Capítulo Único
Assim que passei pelos portões do desembarque, minha amiga já me esperava com uma cara de poucos amigos e um cabelo nada típico dela.
— O furacão já passou? — perguntei, quando cheguei perto o suficiente para que ela me escutasse sem que eu precisasse gritar.
— Sem café, sem comunicação. — Foi a resposta que eu recebi.
— Nem um abraço de boas-vindas?
— Você não merece isso depois de me fazer te buscar no aeroporto às cinco da manhã.
— Me desculpe, mas você sabe… Fuso horário… — Coloquei minha melhor expressão de coitadinha e ela revirou os olhos, abrindo os braços.
— A gente vai tomar um cafezinho e depois você me conta tudo sobre seu tempo na terra dos deuses. — A referência a deuses fez que eu travasse por um instante antes de finalmente abraçar minha amiga e não passou despercebido. — O que foi?
— Nada.
— Cariño, eu te conheço melhor que isso.
— Falaremos sobre isso em casa — pedi e ela nos guiou até o café.
A cafeteria do aeroporto estava cheia e nos tomou alguns minutos na fila, tempo suficiente para que eu pudesse elaborar o que diria e o que deixaria de fora da minha narrativa sobre a viagem.
Era óbvio que eu ficaria encrencada se explicasse para Penny sobre minha visita à casa de Eros ou o contato com o Deus dos Mortos. Quem seria morta era eu, caso isso saísse da minha própria mente.
Não morta, mas torturada? Com certeza. Talvez Eros até mesmo desistisse de curar sua filha e me banisse para o Tártaro logo de uma vez.
-
Contar sobre meus dias na Grécia foi mais tranquilo que o esperado, parecia que eu tinha um script decorado, que tudo era premeditado. A cada palavra que saía de minha boca ou expressão que Penny fazia era um mesmo sentimento de déjà vu.
Quando ela saiu para trabalhar, três horas depois de ter me pego no aeroporto, eu finalmente pude me livrar da tensão que carregava nos ombros.
O meu plano inicial era claro, usar a viagem para descansar e relaxar, mas é claro que as coisas não correram como o planejado.
De todos os possíveis fins que eu poderia ter imaginado para os meus dias na Grécia, nenhum deles envolvia a existência de Deuses Olimpianos e seus planos para mim.
Eu não iria me opor aos desejos divinos, é claro.
Seria um sacrifício válido. Ou pelo menos era o que eu escolhi acreditar desde o instante em que tive contato com Hedonê.
Até porque não existem motivos para duvidar de que o meu destino estava entrelaçado ao daquele ser divino. E nem objeções.
Depois de um banho rápido e entrar em um pijama confortável, caí na cama e apaguei, aproveitando meu domingo de folga antes de voltar para minha rotina pelos próximos poucos dias que teria em minha vida normal.
Quando Eros soube da solução para trazer sua filha de volta, ele quis tomar as providências no mesmo instante, mas eu tinha de me resolver com a minha vida humana antes.
Aqui vai um fato importante: caso você esteja cogitando aderir ao helenismo, os Deuses são egocêntricos e egoístas.
Mas a pior característica que aprendi a enxergar nas divindades era o rancor.
Colocar minhas crenças mundanas na frente dos desejos de Eros não foi a ideia mais inteligente que tive em minha vida, claro que mesmo ciente de que com certeza minha oposição às suas vontades seria levada como um ataque pessoal, eu não podia deixar de me resolver. Hedonê tinha me dito para voltar, e daquela deusa eu acataria todas as vontades e desejos, mesmo que estes me levassem à morte.
Ainda hoje, depois de dias de nosso primeiro encontro, e antes que ela me dissesse tudo o que eu precisava saber antes que fizéssemos um ritual.
Eu nunca ouvi histórias de deuses e humanos se tornando um só, e, pelo que soube por Hades, nem todos no Olimpo estavam satisfeitos com a ideia de unir uma criatura tão pura quanto Hedonê a mim.
Ah sim, eu havia me tornado uma celebridade entre os deuses no instante em que um dos mensageiros de Hermes entregou a Zeus a notícia de que finalmente haviam encontrado uma cura para a deusa menor.
-
Horas depois do meu cochilo, abri os olhos, dando de cara com Hades, meu, até então, Deus favorito.
— Puta que pariu! — gritei com o susto de encontrar o homem parado num canto do meu quarto.
— Não precisava gritar.
— Claro que precisava! Como você entrou… — Parei minha frase no meio, sabendo bem que ele tinha simplesmente aparecido no quarto.
— Sua colega de quarto não está em casa.
— Sim, ela trabalha, nós humanos fazemos isso.
