e bastante mentira. Eu me despedi com uma ameaça.
Desliguei o registro do chuveiro e peguei uma toalha. O hotel não era ruim como eu pensara quando aquele rapaz estranho me indicou. O que um cara tão sombrio fazia cuidando de uma igreja? Como podia acontecer algo daquele tipo? Eu não era de julgar pela aparência, mas a forma como me destratou me fez, sim, ter julgamentos sobre ele. Não parecia ser uma pessoa boa.
Quando deitei minha cabeça no travesseiro, minhas costas reclamaram de dor. A tensão de todo o dia se acumulava ali. Virei de lado e vi um crucifixo de parede. Minha mãe quem me ensinou a rezar. Ela tinha tanta fé que as pessoas em sua volta aprendiam a ter também. Mas ela foi embora quando eu tinha 12 anos. Ela me deixou com o monstro que tirou toda sua vivacidade. Ele também tirou a minha. E ali estava eu. Afinal, eu e ela não éramos tão diferentes. Passamos pelas mesmas coisas. Apesar de ter me deixado, eu gostaria de saber por onde ela andava, qual seria seu destino.
Fechei os olhos e respirei fundo. Precisava descansar. No dia seguinte, voltaria à igreja. Quando fui naquele lugar mais cedo, precisava ouvir certas palavras. Não foi o que aconteceu. Precisava não perder as esperanças. A fé que me restou. Precisava ficar longe do que não me fazia bem.

– Cartão ou dinheiro? – A mulher do café perguntou.
Levantei as notas para que ela pegasse.
– Sabe onde tem um banco por aqui? – Perguntei.
– Uma quadra depois da igreja. Sabe onde é? – Respondi que sim e terminei meu café.
Joguei o copo em alguma lixeira. Minha cabeça doía e eu levava minha mão para massagear as têmporas. Soltei um gemido de dor quando meus dedos tocaram a pele próxima ao grande hematoma em meu olho. Por sorte, consegui cobrir aquilo com camadas grossas de corretivo que comprei em uma farmácia. O atendente me olhou preocupado e eu só queria sair dali logo. Aproximando-me da igreja, vi pessoas entrando para a missa. Missa às 10h? Fazia sentido, sendo que era domingo.
Vi um rosto que me parecia conhecido. O rapaz usava uma camisa clerical azul marinho. Era sorridente com todos que entravam. Na luz do dia, consegui ver o quanto seu maxilar era quadrado e proeminente. O cabelo curto, raspado. O olhar inocente. Seu sorriso parecia tão verdadeiro. As próximas duas pessoas na minha frente entraram e o cumprimentaram. Quando seus olhos me focaram, seu sorriso vacilou. Mas logo voltou a ser radiante.
– A paz do senhor. – Abaixou a cabeça, num aceno.
Fiquei tão confusa que não respondi nada. Após entrar, sentei em um dos últimos bancos por ali. Olhei para trás, por cima do ombro, e o avistei saudando todos que entravam. Aquele cara não tinha nada a ver com o maldito da noite anterior. Por que me tratara daquela forma?
Ajeitei minha bolsa em meu colo e me dei conta de que meu destino era ir a um banco e não ir à missa. Havia bastante dinheiro comigo no momento e não podia ficar dando bobeira. Por mais que a cidade fosse pequena, parecia ser pacata, precisava me prevenir.
– Que o senhor esteja convosco. – Uma voz surgiu, repercutindo pelas caixas de som.
Pelo tamanho da cidade, eu diria que um quinto dos moradores estavam ali. Todos responderam em uníssono. Olhei em direção à porta para ver se tinha mais gente chegando. Não havia. Quem eu queria enganar? Eu só queria ver se o babaca estava lá ainda. Mas não estava. Suspirei e balancei a cabeça, tentando me livrar dos pensamentos. Por que diabos eu queria saber onde ele estava?
– Somos todos um. Estamos unidos pela fé. “E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens”. Cristo nos fortalece todos os dias. Precisamos manter o foco. Não podemos nos deixar afastar. “Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta.” Por muitas vezes, nossa fé será posta à prova. Não deixeis, irmãos. Sejam firmes em todas as circunstâncias. Terão dias que serão difíceis, sabemos. Mas Deus estará conosco até mesmo quando tudo der errado. Não penses o contrário disso. Até mesmo quando perder o emprego, sua casa, um parente, a situação financeira não estar sendo fácil. Não se esqueçam: vigiai e orai. Você pode perder tudo, mas não perca a confiança em Deus. Pois tudo se resume a calmaria após a tempestade. Nossa confiança no Senhor é a paz que todos querem, nosso maior tesouro. Pensem nisso e vejam como tudo à vossa volta é insignificante quando temos a paz.
Nunca fui muito religiosa. Fazia muito tempo que não ia a uma missa. Mas eu realmente precisava escutar aquelas palavras. Estava perdida havia muito tempo. Mas não era preocupante. Começava a ser quando, ao invés de termos vários caminhos para seguir, não conseguíamos enxergar sequer um. Começava a ficar preocupante quando a vida não fazia sentido algum. Como naquele momento. Meu rosto ficou molhado de lágrimas. Já fazia algum tempo desde que tinha me tornado uma grande chorona. Mas, enquanto estávamos sentindo, era bom, não era? Acreditei ser muito pior quando a dor nos anestesia.
Após uma hora, entre choros e até risos, a missa acabou. Eu queria ir até o altar. Precisava não me afastar de Deus. Precisava restabelecer uma conexão perdida havia muito tempo.
– A paz de cristo, irmã. – O pastor me cumprimentou.
– A paz de cristo. – Respondi com a voz rouca.
Senti alguém se aproximar e, logo, vi que era o cara da noite anterior. Ele ficou ao lado do pastor.
– Nunca a vi por aqui. É nova na cidade? – Meu coração se apertou.
– Sim, cheguei ontem mesmo. – Minha voz se normalizou.
Meus olhos se intercalavam entre olhar para os dois homens à minha frente.
– Que bom! Sua família se mudou para cá ou está de passagem? – Fiquei desconfortável com a pergunta.
– Eu me mudei para cá sozinha. – Engoli em seco quando sua expressão se tornou um pouco espantada.
Ele assentiu.
– Não é muito jovem para morar sozinha? – O rapaz ao lado arqueou uma sobrancelha para mim, esperando uma resposta para a pergunta do pastor.
Seu olhar era arrogante e aquilo me fez pensar que ele tinha duas personalidades.
– Sou sim, mas meus pais faleceram. – Menti, dando um sorriso antes de contar mais uma mentira. – Minha tutora me emancipou.
– Bom, eu entendo. Saiba que a igreja está à disposição para o que precisar. – Ele se virou para o rapaz e voltou a falar. – Aliás, sou George , e esse é meu filho, .
. – Ele estendeu a mão e percebi que eram frias. – Gostaria muito de ajudar se precisar de alguma coisa.
. – Senti um arrepio quando falei meu próprio nome. – Obrigado.
é um garoto muito bom. Pode te mostrar a cidade. – Eu me lembrei imediatamente da rispidez do rapaz na noite anterior.
– Seria ótimo, mas não gostaria de fazê-lo de guia turístico. – Falei as palavras de propósito e vi uma expressão de espanto no rosto do filho do pastor.
– Ele vai adorar, não é, filho?
– Seria um prazer. – O sorriso de fez meu coração se apertar.
– Vou deixá-los, preciso resolver algumas coisas. – George, então, se afastou.
– Então… – Ele se aproximou e sussurrou. – A empata foda quer conhecer a cidade?
– Deve ser uma merda ser um frustrado com a própria vida. – Ele sorriu para alguém ao longe, acenando.
– Não mais que um saco de pancada. – Eu o encarei confusa e ele bufou. – O que uma maquiagem não faz.
– Imperfeições externas não são difíceis de tampar. Mas podridão interna já é outra história, não é mesmo?
– Vai ficar batendo papo ou vai querer conhecer algum lugar? – Ele perguntou impaciente.
Passou o dedo pela gola da camisa, como se estivesse o enforcando.
– Nós dois temos ideias bem diferentes de bater papo.
– Já percebi que você tem uma ideia errada de pensar que sempre tenho todo o tempo do mundo para você.
– Eu não preciso que me ajude em nada. – Falei em minha defesa.
Por que estava ali mesmo?
– Escutou o pastor, estou aqui para ajudar. – Ele me deu um sorriso falso. – Então não enche a porra do meu saco.
Eu lhe virei as costas e ele me seguiu. Suspirei irritada.
– Eu não preciso de babá. – Olhei para ele, que deu de ombros como se dissesse “tanto faz”. – Estou indo ao banco e já sei onde fica.
– Eu vou com você. – Falou, mal educado.
Chegamos até a calçada caminhando em silêncio. Algumas pessoas que passavam por nós sempre o cumprimentavam. E ele sempre era simpático.
– Filho do pastor de dia e anticristo à noite? – Quando o observei de esguelha, o vi prender um sorriso.
– Você é muito intrometida. – Falou tranquilamente, empurrando a porta do banco.
– Não mais que o seu pai. – Dessa vez, ele riu e eu me afastei.
Cheguei até um caixa eletrônico e tirei um maço de dinheiro da bolsa. Após alguns minutos consegui, depositar em minha conta. Fiz o mesmo com os próximos cinco maços. Guardei o comprovante e estava me observando, mas desviou o olhar.
– Onde arrumou tanta grana? – Perguntou com o cenho franzido.
– Você é muito intrometido. – Usei suas palavras de minutos antes.
Ele arqueou uma sobrancelha e não disse mais nada. Voltamos no mesmo silêncio da ida. Quando chegamos à igreja, ele nem se despediu. Apenas se afastou e eu segui para o hotel. Eu dei de ombros. Senti a bolsa vazia e soltei o ar. Um problema a menos.

– Seu pai veio atrás da gente, foi para cima do Turner, mas você sabe como ele é, não deixou barato. – Escutei a voz de Kira pelo telefone, me contando tudo, era minha melhor amiga e resolvi ligar para saber como estavam as coisas. – Por fim, ele ameaçou todo mundo, falando que iria te encontrar em qualquer lugar.
– Turner bateu nele? – Dei uma risada, lembrando de como Turner não levava nenhum tipo de desaforo pra casa.
– Você escutou o que eu disse? Ele vai te encontrar. – Senti uma angústia crescente em meu peito.
– Não, não vai. – Eu decidi que não iria contar para ninguém onde eu estava. – Segunda, vou me matricular em um colégio aqui. Não posso perder o último ano.
– Pois é e, depois, tem a faculdade. – Ela se calou. – Estou com saudades, .
– Eu também. – Uma lágrima escorreu do meu rosto, respirei fundo. – Daqui a uns dias, espero te ver.
– Eu quero saber onde você está!
– Agora não posso falar. Mas, de qualquer forma, eu preciso ir aí para pegar a papelada da transferência e histórico escolar.
Conversamos por mais meia hora e, ao encerrar a ligação, não me senti tão bem como pensei que ficaria. Andei até a janela do quarto e resolvi sair. Queria comer e beber algo. Precisava desligar um pouco a mente, deixar os problemas para o outro dia.
Fui para a rua à procura de algo. Passei por alguns bares bem parecidos com o do meu pai, cheio de velhos pinguços. Ao longe, vi uma placa gritante com luzes em neon escrito “Rock Bar e Grill”. Ao me aproximar, vi que o lugar estava lotado. Pessoas da minha idade, ou até mais novas que eu. Se eu queria mesmo beber algo, ali era o lugar certo.
Após alguns minutos, consegui entrar. Por mais que o local tivesse cheio de pessoas, havia muitos bancos desocupados no balcão. O bar era muito bonito, cores vibrantes em toda parte. O ambiente era escuro. Bancos e luzes vermelhas enchiam meu campo de visão. Sentei no balcão e, logo, um barman se aproximou.
– E aí, o que vai querer?
– Cuba libre. – Falei alto para que me escutasse.
– Só?
– Umas batatas? – Perguntei incerta.
– Já trago. – Ele me deu uma piscadinha e se retirou.
Olhei melhor a minha volta. Muitos me olhavam com curiosidade e me perguntei se a cidade era tão pequena a ponto de saberem que eu não era dali.
– Aqui. – O barman retornou com minha bebida e as batatas.
– E aí, Peter! – Escutei um grupo de pessoas gritarem atrás de mim e sentarem ao meu lado.
– Por que demoraram tanto? – O barman, cujo nome eu então sabia, perguntou.
– Por que será? – Vi uma garota falar ao virar os olhos.
– O pau no cu do pai do . – Ao escutar o nome, minha respiração se acelerou um pouco.
Olhei para ver se era sobre quem eu estava pensando.
– Não enche. – O filho do pastor falou e se debruçou sobre o balcão. – Traz uma cerveja lá.
– Duas.
– Três. – Um rapaz que nunca tinha visto respondeu.
Ele usava enormes alargadores e tinha uma grande tatuagem no pescoço.
– Outro, gata? – Peter se virou para mim e apontou para o meu copo já vazio.
Acenei que sim. Senti três pares de olhos voltados para mim.
– Ora, ora. – Escutei a voz grave.
Revirei os olhos e enfiei algumas batatas em minha boca. Eu o ignorei e senti que todos eles continuavam me observando.
– Vai me ignorar? – Perguntou e eu me virei para ele.
– Bem que eu gostaria. – Peguei meu copo, que tinha acabado de chegar, e dei um grande gole.
– É nova aqui na cidade? – A garota de grandes olhos escuros me observou, curiosa.
– Sou. – Eu a olhei pelo canto de olho.
– O que é isso em seus braços? – Ela perguntou, me tocando.
Eu me afastei rapidamente.
– Não é nada. – Tudo o que eu menos queria eram estranhos perguntando sobre os hematomas de meus braços.
– Você é de onde? – O rapaz dos alargadores perguntou.
– Todos dessa cidade são assim? – Perguntei com a voz um pouco alterada.
– Assim como? – interrogou.
– Como velhas futriqueiras? – Lancei um olhar frio para os três e o filho do pastor fechou a cara.
– Eu gostei de você. – A garota sorriu. – Sou Mia.
. – Falei a contra gosto.
– Esse é Derek. – Ela apontava para o rapaz cujo nome eu ainda não sabia.
Ele levantou a mão em um cumprimento e eu apenas acenei.
– As aulas começam amanhã. Você vai estudar lá? – Mia me encarou, esperando uma resposta.
– Provavelmente, sim. – Não queria pensar sobre aquilo. – Aliás, o colégio fica muito longe daqui?
– A umas 5 quadras. – Derek falou.
Percebi um piercing em sua língua.
– Para onde você se mudou? – Peter que perguntou.
– Eu ainda estou em um hotel. – Mordi os lábios.
Percebi que não olhou para mim em nenhum momento.
– O pastor sempre tem algo para alugar. – Derek falou com um sorriso meio maldoso.
– É mesmo? – Fingi desinteresse quando, na verdade, aquela notícia era bem útil.
– Não é, ? – Ele recebeu uma bufada em resposta.
– Não, não tem nada disponível. – Sua resposta era grossa.
Ele virou a cerveja em seus lábios, segurando-a pelo bico.
– Você está sozinha? – Acenei que sim.
E lá vamos nós.
– Cadê seus pais?
– Eu matei. – Derek cuspiu sua bebida e deu uma risada.
não parava de me encarar. Eu arqueei uma sobrancelha e ele continuou me observando.
– Vamos. – Por fim, ele falou para os outros, e a garota se virou para mim.
– Terá um luau na praia. Você quer vir?
– Acho melhor não. – Respondi, sincera.
– Não inventa, Mia. – Escutei aquela voz grave dizer nas minhas costas. – Olha pra ela!
– Acho que talvez seja legal. – Falei por fim e a garota sorriu abertamente.

