Finalizada em: 27/07/2020

Capítulo I:

O dia havia começado como qualquer outro. Enquanto os saltos iam de encontro ao calçamento cinzento, a mulher percorria a multidão tentando não se esbarrar em ninguém. Numa mão segurava um café recém-comprado e na outra o celular, onde lia as mensagens que recebia de seus colegas de trabalho.
Enquanto seguia, o sobretudo preto cobria o conjunto justo de saia e blusa da mesma cor, e a bolsa marrom escura permanecia pendurada no ombro direito. Os cabelos presos num rabo de cavalo lhe deixavam com um ar ainda mais sério e os óculos de grau completavam o look. A passos largos, mesmo que não estivesse atrasada, adentrou o grande prédio da empresa onde trabalhava. Sem dizer uma palavra, mostrou seu crachá para um dos seguranças e teve a entrada autorizada.
Quieta, adentrou um elevador e saltou no seu andar, seguindo para sua sala. Ao fechar a porta atrás de si, suspirou cansada e deixou a bolsa sobre uma poltrona branca que havia no local. Tirando o sobretudo, o colocou nas costas de sua cadeira giratória e se sentou nela, a puxando para mais perto da mesa de vidro. Assim que ligou o seu computador, recebeu uma enxurrada de notificações e foi diretamente ao seu e-mail para checar as novidades. Aquele seria um dia repleto de atividades, então não se surpreendeu com o número alarmante de mensagens em sua caixa de entrada.
- Vamos lá, ! – ajeitou a postura em frente ao monitor. – Você sabe o que precisa fazer e aonde precisa chegar.
Respirando fundo, se concentrou no trabalho. Perdeu a noção do tempo e apenas quando seu celular apitou é que voltou a realidade. Pegou o aparelho e leu a nova mensagem, soltando a respiração de uma só vez, pois claramente o conteúdo escrito não lhe agradou nem um pouco. Impaciente, se levantou e saiu a passos duros na direção da sala dos designers e estilistas. Sem pedir licença, entrou como um furacão, assustando os quatro presentes.
- , o qu... – um dos profissionais tentou dizer, mas foi duramente interrompido.
- O que querem dizer com “o clássico, não é tão clássico assim”?! – sua voz era um misto de seriedade e indignação. – Isso é algum tipo de brincadeira que decidiram fazer às nove horas da manhã?
- Vai com calma... – o mesmo garoto riu abafado, erguendo as mãos em sinal de rendição. – Só tentei descontrair, caso contrário, em uma semana todos estaremos loucos.
- Descontrair? – a mulher se virou para ele lentamente. – Sabe em que época do ano estamos, senhor ? Precisamos criar novas tendências em menos de um mês, pois a cor que havia sido cogitada para o novo ano, foi completamente descartada e substituída.
- Sei muito bem, senhorita . – o homem debochou, passando a mão no cabelo castanho com mechas vermelhas. – Então não me venha com sermões.
- Se soubesse, faria o seu trabalho direito em vez de ficar me importunando. – o olhou de cima a baixo.
- Ele não estava importunando. Eu pedi que o passasse a mensagem, pois seria mais rápido do que esperar que checasse um e-mail. – uma garota interrompeu a discussão – Fizemos o pedido dos tecidos em classic blue, mas não foi o que recebemos.
- Como isso foi acontecer? – foi até a mesa onde os tecidos estavam e passou a mão pela seda que tinha o tom muito parecido com a cor desejada, porém, os olhos afiados logo perceberam a diferença.
- Ainda não há uma resposta pra isso, mas estamos trabalhan... – a garota começou a dizer, mas foi cortada.
- Vocês têm quarenta e oito horas para resolver isso. – decretou sem de quer olhar para eles.
- Quê? – se levantou subitamente do sofá vermelho onde estava esparramado. – Acha que somos algum tipo de máquina?
- Vocês são cinco profissionais da área e estão me dizendo que não podem resolver algo tão simples? – ergueu as sobrancelhas.
- Não foi o que eu quis dizer. – abriu os braços, perdendo a paciência. – Podemos muito bem resolver tudo isso, mas precisamos de mais tempo, até porque a culpa não é nossa. Afinal, nós não somos os responsáveis por esse setor.
- O que está insinuando? – semicerrou os olhos em sua direção.
- O que acha que estou insinuando? – a provocou com um sorriso de canto.
Repentinamente furiosa, a mulher agarrou alguns dos tecidos e os lançou na direção do designer. Todos foram pegos de surpresa com atitude da superior e enquanto ela continuava com seu ataque de histeria, transformando o ambiente num caos, os quatro presentes na sala apenas presenciavam a cena, paralisados.
- O nosso futuro nessa empresa depende disso, será que ainda não perceberam? – pela primeira vez elevou a voz, demonstrando seu nível de estresse. – VOCÊS SÃO UM BANDO DE IMCOMPETENTES!
- Ei, dona coordenadora, não precisa de tanto. – veio em sua direção para tentar acalmá-la.
Sem perceber, a mulher agarrou uma tesoura grande de costura junto com um pedaço de seda e o jogou na direção do rapaz, que desviou. Isso fez o objeto cortante passar direto e acertar um dos empregados mais atrás. A segunda garota da equipe e também a mais nova entre eles. Ao ouvirem o gemido de dor, todos pararam imediatamente e olharam para ela, que segurava o braço direito atingido superficialmente.
- Pietra! – a outra garota correu até a colega, assim como os outros.
Estática, a mulher observava os outros socorrerem a moça. O ferimento não havia sido grande, porém, o suficiente para que recobrasse o sentido. Soltando o ar pela boca, fitou os tecidos espalhados pelo piso branco, percebendo o quanto estava sendo ridícula.
- Qual o seu problema? – de repente ouviu e ergueu os olhos para a garota que se aproximava a passos duros.
- Lisa! – a reprendeu, mas a garota não lhe deu a mínima.
- Estamos aqui dando nosso sangue e suor, perdendo noites seguidas de sono, pulando refeições... Tudo isso para que o prazo seja cumprido e você não enxerga isso? – a enfrentou cara a cara. – Sua função é nos supervisionar para que possamos trabalhar de uma forma ordeira e sem preocupações, mas parece que não entendeu bem o seu papel. Você não é nenhum tipo de rainha que pode fazer o que bem entender e nos tratar como lixo. Ou é assim que acha que vai nos fazer produzir mais?
Ao ouvir aquelas palavras, abriu a boca para respondê-la, porém, as palavras não saiam. Estava em choque, pois havia ido longe demais. E quando sua colega a mediu com o olhar e lhe deus as costas, sentiu algo estranho lhe revirando o estômago. Se aquelas pessoas ainda tinham um pouco de respeito por ela, a partir daquele momento esse já não existia mais.
Observou quando saíram todos com a mais nova em direção à enfermaria e apenas quando ouviu a porta fechando que, finalmente, pode respirar. Ainda meio atônita, se abaixou e pegou a seda , caminhando até o sofá, se sentando nele. Enquanto analisava o tecido, ouviu a porta se abrir mais uma vez, mas não olhou para lá. Soube apenas quem era quando a pessoa se sentou ao seu lado.
- O que foi isso que acabou de acontecer? – questionou num tom neutro.
- Eu não sei... – murmurou em resposta.
- Sei que nunca fomos os melhores amigos, mas eu me lembro de você. – o rapaz prosseguiu. – Começamos a trabalhar aqui praticamente juntos e eu me lembro do seu cabelo e de seus casacos coloridos.
- E aonde quer chegar com essa conversa sentimental? – carregou a voz de sarcasmo. – Porque eu...
- Pare de tentar ser quem não é! – pela primeira vez em muitos anos, ele elevou o tom. – Essa não é você de verdade, nem de longe. Onde ela está agora?
- Você são sabe nada sobre mim, . – finalmente o encarou. – Muito menos o que eu quero.
- Talvez eu não saiba. – disse, negando com a cabeça. – Mas, de que adianta ter tudo e não ser nada?
Então, sem mais palavras, o homem se levantou e a deixou sozinha. Baixando a cabeça, fechou os olhos com força, sentindo a cabeça latejar. Após um tempo incalculável, resolveu sair dali e voltar para sua sala. Ajeitando os óculos e a saia justa, seguiu pelos corredores da empresa, esperando um elevador. Agoniada graças à demora, foi até as escadas, subindo os degraus rapidamente. Quando o seu celular chamou, o atendeu sem olhar e levou um susto ao ouvir a voz do seu chefe.
- Sim, senhor. – falou receosa, pois não costumava receber ligações dele com frequência.
- Quero que esteja na minha sala em cinco minutos. – foi a única coisa que ouviu antes da linha ficar muda.
Ainda com o celular próximo ao ouvido, a moça digeria as poucas palavras. Pelo tom nada cordial, deveria ser algo sério. Será que ele já sabia sobre o ocorrido? Sentindo uma leve tontura, apertou o corrimão com força para se equilibrar e respirou fundo. Consertando a coluna, respirou fundo e criou coragem para continuar sua subida.
Não tardou a estar no andar desejado e seguiu apressada até a sala, batendo na porta com cautela. Quando recebeu a permissão para entrar, girou a maçaneta com cuidado e o fez. Erguendo os olhos delineados, viu o homem de meia idade sentado em sua poltrona. Usava um terno preto e as mãos cruzadas estavam sobre a mesa transparente.