— Não me parece ser interessante — ele disse, fazendo pouco caso. — Afinal de contas, você nem pensou duas vezes antes de largar suas coisas de humanos.
— Nós já falamos sobre isso — comecei, me sentando na cama e esfregando o rosto.
— É inexplicável — ele me interrompeu com uma voz mais fina enquanto imitava o que eu contei sobre meu primeiro encontro com a deusa.
— Ciúmes não cai bem em você, Cariño.
— Eu não estou com ciúmes de você.
— De Hedonê, então? Você sabe que ela é uma divindade casta, não sabe?
— Eu não estou com ciúmes.
— Ah, certo… — Lhe encarei com uma sobrancelha erguida e pude vê-lo se esforçar para não revirar os olhos. — Mas enfim, a que devo o prazer de sua visita?
— Zeus acha que estou tramando algo com você.
— E o que diabos eu tenho a ver com seus problemas com seu irmão?
— Ele vai te procurar nos próximos dias, provavelmente acompanhado de Aleteia.
— Aleteia? O espírito da verdade?
— Seu conhecimento sobre nós ainda me surpreende — ele disse sincero, se sentando na ponta da minha cama. — Mas, sim, Aleteia.
— E o que há com isso? Eu não estou tramando algo, não estou escondendo nada e muito menos tenho medo de dizer a verdade para Zeus.
— Exceto que nós transamos.
— Ah, você não quer que sua esposa saiba?
— Perséfone não é minha esposa faz alguns séculos.
— Você é o único entre seus irmãos que não é um merda. — Um trovão ressoou pelos céus e eu me encolhi. — Não adianta ficar bravinho com a verdade — murmurei.
— Não se fala mal de uma divindade logo depois de citar o nome dela.
— E eu menti?
Um clarão atravessou os céus e, de repente, mais um homem se encontrava em meu quarto. Sua presença me deu calafrios e uma ânsia de correr. Era Zeus, sem dúvidas.
— Você é uma criatura muito insolente. — Foi a primeira coisa que saiu de sua boca.
— É um prazer recebê-lo em minha casa, Senhor — disse irônica.
— E o que você está fazendo aqui? — o Deus mal-educado disse, olhando Hades, que ainda estava sentado aos pés de minha cama enquanto eu estava encostada contra a cabeceira.
— Vim contá-la sobre suas paranoias.
— E para sua informação, é muito ultrapassado esse negócio de achar que todo mundo te odeia e quer te destronar — opinei, sem pensar muito no que estava falando.
— Como você pôde convencer Eros de que fundir essa lambisgóia com Hedonê seria uma boa ideia?
— Com a verdade — Hades respondeu o óbvio.
— Essa besteira está passando dos limites. — Zeus tinha um tom sério e parecia mais nervoso do que deveria.
— Não vou discutir com o senhor. Se acha que estou mentindo, faça-me dizer somente a verdade, eu não tenho o que esconder.
— Aleteia está a caminho.
— Aceitam algo enquanto esperamos? Uma água? Um café? — perguntei, enquanto finalmente me mexia para sair do colchão.
— Não — Zeus respondeu seco.
— Eu acho que um café não seria ruim.
— Ótimo! Eu realmente preciso de uma dose de cafeína para aturar o Zangado aí. — Indiquei o Deus dos Céus com um movimento de cabeça e vi ele soltar o ar de forma desdenhosa. — E, de preferência, vamos para a sala, não sei se consigo explicar dois homens como vocês no meu quarto sem minha amiga achar que sou uma completa pervertida.
— Como se você não fosse. — Ouvi-o sussurrar.
— Perdão? — Parei de andar, olhando-o com uma expressão ultrajada. Hades deu um passo para longe enquanto eu parei a milímetros de Zeus. — Eu não me importo com quem raios você é, ou o que é capaz de fazer, ou o diabo a quatro! Você está sob o meu teto e, aqui, você deve ter o mínimo de respeito! — Meu indicador já estava próximo de seu rosto quando terminei de falar.
E, num piscar de olhos, eu já estava contra a parede do corredor, com uma mão dele contra meu pescoço e seus olhos flamejantes me encarando com ódio.
— Olha aqui, mocinha… Se você acha que este seu comportamento imprudente vai te render algo além de punição, você está muito, muito enganada — ele disse num tom pouco acima de um sussurro. Um sorriso surgiu nos meus lábios e até eu mesma questionei minha sanidade quando devolvi o olhar na mesma intensidade.
— Eu não tenho medo — soprei de volta.
— Você tem sorte que eu nunca mais precisarei lembrar da sua existência, independente do que diga a Aleteia.
— Ah, é? — retruquei. — Que sorte a minha, hm?