Alguns minutos depois, estava sentindo o vento bater em meus cabelos. O cheiro de maresia. O barulho das ondas quebrando ao longe, por mais que a música fosse alta. Mia me entregou um copo vermelho com algo dentro. Cheirei e percebi que era o mesmo do bar. Rum e coca.
– Seu turno acabou por hoje? – Perguntei a Peter.
– Sim, trabalho só até as dez. – Maneei a cabeça e olhei para a lua cheia no céu.
– Você sabe de algum bar que esteja contratando? – Ele parecia pensar.
Estávamos sentados em um círculo na areia. O luau tinha muitas pessoas, muitas em pé, bebendo.
– Contratando para servir bebidas? – Sua expressão era confusa. – Para você?
Eu fiz que sim. Mais uma vez, fui o centro das atenções dos olhos de todos.
– E o que você sabe sobre bebidas? – indagou, curioso.
– Trabalho com isso desde os 12 anos. – Revirei os olhos.
Dei um último gole. Senti meu corpo leve e Derek estendeu a mão para pegar meu copo. Eu entreguei e, logo, o recebi de volta, cheio novamente.
– Meu pai é dono de bar. – Todos assentiram.
arqueou uma sobrancelha e me olhou desconfiado. Eles começaram uma conversa sobre carros. Uma corrida na próxima semana? Não entendia muito bem. Mia se levantou e resmungou algo. Eu logo terminei a minha bebida. Resolvi tomar um ar. Andar um pouco. Levantei e tonteei. Fiquei parada até conseguir restabelecer o meu equilíbrio.
– Vai com calma aí. – Peter falou, rindo quando dei dois passos para trás.
Eu não sabia que estava tão afetada pela bebida até me levantar. Dei um sorriso sonso e caminhei em direção ao mar. Olhei para a grande lua que iluminava a todos ali. Vi algumas garotas conversando e rindo mais à direita. À minha esquerda, a praia estava deserta.
Com os pés descalços, cheguei até a parte da areia que estava molhada. Uma onda quebrou em meus pés. Fechei os olhos e senti o cheiro salgado. De alguma forma, um nó se formou em minha garganta. Meus olhos se encheram d’água. Eu me aproximei mais um pouco da água e outra onda se quebrou. Dessa vez, em meus joelhos. Minha calça jeans clara, rasgada nos joelhos, parecia ficar bonita com a tonalidade mais escura onde estava molhada. Ou talvez fosse apenas a bebida. Dei mais dois passos e a água quase chegou em meu quadril. Mais uma vez, uma onda mais forte se quebrou e molhou meu corpo, na altura de meu umbigo. Decidi me abaixar até afundar minha cabeça. Senti a água fria em cada parte de meu corpo. Fiquei ali um tempo antes de emergir à superfície.
Minha respiração estava ofegante. Minha camiseta branca estava totalmente colada em meu corpo. Por sorte, meu sutiã era branco e ali estava escuro. Não fiquei tão exposta. Pelo menos, foi o que pensei.
– É melhor não ficar tão afastada da gente. – Escutei dizer atrás de mim. – Você pode se perder.
– Já estou perdida há muito tempo. – Minha voz saiu baixa e disse sem pensar no que realmente estava falando.
Caminhei para fora do mar, ficando ao seu lado. Ele ficou em silêncio e meus olhos continuaram olhar o grande mar aberto, o horizonte que se perdia, as águas refletindo uma luz branca da lua. Mais ao longe, um barco navegava.
– Você acha que é nessa cidade que você vai se encontrar? – Sua pergunta me fez refletir.
Eu achava aquilo?
– Como posso me encontrar se nem sei quem sou? – Uma lágrima solitária escorreu em meu rosto molhado.
– Se isso te consola, acho que já todo mundo se perdeu alguma vez no caminho. – Seu tom era consolador, realmente.
Talvez, quem estivesse ali falando comigo fosse o rapaz da igreja. Aquela personalidade dele que sabia ajudar os outros.
– Está difícil achar o meu caminho de volta. – Funguei e senti seu olhar queimar meu rosto.
? – Escutei uma voz ao longe.
Meu coração se acelerou. Turner.
– O que está fazendo aqui? – Perguntei enquanto ele se aproximava.
– Eu que pergunto. O que diabos está fazendo aqui? – Ele perguntou assim que ficou na minha frente e me deu um grande abraço.
Eu me encolhi e me envolvi em meus próprios braços. Olhei para , que parecia interessado na nossa conversa.
– Eu tive que dar uma surra em seu pai. Você sabe, não é? – Eu acenei que sim.
Turner era um de meus amigos. Sempre esteve comigo em todos os momentos, assim como Kira e Ethan.
– Kira me contou.
– Eu soube o que quase aconteceu. Eu sinto muito. – Queria me livrar de todos aqueles sentimentos.
Ele se virou para o cara que estava nas suas costas.
– Estava te procurando.
– Trouxe a grana? – perguntou seco e meu amigo afirmou.
Então ele entregou umas notas e recebeu um pacote com algum pó branco dentro. Guardou no bolso e fiquei confusa.
– Você devia ficar longe desse aqui. – Ele apontou para o filho do pastor que me olhava intensamente.
– Como se ela conseguisse. – O outro falou sarcasticamente.
– Mano, eu estou com pressa. – Turner falou, se aproximou dele e sussurrou algo em seu ouvido.
Os olhos de então me observaram. Ele revirou os olhos.
– Se manda. – Ele respondeu.
Meu amigo se despediu e se afastou.
– Então seus pais estão vivos. – Ele disse, afirmando.
Lembrei de falar para o pastor que eles morreram.
– Bom, as mentiras têm um tempo de vida mais curto que os meus pais. – Vi ele molhar os lábios.
Eu me arrepiei de frio e algo mais. Ele tirou sua jaqueta e ficou apenas com uma camiseta preta grudada em seus bíceps. Seus dois braços eram totalmente tatuados. Não consegui parar de olhar os desenhos, a forma como aquela camiseta o abraçava perfeitamente. Eu gostaria de ter aqueles braços em mim. Ele se aproximou e jogou a jaqueta em meus ombros. Eu me assustei com seu gesto e, por fim, me acomodei no calor da peça de couro. Observei como seu peito subia e descia com sua respiração. Ele não parecia tão forte pela manhã com aquela camisa engomadinha.
– Se você ficar me secando com os olhos desse jeito, vou acabar desidratando. – Sua fala era impaciente, mas eu nunca o via diferente disso.
– Eu gostaria de me desidratar com você. – Ele levantou as sobrancelhas, parecendo surpreso.
Eu também estava. Como aquelas palavras saíram de minha boca?
… – Eu me aproximei e o interrompi, colando meus lábios nos dele.
Sua boca ficou imóvel em primeiro momento e eu lambi seu lábio inferior. Suas mãos seguraram minha cintura e senti sua língua tocar a minha. Minhas mãos foram até o seu pescoço e o puxei para mais perto. Nossos quadris se encostaram e eu soltei um gemido baixinho. Apoiei minhas mãos em seu peitoral e ele apertou a lateral de minha barriga, me afastando alguns centímetros. Antes de me afastar de seu rosto, dei uma mordida em seu lábio.
Ele soltou um grunhido e, por fim, ficamos nos encarando, um tocando o outro ainda. Sua expressão era confusa, seus olhos vaguearam de minha boca até os meus olhos. Suas mãos agarraram as minhas, que estavam em meu pescoço, e as tiraram de lá. Ele se afastou e balançou a cabeça em negação.
– Ficou maluca? – Ele sussurrou, nervoso, se aproximando e falando mais baixo. – Não faça isso de novo, me entendeu?
– Vai pro inferno. – Minha voz saiu um pouco arrastada. – Foi só um beijo.
– E quem disse que eu queria?
– Bom, a sua língua estava na minha boca. – Eu disse e ele bufou, chutando um punhado de areia, de costas para mim.
– Escuta o Turner e fica longe de mim, caralho. – Falou e se afastou.
Fiquei sozinha ali, na beira no mar. Toquei meus lábios e ainda conseguia sentir o gosto de seu beijo. Algo como cigarro e perigo, cerveja e canela. Jura, ?
Eu caí na risada após pensamentos confusos. Apoiei minhas mãos em meus joelhos para rir e a jaqueta caiu na areia. Eu me abaixei para pegar e a vesti. Seu cheiro era amadeirado, refrescante. Eu me aproximei do grupo novamente e vi apenas Mia e Derek com mais três caras e uma garota. Eles me olharam enquanto eu me sentava. Um rapaz negro, com tranças rentes à cabeça, estava fumando um baseado. Eu me aproximei e estendi a mão.
– Posso? – Perguntei e ele sorriu lerdo.
Eu peguei o cigarro em meus dedos e o levei até a boca. Dei um longo trago e me segurei para não tossir. Impossível.
– Vai com calma, . – Derek riu e eu continuei tossindo.
Talvez aquilo não fosse a minha praia. Passei as mãos pela a areia. Aquela era a minha praia. Eu dei uma gargalhada. Mas eu parei assim que senti uma mão forte em minha coxa. O rapaz que estava fumando me deu um aperto e se aproximou. Eu me desesperei e me arrastei na areia para trás. Ele segurou meu pulso.
– Eu não mordo. – Sua voz me assustou.
Eu me desesperei. Eu não mordo, sua putinha. A voz do velho bêbado no dia anterior me invadiu. Vi uma figura parada atrás do cara. .
– Tira suas mãos dela agora se quiser ter duas mãos ainda amanhã. – Vi o medo no olhar do rapaz quando ele se afastou, levantou cambaleando.
– Coitado do cara. – Derek comentou.
Cruzei minhas pernas e apoiei minha cabeça nas mãos. Eu precisava ir embora. Por que bebi tanto?
– Cuida da sua vida, porra. – falou, exaltado.
Senti mãos segurarem firme meu braço, me puxando para ficar em pé. Olhei assustada para ver quem era, apenas ele.
– Vamos embora.
– Deixa a garota, seu turno na igreja já acabou a horas. – Escutei um cara magricela dizer.
Seus cabelos iam até o queixo, um loiro escorrido.
– Cala a boca, Nikolas. – O homem que segurava meu braço falou, autoritário.
Então saímos caminhando, ele segurando meu braço enquanto eu tropeçava em meus próprios pés. Minha bolsa.
– Minha bolsa. – Eu parei e olhei para o meu corpo. – Não está comigo.
– Está no carro.
Que carro? Eu entrei no mar…
– No mar. – Apontei para lá e ele continuava a me puxar.
– Anda logo. – Ele resmungou e eu engoli em seco.
Nós nos aproximamos de um carro antigo, preto. Quando ele abriu a porta do passageiro para que eu entrasse, avistei minha bolsa ali. A porta foi fechada com força e, logo, ele estava atrás do volante, saindo com o carro.
O interior do veículo tinha o seu cheiro, misturado com nicotina. Em menos de três minutos, estávamos na porta do hotel. Ele saiu e me ajudou a descer. Dei dois passos para trás e ele me segurou. Olhei em seus lábios, que estavam contraídos em uma linha fina.
– Eu vou te ajudar a subir. – me avisou.
Sua mão direita segurou meu braço e a outra estava apoiada em minhas costas. Vi uma rosa vermelha tatuada no meio de tantos desenhos sombreados. Passei meu dedo indicador ali. Ele desviou o olhar do chão e me encarou. Chegamos à escada, eram dois lances até o meu quarto. Ele, de repente, se abaixou e me carregou sobre o ombro. Meu rosto estava em suas costas. Eu dei um gritinho, mas logo comecei a rir. Apoiei minha mão em sua bunda.
… – Sua voz me repreendeu, mas não me afastei.
Logo, estava no chão. O sangue voltou a circular lentamente. Ele abriu minha bolsa e pegou a chave, que tinha o número 16 cravado no chaveiro de madeira. Quando a porta do quarto foi aberta, saí correndo e me joguei de joelhos em frente à privada. Coloquei tudo que havia ingerido naquela noite para fora.
Senti suas mãos em meu cabelo. Eu continuei com ânsia mesmo quando não tinha mais nada em meu estômago. Fraca, me sentei no chão e encostei a cabeça na parede. Fechei os meus olhos.
– Que merda. – Senti se afastar.
De olhos fechados, eu me perguntei. Estava cagada?
– Que caralho. – Escutei sua voz novamente e senti mãos puxando minha blusa para cima.
Eu olhei assustada para ele.
– Você precisa de um banho. – Praticamente, cuspiu as palavras. – Pode ficar tranquila que não tenho interesse algum em você.
– Não? – A palavra praticamente pulou de minha boca.
Franzi o cenho. Eu não era atraente?
– Não, olha pra você. – Enquanto ele falava, levantei meus braços e, logo, estava apenas de calça e sutiã.
Passei a mão em minha garganta, sentindo um nó se formar ali. Sob meus dedos, senti o sal do mar em minha pele.
– Realmente. – Minha voz saiu estranha enquanto ele me ajudava a ficar de pé. – Interessar em quê?!
Não sei se conseguiria formar direito a frase. Ele ficou em silêncio enquanto eu tentava desabotoar a calça. Quando consegui empurrá-la até o joelho, sentei na privada e ele a passou por meus pés. Quando eu entrei debaixo do chuveiro e abri o registro, percebi que ele estava dando descarga, pegando minhas roupas no chão e colocando em cima da pedra da pia. Ele saiu e comecei a me ensaboar. Quando estava quase terminando, ele retornou com uma muda de roupas. Colocou ali, na outra extremidade da pedra.
– Eu vou esperar aqui fora. – Ele falou baixo e eu acenei que sim, sem saber se ele estava me vendo. – Cuidado para não escorregar.
Suspirei. Muitos minutos depois, estava me enxugando. A porta estava fechada, então tirei meu sutiã e a calcinha. Eu me vesti com as roupas limpas na velocidade de tartaruga que conseguia. Por que estava tudo tão lento? Abri a porta do banheiro e ele estava sentado em uma cadeira, mexendo no celular. Caminhei até a cama, sentindo um enorme cansaço. Quando minha cabeça bateu no travesseiro, fechei os olhos e soltei o ar. Meus dias estavam sendo cheios.
Senti o pano que estava debaixo do meu corpo sendo puxado. Eu resmunguei alguma coisa e, logo, fui coberta pelo tecido fino. Virei de lado e sorri, finalmente me sentindo relaxada. Antes de pegar no sono, eu não me lembrava de escutar a porta sendo fechada.