Assim que avistou a garota, fez um sinal para que ela se aproximasse, que logo foi obedecido. Quando se sentou na cadeira à frente do homem, sequer olhou para ele, pois tinha a impressão de que, se o fizesse, ele saberia do ocorrido de mais cedo antes que pudesse ser concertado.
- Poderia falar sobre o ocorrido hoje? – quando ele falou, seu estômago embrulhou.
- Senhor, eu... – tentou dizer, mas foi interrompida.
- Eu ainda não terminei. – se aproximando mais dela, a encarou nos olhos antes de prosseguir. – Fui informado sobre o erro com os tecidos da nova coleção. Não chegaram na cor que encomendamos.
- Nós já estamos resolvendo isso. – se apressou em dizer.
- E antes disso, onde você estava, senhorita ? – o mais velho a questionou. – Seu trabalho é supervisionar o grupo de designers e estilistas para que tudo esteja em ordem, não o de correr atrás de prejuízos. Precisa agir antes que os erros aconteçam. Então eu repito, onde você estava?
- E-eu... – gaguejou em meio às palavras, sentindo o suor se acumular na nuca.
Ao perceber que ela não conseguia formular uma frase decente, o homem suspirou e se afastou da mesa, cruzando os braços sob o peitoral. acompanhou o movimento com o olhar, sentindo as mãos tremerem de nervosismo.
- Sobre isso... – soltando mais uma suspiro, ele a encarou ainda mais sério. – Quero que encontre o responsável por esse erro e me informe imediatamente. Não podemos deixar que uma irresponsabilidade como essa passe em branco.
- E o que pensa em fazer com essa pessoa? – franziu a testa.
- Os fortes e visionários devem ser mantidos, já os fracos devem ser descartados. – balançou os ombros como se dizer aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. – Espero que entenda que é assim que as coisas são. Precisa ser forte para conquistar o seu espaço, não importa o que precise fazer. Como acha que cheguei aqui?
A coordenadora não disse nada, apenas encarou o homem de cabelos grisalhos sem qualquer tipo de expressão. Quando ele riu diante do seu silêncio, sentiu uma pontada no peito e teve vontade de sair correndo dali no mesmo segundo. Onde estava se metendo?
Cambaleante, saiu da sala do chefe sem acreditar no que acabara de ouvir. Sua mente girava e sua visão começava a ficar turva. O celular que segurava com força apitou uma vez, anunciando uma nova mensagem, mas ela não se importou. Seguiu pelo largo corredor branco se apoiando nas paredes.
As palavras ecoaram em sua mente fazendo seu estômago embrulhar. Porém, ela sentiu que não era apenas psicológico. Ela realmente não estava se sentindo bem. Respirando com dificuldades, parou de andar e apoiou o ombro direito e a cabeça na parede clara, fechando os olhos com força. Ela tinha uma decisão a tomar. Precisava manter o espaço que havia conquistado, precisava ser forte ou então seria descartada. Mas em troca de quê? Em troca de quem?
- , tudo bem com você? – de repente ouviu.
Abrindo as pálpebras devagar, encontrou o colega a encarando com certa preocupação. Tentou dizer algo, todavia não foi capaz de emitir nenhum som. Ao perceber o quão pálida ela estava, o rapaz se aproximou, parando em sua frente.
- ... – murmurou, agarrando o seu braço.
- O quê? – o designer arregalou os olhos ao perceber que a colega realmente não estava bem.
Antes que pudesse dizer ao garoto que estava sentindo que ia desmaiar, a mulher soltou um longo suspiro e desfaleceu em seus braços, o obrigando segurá-la com força. Desesperado, olhou para os lados e pensou em pedir ajuda, porém, não havia ninguém por perto. Fitando-a mais uma vez, percebeu como seus lábios haviam perdido a cor, o que era alarmante.


Capítulo II:

não sabia bem o que poderia ser aquela luminosidade em seu rosto, mas tinha plena certeza de que, caso continuassem a incomodando durante seu sono, socaria alguém. Para piorar, seu nome começou a ser chamado varias vezes, como se estivessem se divertindo em tirá-la do sério. Será que não a deixariam dormir em paz?
De repente a voz do seu subconsciente a despertou e finalmente ela caiu em si. Não era momento para descansar, precisava resolver o problema do seu setor antes de qualquer coisa. Alarmada, abriu os olhos de supetão, assustando os dois homens que se inclinavam em sua direção.
- Ah, finalmente! – um deles, vestido com um jaleco branco e segurando uma lanterninha, disse.
- Pelo menos ela não morreu. – o segundo se afastou, passando as mãos no cabelo.
A coordenadora não entendeu muito bem no começo. Só depois de alguns instantes é que voltou à realidade e percebeu onde estava. Olhando em volta, identificou a enfermaria da empresa. Voltando o olhar para as pessoas em sua frente, viu o médico do local e, mais atrás, . Ambos pareciam aliviados.
- Senhorita , como se sente? – o doutor perguntou.
- O que aconteceu? – puxou o ar pros pulmões, tentando se sentar.
- Você desmaiou e agora está na enfermaria. – o homem a ajudou, ajeitando seu travesseiro. – Sente algum tipo de mal-estar?
- Não, mas... – franziu o cenho, confusa. – Como eu cheguei aqui?
- Ah, não precisa me agradecer. – de repente disse, chamando sua atenção.
- Agradeça ao senhor por tê-la trazido rápido. – o outro salientou. – Ele detalhou o seu quadro e parece que chegamos a um diagnóstico, mas é claro que vamos precisar de mais alguns exames para descartar algumas hipóteses.
- Diagnóstico? – o olhou surpresa. - É algo muito grave?
- Diante das circunstâncias, creio que estava no meio de uma crise ansiedade quando foi encontrada, mas seu corpo não suportou a pressão e então você desmaiou. – explicou. – Num ambiente como esse, é muito comum que isso aconteça, especialmente numa época tão corrida onde prazos precisam ser cumpridos.
- Eu estou bem. – suspirou, fazendo uma careta ao ver a agulha do soro em seu braço. – Só preciso dormir um pouco.
- Exatamente. – sem encará-la, o doutor pegou uma prancheta e puxou uma caneta, escrevendo algo.
Ao terminar, o homem arrancou o papel e o entregou para a moça, que o analisou sem entender. Só depois que leu é que soube do que se tratava.
- Como assim, uma licença? – murmurou com os olhos esbugalhados. – Doutor, eu não posso simplesmente deixar meu trabalho.
- Não vai deixar seu trabalho, vai apenas tirar uns dias de folga. – riu abafado da reação dela.
- Mas... eu não posso! – tentou rebater.
- Claro que pode, eu acabei de autorizar. – o homem apontou para o papel. – Use seus dias anuais de folga para isso se precisar, mas não volte aqui antes da próxima semana e sem seus exames prontos.
- Mas... – tentou mais uma vez, mas era tarde.
O médico lhe deu as costas, continuando a analisar os dados escritos. Com a folha de papel suspensa no ar, a mulher estava indignada com o resultado de tudo aquilo. Não podia simplesmente ir para casa no meio de todo aquele caos. Pensando em questionar o doutor mais uma vez, simplesmente colocou os pés para fora da cama e se levantou. Antes que desse o primeiro passo, porém, uma muralha se colocou em sua frente.
- Onde pensa que vai? – o homem perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- E agora o quê? – inclinou a cabeça para o lado. – É meu guarda-costas, por acaso?
- Você é muito teimosa. – riu debochado. – Está aí uma coisa que não mudou.
- Se ainda não percebeu, eu quero passar, então... – tentou empurrá-lo, mas ele sequer se moveu um passo.
- Acha mesmo que vou deixar você voltar pra lá nesse estado? – cruzou os braços. – Só Deus sabe o que vai acontecer.
- E por que você se importaria? – imitou o gesto.
- Não é como se eu me importasse, mas... – torceu o nariz. – Não seria legal ver você fazer uma cena como aquela novamente. Já chega de esquisitices, por enquanto.
- Eu tenho uma responsabilidade... – começou a dizer e fez uma careta, olhando para o teto.
- Eu tenho uma responsabilidade e blá, blá, blá... – remedou a garota, que o fuzilou com os olhos. – Caso não saiba, querida, você não é a única. Então, trate de se cuidar e volte aqui apenas quando puder nos liderar direito.
Abismada com aquelas palavras, a mulher sequer pode responder, pois o colega se virou e seguiu na direção da saída. Enquanto as botas pretas deslizavam pelo chão branco, ela pensava se daria tempo de socá-lo antes que ele saísse pela porta. Desistindo da ideia, deu atenção ao doutor quando ele voltou. O mais velho passou uma bateria de exames que deveriam ser feitos e trazidos. Sem reclamar, pegou os papéis nas mãos dele e se retirou.
Se sentindo bem melhor do que antes, voltou até sua sala para pegar a bolsa e o casaco. Durante todo o percurso, permanecia distraída e sequer via os outros empregados que passavam ao seu lado. Já na calçada, deu a mão a um táxi que logo parou e entrou, dando ao motorista o endereço. Não arriscaria pegar o metrô após passar mal. Estava tão distraída, que percebeu que estava perto de casa apenas quando o carro virou a esquina de sua rua. Retirou o dinheiro da carteira e pagou o motorista. Após receber o troco, deixou o automóvel e caminhou até a porta de casa.