Zeus me apertou ainda mais contra a parede, me fazendo perder o fôlego por um instante.
— Lembre-se que ela é a última chance de Hedonê — Hades murmurou em minha defesa e isso fez com que tanto ele quanto eu saíssemos da tensão esquisita que nem sei como fomos parar envolvidos, para começo de conversa.
Fui solta de minha prisão e caminhei na frente até a sala de estar, onde indiquei o sofá e fui para a cozinha preparar um café. Minhas mãos tremiam enquanto eu colocava água na cafeteira. Minha mente girava enquanto eu tentava entender onde eu estava com a cabeça para tratar Zeus daquela forma.
Claro que nunca fui dos melhores exemplos de sensatez, mas tamanha imprudência não fazia meu estilo, nunca fez.
Assim que a luz do aparelho indicou que meu café estava pronto, servi-o em três xícaras e me levei de volta para a sala.
— Você disse que não queria, mas acredito que seja educado o suficiente para não recusar depois de servido — expliquei, colocando as xícaras na mesa de centro na frente dos deuses sentados no meu sofá.
— O que está acontecendo? — Hades me perguntou, com uma expressão entre a confusão e a preocupação.
— Eu não sei.
— Estava contando a Zeus que você é imprudente, mas essa não é você — ele contou e eu gargalhei, arregalando os olhos em seguida e tapando a boca com as mãos.
— Que tipo de peça é essa? — Zeus perguntou visivelmente desarmado.
— Eu não sei — respondi honestamente, me afundando na poltrona. — É como se outra pessoa estivesse agindo por mim desde que cheguei da Grécia.
Ambos os deuses trocaram um olhar entre si e depois olharam para mim, e aqueles olhares sim me arrepiaram dos pés à cabeça. Num segundo, Zeus me segurava pelos pulsos enquanto Hades segurava meu rosto de frente para o seu.
— Mas que inferno? Qual o problema de vocês?
— Empusa — ele sussurrou, a voz firme. Não era comigo.
— Oh, você me descobriu? — minha voz saiu contra minha vontade e meus olhos ainda demonstravam a confusão que se passava em minha mente.
— Deixe-a em paz.
— Minha senhora não quer isso. — O tom que o demônio que me possuía usava era escorregadio, sedoso.
— O que Hécate quer?
— Que Zeus mate essa humana.
— Por quê?
Nenhuma resposta veio. Eu estava ali, apenas parada, esperando que me ajudassem ou que realmente me matassem de uma vez.
Eu ainda era mantida no lugar quando a mão de Hades que prendia meu rosto começou a queimar minha pele e eu gritei pela dor.
— Por favor, para! Está me machucando! — eu pedi, enquanto tentava fugir de seu toque.
— Empusa! — ele chamou de novo e eu já sentia as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas, ardendo onde seu toque me queimava.
— PARA! — implorei uma última vez e então ele soltou meu rosto, Zeus ainda me mantinha imóvel.
— Ela ainda está aí — Hades constatou.
— E agora? — perguntei.
— Aleteia saberá solucionar isso — Zeus disse, me soltando. — Você fique quieta aí.
— Posso ao menos ver o estado do meu rosto?
— Me deixe cuidar disso — Hades pediu, se aproximando de mim e eu me encolhi, ainda assustada pela situação toda.
— Eu tenho um kit de primeiros socorros — falei, implorando com os olhos para que pudesse fazer aquilo sozinha.
— Eu te acompanho ao banheiro — Zeus disse.
— Isso talvez deva esperar — uma terceira voz sussurrou pela sala.
— Outra? — perguntei cansada.
— Eu sou Aleteia, o espírito da verdade. É um prazer conhecê-la, .
— Por que não estou surpresa por você não ser uma figura masculina?
— Hey! — Hades protestou e eu o olhei com uma sobrancelha arqueada. — Certo…
— Oh, o que aconteceu? — A presença se aproximou de mim, sua figura fantasmagórica estudando meu rosto machucado. — Empusa… — sussurrou ao olhar em meus olhos.
De todas as coisas que cresci sendo ensinada por meu pai, principalmente em minha educação religiosa, nunca havia ouvido falar de Empusa. Não sabia quem era, o que fazia, muito menos sua ligação com Hécate.
— Há quanto tempo você está com ela? — Aleteia perguntou.
— Desde que ela estava fora das terras sagradas — minha voz saiu sem minha permissão.
— Pois você já pode ir embora. Tua farsa foi descoberta, demônio — ela sussurrou e então sentir meu corpo pesar e minhas pernas falharem.
— Corram para salvar sua preciosa Hedonê, minha senhora virá.