– Você tem até sexta para me trazer esses documentos, senhorita . – A diretora Amélia era uma senhora de um metro e cinquenta, franzina, cabelos ruivos com alguns fios brancos aparecendo na raiz.
Por mais que aparentasse ser frágil, era uma mulher muito rígida. De qualquer forma, não deixou de me tratar bem.
– Sem problemas. – Eu me levantei e lhe dei um sorriso nervoso antes de sair da sala.
Senti um alívio ao saber que enfim consegui me matricular. Olhei em minhas mãos e vi a chave que me entregou.
– Seu armário fica no final do corredor. Não nos responsabilizamos por seus itens.
Abri o armário de lata azul e tinha alguns ciscos ali. Coloquei os livros que recebi de Amélia. Tranquei e me virei, perdida, olhando vários alunos andarem de um lado para o outro. Alguém tocou o meu ombro.
– Perdida? – Derek sorriu e percebi que estava mordiscando um palito.
Atrás de sua orelha, tinha um cigarro. Suas roupas eram totalmente pretas e me perguntei se por ali não tinha nenhum uniforme.
– Perdida é pouco. – Respondi por fim.
O rapaz tinha olhos verdes que me lembravam um limão mais azedo que o normal.
– Vamos lá. – Ele começou a andar e eu o segui.
Saímos no pátio do colégio. O lugar era ao ar livre, com muitas árvores, grama e algumas passarelas para andarmos.
– Fique longe deles. – Apontou para um grupo de rapazes com o cabelo muito bem cortado.
Usavam camisas gola polo. Totalmente o oposto do estilo de Derek.
– Por qual motivo? – Perguntei rindo e ele girou os indicadores em círculos ao lado de sua cabeça.
– Eles são loucos. E tediosos, pode acreditar. – Sua risada saiu alta e atraiu alguns olhares.
Quando olhei para minha frente, vi Mia, Peter e que, em seu colo, tinha duas garotas sentadas. Havia também um rapaz que nunca tinha visto, mas seu estilo se enquadrava perfeitamente no grupo.
– Olha quem eu encontrei. – O rapaz que estava ao meu lado comentou com os amigos.
Todos me encararam e eu acenei.
! – Mia veio até a mim e me dei um abraço.
Eu retribuí, desconcertada.
– Não sabia que ia te ver tão rápido de novo. – Peter falou alto e, pela primeira vez, percebi que seu cabelo era de um tom castanho avermelhado e seus cílios eram extremamente negros.
– Nem eu. – Ajeitei meus cabelos atrás da orelha, me senti deslocada entre eles.
– Ninguém nos apresenta, mas me chamo Jásper. – O rapaz que eu nunca tinha visto se pronunciou e veio até mim.
Passou um braço pelos meus ombros e me senti desconfortável com isso.
– Vem sentar com a gente.
Eu o segui e fiquei entre ele e o ruivo. Jásper começou a falar sobre um professor que entrou para substituir alguém. Olhei para , que fez o mesmo. Duas garotas? Sério? Revirei os olhos e escutei Peter sussurrar.
– Sei de um lugar que está contratando.
– Sério?
– Sim, podemos ir lá depois da aula. – Ele continuou falando baixo.
– Ah, meu Deus, muito obrigado. – Eu lhe dei um abraço desengonçado, meio de lado, e ele retribuiu, esfregando minhas costas.
– Ai! – Escutei uma voz fina gritar atrás de mim.
E me virei e vi as duas garotas, que estavam no colo de , no chão.
– Já deu, podem ir. – Ele acenou com a mão para que fossem e elas obedeceram.
Desviei o olhar antes que sua raiva fosse direcionada a mim. O sinal tocou e tomei um susto. Precisava procurar a minha sala. e Derek se dirigiam a saída.
– Vocês não vão para a aula?
– Formamos ano passado. – Derek piscou um olho pra mim e sumiram no meio dos alunos.

Sentei na segunda fileira e os lugares ao meu lado estavam desocupados. Após a sala encher de alunos, uma garota de pele negra e bastante estilo se sentou ao meu lado. Seus cabelos eram volumosos e chamava a atenção de todos. Ela usava lápis bem escuro nos olhos e todo o seu visual lhe dava um ar de poder. Ela me encarou.
– Sou a Ravena. – Sua voz me surpreendeu.
Ela estendeu a mão e eu a cumprimentei.
– Sou . – Ela assentiu e olhou para o professor que tinha acabado de entrar na sala.
– É chato pra caramba. – Ela sussurrou perto de mim, apontando para ele. – Mas eu gosto.
– Acabei indo para uma sala do outro lado do prédio. – Uma garota de cabelos azuis e curtos se sentou ao seu lado.
Ela tirou alguns materiais de sua mochila e continuou a falar que, todo ano, o colégio mudava as salas, os setores, ou algo assim.
– Essa é . – Ravena apontou o dedão pra mim e eu sorri sem graça
A garota me deu um tchauzinho animado.
– Me chamo Blue. – O que eu achei bem óbvio, se olhasse para seu cabelo.
As próximas duas aulas passaram rápido, embora fossem cansativas. Acabei rindo de vários comentários que as duas garotas ao meu lado faziam toda hora. Passei meu número a elas e combinamos de nos encontrarmos à noite, já que não conhecia muito bem a cidade ainda.
Almoçamos juntas e não tive tanta sorte de termos as mesmas aulas pelo restante da tarde.