De forma automática pegou as chaves e abriu a porta da frente, adentrando a sala de estar. Deixando as chaves na mesa de centro, tirou os saltos e com eles nos braços, foi até a escada de madeira que a levaria ao andar superior. Subindo um degrau de cada vez, demorou mais do que o costume para chegar ao seu quarto. Largando tudo sobre a cama com lençóis brancos, foi até o guarda-roupa e buscou uma toalha limpa. Tirou o elástico que prendia os cabelos e se despiu, indo ao banheiro que ficava no fim do corredor.
Após um banho quente demorado, voltou para o quarto e vestiu roupas leves, afinal não sairia mais naquele dia. Ainda meio aérea, desceu até a cozinha e abriu a geladeira, procurando algo para comer, encontrando apenas uma caixa de pizza aberta.
- Definitivamente, eu preciso fazer compras. – resmungou, pegando a caixa para jogá-la no lixo.
Abriu os armários e não teve resultados. A única coisa que encontrou foi um pacote de macarrão instantâneo que deveria estar ali por mais tempo do que ela poderia supor. Sem opções, pegou a chaleira para esquentar água e seguiu as instruções do rótulo. Sentada na mesa com o queixo apoiado numa das mãos, esperou sua comida se preparar sozinha.
Abatida, a moça comeu sem muita vontade e deixou a pouca louça suja na pia. Como um zumbi, voltou para o quarto e deitou na cama por baixo do cobertor, abraçando o travesseiro macio. Antes que sentisse, estava dormindo profundamente como não conseguia há muito tempo.
Quando despertou, tudo já estava escuro, anunciando a noite. Sem acreditar que dormira tanto, se levantou e caminhou até a sacada, abrindo as cortinas e a porta de vidro. Quando a friagem lhe atingiu, cruzou os braços e se encolheu de forma inconsciente, parando perto do parapeito de vidro. De onde estava, conseguia enxergar algumas poucas estrelas no céu. Apesar das luzes da cidade, aquela noite em especial estava mais brilhante.
Quieta, a mulher continuou ali, com a brisa noturna balançado levemente os seus fios soltos. Lá em baixo, apenas alguns carros passavam e alguns pedestres ainda caminhavam pelas calçadas, todos entretidos em suas próprias vidas. Será que eram felizes? Que se sentiam realizados? Porque ela não se sentia. Mesmo após conseguir tudo o que sempre quis, mesmo que todos a vissem como uma das melhores de sua área. Ainda que as pessoas fizessem as coisas como ela desejava.
Ela não se sentia feliz.
Aquela pessoa que havia se transformado era uma máscara, criada para esconder seu verdadeiro eu. Uma que foi obrigada a forjar para que os outros não a desprezassem, nem passassem por cima de suas ideias. Todavia, essa não era a pior parte, mas sim o fato de ter se acostumado com ela. Agora, não sabia mais quem era de verdade.
Sem conseguir mais se conter, permitiu que as primeiras lágrimas escorressem pelo rosto ainda meio pálido. As limpou com as costas das mãos e olhou pra cima, relembrando do caos que havia causado pela manhã. Havia sido ridícula e irresponsável, até mesmo machucando uma de suas colegas.
Enquanto ainda fitava o véu negro, viu o exato momento em que uma luz brilhante cortou a escuridão. Durou apenas alguns segundos, mas ele soube que se tratava de um meteoro. Com certeza, muitos que conseguiram vê-lo devem ter feito algum pedido. Desejaram algo e esperavam que a suposta estrela cadente realizasse. Mesmo que não acreditasse naquelas coisas, ela suspirou e fechou os olhos e antes que pensasse as palavras já saiam de seus lábios.
- Eu sei que isso tudo é uma grande besteira, mas... – murmurou como se alguém pudesse ouvir. – Eu quero voltar a ser quem eu era. De verdade. Mas eu não sei como, então, seja lá quem estiver ouvindo... por favor, me ajude.
A jovem não soube dizer por que estava tão sentimental. Talvez sua mente estivesse sensível após a crise de mais cedo e isso explicaria muito bem aquela atitude desesperada de sua parte. Ignorando o que pensaria sobre si mesma no dia seguinte, a voltou para o quarto e pegou o celular. Após checá-lo e ver que não havia mensagens, o deixou sobre a mesa de cabeceira e se cobriu. Pelo visto, não havia muitos que se importavam com ela. Com aquele pensamento em mente, adormeceu mais uma vez, profundamente.

~o~

Os primeiros raios de sol atingiram o rosto da mulher de maneira insistente, a obrigando a despertar. Sentindo-se um pouco menos cansada graças à noite de sono, ela deixou de relutar e suspirou fundo, pronta para começar aquele novo dia. Mas quem sabe pudesse ficar mais cinco minutinhos, afinal, não precisaria ir para o trabalho naquela manhã.
Agradecendo imensamente ao médico por ter lhe dado uma licença para que pudesse cuidar da saúde, puxou o cobertor até o pescoço e se aconchegou mais em sua cama, pronta para dormir mais um pouco. Ainda que a luz entrasse pelas cortinas que esqueceu aberta, decidiu ignorá-la.
- Será que alguém poderia fechar essa droga de cortina? – de repente a voz de seu subconsciente resmungou.
A quase respondeu ao som de sua mente para mandar que se calasse, todavia, algo a fez parar subitamente. Claramente, aquela voz não havia saído de sua cabeça. Prendendo a respiração, virou-se lentamente para trás, na direção do outro lado do colchão que deveria estar vazio. Bem, supostamente deveria estar. Por esse motivo, quando a mulher deu de cara com um homem deitado em sua frente, não conseguiu ter outra reação.
- AHHHHHHHH! – o berro saiu alto, provavelmente, acordando todos os vizinhos.
O grito foi suficiente para fazer o estranho despertar. Com os olhos arregalados, encarou e então começou a gritar também, assustado pela reação histérica dela. Ao mesmo tempo, se levantaram e a moça gritou ainda mais, tampando os olhos ao perceber que ele estava nu. Ao notar o motivo de ela virar de costas, o homem pegou um travesseiro e cobriu suas partes íntimas.
- Por que você está gritando? – de repente ele disse e parecia confuso. – Até parece que nunca viu um cara pelado.
- Mas que merda é essa? – ela ainda estava de pálpebras cerradas. – Quem é você?
- Por que não para de drama? – o rapaz revirou os olhos. – Eu já me cobri.
Meio desconfiada, retirou as mãos do rosto aos poucos, confirmando que falava a verdade. Com isso, se apressou em alcançar seu celular e mandou uma mensagem para a primeira pessoa que veio em sua cabeça, pedindo ajuda. Em seguida, começou a discar para um novo número.
- O que você está fazendo? – o estranho questionou.
- Eu vou ligar pra polícia e dizer que um louco invadiu minha casa! – após discar, levou o celular ao ouvido.
- O quê? – o outro se assustou. – Como assim, a polícia?
- Tem um cara esquisito no meu quarto, sem roupas e com o cabelo ! – falou visivelmente transtornada. – O que quer que eu faça?
- Tá legal, já chega de palhaçada. – ele se aproximou dela, tentando pegar o aparelho.
- NÃO CHEGA PERTO DE MIM, SEU TARADO! – berrou ao vê-lo caminhar em sua direção.
Alarmada, a coordenadora olhou para os dois lados e então, numa fuga desesperada, subiu na cama. Enquanto lutava para se manter equilibrada sobre o colchão fofo que afundava a cada pisada, não percebeu que havia desligado a chamada sem querer. Sem saber o que fazer, pegou o outro travesseiro, colocando na frente do corpo como se fosse um escudo.
- , por favor, por que não desce daí para que possamos conversar? – ele riu levemente. – Vem, eu te ajudo, me dá a sua mão...
Mais uma vez o rapaz fez menção de ir até ela que, movida pela adrenalina, o chutou. O golpe foi certeiro, o atingindo no rosto e imediatamente ele caiu com os braços abertos. ficou paralisada por vários segundos, sem acreditar que tinha acabado de nocautear um estranho. Para piorar, ele havia soltado o travesseiro, expondo assim a sua intimidade para Deus e o mundo.
Aquilo a fez voltar à realidade e, num movimento rápido, pegou seu cobertor. Cautelosamente, se aproximou mantendo os olhos na direção oposta á que ele estava, e então jogou o tecido sobre o corpo desacordado. Ao perceber que ele não despertaria tão cedo, correu para fora do recinto, trancando a porta e levando a chave consigo. Esbaforida, correu para o andar de baixo e parou no meio da sala, levando a mão até a cabeça.
Como aquele homem havia entrado em sua casa? Como ele havia dormido do seu lado sem que percebesse? Será que havia se aproveitado do fato de estar adormecida? Com todas essas questões em mente, buscou o celular para retomar a ligação, porém, logo viu que não estava ali.
- Não, não, não... – resmungava impaciente, vasculhando tudo.
Então parou, batendo com a mão na testa. O havia deixado no quarto por conta do desespero. Sem acreditar nos deslize, caminhou de um lado para o outro. Após um tempo incalculável, reconheceu que precisava de um novo meio de comunicação e calçou as sandálias, decidida a ir à casa de algum dos vizinhos.