O aperto de Zeus me soltou e caí de joelhos, a respiração ofegante, os ombros leves.
— Olhe para mim, criança — Aleteia pediu e eu obedeci. — Ela está livre.
Com essa constatação, Hades me ajudou a reerguer o corpo e me sentou no sofá. Eu me encolhi ao sentir sua proximidade.
— Você sabe por que lhe chamei — Zeus disse para o espírito, que tremeluzia com sua feição ainda me estudando.
— Ela não mente, senhor.
— Essa parte não era a Empusa — eu disse, ainda sem conseguir desviar meus olhos de Aleteia.
— Querida, você pode me ajudar com as compras? — Penny pediu, sem notar que tínhamos visitas.
Quieta, vi, num instante, a figura fantasmagórica virar uma mulher de carne e ossos com um movimento leve de Zeus.
— ? — chamou, levantando os olhos da maçaneta e então notando minhas companhias. — Oh, não sabia que tínhamos visitas, perdão — ela pediu, com as bochechas aderindo uma coloração avermelhada. Ah, se ela soubesse…
— Eles já estão de saída, não estão? — Olhei para Hades pedindo por socorro, a simples ideia de mentir para Penélope me colocava em pânico.
— Ora, não seja rude — ela pediu. — Fiquem à vontade, eu me viro com as compras.
— Eu posso ajudá-la — Hades se ofereceu e me lançou uma olhada antes de pousar os olhos sob a figura de minha amiga.
Por dentro, eu estava prestes a nem mesmo esperar por seja qual fosse o plano de Hécate, eu simplesmente queria pular da janela e ter que evitar qualquer que fosse a interação que aconteceria entre aquele grupo incomum e minha melhor amiga.
— Eu ajudo! — falei, me levantando num pulo. — Terminem aquele assunto entre vocês.
Arrastei Penny até a cozinha, ela parecia confusa e desconfiada e eu sabia que era uma batalha perdida contra mim mesma tentar inventar qualquer que fosse a mentira sobre quem eram aqueles e o motivo de meu comportamento estranho.
— Desembucha — pediu e eu larguei as sacolas que havia pegado de sua mão na ilha.
— Eu…
— Você? — Ela parecia impaciente. — Qual o problema? E não tente comprar tempo gaguejando.
— Deixei algumas coisas de fora sobre a viagem e agora não consigo mentir para você sobre ter três deuses gregos na nossa sala.
— Eu tenho olhos, percebi que são deuses gregos, mas de onde saíram? — Por um instante, eu devo ter lhe encarado com olhos de filhote confuso, porque eu não esperava que ela agisse com tanta normalidade.
— Perdão? — perguntei confusa.
— De onde saíram essas pessoas?
— Ah, sim… Da Grécia.
— Você chegou hoje cedo e eles já estão atrás de você?
— Penny… — Suspirei. — Quando eu digo deuses gregos, eu quero dizer deuses mesmo, tipo, olimpianos e etc.
— Você bateu com a cabeça?
— Não.
— Bebeu? — Larguei meu corpo contra a bancada. Seria complicado.
-
Saber que Hécate queria se livrar de mim antes que salvássemos a vida de Hedonê fez com que os deuses me apressassem com a solução de minha vida humana. E, em três dias, se eu passei cinco minutos sozinha foi muito.
Afrodite soube da comoção em meu apartamento e ordenou que uma de suas ninfas me acompanhasse durante todo o tempo, me deixando sozinha para absolutamente nada. Eu era a grande chance de sua neta e nada ou ninguém poderia se colocar entre nós.
Quando meus assuntos foram resolvidos, eu me sentia esquisitamente carregada. Havia dado o último abraço em meus entes queridos, estava dando adeus à minha vida e nem mesmo podia deixá-los saber que aquela era a última despedida.
Era meu dever. Meu dever divino. Minha obrigação.
Olhar pela divindade que durante toda minha vida olhou por mim.
E por mais que doesse, eu não deixaria de fazer.
Foi repetindo estes mantras que me deixei ser levada a casa de Eros, foi com essas palavras em mente que me deitei ao lado de Hedonê, foi pensando nisso que deixei minha alma ir embora.
— Você tem minha eterna gratidão, . — Eu ouvi a deusa dizer.
At first sight I felt the energy of sun rays
I saw the life inside your eyes
So shine bright
Tonight,
You and I
We're beautiful like diamonds in the sky
— O furacão já passou? — perguntei, quando cheguei perto o suficiente para que ela me escutasse sem que eu precisasse gritar.
— Sem café, sem comunicação. — Foi a resposta que eu recebi.
— Nem um abraço de boas-vindas?
— Você não merece isso depois de me fazer te buscar no aeroporto às cinco da manhã.