– Onde está indo? – escutei a voz de atrás de mim e dei um pulo.
Virei para olhá-lo e me senti intimidada.
– Por quê? – Cruzei os braços como se aquilo fosse me defender de algo.
– Peter pediu para te levar até um bar.
– Ah, sim. – Assenti e o segui até seu carro.
Ficamos em silêncio por algum tempo e me senti desconfortável.
– Pode ligar o som?
– Não acho que meu gosto musical seja algo com o qual você esteja acostumada. – Ele riu e acendeu um cigarro.
Seu vidro se abaixou e seu braço ficou apoiado ali na porta. Deus, eu daria para aquele cara ali mesmo.
– Por quê não?
– Gosto de algo agressivo.
– Pode ter certeza de que a vida é mais agressiva comigo do que qualquer música que você escuta. – Sua sobrancelha se arqueou e seu olhar era intenso sobre mim.
O carro estava parado em algum semáforo e ele soprou a fumaça em meu rosto.
– Touché. – Ele se inclinou em direção à minha coxa e abriu o porta luvas.
Vi um tanto de CD’s ali e um livro de capa preta. Uma Bíblia. O que ele escolheu foi algo como AC/DC. Uns segundos depois, escutei os acordes de guitarra e o carro voltou a se movimentar.
– Preciso passar em casa primeiro. – Ele me informou.
Eu concordei e, rapidamente, estávamos na rua da igreja. Quatro quarteirões depois, ele estacionou.
– Quer descer?
Eu não respondi nada, mas desci do carro. Ele chegou perto da porta e escutei a mesma sendo destrancada.
– Entra aí. – Eu o acompanhei e me surpreendi ao ver tantas roupas no chão e nos móveis, bitucas de cigarro em uma mesa.
Ao fundo, vi a cozinha, onde tinha uma bancada cheia de garrafas de cerveja. Eu me senti nervosa.
– Nunca imaginei que a casa do pastor seria assim. – Comentei alto e escutei barulhos vindo de um corredor no qual ele sumiu.
– E não é. – Ele soltou uma risada e meu coração se aqueceu com aquilo.
Era a primeira vez que o escutava rindo.
– Essa é a minha casa.
Ele surgiu, colocando algo no bolso. Eu tinha várias perguntas.
– De onde você conhece o Turner? – Sua expressão mudou e ele caminhou até a geladeira.
Pegou uma garrafa de água e a virou em sua boca. Apontou em minha direção e eu neguei.
– Você sempre cuida do que não é da sua conta ou é só comigo que faz isso? – Seu sarcasmo, que estava ausente, voltou com tudo.
Fechei a cara e caminhei para perto da porta, esperando-o.
– Tenho que pedir algo a ele e só me lembrei que vocês dois já se conheciam.
– Pedir o quê? – Ele abriu a porta e eu passei por ela.
Em seguida, ele fez o mesmo.
– Tenho que ir na minha cidade buscar alguns papéis.
– E? – Virou para mim e ficou parado, esperando minha resposta.
O modo como ele falava era muito autoritário, o que me deixava sempre sem reação.
– Preciso que ele me acompanhe.
– Eu vou com você. – A trava do carro foi desativada e entramos.
Ele deu partida e acendeu outro cigarro.
– Bom, agora quem está cuidando do que não é da sua conta é você. – Escutei ele bufar ao meu lado.
– Não precisa ficar se achando especial, nem nenhuma merda do tipo. – Quando o carro freou em um pare, ele olhou para mim e soprou a fumaça em meu rosto.
Abri o vidro, irritada com sua arrogância.
– Tenho coisas para resolver lá também.
– Que maravilha. – Revirei os olhos e mantive o olhar na cidade.
– Por que o Turner teria que te acompanhar? – Minhas mãos começaram a suar com a pergunta.
O que eu poderia responder? Que meu pai era um louco que provavelmente queria a minha cabeça?
– Acho que é melhor você não me acompanhar. – Minha voz soou desesperada, mas era como eu me sentia.
Passei as mãos em meus cabelos, sentindo, de repente, uma falta de ar. Quando o carro parou mais uma vez, eu abri a porta e saí andando. Avistei a praia a um quarteirão e meio dali. E fiz a última coisa esperada. Eu corri.
O medo me dominava. Minhas pernas se movimentavam tão rápido. Eu precisava fugir. Ele poderia me pegar. Eu não queria voltar. Não podia. Tudo de novo. Tudo foi em vão? Não, não, não. Eu queria distância de meu pai. Do bar. O bar. Não queria. Eu precisava fugir. Bem longe. Longe, longe.
Seguraram meus braços e eu gritei. De novo, não. Tudo aquilo. Eu escapei.
! – Estava de joelhos na areia, estava segurando meus pulsos.
Meu rosto estava molhado, meu coração, acelerado. Consegui focar seus olhos. Sua expressão era preocupada. O que foi aquilo a minutos atrás?
– Minhas mãos. – Ele olhou para elas assim como eu. – Estão dormentes.
Ele me soltou e se ajoelhou ao meu lado. Ficou me encarando alguns minutos. Ou seriam segundos?
– Como? – Olhei para trás, confusa com o que acabara de acontecer.
Vi minhas pegadas na areia. O som do mar ao longe me trouxe a realidade.
– Não sou porra de médico nenhum, mas acho que você entrou em pânico.
Respirei fundo e o ar parecia ter sumido de meus pulmões por algum tempo. Meu coração estava acelerado.
– Cadê seu carro?
– Está ligado algumas ruas daqui. – Sentou na areia e abraçou as duas pernas, encarando as ondas ao longe.
– Me desculpa, você podia ter ficado lá.
– Isso já aconteceu antes? – Ele perguntou.
O sol que estava sumindo atrás do mar nos jogou raios laranjas. Os olhos de ficaram claros, intensos.
– Não. – Sentei em posição de índio e foquei em uma criança brincando enquanto sua mãe guardava seus brinquedos em uma bolsa.
– O que você estava sentindo? – Sabia que ele estava me observando e virei meu rosto para o lado oposto.
Meus olhos se encheram d’água de novo. Não queria chorar mais uma vez.
– Medo. – Sussurrei e senti suas mãos segurarem meu rosto pra si.
– O que aconteceu? – Seu tom era de quem se preocupava, e eu queria não gostar da atenção.
– Meu pai, um bêbado. – Minha voz ficou embargada e minhas palavras saíram como se fossem pedras de minha garganta. – Eu o ajudava no bar desde os meus 12 anos. Sempre escutei muita merda. Quando fechávamos o bar, muitas vezes...
Solucei alto e meu choro era compulsivo. Vi os punhos do cara sentado ao meu lado se fechar. Seu cenho estava franzido.
– Muitas vezes, ele me batia sem nenhum motivo. Mas isso eu suportei. – Enrolei meus cabelos e os joguei em minhas costas. – Eu só fui embora quando um daqueles… Filhos da puta me encurralou no balcão e…
– Ele te tocou? – Se a raiva em sua voz estivesse direcionada para mim, eu estaria com medo, com certeza.
– Ele não conseguiu fazer muita coisa, eu o acertei.
– Então você veio pra cá? – Eu assenti, mesmo sabendo que ele estava fitando o chão e não a mim. – Seu rosto estava todo fodido aquele dia. Quem foi que…?
– Quando eu acertei o velho, seu amigo veio pra cima de mim.
Ele suspirou e pareceu pensar. Ficamos em silêncio por alguns minutos. Tracei desenhos na areia com meu dedo. Meu rosto secou com o vento.
– Eu vou com você buscar os papéis. – Eu me surpreendi com a determinação com que disse aquilo.
Apenas concordei. Ficou em pé e estendeu a mão para mim. Fui puxada e me firmei no chão.
– Peter está te esperando para o emprego lá.
Bati em meus jeans, tirando a areia pregada ali. O sol já tinha ido e a noite estava caindo aos poucos. Tudo era meio azulado e o céu ganhava um tom de azul cobalto que tanto amava.
– Você não precisa ser legal comigo por pena. – Disse com frieza, mas não foi minha intenção.
Vi quando seu cenho se juntou e ele negou com a cabeça.
– Não tenho pena de você. – Ele passou por mim e eu o segui, bem atrás. – Mas admiro pra caralho, agora.
Eu não disse nada. E me senti envergonhada. Admirada por ? Talvez o dia estivesse do avesso. O caminho até o bar foi silencioso e pareceu muito distante. Hora ou outra, seu semblante ficava irritado. Ele bufou, acendeu um cigarro. Eu não sabia o que estava pensando, mas o silêncio era bem-vindo.

– Amanhã, às 6 da tarde, te espero aqui. – A mulher disse ao me entregar alguns uniformes.
Saí da sala mais feliz do que nunca e contratada. O dia estava indo bem. Fiz minha matrícula, passei um tempo com o sem discutir e consegui um emprego.
Avistei Peter e em uma mesa, estavam tomando uma cerveja. Sentei ali e recebi olhares dos dois.
– Deu certo. – Dei risada e abracei novamente o ruivo. – Muito obrigada, eu precisava mesmo de um emprego.
– Que isso. – Ele se afastou quando eu o soltei e me lançou um olhar malicioso. – Já que está empregada, pode pagar nossas bebidas.
– Eu até pagaria, mas já tenho planos. – Sorri e verifiquei as horas.
Eu deveria estar chegando no Rock Bar, onde marquei com as meninas.
– Planos, é? – Escutei sua risada e o cara que me trouxe até ali me fitou indiscretamente.
– Vai sair com quem? – Mordi meu lábio inferior.
Suas perguntas eram tão invasivas quanto as minhas, e eu nunca obtinha resposta. Dei de ombros.
– Umas pessoas lá da sala. – Sorri e me levantei.
Peguei sua cerveja e dei um gole.
– Até amanhã.
Empurrei a porta e senti sua presença. Eu não precisava nem olhar para trás.
– Se você beber da minha cerveja de novo, eu vou cobrar. – Ele estava carrancudo, mas tinha um sorrisinho querendo brincar em seus lábios.
– Anotado. – Sorri e me virei para ir embora.
Ele segurou meu braço. Meu coração se acelerou e só esperava que ele não percebesse.
– Eu te levo. – Falou como se fosse uma ordem e não uma sugestão.
Olhei em volta e já era noite. Uma carona seria, sim, algo bom.
– Me leva para onde? – Sua mão ainda segurava meu braço e isso bastou para meu corpo todo se aquecer.
– Onde caralho você tiver que ir. – Ele foi até seu carro e, logo, estávamos a caminho do Rock Bar.
Quando estacionou, ele pegou mais um cigarro. Eu o repreendi internamente e balancei minha cabeça. Soltei uma risada.
– Obrigado pela carona. – Disse enquanto abria a porta.
– Eu também estava vindo pra cá. – Ele desceu e caminhou comigo até o lugar.
Escutamos alguém nos chamar.
– Caralho, podiam ter falado que estavam vindo pra cá. – Peter apareceu correndo.
Eu me perguntei se ele veio correndo.
– Você veio de quê?
– Um colega me trouxe de moto. – Ele entrou no bar enquanto amarrava o avental sobre as roupas escuras que usava.
Era um cara bonito e legal.
– Vai ficar aí babando no cara ou vai entrar? – passou por mim e fiquei sem tempo de dizer qualquer coisa.
Suspirei, irritada, e logo vi um black power e um cabelo azul. Ainda me sentia tímida com as garotas mas, em pouco tempo e depois de algumas cervejas, tudo ficou melhor.

– Agora mudando de assunto... Você chegou com o ? – Levei alguns segundos para me dar conta de estava falando de .
– Sim. – Meus olhos procuraram por ele, mas não o encontraram.
O fato de terem mencionado ele fez meu corpo se esquentar.
– Você é louca. – Ravena falou e a amiga concordou.
– Por quê?
não é a pessoa mais inofensiva que você vai conhecer na vida.
– O cara é como uma bomba. – Blue virou o restante de cerveja. – Ele chega perto e o caos se instala.
– Ele não é fácil de lidar, mas é uma pessoa legal. – Cutuquei as fritas em meu prato e perdi a fome.
– Eu não ficaria perto. – Ravena falou por fim.
– Tem algo que eu precise saber? – Perguntei, um pouco alterada. – Porque ficar me falando para me afastar, sem motivos nenhum, não vai me fazer mudar de ideia.
– Eu é que não vou ficar dedurando ninguém. É tudo boato também, então foda-se.
– E qual é o boato?
– Ele está metido com coisa grande, . – No mesmo instante, vi os olhos de me encarando, intenso, como se pudessem me queimar nessa distância. – Ele é perigoso.
Eu sabia que sim. Eu sentia aquilo. Ele era um risco que eu queria correr.

– Tem certeza? Nós podemos ir com você. – Um vulto azul me perguntou.
– Sim, sim. – Eu disse e peguei minha bolsa.
Por não ter o costume de beber, estava mais tonta que elas.
– Liga quando chegar. – Levantei minha mão, fazendo aquele símbolo de “paz e amor”.
Eu as vi saindo pela porta e me dirigi ao balcão.
– A saideira. – Disse a Peter, que sorriu e mexeu a cabeça de um lado para o outro.
– Você tem aula amanhã. – Ele falou e me entregou, daquela vez, um cocktail da mimosa de laranja com morango.
– Eu sei. – Ri feito boba.
Sentei em um banco e balancei minhas pernas no ar. Meus olhos se encheram d’água. A velha tristeza andava me rondando. Suspirei e engoli aquele nó entalado ali.
Coloquei o copo vazio no balcão e deixei uma nota, Peter pegou imediatamente. Peguei o morango que estava preso na borda do copo e o levei na boca, o gosto levemente azedo e doce ao mesmo tempo. Empurrei a porta, esbarrando em algumas pessoas. Encontrei aquele par de olhos. Eu jurei que consegui ver chamas refletindo neles.
– Estou indo pra casa, posso te levar. – Estava encostado no carro, fumando.
Eu queria ser aquele cigarro. Ele riu e o mostrou pra mim.
– Quanto você bebeu?
– Por quê? – Dei uma última mordida no morango, joguei a folhinha no chão. – É orgânico.
– Realmente é. – Escutei sua risada. – Então você queria ser o meu cigarro?
Levei minhas mãos a boca como uma criança quando falava o que não devia. Eu dei risada em seguida. Eu realmente falei aquilo?
– Você poderia me tragar toda. – Caminhei até ele e apoiei minhas mãos em seu peito.
– Você não sabe mesmo quando parar de beber, não é? – Seus olhos começaram a me evitar.
Um vento de verão soprou meu rosto. Dei dois passos para trás e olhei para o céu. Eu, com certeza, parecia uma maluca.
– O que está pensando?
– Tem algo em meu peito. – Levei minhas mãos até ali.
Girei em círculos, meus pés se enrolavam. Eu fiquei tonta e caí de joelhos como antes.
– Vamos, vou te levar embora.
. – Segurei sua mão e ele me olhou assim que me colocou em meus pés. – Faz parar de doer.
Seu olhar era confuso e vi que eu também estava assim. Confusa. Perdida.
– Eu sou uma bagunça. – Sussurrei como se fosse um segredo.
Talvez fosse. Sua mão foi até o meu rosto e acariciou minha bochecha. Eu fechei meus olhos, apreciando o toque, embora sua mão fosse seca e tivesse alguns calos ali. Seu toque acariciava também o meu coração. De olhos fechados, senti seus lábios nos meus. Sua respiração era quente. Sua língua, mais ainda quando se encontrou com a minha. Minhas mãos seguraram seus braços, puxando-os para mim.
E eu sabia que eu poderia morrer ali mesmo pois, de alguma forma, eu tinha encontrado a paz.