Antes que alcançasse a porta da frente, ouviu um ruído vir do topo da escada e olhou para lá. Seu coração errou a batida no segundo que o viu. Descendo os degraus, como se fosse o proprietário do lugar, o mesmo cara de antes vinha vestido com um de seus roupões de banho. Ainda que a postura ereta e o andar elegante chamasse atenção, uma de suas mãos massageava o local do rosto onde havia sido atingido pela dona da casa.
- Você é bem fortinha, hein! – debochou, chegando até o fim da escada. – Vou me lembrar disso da próxima vez que tentar te irritar.
Então ele riu. Não foi uma gargalhada, mas um riso meio abafado, entretanto, o suficiente para que os músculos da garota se tencionassem. Ao ver que sua observação não tinha sido respondida, o rapaz franziu o cenho e a encarou sem entender.
- Você está muito calada hoje, sabia? – balançou os ombros. – Talvez seja fome, então que tal comermos panquecas.
- Não! – ela disse num tom elevado.
- Não quer panquecas? – ele fez um biquinho. – Tudo bem, podemos fazer omeletes.
Ao vê-lo se direcionar para a cozinha, permaneceu boquiaberta. Quem era aquele babaca? Menos temerosa do que antes, o seguiu e antes que ele tocasse em qualquer coisa, tirou um dos chinelos e jogou nele. Ao sentir o objeto nas costas, o homem se virou até a garota, que agora pegava o outro par. Antes que fosse acertado mais uma vez, ele correu para trás do balcão, conseguindo se desviar do novo golpe.
- Qual o seu problema? – perguntou ainda abaixado. – Por que está agindo como uma doida varrida?
- Você entra na minha casa e veste minhas roupas e eu que sou a louca? – parou do outro lado do balcão. – Ao menos sei quem você é e age como se nos conhecêssemos.
- Espera! – ele finalmente se ergueu, ficando de frente para ela. – Está querendo me dizer que não sabe quem eu sou?
- Eu deveria? – ergueu as sobrancelhas num sinal de deboche.
- Sério mesmo? – insistiu, completando a própria frase. – Mas, foi você quem pediu ajuda?
- Ajuda? – franziu a testa. – Ajuda pra quê?
- Ontem à noite, não se lembra? – apoiou as mãos na bancada. – Quando vimos a estrela cadente.
- A estrela caden... – parou no meio da frase.
Sem perceber, imitou o gesto do homem à sua frente, apoiando as mãos na bancada. Sua mente trabalhava rapidamente, tentando juntar as peças, mas quando chegava a uma conclusão, simplesmente não podia acreditar e o raciocínio recomeçava. Quando, por fim, entendeu o que ele quis dizer, o encarou espantada.
- Você é... – questionou cuidadosamente. – Algum tipo de... ser mágico?
- Quê? – ele riu diante daquela observação. – Não, não...
- Então o quê? – permaneceu prudente, cerrando os punhos.
- Eu sou o seu animus. – abriu os braços, entusiasmado. – Tcharam!
não entendeu no início. Realmente, não entendeu em momento algum, mas nem sequer teve mais tempo para questionar que tipo de loucura era aquela que aquele sem noção estava dizendo, pois seu cérebro gritava em desespero.


Capítulo III:

- , você está mesmo bem?! – de repente o estranho disse com certa preocupação. – Seus lábios estão um pouco brancos.
Prendendo a respiração, a mulher o encarou e não soube muito bem qual foi sua cara quando o encontrou lá, a encarando com aqueles olhos brilhantes. Primeiro pensou em gritar, mas isso não adiantaria. Segundo, teve a ideia de acertá-lo novamente, todavia, não tinha forças nem para se mover direito, que dirá para isso.
Sem opções, deixou que ar preso escapasse de uma só vez pelos lábios entreabertos, notando que agarrava a beirada do balcão com força.
- Eu sei que isso tudo parece muito estranho, mas antes que dê um novo ataque, vamos conversar. – ele disse, chamando sua atenção.
- Conversar? – franziu o cenho.
- Por favor. – ele cruzou as mãos num pedido. – Você não pareceu entender muito bem o que eu disse antes, mas agora pode me ouvir.
ponderou por alguns instantes e, sem saber o motivo, apenas cruzou os braços, olhando para o homem de cabelo que parecia realmente ansioso para falar. Mesmo que a situação fosse muito bizarra, o estranho não tinha feito nada para prejudica-la. Não que achasse que ele fosse alguém confiável, mas o deixaria falar antes de decidir se chamaria a polícia ou se apenas o colocaria para fora de sua casa.
- Tá legal, o que exatamente temos para conversar? – ela questionou, tentando manter a pose, ainda que sua situação não colaborasse muito. – Ao menos sei quem você é!
- Então, vamos voltar para ontem à noite. – o rapaz iniciou seu relato. – Quando você chorou e fez o pedido para estrela cadente, pedindo ajuda para voltar a ser quem era de verdade e...
- Espera, como sabe disso? – e encarou espantada. – Por acaso, está me stalkeando?
- Por que sempre tão cabeça dura, meu Pai? – bateu com a mão na testa. – Qual parte do, eu sou seu animus, você não entendeu?
- Eu não entendi parte nenhuma, garoto! – se virou para ele, abrindo os braços. – Animus? Que diabo é isso? Nem sei seu nome, pra começo de conversa e quer que eu capte o restante das suas paranoias?
- Meu nome? – de repente ele parou, fitando o nada.
Confuso com aquele questionamento, ele apoiou uma mão na cintura, enquanto a outra permanecia no queixo. Andando de um lado para o outro, pensativo, finalmente olhou para a mulher que não entedia bulhufas.
- Você pode me chamar de... . – parecia um pouco em dúvida, mordendo os lábios. – Você gosta desse nome, não é?
- O que isso tem a ver? – franziu a testa.
- Tá, então se você gosta, pode me chamar assim. – sorridente, a ignorou novamente, continuando a falar. – É legal ter um nome, sabia?!
- Ok, já chega. – o interrompeu. – , não é? Eu sei como resolver essa questão, então me acompanhe, por favor.
Dando de ombros, o rapaz a seguiu. Ele tagarelava sobre a cor das cortinas, quando a moça abriu a porta da frente e o deixou passar. Ao ver o lado de fora, respirou fundo e se virou para ela, parado na calçada.
- Então vamos conversar aqui fora? – abriu os braços, entusiasmado. – É uma boa escolha.
- Na verdade, não. – segurou a maçaneta. – Você vai dar o fora da minha casa, antes que eu mande a policia vir te buscar. Ou quem sabe eu entre em contato com um hospício para que eles possam te ajudar com essas suas histórias mirabolantes.
- Mas... – tentou argumentos, porém, ele ergueu a mão para que parasse.
- Sem mais uma palavra. – usou um tom autoritário. – Agora, vai embora!
Sem mais, a mulher fechou a porta com força, ignorando a expressão desesperada de . Ele até tentou dizer algo, porém, não teve tempo quando a madeira marrom os separou definitivamente.
- Era só o que me faltava... – suspirou, balançando a cabeça de um lado para o outro.
Tentando esquecer o ocorrido, trancou a porta e caminhou de volta para seu quarto, a fim de trocar de roupa, pois precisava sair para comprar algo para comer. Ao adentrar o quarto, vasculhou o guarda-roupa, ignorando algumas peças que considerava alegres demais, escolhendo por fim uma calça jeans e uma camiseta preta.
- É incrível como as pessoas conseguem ir contra os próprios desejos. – parou no mesmo segundo ao ouvir atrás de si.
Assustada, virou-se lentamente na direção que a pessoa falava e o encontrou sentado bem no meio de sua cama. Ainda usando seu roupão, tinha as pernas cruzadas, inclinando-se para trás. Com as mãos apoiadas no colchão, encarava as peças em suas mãos com desdém. Naquele segundo, não sabia se corria para pular de sua sacada ou se socava aquela criatura.
- Que tipo de estilista usa roupas tão sem atitude? – o homem debochou.
- Mas... mas que merda é essa? – resmungou novamente. – Como você entrou aqui?
- Você realmente não entendeu, não é? – se levantou e passou pela moça, indo até o guarda-roupa. – Eu não sou bem uma pessoa, então não são portas ou paredes que vão me impedir.
- Ah, meu Deus... – fez uma careta. – É pior do que pensei.
- Sempre tão cabeça dura, . – se virou pra ela já com várias peças em mãos. – Então, voltando ao assunto, vamos começar logo a sua mudança.
Paralisada, a acompanhou com os olhos ir até sua cama, expondo as peças que havia pegado. Algumas blusas e vestidos de cores e estilos diferentes. Virando-se para a garota, abriu os braços, indicando que ela escolhesse alguma.
- E aí, vai ficar parada com essa cara de paisagem ou vai colaborar? – ao perceber que ela não se movia, revirou os olhos e foi até a mulher, parando em sua frente.
Fechando os olhos com força, ela abraçou as roupas que segurava, evitando manter contato visual com aquele intruso. E quando sentiu o toque de seus dedos em seu queixo, se encolheu ainda mais.
- , olhe pra mim, por favor. – diferente das primeiras vezes, a voz grave se fez gentil.
Estranhamente surpresa, ela fez o que ele disse, abrindo as pálpebras devagar, o encontrando mais perto do que gostaria. Com os olhares conectados, pensou estar se olhando num espelho. Por um instante via aqueles olhos brilhantes a fitando firmemente, porém, no segundo seguinte via o próprio rosto. Num dado momento, estava de frente para si mesma, pois Taehuyng não era mais um garoto e sim uma versão sua mais jovem.