— Me desculpe, mas você sabe… Fuso horário… — Coloquei minha melhor expressão de coitadinha e ela revirou os olhos, abrindo os braços.
— A gente vai tomar um cafezinho e depois você me conta tudo sobre seu tempo na terra dos deuses. — A referência a deuses fez que eu travasse por um instante antes de finalmente abraçar minha amiga e não passou despercebido. — O que foi?
— Nada.
— Cariño, eu te conheço melhor que isso.
— Falaremos sobre isso em casa — pedi e ela nos guiou até o café.
A cafeteria do aeroporto estava cheia e nos tomou alguns minutos na fila, tempo suficiente para que eu pudesse elaborar o que diria e o que deixaria de fora da minha narrativa sobre a viagem.
Era óbvio que eu ficaria encrencada se explicasse para Penny sobre minha visita à casa de Eros ou o contato com o Deus dos Mortos. Quem seria morta era eu, caso isso saísse da minha própria mente.
Não morta, mas torturada? Com certeza. Talvez Eros até mesmo desistisse de curar sua filha e me banisse para o Tártaro logo de uma vez.
Contar sobre meus dias na Grécia foi mais tranquilo que o esperado, parecia que eu tinha um script decorado, que tudo era premeditado. A cada palavra que saía de minha boca ou expressão que Penny fazia era um mesmo sentimento de déjà vu.
Quando ela saiu para trabalhar, três horas depois de ter me pego no aeroporto, eu finalmente pude me livrar da tensão que carregava nos ombros.
O meu plano inicial era claro, usar a viagem para descansar e relaxar, mas é claro que as coisas não correram como o planejado.
De todos os possíveis fins que eu poderia ter imaginado para os meus dias na Grécia, nenhum deles envolvia a existência de Deuses Olimpianos e seus planos para mim.
Eu não iria me opor aos desejos divinos, é claro.
Seria um sacrifício válido. Ou pelo menos era o que eu escolhi acreditar desde o instante em que tive contato com Hedonê.
Até porque não existem motivos para duvidar de que o meu destino estava entrelaçado ao daquele ser divino. E nem objeções.
Depois de um banho rápido e entrar em um pijama confortável, caí na cama e apaguei, aproveitando meu domingo de folga antes de voltar para minha rotina pelos próximos poucos dias que teria em minha vida normal.
Quando Eros soube da solução para trazer sua filha de volta, ele quis tomar as providências no mesmo instante, mas eu tinha de me resolver com a minha vida humana antes.
Aqui vai um fato importante: caso você esteja cogitando aderir ao helenismo, os Deuses são egocêntricos e egoístas.
Mas a pior característica que aprendi a enxergar nas divindades era o rancor.
Colocar minhas crenças mundanas na frente dos desejos de Eros não foi a ideia mais inteligente que tive em minha vida, claro que mesmo ciente de que com certeza minha oposição às suas vontades seria levada como um ataque pessoal, eu não podia deixar de me resolver. Hedonê tinha me dito para voltar, e daquela deusa eu acataria todas as vontades e desejos, mesmo que estes me levassem à morte.
Ainda hoje, depois de dias de nosso primeiro encontro, e antes que ela me dissesse tudo o que eu precisava saber antes que fizéssemos um ritual.
Eu nunca ouvi histórias de deuses e humanos se tornando um só, e, pelo que soube por Hades, nem todos no Olimpo estavam satisfeitos com a ideia de unir uma criatura tão pura quanto Hedonê a mim.
Ah sim, eu havia me tornado uma celebridade entre os deuses no instante em que um dos mensageiros de Hermes entregou a Zeus a notícia de que finalmente haviam encontrado uma cura para a deusa menor.
Horas depois do meu cochilo, abri os olhos, dando de cara com Hades, meu, até então, Deus favorito.
— Puta que pariu! — gritei com o susto de encontrar o homem parado num canto do meu quarto.
— Não precisava gritar.
— Claro que precisava! Como você entrou… — Parei minha frase no meio, sabendo bem que ele tinha simplesmente aparecido no quarto.
— Sua colega de quarto não está em casa.
— Sim, ela trabalha, nós humanos fazemos isso.
— Não me parece ser interessante — ele disse, fazendo pouco caso. — Afinal de contas, você nem pensou duas vezes antes de largar suas coisas de humanos.
— Nós já falamos sobre isso — comecei, me sentando na cama e esfregando o rosto.
— É inexplicável — ele me interrompeu com uma voz mais fina enquanto imitava o que eu contei sobre meu primeiro encontro com a deusa.
— Ciúmes não cai bem em você, Cariño.
— Eu não estou com ciúmes de você.