– Estou morrendo de fome. – Ravena falou e deu dois tapinhas em sua barriga.
Olhei no relógio em meu pulso. Estava ansiosa. Precisava buscar meus papéis no antigo colégio. Precisava arrumar um lugar para morar. Se não, todo o dinheiro que peguei de meu pai iria sumir.
– Eu preciso resolver algumas coisas. – Disse às minhas colegas de classe e me afastei rápido.
A sensação que tinha era de que estava perdendo o controle. Cada vez mais ansiosa. Uma tristeza sem tamanho. E a crise de pânico que tive. Precisava organizar minha vida e ocupar minha mente.
Perderia as duas aulas da tarde, mas precisava resolver tudo o quanto antes. Se eu conseguisse encontrar o pastor, talvez ele tivesse algo que eu conseguisse alugar. Seria uma questão a menos em minha vida.
Quando me dei conta, estava na porta da igreja. Dobrei levemente meus joelhos, fazendo com que a saia longa que vestia se esparramasse pelo chão. Fiz o sinal da cruz, um hábito de minha mãe passado pra mim. Meu coração se apertou ao pensar nela. Como seria minha vida se ela estivesse presente até aquele dia?
– A paz de cristo, irmã. – Escutei a voz do homem que procurava.
– A paz. – Peguei sua mão estendida.
– A que devo a honra? – Ele perguntou, analisando meu rosto. – Não deveria estar no colégio?
– Sim, mas precisava falar com o senhor. – Ele assentiu e eu continuei. – Eu ainda estou morando em um hotel e gostaria de saber se pode me informar onde consigo algo para alugar.
Joguei um verde. disse que ele não teria, mas talvez ele pudesse me informar sobre alguém que tivesse um imóvel disponível.
– Acho que posso ajudar.
Então ele me contou que tinha um flat mobiliado, ao lado do banco. Fomos até lá e eu nem precisava dizer que amei. O lugar era simples e pequeno, mas cabia no meu orçamento.
Uma sala com um sofá que mais parecia uma cama, uma mesinha de centro e uma TV que achei um exagero. Logo ali do lado, tinha uma mesa com quatro cadeiras e uma bancada com o fogão e itens de cozinha. Do lado direito, visualizei duas portas. O pastor me informou que era o quarto e banheiro.
Na volta para a igreja, ficou especulando sobre eu ser tão nova e morar sozinha. Não debati, apenas concordei com cada palavra que saía de sua boca. Chegamos à igreja e eu fiquei de fazer o pagamento no dia seguinte. Ao virar a esquina, encontrei o Maverick de . O vidro estava aberto, então me aproximei. Assim que meus olhos o encontraram, senti meu coração bater descompassado. Estava vestindo um blusão branco e calça jeans preta rasgada, as mangas puxadas até quase o seu cotovelo, as tatuagens à mostra.
– O que estava fazendo com ele? – Seu mau humor era evidente.
Revirei os olhos.
– Alugando um apartamento.
– Poderia ter alugado de outra pessoa.
– Estava me seguindo? – Por segundos, a surpresa iluminou seu rosto.
– Não quero você perto daquele cara.
– Aquele cara é o seu pai. – Seu rosto irritado e o tempo quente fizeram suas bochechas ficarem rosadas. – Olha, eu não sei qual é a sua e nem quero saber, contanto que não dificulte a minha vida.
– Dificultar? Eu estou querendo ajudar! – Ele praticamente grita.
Saiu do carro e passou as mãos nos cabelos curtos. As tatuagens em seu pescoço prenderam a minha atenção por um tempo.
– Você pode me ajudar, mas não venha me dar ordens. – Apoiei minhas mãos na cintura e ele bufou alto.
– Eu não sei porque caralhos eu ainda fico por perto. – Suas palavras me afetaram.
Eu me virei e continuei o meu caminho até o hotel. Escutei ele xingar algumas coisas e bater a porta do carro. Passou por mim acelerado e, ao virar a esquina, os pneus gritaram.
Eu não conseguia entender aquele garoto. Na noite anterior, depois do beijo, ele me deixou no hotel e nos despedimos sem estranheza. Então era como se outra personalidade tivesse assumido seu corpo. Ao virar a esquina, vi seu carro parado ali e o encontrei apoiado na lataria, com um cigarro em sua boca. Ele me olhou de esguelha e eu me aproximei.
– Não tem que pegar nada? – Inclinou a cabeça em direção ao hotel atrás de mim.
– Estou pronta.
Ele estava ali porque combinamos na noite anterior que ele me levaria em minha cidade. deu a volta e se acomodou no banco de motorista. Ligou uma música alta. Eu me acomodei no banco do passageiro e, logo, estávamos a mais de cem por hora na rodovia. Seriam duas longas horas.

Abri meus olhos, confusa. Estranhei a paisagem passando rapidamente. Um celular tocava insistentemente e demorei alguns segundos para perceber que era o meu. O nome de minha amiga brilhava na tela do aparelho.
– Kira? – Minha voz saiu rouca.
Olhei para , que mantinha os olhos fixos na estrada.
! Graças a Deus, consegui falar com você.
– O que aconteceu? – Perguntei, preocupada.
– Seu pai ficou maluco. – Fiz uma careta ao escutar aquilo.
Resolvi colocar o celular no viva-voz.
– Isso ele sempre foi.
– Agora está pior, você não faz ideia. Disse que, se te encontrar, ele te mata.
– Isso não é novidade. O que mais você sabe?
– Um policial aposentado, chamado Willy, prometeu que te acharia.
– Por quê? – Perguntei imediatamente.
– Parece que o cara em que você deu a joelhada é irmão dele – Engoli em seco.
Lembrei de seu punho em meu rosto. A dor, a queimação. O medo.
– A testa dele afundou.
– Como assim? – perguntou e eu me surpreendi por sua curiosidade.
– O crânio do homem afundou mas, por sorte, foi apenas isso. – Kira falou rapidamente e resolveu perguntar. – Quem está falando?
– Um amigo. – Respondi rápido.
– Quero saber sobre isso depois. – Percebi que ela tinha que desligar. – Mas não esquece, não venha aqui.
– Eu não vou. – Nós nos despedimos e larguei meu celular dentro da bolsa.
Encostei minha cabeça no banco e fechei os olhos. Meu coração estava acelerado desde que Kira disse que queriam me achar. Teria chances de me encontrarem em uma cidade a cerca de 200km de lá? Eu esperava que não.
– Ei. – Senti uma mão em minha coxa.
Olhei para seus olhos e me concentrei em seus longos cílios, que quase nunca piscavam. Seu olhar era sempre certeiro, focado.
– Não vai te acontecer nada.
– Talvez precise mudar de cidade. – Minha voz soou trêmula.
Mordi meus lábios. Engoli a pedra em minha garganta.
– Talvez. – Sua mão apertou minha pele antes de se afastar e eu fiquei com a sensação de que ainda estava me tocando. – Não enquanto eu estiver por aqui.
Então algo veio a minha mente. E meu coração se inquietou com aquilo.
– Você pretende ir embora?
Ele demorou em sua resposta. Vi seus lábios se comprimirem em uma linha fina.
– Não temos o controle de tudo. – Ele trocou de marcha quando diminuiu a velocidade. – Você sabe bem disso.
Eu assenti. E como sabia. Ao focar minha atenção para o mundo exterior ao carro, matos secos passavam tão rapidamente que eu me senti tonta. Olhei para o céu e respirei fundo. O céu nublado sempre combinaria com minha alma pesada, triste.

Quando chegamos em minha cidade, o céu ameaçava desabar em nossas cabeças. Nuvens escuras e densas deixavam a cidade obscura. Grossas gotas de chuva começaram a cair no para-brisas.
– Que cidadezinha de merda. – Escutei dizer ao fazer uma curva.
Uma senhora começou a atravessar ao longe, mesmo sabendo que o carro estava se aproximando. freou e bufou.
– Velha folgada.
– A cidade é minúscula, ninguém aqui tem pressa. – Falei enquanto cutucava uma unha, ela acabou se quebrando. – Você vai de uma ponta a outra em menos de dez minutos.
– Não vou nem reclamar. – Ele falou e puxou um cigarro. – Vai que piora.
Eu ri de seu comentário e o orientei a ir pelas vias que circulavam ali. Irmos pelo centro da cidade seria perigoso. Cidade pequena, qualquer um poderia me ver. Eu estava cada vez mais afundada no banco, tentando me esconder, quando abriu a boca.
– Tem um moletom no banco de trás. – Enfiei meu braço para trás, desajeitadamente, tateando até encontrar o tecido. – Vista o capuz.
Ao me vestir, o cheiro refrescante de seu perfume, levemente amadeirado, me deixou entorpecida. Como uma droga. Eu o havia sentido apenas algumas pouquíssimas vezes, e o fato de que aquele poderia se tornar meu cheiro preferido me fez engolir em seco.
– Acho que chegamos. – Enxerguei o edifício do meu antigo colégio, uma construção antiga de tijolinhos laranja à vista, manchado de lodo em cada rejunte.
Uma escada com quatro degraus levava todos para o interior dali. Ao entrar, o cheiro familiar me deu certa nostalgia. Eu tinha saudade de meus amigos. Eu estudara ali desde que me entendia por gente. caminhava ao meu lado relaxado, porém de uma forma intimidante. Notei que ele observava cada detalhe em sua volta, as mãos enfiadas no bolso. Uma mulher que eu não me lembrava de ter visto trabalhando ali antes se aproximou.
– Pois não?
– Gostaria de buscar minha declaração escolar e histórico.
– Nome?
.
– Seu responsável veio com você?
– A diretora Célia sabe de minha situação. – Ela continuou a me olhar e eu completei. – Meu pai não é a pessoa mais presente.
Ela assentiu e saiu. A diretora sabia que meu pai era um alcoólatra. Eu quem sempre renovava minha própria matrícula. Eu sempre fui responsável por mim mesma. Célia sabia que minha mãe havia nos abandonado. Bem, me abandonado. De meu pai, ela tinha apenas fugido.
– Gostei das roupas. – sussurrou perto de meu pescoço e me arrepiei.
Eu vestia uma saia longa branca, estilo indiana. Seu moletom, no entanto, não combinava em nada.
– Eu sei que sim. – Um sorriso nervoso enfeitou meu rosto.
– O que há de errado?
– Quero ir embora logo.
? – Eu me virei assustada apenas para ver um de meus melhores amigos surpreso ao me ver. – Caralho, não sabia que estava aqui.
– Ninguém pode saber, Ethan. – Disse por cima de seus ombros, envolvida em um abraço.
– Não faz nem uma semana desde que não nos vemos, mas parece uma eternidade. – Ele falou e olhou para , que manteve sua postura intimidadora.
Ethan era um garoto alto, de bom porte. Porém algo em o deixava inferior. Como se fosse frágil, fraco.
– Quem é?
– Esse é . – Olhei para os olhos de meu companheiro de viagem e vi uma frieza habitual ali. – Ethan.
Apontei para meu amigo. Eles acenaram, um clima tenso pairou no ar.
– Como você está se sentindo? – Sua voz era preocupada.
– Estou bem, tudo está se ajeitando.
– Aqui está. – A mulher da recepção voltou e falou ao mesmo tempo que eu.
– Se precisar de qualquer coisa, sabe que pode me ligar. – No mesmo momento, senti os braços de em meus ombros, me puxando para ele.
Eu me surpreendi com seu comportamento. Ethan nos encarou como se tivessem nascido chifres em nós dois.
– Temos que ir.
– Foi bom te ver. – Eu me desvencilhei dos braços fortes que me cobriam.
Eu me despedi de meu amigo e, minutos depois, estávamos correndo pelo estacionamento, debaixo da forte chuva que não tinha previsão de parar de cair.
– Espera. – Ele me puxou e eu o olhei confusa.
– O que foi? – Observei em minha volta, mas estava deserto.
Ninguém andaria sob uma chuva daquela. Sua mão foi até a lateral de meu rosto e me puxou para um beijo. Sua boca quente e nossos lábios molhados pareciam se conhecer havia muito tempo. Encaixavam-se. Sua língua procurou a minha e o sabor de menta e nicotina tomou minha mente. Eu não conseguia pensar em mais nada. Ele me deu um selinho e voltamos a correr para o carro. Estávamos de mãos dadas e aquilo aqueceu meu coração.
Ao entrar no carro, meus dentes rangeram de frio. Vi quando jogou os papéis no banco de trás.
– Quer que ligue o aquecedor? – Perguntou, virando a chave na ignição.
– Por favor. – Soprei minhas mãos, tentando aquecê-las.
Ele pegou minhas mãos e esfregou nas suas, que já estavam quentes. Eu sorri de lado.
– Obrigada.
– Ethan era o quê seu? – Sua pergunta me pegou desprevenida.
Eu ri.
– Apenas um amigo. – Suas mãos deixaram as minhas em meu colo.
Ele acionou o limpador de para-brisa e tudo lá fora ficou nítido.
– E o que foi aquilo?
– Aquilo o quê? – Perguntou com uma falsa inocência.
Se tinha uma coisa que ele não era, era inocente. A menos quando estava na igreja, vestindo aquela camisa que cobria perfeitamente todas as suas tatuagens, toda sua personalidade letal. Eu compraria sua imagem de bom moço.
– Ciúmes, talvez? – Arrisquei e ganhei uma gargalhada como resposta.
– Não tão longe. – Sua fala risonha, mostrando seus dentes, me fez querer beijá-lo.
– Sei. – Em poucos minutos, estávamos na rodovia, longe de tudo aquilo.
Eu esperava que para sempre.