Os fios tingidos passavam dos ombros em comprimento e o piercing no lábio inferior cintilava. A blusa branca e listrada deixava parte da barriga à mostra e a calça ia até os tornozelos. O tênis preto de cano baixo relevava uma parte da meia da mesma cor e os pulsos e dedos estavam repletos de acessórios.
não sabia o quanto havia durado, mas era como se uma aura pairasse sobre eles e, finalmente, ela conseguia enxergar. Estavam conectados. Não, muito mais do que isso. Ela e Taehyng eram a mesma pessoa. Não deveria haver explicações lógicas para aquela situação, todavia, era o que o seu coração dizia.
Ao piscar os olhos mais uma vez, o homem havia voltado à sua aparência anterior. Soltando o ar que prendia sem perceber, ela ergueu uma das mãos e o tocou no rosto, recebendo como resposta um sorriso singelo.
- Conseguiu ver agora, não é?! – ele sussurrou.
- Sim... – sua voz saiu tão baixa quanto. – Eu só não... eu...
Ao perceber a confusão dela, o rapaz a segurou pela mão livre e a conduziu até a cama e sentaram-se de frente para o outro. Meditando sobre o que deveria falar, Taehyng colocou uma das pernas para cima do colchão e a encarou sem desviar.
- Eu sei, foi tudo muito rápido. – ele balançou a cabeça uma vez. – Estávamos muito bem, você estava muito bem. Mas então deixou que o medo a dominasse. Achou que iria ser desprezada caso continuasse a ser você mesma, então criou uma persona para esconder as suas fraquezas.
- Não sabe como fui tratada durante o tempo que tentei alcançar meu sonho. – imitou o gesto dele.
- É claro que eu sei, pois estava lá. – pegou a mão dela novamente. – Eu sou a sua contraparte, . Desde que se entende por gente eu estou aqui acompanhando seus passos.
- Isso não faz sentido. – a moça insistiu. – Se, supostamente, você sou eu, como pode estar aqui em minha frente?
- O universo trabalha de maneiras muito complicadas, quem são os humanos para entender isso? – riu abafado. – Mas, se eu estou aqui, é porque há um objetivo.
- Qual? – franziu o cenho.
- Desde que abandonou sua verdadeira essência, sua psique não tem mais equilíbrio. – explicou. – Sua persona está sufocando sua sombra e seu ego não consegue mais discernir o que é certo ou errado. Entende a questão? Por mais que tente, você não consegue tirar a máscara que criou.
- Eu sei disso. – admitiu, baixando o rosto. – Foi por isso que pedi ajuda.
- E eu estou aqui, pois sou o único que não foi afetado. – suspirou pesado. – Quer dizer, ainda.
o ouvia com atenção. Não sabia a razão, mas tudo o que falava, parecia fazer sentido. Ele não precisou lhe explicar muito, pois conhecia a teoria junguiana em partes. já havia lhe emprestado um livro que falava sobre, mas ela não tivera paciência para lê-lo completamente. Ainda assim, compreendia por auto ao que ele se referia, apenas era algo louco demais para digerir.
- Disse que é o meu animus. – pigarreou antes de prosseguir. – Então, tecnicamente, você sou eu e, ao mesmo tempo, é o que considero o cara ideal, certo?!
- Sim. – afirmou.
- Mas isso não é muito contraditório? – franziu o cenho.
- Geralmente as pessoas idealizam o par perfeito com base nas próprias características, mas digamos que isso é meio irreal. – passou a mão na nuca. – Porém, não é isso que importa. Vamos voltar para o assunto anterior.
- O de me auxiliar a equilibrar minha psique. – o completou. – E por onde começaríamos?
- Por aqui. – apontou para a calça e a blusa que ela segurava.
- Qual o problema nas minhas roupas? – fez uma careta.
- Não pode usar isso, é uma afronta ao mundo da moda! – abriu os braços, indignado. – Você não passou todos esses anos se matando de estudar para, no fim, ir para o trabalho vestida como uma secretária. Nada contra secretárias, mas por Deus, !
- Se sabe mesmo o que eu passei, deveria entender meus motivos. – se levantou, caminhando até as outras roupas.
- Eu sei, eu sei... Você queria impressionar seu chefe e esse é justamente o problema. – revirou os olhos, a seguindo. – Bajular pessoas não é do seu feitio, muito menos se importar com a opinião delas.
não respondeu. Deixando as vestes que segurava de lado, começou a analisar as peças que havia colocado sobre sua cama. Aquelas roupas eram mesmo suas? Fazia tanto tempo que não as usava que até havia esquecido que poderia ser uma pessoa tão colorida e alegre.
- E então? – o rapaz se inclinou para ver melhor a blusa que ela segurava.
- Essa? – se virou para ele sem muita convicção.
- Já vi que vai ser um longo trabalho. – bateu com a mão na testa.
Esticando o braço, pegou um cardigã cor de mostarda para que ela pudesse usar sobre uma blusa branca. Em silencio, foi até a cômoda que havia no quarto e abriu as gavetas, procurando acessórios. Pegou uma grande caixa onde sabia que a os havia guardado e a abriu, procurando por algo útil. Após alguns minutos, escolheu dois anéis e uma corrente cor de prata e um par de argolas pretas.
- Taeyhung, pra que tudo isso? – parou ao lado dele. – Só vamos ao mercado.
- Vai estar no meio de gente, então não pode parecer um trapo. – rebateu e então riu da careta que ela fez. – Nem é tanta coisa, !
- Que seja... – resmungou e então foi à porta, a abrindo. – Agora vaza, pois vou me trocar.
- Tá, tá... – deixou os acessórios sobre a cômoda e se retirou, ainda rindo da indignação da garota.
A coordenadora não demorou a se trocar. Vestiu a blusa branca que havia escolhido e o cardigã que Taehung lhe dera. Resolveu trocar a calça jeans por uma preta e calçou um tênis branco. Colocou os acessórios, meio hesitante e, por fim, prendeu os fios num rabo de cavalo alto.
- ?! – colocou a cara para fora, o encontrando sentado no chão do corredor. – Já terminei.
- Foi rápida! – se levantou, se aproximando e a analisando dos pés à cabeça. – Até que não ficou tão ruim, mas e a maquiagem?
- Quê? – arregalou os olhos. – Eu não vou rebocar minha cara às nove da manhã!
- Caraca... – a olhou nossos olhos, sustentando um sorriso debochado. – O tem razão, você é muito teimosa.
- Por que, do nada, estamos falando do ? – franziu o cenho.
- Por nada não. – deu uma piscadinha, mudando de assunto. – Aliás, você deveria arranjar algo pra que eu possa vestir, não posso ficar com esse roupão o resto da vida!
Só então ela percebeu que o garoto continuava com a sua roupa de banho. Suspirando cansada, pensou onde poderia encontrar algo para que ele vestisse e então uma lembrança lhe veio à mente. Engolindo seco, a mulher hesitou duas ou três vezes antes de caminhar na direção da escada.
- Vem comigo. – disse sem olhar para trás.
Ele a seguiu e logo estavam no andar inferior. Passando pela sala, parou de frente para uma porta diferente de todas as outras que havia em sua casa. A própria mulher a tinha pintado com formas geométricas de cores distintas. Tocando a maçaneta dourada, recordou-se de que estava trancada. Antes que se virasse para pegar a chave, Taehuyng estendeu a mão em sua frente e ela viu o objeto lá.
- Sempre está debaixo do jarro de flores da cozinha. – ele disse num tom nostálgico.
- Obrigada... – murmurou, a pegando com cautela.
Colou a chave fechadura e a girou, ouvindo o barulho do trinco sendo destravado. Ainda sem coragem de retornar a aquela área de sua casa, deixou a mão pender ao lado do corpo. Mais uma vez, foi ele quem lhe incentivou, abrindo a porta devagar. Encararam-se e, sem dizer nada, o rapaz fez um gesto com a cabeça, indicando que ela entrasse.
Puxando ar para os pulmões, finalmente, tomou coragem e deu os primeiros passos. Assim que estava completamente dentro da sala, instantaneamente, o ambiente mudou. Foi como mergulhar num mundo completamente diferente, onde apenas a arte existia. Fitando as paredes brancas repletas de quadros pintados das mais diversas formas, cavaletes com telas ainda inacabadas, a mesa central com diversos croquis de novos modelos de roupa ou apenas de imagens aleatórias, sentiu o coração em peito pulsar mais velozmente. Há quanto tempo não entrava em seu próprio estúdio?
Mais ao fundo, perto de uma grande janela de vidro escondida por cortinas na cor , havia um armário com vários tipos de tecido e uma arara grande com alguns modelos quase finalizados. A mulher fitava tudo paralisada, absorvendo o impacto do momento, até que a luz de fora a fez despertar.
Olhando para a janela, viu terminar de abrir as cortinas. Ele parecia extremamente feliz por estarem ali. Não só o largo sorriso e o brilho nosso olhos denunciavam isso, como também a postura mais ereta que o normal e os movimentos afobados. Quando o encarou, teve a certeza de que era exatamente assim que ela própria agia quando algo a deixava contente.
- Faz tanto tempo que não víamos aqui! – se aproximou, passando uma mão na outra. – Tinha até me esquecido que os esboços dos novos quadros não estavam prontos.