— De Hedonê, então? Você sabe que ela é uma divindade casta, não sabe?
— Eu não estou com ciúmes.
— Ah, certo… — Lhe encarei com uma sobrancelha erguida e pude vê-lo se esforçar para não revirar os olhos. — Mas enfim, a que devo o prazer de sua visita?
— Zeus acha que estou tramando algo com você.
— E o que diabos eu tenho a ver com seus problemas com seu irmão?
— Ele vai te procurar nos próximos dias, provavelmente acompanhado de Aleteia.
— Aleteia? O espírito da verdade?
— Seu conhecimento sobre nós ainda me surpreende — ele disse sincero, se sentando na ponta da minha cama. — Mas, sim, Aleteia.
— E o que há com isso? Eu não estou tramando algo, não estou escondendo nada e muito menos tenho medo de dizer a verdade para Zeus.
— Exceto que nós transamos.
— Ah, você não quer que sua esposa saiba?
— Perséfone não é minha esposa faz alguns séculos.
— Você é o único entre seus irmãos que não é um merda. — Um trovão ressoou pelos céus e eu me encolhi. — Não adianta ficar bravinho com a verdade — murmurei.
— Não se fala mal de uma divindade logo depois de citar o nome dela.
— E eu menti?
Um clarão atravessou os céus e, de repente, mais um homem se encontrava em meu quarto. Sua presença me deu calafrios e uma ânsia de correr. Era Zeus, sem dúvidas.
— Você é uma criatura muito insolente. — Foi a primeira coisa que saiu de sua boca.
— É um prazer recebê-lo em minha casa, Senhor — disse irônica.
— E o que você está fazendo aqui? — o Deus mal-educado disse, olhando Hades, que ainda estava sentado aos pés de minha cama enquanto eu estava encostada contra a cabeceira.
— Vim contá-la sobre suas paranoias.
— E para sua informação, é muito ultrapassado esse negócio de achar que todo mundo te odeia e quer te destronar — opinei, sem pensar muito no que estava falando.
— Como você pôde convencer Eros de que fundir essa lambisgóia com Hedonê seria uma boa ideia?
— Com a verdade — Hades respondeu o óbvio.
— Essa besteira está passando dos limites. — Zeus tinha um tom sério e parecia mais nervoso do que deveria.
— Não vou discutir com o senhor. Se acha que estou mentindo, faça-me dizer somente a verdade, eu não tenho o que esconder.
— Aleteia está a caminho.
— Aceitam algo enquanto esperamos? Uma água? Um café? — perguntei, enquanto finalmente me mexia para sair do colchão.
— Não — Zeus respondeu seco.
— Eu acho que um café não seria ruim.
— Ótimo! Eu realmente preciso de uma dose de cafeína para aturar o Zangado aí. — Indiquei o Deus dos Céus com um movimento de cabeça e vi ele soltar o ar de forma desdenhosa. — E, de preferência, vamos para a sala, não sei se consigo explicar dois homens como vocês no meu quarto sem minha amiga achar que sou uma completa pervertida.
— Como se você não fosse. — Ouvi-o sussurrar.
— Perdão? — Parei de andar, olhando-o com uma expressão ultrajada. Hades deu um passo para longe enquanto eu parei a milímetros de Zeus. — Eu não me importo com quem raios você é, ou o que é capaz de fazer, ou o diabo a quatro! Você está sob o meu teto e, aqui, você deve ter o mínimo de respeito! — Meu indicador já estava próximo de seu rosto quando terminei de falar.
E, num piscar de olhos, eu já estava contra a parede do corredor, com uma mão dele contra meu pescoço e seus olhos flamejantes me encarando com ódio.
— Olha aqui, mocinha… Se você acha que este seu comportamento imprudente vai te render algo além de punição, você está muito, muito enganada — ele disse num tom pouco acima de um sussurro. Um sorriso surgiu nos meus lábios e até eu mesma questionei minha sanidade quando devolvi o olhar na mesma intensidade.
— Eu não tenho medo — soprei de volta.
— Você tem sorte que eu nunca mais precisarei lembrar da sua existência, independente do que diga a Aleteia.
— Ah, é? — retruquei. — Que sorte a minha, hm?
Zeus me apertou ainda mais contra a parede, me fazendo perder o fôlego por um instante.
— Lembre-se que ela é a última chance de Hedonê — Hades murmurou em minha defesa e isso fez com que tanto ele quanto eu saíssemos da tensão esquisita que nem sei como fomos parar envolvidos, para começo de conversa.