Fechei minha bolsa, olhando em volta no quarto de hotel. Não parecia ter mais nada meu jogado por ali. Fui ao banheiro e conferi pela quarta vez. Aquela sensação de que estava esquecendo algo. Mas eu sempre sentia isso.
Pendurei a bolsa em meu ombro. Eu iria para meu flat. Meu. Era estranho pensar em um lugar que era meu. Quando cheguei à recepção, veio até mim e pegou a bolsa. Caminhamos até o carro. Ele ofereceu antes uma ajuda para levar minhas coisas – que não eram muitas – até o flat.
Quando ele estacionou em frente ao predinho de três andares, eu fiquei inquieta. Ansiosa.
– O lugar é bom. – Ele falou e saiu, eu o acompanhei.
– Que bom então que eu te ignorei e fui até o seu pai. – Girei o chaveiro em meu dedo.
– Mas o locador é um mala. – Estávamos subindo o primeiro lance de escada.
Repreendi-o com o olhar. Chegamos ao segundo andar e iríamos para o terceiro.
– Acredite. Você não o conhece como eu. – O barulho de nossos sapatos ecoavam pelo prédio silencioso.
Tudo era tão limpo que me perguntei sobre quem zelava por aquele lugar. Abri a porta e, assim que entrei, senti um pouco de familiaridade por ter visitado ali antes. entrou também e colocou a bolsa no sofá que mais parecia uma cama.
– Meu turno de babá acaba aqui. – Ele disse e pegou o celular em seu bolso para verificar as horas.
Eu já tinha mencionado o quanto ele estava gostoso naquele blusão branco que agarrava o seu tronco em todos os lugares certos? Ele me encarou e eu desviei o olhar. Ao olhar para baixo, percebi que ainda vestia seu moletom. Segurei na bainha e a puxei pra cima. Minha regata por baixo se fundiu com o moletom e eu me atrapalhei para retirar a peça de roupa certa. Quando feito, tirei ela do avesso e a dobrei. Estava encharcada. Entreguei e sorri. Um sorriso triste. Eu não queria que fosse embora, muito menos que não tivesse mais seu cheiro em mim.
– Obrigada. – Enrolei meus cabelos, desconcertada por seu olhar ser tão penetrante.
Ele arqueou uma sobrancelha.
– Obrigada por me acompanhar e pelo moletom.
– Fica melhor em você. – Ele sorriu e se encaminhou para a porta.
Eu queria beijá-lo. Joguei a peça de roupa molhada no chão e, quando ele tocou a maçaneta, meus pés já haviam me levado para perto dele. Quando ele se virou para mim, por algum motivo desconhecido, eu me joguei contra seu corpo, bem no momento em que ele abriu a boca para falar algo.
O choque de nossos lábios foi bruto. Minha língua dançou para dentro de sua boca e, quando encontrei a sua, elas travaram uma batalha. O beijo pedia urgência. Mas, para mim, era um caso de emergência. Eu o queria tanto, mas não sabia o porquê de querer.
Suas mãos agarraram minha cintura e me puxaram, colando nossos corpos. Eu senti algo duro encostando na altura de meu umbigo. Suas mãos desceram até minha bunda, agarrando-a com força. Agarrei com força a parte superior de seu braço. Ele ergueu uma de minhas pernas e, depois, a outra. Eu gemi quando nossas intimidades se encontraram, apenas nossas roupas nos separando.
Ele caminhou até o sofá e me deitou ali. Sua língua invadiu a minha boca, apenas para se afastar e deixar uma mordida em meu lábio inferior. Seus lábios desceram para meu pescoço. Ele remexeu o quadril, fazendo uma fricção no meu ponto mais sensível. Eu gemi com isso. Senti quando suas mãos puxaram minha saia até minha cintura. Minhas pernas estavam abertas, seu corpo estava entre elas. Sua mão foi até minha calcinha, a puxando para o lado. Quando seu dedo passou de baixo para cima ali, outro som saiu de minha garganta. Dessa vez, mais desejoso.
– Molhada desse jeito… – Ele arfou e grunhiu.
Seu dedo começou a circular em minha intimidade. Seu outro braço estava passado por minha cintura. Eu olhei em seus olhos e eles, dessa vez, mantinham o contato. Seu dedo ganhou velocidade e eu arqueei minhas costas. Minhas pernas começaram a se enrijecer. Eu rebolei em sua mão antes de desabar ali. Senti a tensão sair de meu corpo aos poucos e relaxei.
estava me observando. Ele deu um sorriso de lado. Algo em meu estômago se mexeu. E remexeu. Algo em seus olhos. Algo nele. Eu o queria por completo. Por inteiro. Mas, por hora, eu me contentava. Mas, de uma coisa, eu estava certa: eu estava apaixonada. Mesmo sabendo que aquilo seria algo errado a se fazer, se tratando do cara à minha frente.

Vinte minutos depois, eu ainda estava deitada no sofá, porém sozinha. Pensando no cara que saiu todo estranho, apressado. Eu tive vontade de gritar. O que eu faria naquela noite?
– Meu Deus! – Saí correndo para o quarto até então desconhecido por mim.
Eu tinha que estar no All Beers em meia hora. Elis, a mulher que me contratou no dia anterior, foi bem clara.
Eu passei pela porta do bar faltando 2 minutos para o horário. Meu cabelo, com certeza, estava bagunçado, e o banho que eu tinha tomado fora em vão. Eu estava suada – e também pudera, correr umas dez quadras e não se molhar teria alguma coisa errada. Amarrei o avental preto em minha cintura. Desprendi meus cabelos e refiz o rabo de cavalo.
Atrás do balcão, os clientes começaram a vir até mim. E eu agradeci aos céus por ter aprendido pelo menos uma coisa útil com meu pai.

Era cerca de dez e pouco da noite quando terminei o serviço. Na volta para casa, a rua era parada. A cidade era pequena, porém turística. Mas os pontos de movimento eram apenas em lugares específicos. Quando cheguei na quadra do Rock Bar, atravessei para o outro lado da rua. Ali tinha muita gente, tanto dentro quanto fora. Vários carros estacionados. Muitos jovens encostados nos veículos, bebendo, falando alto e rindo de qualquer coisa engraçada.
Eu estava cansada. Meus pés doíam. Minhas pernas também. O uniforme do bar era uma calça tweed preta e uma camiseta da mesma cor. Eu não via a hora de chegar no flat e me despir. Eu precisava de um banho mais do que qualquer coisa.
Meus olhos grudaram no Maverick de . Não demorou muito para eu o ver junto a Mia, Derek, Jásper e o loiro cabeludo da praia – Nikolas, se não me engano. Meus passos ficaram mais lentos, meus olhos vidrados no grupo. estava falando algo muito alto. Parecia alterado.
Vi uma loira se aproximar e colar seu corpo ao dele. Ele continuou falando qualquer coisa a Derek, que apenas ria. A loira se aproximou mais e deu um beijo em sua bochecha. Eu poderia jurar que meu coração tinha parado naquele momento. Eu engoli a saliva, mas até isso era difícil. Havia uma barreira em minha garganta.
A garota então segurou seu rosto e o virou para ela. Ela o puxou para um beijo, mas a empurrou. Ele virou a garrafa em sua boca e continuou o assunto. A garota logo se afastou. Eu não gostava de me sentir daquele jeito. Por mais que eu tivesse sentido um certo alívio idiota quando ele a afastou, meu coração batia dolorosamente. Um peso de cinco homens se encontrava sobre o meu peito. Balancei a cabeça e apressei meus passos. Eu precisava de um descanso.
– Ei, gatinha. – Escutei uma voz pouco conhecida gritar. – Como é o nome dela?
– Quem? – Mia perguntou confusa, eu quis muito que não estivessem se referindo a mim. – !
– Bosta. – Resmunguei baixinho e olhei na direção deles.
Ela me chamou com a mão e eu atravessei a rua. Respirei fundo não sei quantas vezes. Eu evitei a todo momento olhar para , mas eu sentia seus olhos em mim. Pela visão periférica, vi que estava com a mesma blusa de mais cedo. Só que agora seca.
– E aí? – Respondi quando todos começaram a me cumprimentar.
– Está vindo de onde? – Mia perguntou e me puxou para chegar mais perto.
– Voltando do serviço. – Passei a mão em uns fios que tinham se desprendido durante a noite.
– Peter nos falou mesmo. – Derek comentou.
Percebi que todos ali seguravam uma garrafa de cerveja.
– Bem, foi bom ver vocês, mas eu preciso ir embora.
– Bebe uma com a gente. – falou e eu neguei, sem olhar em seus olhos.
Eu sentia uma certa raiva por outra garota ter colado o corpo no dele, apenas algumas horas depois de me ter em suas mãos. Eu sabia que não tínhamos nada. Absolutamente nada. Mas nem o conhecimento disso fazia as batidas do meu coração serem mais leves.
– Se eu não me deitar em vinte minutos, eu tenho certeza de que vou desmaiar. – Eu falei e me afastei.
– Até amanhã. – Mia gritou e eu a respondi com as mesmas palavras.
Com certeza, era o cansaço por ter trabalhado, pelo dia ter sido longo. Cansaço de tantos acontecimentos em um curto prazo de tempo. Eu culpava o cansaço pelas lágrimas que insistiam em encher as bordas de meus olhos e se lançavam por minhas bochechas. Que merda de chorona eu era? Chorei por isso também.
Virei a esquina e suspirei ao ver o prédio de três andares ao longe. Era tudo o que eu mais queria. Chegar em casa.

Os próximos dias da semana passaram rápido. Entreguei todos os papéis necessários à diretora Amélia. Eu não esbarrei com nem seu grupo nos dias seguintes. Ravena e Blue eram boas amigas, mas eu sentia falta de Kira, Ethan e . As aulas passaram como um flash e me assustei em pensar que já havia chegado na sexta.
Eram cerca de duas horas e eu estava no meio do caminho para o flat. Eu tinha quatro horas até entrar no All Beers, que eu constatei que era um emprego muito bom. Qualquer homem que poderia dar uma de engraçadinho para cima de mim era escorraçado por Elis. O que essa mulher fazia por mim era muito mais que o meu pai deixou de fazer nos últimos cinco anos.
Vi um pátio do que parecia ser uma escola. Muitas crianças brincando por ali. Uma, em especial, me chamou a atenção. Uma garotinha, de cabelos ruivos e cacheados, parecia ter uns 4 anos, estava sentada mais afastada. Meus olhos não conseguiam parar de olhá-la. Como se alguma coisa maior que eu me chamasse para ir até ela. Agarrei a tela que protegia o pátio da rua. A garotinha pegou os cabelos e os enrolou, jogando-os nas costas. Eu me vi nela.
– Irmã! – Escutei a voz do pastor George.
Ele veio até a tela, segurando a mão de um garoto de uns seis anos.
– Pastor. – O menino tinha uma cara fechada para alguém de sua idade, parecia bravo com algo.
– Quer se voluntariar? Ajuda com crianças nunca é demais. – Não era de todo uma má ideia.
A criança, então, largou sua mão e começou a andar.
– Hadrian, volte aqui! – O pastor pediu com uma voz suplicante.
– Você não me manda. – Eu me surpreendi com a voz do pequeno.
– Filho! Não fale assim.
O branco do meu olho aumentou. Filho? Aquele garoto é irmão de ?
– Eu sinceramente não sei onde errei, nunca foi rebelde como Hadrian.
era simplesmente a pessoa mais rebelde que eu conhecia. Talvez rebelde não fosse a palavra. era selvagem. Ele apenas era. E, pelo o que vi, Hadrian era igual.
– Eu gostaria sim de ajudar aqui. – Eu falei sem nem pensar muito. – Como faço?
– Entre aqui. – Ele apontou para a portaria do lugar e, alguns minutos depois, eu estava preenchendo uma ficha com perguntas bem específicas, como se eu fumava ou bebia.
Disseram que, sempre que eu tivesse um tempo livre e disposição, poderia aparecer ali para ajudar. Ali estavam todas as crianças daquela cidade enquanto seus pais trabalhavam. Era uma creche comunitária.
Algum tempo depois, encontrei a garotinha ruiva e me sentei ao seu lado. Ela continuou a olhar para o chão. Peguei um ursinho que estava jogado aos seus pés.
– Oi, princesa. – Fiz uma voz mais fina, como se o ursinho estivesse falando com ela.
Coloquei as patinhas da pelúcia em seus braços e, assim, ela levantou o olhar.
– Você quer brincar comigo?
Com um grande bico nos lábios, emburrada, ela fez que não com a cabeça.
– Me deixa cheirar seu pé. – Com a voz fina, inclinei a cabeça do urso até seus pés. – Que chulé!
O brinquedo em minhas mãos então fingiu um desmaio. A garotinha riu e meu coração se aqueceu.
– Meu nome é Bob, e o seu?
Com um sorriso tímido, ela respondeu.
– Venus.
– Que nome lindo!
– Minha mamãe que escolheu. – Ela disse, orgulhosa.
Eu ainda tentava entender o que na criança me chamava a atenção.
– É mesmo?
– Sim, ninguém tem um nome tão bonito assim.
Eu sorri com aquilo. Vi Hadrian se aproximar. Estava com a mesma carinha brava.
– E qual o seu nome?
.
– Vamos, Venus, já chegou. – Meu coração pulsou como se eu tivesse acabado de correr.
– Ela é sua irmã? – Perguntei ao menino, que tinha o cenho franzido.
– Não te interessa! – Ele praticamente gritou.
apareceu atrás dele, usando uma camisa clerical como no segundo dia em que o vi, todas as tatuagens escondidas.
– Você deveria falar direito com as garotas, Hadrian! – Eu nunca imaginei aquele cara repreendendo uma criança, ainda mais por aquele motivo.
– Eu sou irmã deles. – Venus falou, animada.
– Subornou minha irmã caçula para que ela falasse com você? – perguntou, um sorriso de lado estampava seu rosto bonito.
– Na verdade, o Bob nos ajudou. – Levantei o urso que eu ainda segurava.
– É um feito e tanto, ela não fala com estranhos. – Dei de ombros e fiquei surpresa quando bracinhos pequenos se enrolaram em meu pescoço.
Eu a abracei de volta, desconcertada.
– Você vai estar aqui amanhã? – Ela perguntou, esperançosa.
– Vou sim. – Meu sorriso foi grande quando respondi.
– Vamos logo, porra. – Hadrian falou e eu arqueei minha sobrancelha.
Ele falou aquilo mesmo?
– Olha a boca, caralho. – o segurou pelos ombros quando se agachou à sua frente. – O que aconteceu com você hoje, cara?
– Chloe me colocou de castigo. – Hadrian cruzou os braços, estava realmente irritado.
– O que você fez? – O irmão mais velho perguntou com um tom ameno que eu nunca ouvia ele usar.
– Eu chutei um garoto na escola. – fez uma cara de quem dizia “está explicado”. – Mas ele pegou minha bola primeiro.
– Você não pode sair por aí batendo nos garotos.
– Só você? – Eu segurei meu riso com aquela.
– Vamos para casa. – Ele se levantou e conduziu o menino. – Mas vamos conversar ainda sobre isso.
– Tchau, . – Mãozinhas pequenas acenaram no ar, eu retribuí.
– Quer carona? – ofereceu.
Fiquei tentada, mas estava perto de casa.
– Deixa pra próxima. – Ele assentiu e se afastou.
Vi os três andarem até a saída. pegou Venus no colo e a garota passou as mãos por seus cabelos curtos, como se tivesse algo desalinhado ali. Ele a levantou e fez cócegas em sua barriga com a boca. A risada infantil ecoou por minha mente por muito tempo depois.