- Eu não... tive tempo. – foi apenas o que disse em resposta.
- Mas agora tem! – ele abriu os braços. – Está de folga por uns dias, sem contar o final de semana. É tempo suficiente para terminarmos pelo menos aquele.
O animus apontou para o quadro no cavalete perto da mesa. Era diferente de todos os outros. Uma pintura abstrata cheia de traços e gotas. Apesar de bonito, ainda não estava acabado. Como a coordenadora dissera, não havia tido tempo para finalizá-lo.
- Não viemos aqui pra isso. – o ignorou, indo até a arara de roupas. – Vamos pegar uma roupa pra você e ir logo comprar comida.
- ... – suspirou ao perceber que ela havia encerrado a conversa.
Quando chegou até ela, já havia escolhido as peças, as jogando para ele. Pegando a calça jeans , uma blusa preta e uma roupa íntima da mesma cor, o homem a olhou decepcionado quando a viu deixar a sala, dizendo que encontraria um par de sapatos. Após ouvir a porta da frente ser batida, não teve muita escolha e se vestiu ali mesmo. Se olhando pelo reflexo do vidro da janela, achou a combinação um pouco sem graça e pegou um pedaço vermelho de tecido e o amarrou na resta, como uma bandana.
Voltando para a sala, se sentou no sofá, cruzou as pernas e a esperou. Ansioso, balançava o corpo sem parar, inquieto como ela. Aquela maldita mania que tinham quando estavam nervosos.
No segundo seguinte, entrou pela porta, trazendo consigo um tênis branco e vermelho emprestado pelo vizinho. o calçou sem resmungar, pois havia combinado com sua bandana, e então se levantou.
- Estou pronto, vamos? – se ergueu num pulo.
- Vamos. – ela tentou esconder o riso ao vê-lo tão animado. – Mas nada de sair de perto de mim, entendido?
- Você quem manda! – fez um sinal de continência.
Mordendo os lábios, a mulher pegou a chave do seu carro, que sempre ficava pendurada num chaveiro perto da porta. Saíram até a garagem e resmungava do motivo dela saber dirigir e ter um carro, mas preferir ir para o trabalho de metrô.
- Eu não gosto de dirigir. – revirou os olhos em resposta.
- Mas faria seus próprios horários! – disse, abrindo a porta do lado do passageiro.
- Estou bem, obrigada! - sentou de frente para o volante. – E coloque o cinto, por favor.
- Eu não entendia porque sua sombra reclamava tanto dessa sua persona, pois eu estava concentrado em continuar sendo perfeito. – bufou, cruzando os braços. – Mas agora eu entendo.
- Se você é perfeito, eu também sou perfeita. – brincou e riu quando ele fez uma careta.
- Não falei de perfeição em sentido absoluto, amada. – olhou pelo vidro quando o carro começou a se movimentar. – E sim, perfeição em comparação consigo mesma. Ao que já foi um dia e ao que se tornou.
Suspirando discretamente, a tratou de prestar atenção ao caminho, dirigindo até o supermercado mais próximo. Em minutos haviam chegado e ela deixou o carro no estacionamento do estabelecimento, seguindo para dentro com a contraparte em seu encalço.
Enquanto buscava um carrinho para as compras, sentiu o celular no bolso da calça vibrar, mas o ignorou, seguindo que já se encontrava vários metros à frente. Como uma criança feliz, ele caminhava entre as prateleiras, pegando vários itens de uma só vez. Ao perceber que não conseguiria pegar mais nada, voltou correndo para e jogou tudo no carrinho. A mulher até pensou em reclamar e mandá-lo colocar tudo de volta no lugar, porém, ele havia trazido tudo o que ela mesma teria pegado.
- Você precisa abastecer aqueles armários ou vai morrer desnutrida. – ele segurou a parte da frente do carrinho. – Vou pegar umas frutas.
Rindo internamente da forma espontânea como o outo agia, continuou a caminhar devagar, olhando as prateleiras para ter certeza de que não havia esquecido nada. Depois de pegar alguns lámens instantâneos, leite e ovos, avançou para a sessão onde as frutas e verduras ficavam.
Mais uma vez o celular de chamou, porém, avistou de longe e quando ele acenou foi em sua direção. Estava de folga, então não estariam procurando por ela no trabalho. Se fosse algo importante, ligariam num outro momento.
- Eu peguei uvas verdes, maçãs, morangos e algumas laranjas. – colocou tudo no carrinho sem esperar a opinião dela. – Poderíamos comprar alguns enlatados pra quando estiver com pressa e...
- Tá legal, acho que por hoje está bom! – ela o interrompeu. – Não precisamos levar o mercado inteiro.
- Mas, ... – insistiu, caminhando ao lado dela quando ela começou a se afastar.
- Já temos o suficiente para mais de uma semana. – ela encerrou o assunto. – Caso precise de mais, eu volto aqui e compro.
Cruzando os braços, visivelmente emburrado, o homem não disse mais nada. não precisou perguntar se ele estava descontente, pois o bico que fazia era suficiente. Era quase como se estivesse olhando uma foto sua. Após passarem pelo caixa e pagar as compras, levaram as sacolas para o carro. No caminho de volta, continuou com a cara fechada e estava prestes a rir alto, pois pensava se era assim que as pessoas a viam quando agia como uma garotinha mimada.
Perto de casa, o celular dela chamou novamente. Dessa vez estava na bolsa aos pés do rapaz. O som foi a única coisa que o fez despertar, desviando seus olhos que permaneciam vidrados do lado de fora.
- O celular está tocando. – ele observou.
- Eu sei. – respondeu sem muito ânimo. – Quando eu chegar em casa, vejo sobre o que se trata.
- Não se preocupe. – respondeu, já se inclinado na direção da bolsa. – Eu atendo pra você!
- , não... – tentou impedi-lo, mas já era tarde.
- Alô, quem fala? – fez uma voz mais profissional.
- Quem é? – franziu o cenho, tirando por breves instantes os olhos da estrada.
- ?! – respondeu num tom surpreso, abrindo um largo sorriso. – Ah não, é sim o celular dela.
- Quê? – a mulher murmurou tão surpresa quanto ele. – Como assim, o ?
- Não, não, eu só atendi, pois ela está dirigindo no momento. – continuou, a ignorando. – Quem eu sou? Eu sou... um amigo da faculdade.
- Meu Pai do céu... – choramingou, com vontade de bater a própria cabeça no volante.
- Já estamos quase chegando em casa. – respondeu a mais uma pergunta. – Ah, você está aqui em frente?
- Ele está aqui? – arregalou os olhos. – Como assim, o está aqui?
Por um segundo, a mulher quase perdeu o controle das próprias mãos, o que teria resultado num acidente. Segurando com mais firmeza o volante, olhou para frente, se perguntando o motivo de seu colega ter ido até sua casa.


Capítulo IV:

Quando viraram a rua, se aproximando da casa da , logo avistaram o carro de e quase teve um treco. O que aquele idiota estava fazendo ali? Será que era ele quem a havia ligado várias vezes seguidas mais cedo? Sacudindo a cabeça, mandou embora as perguntas e estacionou próximo ao meio-fio, atrás do carro do colega. ainda conversava com ele e seu sorriso não sumia do rosto. Na realidade, a cada nova frase do designer, este só crescia.
- ... – o chamou sem muita coragem. – Vamos.
- Ah tá. – voltou à realidade. – Vou avisar ao que chegamos.
Fechando os olhos com força, buscou a coragem que não tinha para encarar o colega de trabalho e então destravou a porta, saindo com a chave em mãos. Olhando por cima do carro, pode ver parado de frente à sua porta com o celular no ouvido. Estranhamente, sentiu um frio na barriga que não soube decifrar, afinal ele nunca tinha vindo até sua casa antes.
Ao ver que já atravessava a pequena passarela que dividia seu jardim, teve como única opção segui-lo até lá. Assim que os viu, o designer se apressou em encontrá-los e os três pararam no meio do caminho. Apesar disso, continuaram calados.
- Então... – pigarreou ao perceber que nenhum deles começaria a conversa. – Aqui está ela.
- Ah claro! – o outro mordeu os lábios discretamente.
- Tudo bem, eu vou pegar as compras. – o de cabelo suspirou, pegando a chave do carro da mão de .
- , você não precis... – tentou pará-lo, mas ele já se afastava, rodando o chaveiro no dedo indicador.
Odiando sua contraparte por um momento, cerrou os punhos e se controlou para não voar em seu pescoço. Respirando fundo, voltou-se para o colega e sorriu sem jeito quando o encontrou com uma expressão confusa.
- Então... – dessa vez ela pigarreou. – O que tá fazendo aqui? É um dia de semana.
- Eu sei. – colocou as mãos nos bolsos da jaqueta. – Mas você não atendeu minhas ligações, então pensei que poderia ter piorado.
- Eu estou bem. – o tranquilizou. – Apenas uma pouco fraca, mas vou começar a me alimentar melhor.
- Mas, mais cedo havia mandado uma mensagem pedindo minha ajuda. – ele inclinou a cabeça um pouco para o lado.
- Ah isso... – riu sem graça. – É que, eu... eu não sabia que receberia visitas hoje e pensei que você saberia me dizer um jeito de mandá-lo embora sem ser mal-educada. Você sempre tem respostas assim na ponta da língua.
- Ele está te incomodando? – olhou na direção de , que abria o porta-malas.