Fui solta de minha prisão e caminhei na frente até a sala de estar, onde indiquei o sofá e fui para a cozinha preparar um café. Minhas mãos tremiam enquanto eu colocava água na cafeteira. Minha mente girava enquanto eu tentava entender onde eu estava com a cabeça para tratar Zeus daquela forma.
Claro que nunca fui dos melhores exemplos de sensatez, mas tamanha imprudência não fazia meu estilo, nunca fez.
Assim que a luz do aparelho indicou que meu café estava pronto, servi-o em três xícaras e me levei de volta para a sala.
— Você disse que não queria, mas acredito que seja educado o suficiente para não recusar depois de servido — expliquei, colocando as xícaras na mesa de centro na frente dos deuses sentados no meu sofá.
— O que está acontecendo? — Hades me perguntou, com uma expressão entre a confusão e a preocupação.
— Eu não sei.
— Estava contando a Zeus que você é imprudente, mas essa não é você — ele contou e eu gargalhei, arregalando os olhos em seguida e tapando a boca com as mãos.
— Que tipo de peça é essa? — Zeus perguntou visivelmente desarmado.
— Eu não sei — respondi honestamente, me afundando na poltrona. — É como se outra pessoa estivesse agindo por mim desde que cheguei da Grécia.
Ambos os deuses trocaram um olhar entre si e depois olharam para mim, e aqueles olhares sim me arrepiaram dos pés à cabeça. Num segundo, Zeus me segurava pelos pulsos enquanto Hades segurava meu rosto de frente para o seu.
— Mas que inferno? Qual o problema de vocês?
— Empusa — ele sussurrou, a voz firme. Não era comigo.
— Oh, você me descobriu? — minha voz saiu contra minha vontade e meus olhos ainda demonstravam a confusão que se passava em minha mente.
— Deixe-a em paz.
— Minha senhora não quer isso. — O tom que o demônio que me possuía usava era escorregadio, sedoso.
— O que Hécate quer?
— Que Zeus mate essa humana.
— Por quê?
Nenhuma resposta veio. Eu estava ali, apenas parada, esperando que me ajudassem ou que realmente me matassem de uma vez.
Eu ainda era mantida no lugar quando a mão de Hades que prendia meu rosto começou a queimar minha pele e eu gritei pela dor.
— Por favor, para! Está me machucando! — eu pedi, enquanto tentava fugir de seu toque.
— Empusa! — ele chamou de novo e eu já sentia as lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas, ardendo onde seu toque me queimava.
— PARA! — implorei uma última vez e então ele soltou meu rosto, Zeus ainda me mantinha imóvel.
— Ela ainda está aí — Hades constatou.
— E agora? — perguntei.
— Aleteia saberá solucionar isso — Zeus disse, me soltando. — Você fique quieta aí.
— Posso ao menos ver o estado do meu rosto?
— Me deixe cuidar disso — Hades pediu, se aproximando de mim e eu me encolhi, ainda assustada pela situação toda.
— Eu tenho um kit de primeiros socorros — falei, implorando com os olhos para que pudesse fazer aquilo sozinha.
— Eu te acompanho ao banheiro — Zeus disse.
— Isso talvez deva esperar — uma terceira voz sussurrou pela sala.
— Outra? — perguntei cansada.
— Eu sou Aleteia, o espírito da verdade. É um prazer conhecê-la, .
— Por que não estou surpresa por você não ser uma figura masculina?
— Hey! — Hades protestou e eu o olhei com uma sobrancelha arqueada. — Certo…
— Oh, o que aconteceu? — A presença se aproximou de mim, sua figura fantasmagórica estudando meu rosto machucado. — Empusa… — sussurrou ao olhar em meus olhos.
De todas as coisas que cresci sendo ensinada por meu pai, principalmente em minha educação religiosa, nunca havia ouvido falar de Empusa. Não sabia quem era, o que fazia, muito menos sua ligação com Hécate.
— Há quanto tempo você está com ela? — Aleteia perguntou.
— Desde que ela estava fora das terras sagradas — minha voz saiu sem minha permissão.
— Pois você já pode ir embora. Tua farsa foi descoberta, demônio — ela sussurrou e então sentir meu corpo pesar e minhas pernas falharem.
— Corram para salvar sua preciosa Hedonê, minha senhora virá.
O aperto de Zeus me soltou e caí de joelhos, a respiração ofegante, os ombros leves.
— Olhe para mim, criança — Aleteia pediu e eu obedeci. — Ela está livre.
Com essa constatação, Hades me ajudou a reerguer o corpo e me sentou no sofá. Eu me encolhi ao sentir sua proximidade.
— Você sabe por que lhe chamei — Zeus disse para o espírito, que tremeluzia com sua feição ainda me estudando.
— Ela não mente, senhor.