Ao chegar em casa, vi um envelope no chão. Jogaram por baixo da porta. Abri e vi uma fonte muito bem desenhada. Li o convite que chamava todos os moradores da cidade para o baile anual. Era uma festa que eles realizavam para arrecadar dinheiro, inaugurar feitos. Era uma tradição de anos. Era no dia seguinte e percebi que não tinha nada bom para usar. Precisava fazer compras mas, naquele dia, me concentraria apenas em ir trabalhar.

Na volta do All Beers, novamente me vi em frente ao Rock Bar. Eu me praguejei por não pegar outro caminho. Não queria ver ninguém. Mas até que o movimento ali era menor do que no dia anterior.
De repente, escutei a porta do bar se abrir com um baque e dois homens começaram a brigar ali. Escutei o barulho de socos. Sons ocos na carne. Grunhidos. As pessoas em volta não faziam nada. Apenas observavam, alguns gritavam. Mas ninguém intervia.
– Você nunca mais fala dela, seu merda. – Era .
Meu coração que já estava acelerado pelo susto da briga, quase pulou pela boca. Corri até lá e não sabia como me aproximar para separar a briga.
– Alguém faz alguma coisa! – Gritei, mas ninguém pareceu me ouvir.
segurava o colarinho do garoto loiro da praia.
– Ora, ora, falando no diabo… – Um som horrível ecoou quando o punho acertou seu rosto.
Seu nariz sangrava e um de seus olhos já estavam inchados. Uma mecha de seu cabelo claro estava vermelha.
, pare! – Puxei seu braço para trás e ele veio.
Ele olhou furioso, o que me fez encolher. Não contive um grito quando Nikolas acertou o olho dele. Cambaleou um pouco para trás e foi com tudo em cima do loiro. Quando Derek apareceu no meio da multidão ali em volta, eu quase chorei de alívio. Ele agarrou e o empurrou para longe. Nikolas quis aproveitar a deixa para partir pra cima de novamente, mas Derek foi mais rápido, o segurando.
– Vaza, ! A polícia daqui a pouco está aqui. – Eu me assustei quando sua mão cheia de sangue agarrou meu pulso e me levou até o Maverick.
Uma vez dentro do carro, ele debruçou o rosto em cima de seus braços, que estavam apoiados no volante. A respiração era ofegante. Em uma vontade maior que eu, toquei seu ombro. Ele me olhou e, em seus olhos, eu vi ira. Em sua sobrancelha, havia um corte, e uma trilha de sangue cobria o lado esquerdo de seu rosto.
Ele ligou o carro e, oito quadras depois, estávamos em frente à sua casa. Incerta, eu desci. Quando ele destrancou a porta, eu o acompanhei. Ele se jogou no sofá e fiquei parada em pé, perto da porta.
– Onde tem…? – Apontei para o meu olho e seu olhar confuso me fitou. – Curativos.
– Não tem. – Voltou a deitar a cabeça e, quando apoiou o antebraço na testa, resmungou de dor.
Caminhei até o corredor e cheguei até seu quarto. Uma cama com lençóis cinza e edredom preto, estava toda desarrumada. Num canto, havia uma pilha de roupas sujas no chão. Abri uma porta do guarda roupas e vi algumas toalhas dobradas. Peguei a que me parecia mais velha. Fui até o seu banheiro e a molhei na pia.
Ao retornar, ele estava deitado na mesma posição. Sentei ao seu lado e ele abriu os olhos, me encarando. Aproximei o tecido molhado de seu corte e ele se retraiu.
– Essa porra dói. – Resmungou e afastou minha mão. – O que tem nisso?
– Água. – Voltei a pressionar seu machucado e ele soltou uns palavrões.
Passei outras partes do tecido que não estavam sujas e limpei o sangue em seu rosto. Ao passar a toalha por sua bochecha, meus olhos foram atraídos para sua boca. Sua língua passou por ali. Subi meu olhar e encontrei suas pupilas dilatadas.
– Quando eu apareci, Nikolas disse algo. – Não consegui formular a frase, balançou a cabeça.
– Aquele cara é um babaca. – Ele se sentou e tirou sua camiseta preta.
Tatuagens enfeitavam a parte de trás de seus ombros e suas costelas. Eu quis tocá-las, mas me contive.
– Era eu o motivo da briga? – Retorci a toalha suja de sangue em minhas mãos.
– Já falei para não se achar demais. – Seu tom era de brincadeira.
Assenti e me levantei, cansada. Precisava ir embora.
– Certo. – Coloquei a toalha em uma mesa que tinha no canto do cômodo.
Caminhei até a porta e fui puxada pelo braço.
– Já vai? – Seu olhar era pedinte.
– Não tenho motivo para estar aqui.
– Tem sim. – Sua mão ainda me segurava.
Meu coração traidor batia mais forte por ele.
– Tenho?
– Tem a mim. – me puxou para um beijo e eu fui sem esforço.
Seus lábios morderam os meus, sugando-os para si. Sua língua invadiu minha boca. O beijo era mais que lento e menos que rápido. Algo dentro de mim me fez envolvê-lo em meus braços, puxando-os. Suas mãos me seguravam com possessividade e eu poderia, sim, naquele momento, ser dele.
O beijo foi quebrado e seu rosto estava preocupado.
– Deixa eu te acompanhar no baile? – Mordi meus olhos e evitei de arregalar os olhos.
Assenti e ele me deu um selinho.
– Deixo sim. – Sorri.
– Combinado. – Bagunçou os cabelos, como se estivesse desconcertado. – Preciso tomar um banho.
– Tudo bem. – Ele se afastou, pegando a camiseta que estava jogada no sofá.
Preocupada e ansiosa, andei em círculos por sua sala. Eu estava nervosa. Nada poderia acontecer naquele dia e eu não queria ficar para saber. Por mais que eu o quisesse, não estava pronta. Eu precisava ir embora.
Assim que fechei a porta e pisei na calçada, um vento frio da noite me beijou.

Passei a manhã de sábado com as crianças da creche. Não vi Venus e Hadrian. Pela tarde, dei um jeito de comprar algumas roupas, já que eu trouxera poucas da casa de meu pai.
Assim que fiquei pronta, me olhei no espelho, dando uma boa olhada no vestido vermelho, que batia na metade de minha coxa e tinha uma singela fenda reveladora. O decote em v deixava meus seios maiores do que realmente eram. Meu telefone tocou.
! – Escutei a voz de Mia e estranhei.
– Como tem meu número? – Perguntei, passando um lip tint em meus lábios, deixando-os levemente avermelhados.
– Tenho meus métodos. – Ela falou, rindo. – Estou brincando, eu peguei com a Ravena.
– Não sabia que eram amigas.
– E não somos. – Eu ri, Ravena não era fã de ninguém próximo a . – Bom, eu liguei para saber se você vai no baile da cidade.
– Vou sim. – Mordi os lábios. – Você vai?
– Sim, então nos vemos agorinha.
– Até lá.
Joguei o celular na cama e, algum tempo depois, a campainha tocou.
– Você quer deixar todo mundo louco? – Ele falou, me olhando de cima a baixo.
– Apenas uma pessoa em especial pra mim já está bom. – Eu sorri e, antes que eu percebesse, seus lábios estavam nos meus.
Quando ele se afastou, consegui reparar que estava vestindo uma camisa branca, aberta até um pouco acima do peito, expondo suas tatuagens. Estava de calça jeans preta e coturno.
Fomos em seu Maverick e todo o caminho foi tranquilo. No rádio, tocava alguma música animada. tamborilava os dedos no volante e, hora ou outra, sua mão visitava minha coxa desnuda.
Assim que chegamos na praça principal, que era onde ocorreria o baile, fiquei deslumbrada com toda decoração. Mesmo sendo a céu aberto, tudo era luxuoso. As estruturas de metal onde havia holofotes de luzes azuis, mesas com tecidos finos, garçons por todo o local. Agradeci aos céus por estar bem vestida.
Achamos uma mesa vazia e, logo, um garçom veio nos servir.
– Champanhe? – Eu me surpreendi com a voz conhecida.
– Peter? – Ele sorriu e me entregou uma taça.
– Sou a sua chance de ter bebidas alcoólicas hoje. – Ele deu uma piscadinha e se retirou.
Dei um gole na bebida, que era suave.
– Essa noite. – Eu ri, sem conseguir terminar a frase.
– O que tem? – Seus olhos passeavam por mim enquanto tomava um gole de seu whisky.
– Não sei… – Prendi uma mecha de meus cabelos atrás da orelha. – Está muito boa.
– Quero passar a noite com você. – Apoiou o cotovelo na mesa e se aproximou de mim.
Seu tom era sério e isso fez algo em meu estômago dar uma cambalhota. Ou seriam borboletas voando?
Eu nunca havia dormido com alguém, nunca havia namorado. Apenas ficava com as pessoas e não me preocupava em pensar naquilo. E, naquela noite, eu sentia que poderia fazer qualquer coisa. Uma sensação de liberdade tomava meu peito. Mas era como eu me sentia na presença do cara à minha frente. Livre, jovem e selvagem como ele.

Passaram-se duas horas e alguns whiskys. O vento era gélido, mas meu rosto estava quente. Eu senti o suor surgir no meio de meus seios. Arrumei meu decote e os olhos de se direcionaram para ali.
– Quero dançar. – Cochichei em seu ouvido e ele assentiu, olhando em volta, como se procurasse alguém.
Terminou a bebida e se levantou, estendendo a mão para mim. Ao chegarmos na pista, um calor subiu por todo meu corpo. Eu estava mais solta e um pouco alta. Movi meus quadris, de um lado para o outro, o calor da bebida me envolvendo. Levantei meus cabelos até a nuca, para refrescar, quando senti seu corpo se encostar ao meu. Encostar não era a palavra, mas sim encaixar. As mãos seguraram minha cintura. Eu me virei.
Encontrei , seus olhos intensos, a barba por fazer. Sorriu de lado e me deu um puxão, colando nossos corpos.
– Estou louco por você. – Eu não esperava aquela fala vinda dele.
Toquei seu rosto, nossos movimentos lentos, mesmo que a música fosse animada. Meu dedo indicador passou por sua sobrancelha, que ainda tinha um corte. Estava cicatrizando, mas era como se fosse algo pertencente a ele. Combinava com sua aparência.
– Eu acho que estou me apaixonando… – Seu dedo pousou em meus lábios.
– Sh… – Balançou a cabeça negativamente.
Então me beijou. Daquela vez, diferente das outras vezes, lentamente. Suas mãos nas minhas costas me puxaram mais ainda para si. Meus braços envolveram seu pescoço. Nós nos afastamos mas, ainda assim, ficamos nos olhando.
– Vamos aproveitar a noite.
Eu concordei e continuamos dançando por algum tempo. Virei de costas para ele e rebolei, encostada em seu quadril.
– Sei que você já disse isso, mas eu também quero passar a noite com você. – Falei, esperando que ele me escutasse mesmo estando em minhas costas.
– Qualquer coisa que você me peça, usando esse vestido… – Roçou a barba por fazer em minha nuca e sussurrou em meu ouvido. – Considere feito, acatado.
Ficamos nos movendo numa dança. Nossos corpos se comunicavam e, a cada vez que se encostavam, eles reagiam.