- Não, não é isso. – negou com as mãos. – Nós somos amigos, mas hoje eu não estava a fim de receber ninguém casa. Mas ele me contou que... que vai fazer uma entrevista de emprego amanhã aqui na cidade e não tinha onde dormir e aí fiquei com pena.
- Ele disse que estudaram juntos, mas não me lembro de ouvir falar sobre. – apoiou uma mão no queixo. – Se bem que ele é esquisito como você, então faz sentido serem amigos.
- O que quer dizer com “esquisito como você”? – apoiou as mãos na cintura. – Veio aqui saber se eu estou bem ou debochar da minha cara?
- Posso fazer as duas coisas. – sorriu cínico.
- Legal. – revirou os olhos. – Agora que sabe que eu não morri, pode vazar.
- Sempre tão impaciente. – riu abafado.
pensou em revidar, mas a conversa foi interrompida por , que trazia as sacolas de uma só vez. Quando passou com até mesmo uma sacola pendurada pelos dentes, os dois jovens pararam de discutir e o olharam com caras de confusão.
- O que ele está fazendo? – perguntou.
- Eu não sei. – balançou a cabeça.
Então, os dois foram ajudá-lo. abriu a porta depressa, enquanto pegava parte dos pacotes da mão dele, que não pensou duas vezes em aceitar o auxílio. Passaram pela moça, levando os pertences e deixaram tudo sobre a bancada da cozinha.
- Bom, acho que já vou indo. – o designer disse após deixar a última sacola.
- Mas já? – o outro rapaz falou visivelmente decepcionado. – Você acabou de chegar!
- Preciso voltar para o trabalho, pois não sabem que eu saí. – sorriu para ele meio sem jeito.
- Que pena. – fez um bico.
A coordenadora apenas escutava o diálogo e fez uma careta diante do rumo dele, pois seu animus parecia realmente triste pela partida de . Não quis saber o motivo e apenas se intrometeu, pois aquilo estava muito estranho.
- Então, ... como pode ver eu estou muito bem, obrigada. – se aproximou do colega. – Sobre o trabalho, me mantenha informada, por favor.
- Não esquenta, chefe. Está tudo sobre controle. – disse com ironia, cruzando os braços. – Quanto a você, trate de se cuidar e voltar logo pra aquela selva.
- Não fique tão ansioso, logo estarei lá para infernizar mais um pouco sua vida. – o imitou.
- Viu como ela é? – virou-se para Tehyung, que assistia tudo meio deslumbrado. – Eu tento ser gentil, mas sempre recebo grosserias em troca.
- Até parece. – se remexeu, virando o rosto para o lado.
- Enfim, eu vou voltar. – mordeu os lábios, virando para o outro garoto. – É, , não é? Boa sorte com a entrevista.
- Quê? – franziu o cenho, mas ao olhar para logo entendeu. – Ah sim, valeu!
Sendo educada, a garota levou o colega até a porta e abriu para que ele passasse. Parando para tirar a chave do bolso, ele se virou para ela, que o observava calada. Ficaram longos instantes calados, se encarando, até que ele finalmente se virou e foi para seu carro. Adentrou o veículo e, antes de ligá-lo a encarou e acenou uma vez. Repetindo o ato, só voltou para dentro ao vê-lo dar partida.
Fechando a porta, recostou-se à madeira, deixando que a respiração que nem sabia que prendia escapasse de uma só vez. Definitivamente, aquela visita seria a última que esperaria ver. Não que eles se odiassem, até já foram amigos, mas depois de um tempo tinham se afastado. Por isso, vê-lo ali na sua casa querendo saber mais sobre seu estado de saúde e no meio do expediente, era deveras considerável.
- Ele já foi? – o de cabelo apareceu.
- Já. – respondeu, se desencostando da porta.
- Ah, que pena. – fez a mesa carinha triste de antes.
- Que pena? – franziu o cenho. – Em primeiro lugar, ele nem deveria estar aqui.
- Por que não? – abriu os braços, confuso.
- Porque ele tinha que estar trabalhando e também por não sermos amigos. – enumerou com os dedos. – Sem contar que você estava flertando!
- Tecnicamente, eu sou você, então... – provocou e riu do desespero dela.
- Esse é o problema! – a mulher jogou os braços pro alto. – Não pode flertar com o .
- Amada, por que tanto desespero? – foi até ela, apoiando as mãos em seus ombros. – Ele é um gato!
- Mas... mas não faz o meu tipo. - o afastou, contrariada. – Supostamente, eu deveria me sentir atraída por um cara que tenha uma aparência como a sua.
- Precisamos mesmo voltar ao assunto do par perfeito? – negou com a cabeça. – Essa idealização que os humanos fazem de uma pessoa que atenda todas as suas expectativas é algo irracional. Ás vezes, só é necessário parar de sonhar para conseguir enxergar o quanto as outras pessoas são incríveis.
- Não precisamos falar sobre isso. – bufando, o deixou para trás, indo para a cozinha.
Ter que ouvir conselhos de si mesma era só o que faltava. E o pior é que sua outra metade conseguia ser muito mais sensata e coerente. Ainda levemente irritada, começou a desempacotar as compras para poder guardá-las, tirando os produtos das sacolas e os colocando sobre o balcão.
Ao pegar uma das sacolas, retirou alguns pacotes de macarrão instantâneo, deparando-se com um pequeno estojo de tecido enfeitado com pequenas flores da mesma cor. Curiosa, abriu o zíper, encontrando alguns lápis de desenho profissional, enfileirados e organizados por uma fita grossa preta que os prendia ao tecido. Sem entender de onde o objeto havia surgido, o fechou e voltou para a sala. estava sentado no sofá e lia uma revista de moda com atenção.
- Ei! – o chamou, ainda fitando o estojo.
- Hum? – ele a olhou meio distraído.
- Foi você que comprou isso no supermercado? – questionou, sentando ao lado dele.
- Não. – deixou a revista de lado, pegando-o com interesse. – Onde achou?
- Estava no meio das compras. – disse, o observando abrir o zíper.
- Hum... – murmurou apenas, interessado nos lápis bem apontados. – São maravilhosos!
- Sim, são perfeitos! – concordou, pegando um. – Como se tivessem sido escolhidos a dedo.
Ignorando aquela aparição repentina, depois daria um jeito de saber se o estojo tinha vindo com suas coisas por engano. Por ora, o deixou na mesinha de centro, próximo as revistas que ali ficavam.
- Vamos fazer algo para comer. – anunciou, se levantando num pulo.
- Vamos! – a imitou com euforia.
Juntos, seguiram para o cômodo enquanto o animus tagarelava sobre o que poderiam fazer. No fim, decidiram fazer algo rápido e fácil, pois a hora do almoço já chegava. Pegaram alguns ingredientes para preparar uma pequena lasanha, que não demorou muito para ficar pronta.
- Sério que não pensa nos braços fortes dele te segurando enquanto corria por aquele prédio imenso de forma tão heroica? – questionou, colocando a forma sobre um apoiador escuro.
- , eu estava desmaiada. – resmungou, voltando com um refrigerante em mãos. – Não que estar acordada fosse fazer diferença.
- Você é tão teimosa. – puxou uma cadeira e se sentou.
- E você é tão insistente. – sentou de frente para ele. – A propósito, você come?
- Eu não sou exatamente uma pessoa, mas eu sou real. – riu com o comentário. – Então pode mandar pra cá!
Rindo abertamente, a cortou pedaços generosos para os dois e comeram, conversando sobre diversos assuntos aleatórios. Fazia muito tempo que não conversava tanto e soube que não deveria ter parado, pois uma das melhores coisas da vida era trocar informações, ainda que não tão proveitosas assim.
Após lavarem as louças e guardarem o que sobrou da refeição, sentaram juntos no sofá da sala e passaram o restante do dia assistindo programas culinários. Passaram horas ali até cochilar e só despertou quando o som da televisão a incomodou. Distraída, se levantou e passou pela mesinha de centro pensando em ir até a cozinha, mas então viu o estojo.
Parando subitamente, o encarou por longos instantes antes de deixar a toalha no braço da poltrona e ir até o objeto. O pegou com cuidado, passando os dedos pelas flores delicadas. Olhando pra sua contraparte, mordeu os lábios quando uma ideia lhe veio à mente. Deixando a cozinha de lado, caminhou na direção oposta, onde ficava seu estúdio de arte.
Parou em frente à porta e suspirou ansiosa, antes de girar a maçaneta já destrancada. Adentrou o lugar e caminhou até as prateleiras onde os tecidos e materiais de costura ficavam, escolhendo alguns. Os levou para a larga mesa, afastando as folhas de papel para um canto, os colocando lá. Em seguida, pegou uma folha de papel sulfite A4 limpa e se sentou na cadeira giratória, a puxando para perto.
Com os dedos formigando em expectativa, abriu o estojo e escolheu um dos lápis 8B. Como se estivesse sendo impelida, os primeiros esboços saíram. Era como se tivesse nascido para aquilo. Na verdade, havia nascido sim com aquele talento e não poderia simplesmente desperdiça-lo.

~o~

A coordenadora não soube quantas horas passou no estúdio entre papéis, agulhas e tecidos. Seus olhos afiados e seus dedos trabalhavam com tamanha destreza que uma noite foi suficiente para que conseguisse terminar algumas peças de roupa. Passando uma mão na nuca, deixou a respiração sair pelos lábios entreabertos, anunciando a si mesma que havia terminado. Ergueu a camisa frente aos olhos, contente com o próprio trabalho e levantou, a colocando na arara junto com as outras.