— Essa parte não era a Empusa — eu disse, ainda sem conseguir desviar meus olhos de Aleteia.
— Querida, você pode me ajudar com as compras? — Penny pediu, sem notar que tínhamos visitas.
Quieta, vi, num instante, a figura fantasmagórica virar uma mulher de carne e ossos com um movimento leve de Zeus.
— ? — chamou, levantando os olhos da maçaneta e então notando minhas companhias. — Oh, não sabia que tínhamos visitas, perdão — ela pediu, com as bochechas aderindo uma coloração avermelhada. Ah, se ela soubesse…
— Eles já estão de saída, não estão? — Olhei para Hades pedindo por socorro, a simples ideia de mentir para Penélope me colocava em pânico.
— Ora, não seja rude — ela pediu. — Fiquem à vontade, eu me viro com as compras.
— Eu posso ajudá-la — Hades se ofereceu e me lançou uma olhada antes de pousar os olhos sob a figura de minha amiga.
Por dentro, eu estava prestes a nem mesmo esperar por seja qual fosse o plano de Hécate, eu simplesmente queria pular da janela e ter que evitar qualquer que fosse a interação que aconteceria entre aquele grupo incomum e minha melhor amiga.
— Eu ajudo! — falei, me levantando num pulo. — Terminem aquele assunto entre vocês.
Arrastei Penny até a cozinha, ela parecia confusa e desconfiada e eu sabia que era uma batalha perdida contra mim mesma tentar inventar qualquer que fosse a mentira sobre quem eram aqueles e o motivo de meu comportamento estranho.
— Desembucha — pediu e eu larguei as sacolas que havia pegado de sua mão na ilha.
— Eu…
— Você? — Ela parecia impaciente. — Qual o problema? E não tente comprar tempo gaguejando.
— Deixei algumas coisas de fora sobre a viagem e agora não consigo mentir para você sobre ter três deuses gregos na nossa sala.
— Eu tenho olhos, percebi que são deuses gregos, mas de onde saíram? — Por um instante, eu devo ter lhe encarado com olhos de filhote confuso, porque eu não esperava que ela agisse com tanta normalidade.
— Perdão? — perguntei confusa.
— De onde saíram essas pessoas?
— Ah, sim… Da Grécia.
— Você chegou hoje cedo e eles já estão atrás de você?
— Penny… — Suspirei. — Quando eu digo deuses gregos, eu quero dizer deuses mesmo, tipo, olimpianos e etc.
— Você bateu com a cabeça?
— Não.
— Bebeu? — Larguei meu corpo contra a bancada. Seria complicado.
Saber que Hécate queria se livrar de mim antes que salvássemos a vida de Hedonê fez com que os deuses me apressassem com a solução de minha vida humana. E, em três dias, se eu passei cinco minutos sozinha foi muito.
Afrodite soube da comoção em meu apartamento e ordenou que uma de suas ninfas me acompanhasse durante todo o tempo, me deixando sozinha para absolutamente nada. Eu era a grande chance de sua neta e nada ou ninguém poderia se colocar entre nós.
Quando meus assuntos foram resolvidos, eu me sentia esquisitamente carregada. Havia dado o último abraço em meus entes queridos, estava dando adeus à minha vida e nem mesmo podia deixá-los saber que aquela era a última despedida.
Era meu dever. Meu dever divino. Minha obrigação.
Olhar pela divindade que durante toda minha vida olhou por mim.
E por mais que doesse, eu não deixaria de fazer.
Foi repetindo estes mantras que me deixei ser levada a casa de Eros, foi com essas palavras em mente que me deitei ao lado de Hedonê, foi pensando nisso que deixei minha alma ir embora.
— Você tem minha eterna gratidão, . — Eu ouvi a deusa dizer.
I saw the life inside your eyes
So shine bright
Tonight,
You and I
We're beautiful like diamonds in the sky
FIM
Nota da autora: Oi, tudo bom?
Eu estou impactada por muitas coisas nessa história, espero que tenham gostado de ler o mesmo tanto que gostei de escrever.
BRB.
Outras Fanfics:
→ Hunting the Hunter
→ Hunting the Corrupt
→ Outra Dimensão
→ Olhar 43
→ 01.For a pessimist, I'm pretty optimistic
→ (Not) A Killer Machine - Series
→ Someone to Take the Blame
→ Four-in-hand
→ 02. Let it Whip
→ 06. Bellas Regionals
→ Abstinência
→ 14. Bad Medicine
→ Parliamentarian
→ 04. Just Give Me A Reason
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Eu estou impactada por muitas coisas nessa história, espero que tenham gostado de ler o mesmo tanto que gostei de escrever.
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