Quando chegamos em sua casa, ele foi direto para a geladeira. Observei quando, segurando uma garrafa pelo gargalo, levou-a até sua boca. E aquele gesto era sempre sexy quando ele fazia. A barba – que, naquela noite, se fazia presente – me atraía muito. Através de sua camisa entreaberta, vi um colar contrastar com sua pele bronzeada. Ele chegou até a sala e eu me levantei do sofá. Eu me aconcheguei em seu pescoço e o lambi. O gosto salgado tomou minha língua ao mesmo tempo em que seu corpo deu um sobressalto. Suas pupilas dilataram quando ele me encarou. Eu molhei meus lábios e sorri. inclinou a cabeça para um lado, pensando. Eu também pensava muito quando estava com ele. O tempo parava, tudo se passava mais lento.
– Eu queria muito rasgar esse vestido. – Deu um sorriso torto.
Meu coração pulou em meu peito. Eu o sentia em minhas têmporas. Jogou-se em seu sofá e deu duas batidinhas em seu colo. Com uma perna em cada lado do sofá, me acomodei em suas pernas. Dessa vez, eu quem comecei o beijo, e eu tinha urgência. Queria me entregar a . Suas mãos foram até a barra de meu vestido e a puxaram até minha cintura, revelando minha calcinha também vermelha. Segurando em minha cintura, se levantou e se dirigiu ao seu quarto. Ele me deitou na cama, que estava arrumada, e as roupas, que estavam ali no chão outro dia, haviam sido retiradas.
– Aquele dia no hotel, quando eu disse que nada disso aqui me interessava... – Deitado sobre mim, olhou para todo o meu corpo e mordeu os lábios. – Era apenas um grande mentiroso de pau duro.
Cobri meu rosto, rindo. Quando voltei a encará-lo, ele também fazia o mesmo comigo. Sorria como eu nunca tinha visto. Eu o puxei para mais um beijo. Desceu sua boca então até o meu pescoço, sua língua deixando rastros prazerosos. Abaixou as finas alças do vestido, expondo meus seios. Sua boca envolveu um deles, sugando-os. Minhas mãos apenas passeavam por seus cabelos curtos.
continuou a descer e, dessa vez, parou em minha calcinha. Meu corpo deu um pulo quando senti seu dedo puxando a calcinha para o lado, me dando uma longa lambida. Gemi seu nome. Então ele resolveu tirar a pequena peça que me cobria.
Sua boca voltou ao local onde estava antes, sugando meu ponto mais sensível. Um de seus dedos entraram em mim e meu corpo se arqueou. Senti sua língua brincar em minha entrada várias e várias vezes. Senti todos meus músculos enrijecerem, então ele se afastou. Eu me apoiei em meus cotovelos e ele retirou meu vestido. Ficou em pé, tirando a camisa e o restante de suas roupas. Pegou um pacotinho quadrado no criado mudo. Escutei o barulho da embalagem sendo rasgada e ele vestiu seu pênis com a camisinha. Meus olhos não conseguiam parar de encará-lo.
Ao posicionar seu corpo em cima do meu, observei uma tatuagem de uma cruz atravessada em uma caveira em suas costelas. Seus braços apoiados ao lado de minha cabeça deixavam seus músculos muito mais proeminentes.
Senti quando direcionou seu pau. Brincou ali, fazendo círculos e espalhando toda minha umidade. Eu estava encharcada. Quando começou a me penetrar, o prazer deu lugar à ardência e minhas mãos imediatamente foram até seu peito, empurrando-o de leve. Ele parou e me olhou.
– O que foi? – Perguntou, preocupado.
Eu mordi meus lábios, ainda o sentindo.
– Vá devagar. – Passei as mãos em meus cabelos, em um gesto nervoso.
Ele assentiu e senti seu membro em minha entrada. Ele, lentamente, me penetrou mais uma vez. E parou.
– Está tudo bem? – Perguntou e abri meus olhos, que nem percebi que estavam fechados.
– Sim. – Porém ele ficou parado. – Por favor.
Então seu pau voltou a me expandir aos poucos. Eu mordi meus lábios com a dor mas, dessa vez, eu não o parei. Quando ele empurrou tudo, abri meus olhos e encontrei os seus me fitando intensamente.
– Você é muito apertada. – Franziu o cenho e se retirou lentamente de mim.
Ao olhar nossas intimidades, subiu o olhar.
– Você é virgem?
Sua expressão era surpresa. Minhas mãos começaram a suar.
? Me responde.
Eu apenas assenti. Abaixou a cabeça, mordendo o próprio bíceps.
– Isso é um problema? – Perguntei, mordendo meus lábios.
Um de seus dedos vieram até eles, livrando-os de meus dentes. me deu um beijo molhado.
– Isso me deixou mais duro ainda. – Sussurrou na minha boca. – Posso?
Eu sussurrei que sim e seu pau, mais uma vez, voltou a entrar em mim. Dessa vez, doeu, mas bem menos que a primeira vez. Após algumas estocadas, meu corpo acostumou com o seu.
– Mais rápido. – Falei baixo e ele se abaixou para colar nossas bocas.
Ele me deu um selinho e aumentou a velocidade das estocadas. Pegou uma de minhas coxas e a arqueou. Senti dor mais uma vez porém, logo, se transformou em um grande prazer.
Quando senti novamente meus músculos ficarem tensos, meu corpo começou a tremer. Eu praticamente gritei seu nome. investiu mais algumas vezes e retirou seu corpo de cima do meu. Levantou. Foi até o banheiro e voltou com uma toalha úmida. Passou por toda minha intimidade, com tanto cuidado que eu não sabia que aquilo poderia vir daquele homem.
Então se deitou ao meu lado e me puxou para seu peito. Eu o abracei e caí em sono profundo, com o seu afago em meus cabelos.

Uma de suas mãos vieram até o meu rosto e eu abri meus olhos. Com um sorriso torto, me deu um selinho. Uma luz entrava por uma fresta que a cortina não tampava.
– Bom dia. – Falei, preguiçosa.
– Dormiu bem? – Seu tom contido e carinhoso era algo com o que eu não estava acostumada.
Eu assenti. Estávamos deitados de frente um pro outro quando sua mão tirou uns fios de cabelo do meu rosto. Ao olhá-lo, a rosa vermelha tatuada em seu braço me chamou a atenção.
– Por que essa rosa e por que colorida? – Ele mordeu os lábios e olhou para o desenho.
– Scarlet Rose. – Meu cenho, com certeza, estava franzido, mas ele continuou. – Minha mãe, esse desenho é sobre ela.
Uma tristeza passou rapidamente por seus olhos.
– É colorida, porque apenas ela trazia cor a minha vida. – Soltou um sorriso em linha reta e aquilo quebrou meu coração.
Toquei seu rosto levemente.
– Por isso tem raiva de seu pai? – Perguntei, temendo a resposta, sua reação.
– Não só por isso, mas é sim um dos motivos. – Segurou minha cintura e me puxou para mais perto, se possível. – Agora quero mudar de assunto.
Ficamos um tempo ali, deitados. Alguns minutos depois, ele se levantou, vestiu uma cueca branca e ficou sentado na beira da cama. Quando percebi que meus seios estavam à mostra, me cobri rapidamente.
– Eu tenho que falar com você. – Disse sério e seus olhos desceram até o lençol, que me cobria. – Por que não contou antes que era virgem?
– Não achei que era importante.
– Não era importante? – Ele se apoiou em seus braços, os cotovelos apoiados em suas coxas, parecia perturbado. – Isso fodeu com a minha cabeça.
– Por quê? – Perguntei, confusa.
Ele negou com a cabeça, ainda na mesma posição.
– Se eu soubesse, eu não teria tirado isso de você. – Quando seus olhos me fitaram, eu vi desesperos neles.
– Você não meu tirou nada, . – Sentei e me encostei na cabeceira de sua cama.
Ele ainda me olhava, o cenho franzido.
– Você não entende. – Encarou o chão.
A expressão preocupada, trazia um sabor amargo em minha boca.
– Eu preciso ir embora da cidade.
Foi como se um punho tivesse acertado a boca de meu estômago. Engoli com dificuldade.
– Por causa disso? – Eu me levantei, confusa, a mente girando.
– Claro que não. – Caminhou até mim.
Segurou meu rosto e meus olhos se encheram de lágrimas.
– Algo grande vai explodir.
Jogou a cabeça para trás, respirando fundo. Eu temia cada próximo segundo.
– Por isso eu pedi para ficar longe. Eu sabia que isso estava próximo de acontecer. – O maxilar travado, o cenho franzido.
Eu estava apaixonada por aquele homem e ele estava me dizendo que precisava ir embora.
– E eu não queria ter que ir embora depois da noite que tivemos.
– Mas você precisa. – Sussurrei, odiando a minha conclusão.
Eu queria conhecê-lo a fundo.
– Eu não sei daqui a quanto tempo vou poder voltar, mas eu preciso te entregar uma coisa.
Foi até o criado mudo. Estendeu a mão para mim e eu abri a minha. Depositou uma chave em minha mão.
– É um carro que comprei pra você. – Comprimi meus lábios, segurando o choro.
Ele não poderia ser um escroto e simplesmente ir embora? Tinha que ficar me torturando sendo gentil?
– Não posso aceitar. – Minha voz saiu quase inaudível.
Fitei o chão, perdida.
– Por favor.
Molhei os lábios e assenti. Deixei a chave ali e entrei no banheiro. Precisava de um banho. Entrei no banheiro com a cabeça fora de ordem.

Quando ele estacionou em frente ao prédio, deu a volta no carro e abriu a porta. Subiu comigo as escadas. Destrancou a porta do flat. Parecia que ele tinha feito aquilo pra mim várias vezes. Meus olhos se encheram de lágrimas.
… – Praticamente pulei nele quando o envolvi em um abraço.
Seus braços me apertaram firmemente. Fechei meus olhos, sentindo seu perfume, que estava muito mais forte naquela manhã.
– Quero que fique com isso. – Pegou algo dentro da jaqueta e colocou em cima da mesinha de centro.
Era sua Bíblia. Voltou a pegar algo em sua cintura e me assustei quando vi uma arma prateada. Colocou em cima do livro de capa preta.
– Pra que está me entregando isso? – Com o coração acelerado, ele pegou minhas mãos e as levaram até seu peito.
– Apenas quero te dar isso. – Uma grossa lágrimas escorreu por minha bochecha, pingando em meu colo. – Não chore.
Engoli em seco. Meu peito doía.
– Procure Derek para ele te levar até o carro. – Apenas assenti. – Qualquer coisa que precisar, procure ele.
Eu me segurei para revirar os olhos. Eu queria mesmo era poder procurá-lo.
– Para onde você vai? – Ele fechou os olhos por um tempo.
– Você vai saber logo. – Deu um sorriso triste.
– E a igreja?
– Eu nunca fui um religioso de verdade. – Sorriu, olhando para si mesmo. – Mas descobri algo importante.
Os olhos intensos me prendiam. Suas mãos seguraram meu rosto.
– Assim que eu puder, eu vou te procurar. – Solucei, negando.
Doía muito saber que eu o estava perdendo, perdendo algo que não cheguei a ter de verdade.
– Mas não deixe de viver.
… – Selou nossos lábios uma última vez, caminhou até a porta e uma dúvida me assombrou. – O que descobriu de importante?
– Minha religião sempre foi você.


Epílogo


, filho do pastor George , foi preso na tarde desta segunda feira. A polícia havia criado uma linha de investigação a alguns meses. será indiciado por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Estando agora à disposição da justiça.

Um ano depois


Não teve um dia em que eu não pensasse nele. Era como se todos os dias fossem o dia mais sombrio da minha vida. Eu sempre tinha a sensação de vê-lo. Mas nunca o via de fato. Quando escutei aquela notícia, eu fiquei devastada. O pastor fez uma missa apenas para falar sobre como foi enganado pelo filho. Que não sabia de nada sobre os crimes. Todos os “fiéis” faziam sons de “oh”. Muitos com falsa piedade quando, na verdade, só estavam curiosos para ter mais informações sobre e fofocar ao final da missa.
Embora todos tivessem se decepcionado com aquele garoto, eu não. Eu ainda tinha fé nele.

Estacionei em frente ao bar. Eu ainda trabalhava no All Beers. Quando estava para entrar, me lembrei que esqueci o avental dentro do carro que havia me dado. Devo confessar que quase caí de costas quando Derek me mostrou o quão luxuoso era o automóvel. Um Dodge Durango 2013. Ele me entregou com todos os documentos em dias. Duas semanas depois, a polícia chegou até a mim, investigando sobre o carro, mas estava tudo certo.
Fechei a porta e ativei o alarme quando uma sombra atrás da árvore do outro lado da rua me chamou a atenção. Cerrei os olhos, tentando enxergar melhor. A sombra começou a andar para o lado oposto, se afastando. Aquele jeito de andar. Meu corpo gelou. Só podia ser ele. Fiquei parada, observando-o se afastar cada vez mais.
Um caminhão parou bem na frente do bar, bloqueando minha visão. Corri até a esquina, mas não vi nada. E assim eram os meus dias. Mais uma vez, eu estava enganada. Ou era isso que eu pensava.

Compartilhei meu corpo e minha mente com você
Está tudo acabado agora
Fiz o que eu tinha que fazer
Porque você está tão longe de mim agora
Não há mais nada que eu possa fazer
Você está tão famoso agora
Peguei sua bíblia, peguei sua arma
E você gosta de festejar e se divertir
Vestida com meu vestido vermelho de festa
Todos sabem que sou uma bagunça, sou louca, sim
Pegue um pouco de uísque
Fique um pouco no subúrbio e fique louco
Porque você é jovem, você é selvagem, você é livre
Você está dançando em círculos em volta de mim
Você é louco pra caralho

Oh, você é louco por mim


Fim.



Nota da autora: "Espero que goste! Me deixe saber pelos comentários o que você achou! Beijo!!!"



Outras Fanfics:
- O Safado da Delegacia
- Real Life
- Russian Mafia

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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