Se espreguiçando, voltou para a sala e pegou o celular sobre a mesinha para olhar as mensagens. Curiosamente, havia uma de . Com o cenho franzido, abriu a conversa e confirmou que a mensagem era mesmo nova, enviada há pouco tempo.
“Precisamos conversar sobre a equipe.”
Franzido o cenho, estranhou o fato de ele ter sido tão direto, sem incluir nenhum emoji ou piada no texto. Sentando-se na poltrona, ponderou se seria sensato enviar uma resposta àquela hora da madrugada. Suspirando, resolveu mandá-la no dia seguinte e subiu para o quarto disposta a dormir profundamente.
Quando despertou, esticou o corpo mandando a preguiça embora. Se levantou e, descendo as escadas, se dirigiu até a cozinha para beber um copo com água. Ao passar pela porta, parou de supetão ao ver em frente ao fogão, usando seu avental enquanto mexia algo em uma frigideira.
- Ah, você acordou! – falou com um largo sorriso quando a notou. – Senta aí, já estou terminando de fazer o café.
Sem entender nada, fez o que ele disse, puxando uma cadeira, apoiando os cotovelos na madeira escura. A comida não demorou a ficar pronta e ele trouxe tudo para a mesa, sentando-se à frente dela. Havia ovos fritos, panquecas e café.
- Fazia muito tempo que eu queria comer isso, mas você nunca mais tinha parado pra cozinhar, então... – observou, enchendo sua xícara.
- O me enviou uma mensagem. – disse sem mais nem menos.
- Ele mandou? – parou subitamente o movimento.
- Sobre o trabalho. – se inclinou na direção dele.
- Claro... – torceu o nariz. – Vocês dois são muito lentos, meu Senhor!
- Não começa, por favor. – deixou o ar escapar.
- Tá bem, tá bem... – se inclinou como ela. – Mas o que ele disse?
- Nada de mais. – deu de ombros. – Só que precisamos conversar sobre a equipe.
- É, definitivamente, vocês são lentos. – cruzou os braços.
- E que outro assunto teríamos para conversar, querido? – revirou os olhos. – Além do mais, eu pedi que ele me informasse sobre o que anda acontecendo por lá.
- Que tal sobre o estojo que ele deixou pra você? – sorriu cínico. – É um bom começo, não é mesmo?!
- Até parece... – fez uma careta. – Em que mundo me daria um presente?
- Quer mesmo a opinião da parte da sua psique que acha ele um gato? – ergueu as sobrancelhas em deboche.
- Melhor não. – mordeu os lábios e pegou o celular ao vê-lo apitar.
colocou os cotovelos sobre a mesa e apoiou o rosto nas mãos, interessado no rumo da situação. Distraída, ela não notou os olhos sobre si e abriu a conversa. Após longos minutos fitando o visor, finalmente, tomou coragem e mandou uma mensagem.
“Bom dia! Então, o que gostaria de me dizer?”
“Bom dia, Srta. Coordenadora! Sempre direta, não é?!”
, por favor...”
“Foi mal... só queria saber se ainda está com o bom humor de ontem.”
“Pra sua sorte sim, eu estou. Mas não abuse.”
“Quer dizer que não posso fazer piadas ou tirar sarro de sua relação estranha com seu colega de faculdade? Afinal, ele ainda está aí?”
“Ele está, mas vamos fingir que somos só nós dois e ir direto ao ponto!”
“Nossa, mas tão rápido assim? Eu ainda nem te paguei um café!”
Ao perceber o duplo sentido das mensagens e que seu colega havia se aproveitado para fazer uma piada sobre, não pode deixar de rir discretamente. Aquele idiota sabia ser irritante quando queria.
“Sabe do que estou falando, seu babaca. Só me diga o que houve com a equipe.”
“Me desculpe, esquentadinha! Vamos falar sério agora.”
“Obrigada!!”
“A equipe está um pouco tensa nesses últimos dias sem você.”
“Foram só dois dias!”
“Eu sei, mas o chefe ameaçou demitir o responsável pelo equívoco dos tecidos e agora todos estão com medo do que vai acontecer. Se ele está apenas blefando ou se vai ser pra valer, não fazemos a menor ideia.”
parou por um segundo, fitando o nada. Se havia uma coisa que seu chefe não fazia era blefar. Como um soco em sua têmpora, as palavras que o homem havia dito há poucos dias voltou à sua mente com força.
“Os fortes e visionários devem ser mantidos, já os fracos devem ser descartados.”
Sentindo a respiração falhar de repente, puxou o ar, mas era praticamente impossível de levá-lo aos pulmões. Com as mãos trêmulas e a visão embaçada, largou o celular sobre a mesa e arrastou a cadeira, causando um ruído forte pelo ambiente. Não soube como conseguiu ficar de pé, pois suas pernas estavam bambas, porém, aquela não era questão e sim a de estar tendo mais uma crise.
Ao constatar o que se passava, seus batimentos aumentaram ainda mais, pois se sentiu fraca. Não podia controlar o próprio corpo, nem ao menos conseguia respirar direito. E tudo por conta de uma simples conversa.
- , está tudo bem? – ouviu seu animus perguntar.
Ao ouvir seus passos se aproximando, tentou se afastar, mas ele a segurou pelos ombros com delicadeza, a fazendo se sentar novamente. Entretanto, ele não disse nenhuma palavra. Abaixando em sua frente, segurou sua mão, esperando que seus sentidos voltassem ao normal.
Ela não soube o quanto ficaram ali ou quando suas lágrimas cessaram. Foi só no momento que o rapaz tocou seu rosto com os dedos que despertou do transe, finalmente voltando à realidade. Enquanto ele limpava o líquido que escorria por sua pele, por fim, conseguiu controlar o ar que entrava e saia de seus pulmões.
- Está melhor agora? – a voz saiu serena, alcançando seus ouvidos como um calmante.
- Me desculpe, eu... – passou as mãos pelos olhos, envergonhada.
- Por que, exatamente, está pedindo desculpas? – ergueu as sobrancelhas. – Nada disso é culpa sua, . Você não está bem e precisa buscar ajuda o mais rápido possível ou nunca voltará a fazer o que ama.
- Eu sei... – murmurou, sentindo a boca seca. – Só preciso de um tempo.
Levantaram-se quase ao mesmo tempo e, para sua surpresa, ele lhe abraçou. No primeiro segundo, permaneceu estática, mas logo seus braços circundaram a cintura do mais alto. Escondendo o rosto em seu peito, pela primeira vez em muito tempo se sentiu acolhida, o que a acalmou ainda mais.
a levou até a sala e depois de uma breve conversa, a incentivou a marcar as consultas requeridas pelo médico da empresa e também que a coordenadora agendasse uma sessão de terapia para que pudesse experimentar a ajuda de um profissional no assunto. Após certa hesitação, ela cedeu e o fez.
- Será daqui a uma semana. – disse assim que desligou o celular. – Mas não posso esperar até lá para revolver as coisas na empresa.
- Eu sei, eu sei... – o de cabelo suspirou. – Mas não precisa fazer isso sozinha, tem uma equipe com você.
- Não sei se eles vão colaborar muito comigo depois do que passamos. – colocou os pés para cima do sofá. – Nunca fomos amigos e eu estava agindo como uma idiota!
- Eis o motivo da palavra recomeço existir. – passou o braço em seu ombro. – Todas as pessoas podem mudar e essa é a graça do ser humano. Vocês podem aprender cada vez mais e deixar que toda essa informação se transforme em sabedoria. Podem usar sua capacidade de discernimento para se tornarem pessoas melhores e você não é diferente.
- Falando assim, parece ser fácil. – deitou a cabeça no ombro dele. – Tem dias que eu me pergunto quem sou eu de verdade, mas nunca encontro uma resposta.
- Creio que não exista resposta. – ressaltou. – Pelo menos, não uma que seja tão simples.
- Quando eu ainda estava com os meus pais era mais simples. Eu acordava e tomávamos café juntos, depois cada um ia para seu rumo. Ainda assim, no fim do dia estaríamos novamente junto para rir e conversar na mesa do jantar. – sorriu com a memória. – E eu sabia exatamente quem era e onde queria chegar.
- Era bem divertido. – riu abafado. – Uma pena que não tenha entrado em contato nos últimos meses.
- Eles são o meu pilar. – suspirou. – Como deixei de ver isso?
- Você ainda está vendo. – completou. – Só precisa enxergar mais claramente.
Se afastando um pouco o olhou nos olhos e foi como se estivessem conectados. Por um segundo, ela pensou que haviam voltado a ser apenas um, pois a expressão que viu no rosto dele era a sua. Os olhos do animus brilharam e, como da primeira vez, se viu nele. Mas tão rápido como começou, a sensação terminou e a sua contraparte voltou a ter a aparência de .
- Parece que você sabe o que fazer sobre isso. – ele sorriu abertamente.


Capítulo V:

De mãos dadas, caminharam sem hesitar na direção da porta colorida do estúdio, que agora não ficava mais trancado. Entraram e após respirar fundo, ela o encarou, recebendo um aceno de cabeça. Ainda em sintonia, foram até os materiais de pintura, colocando vários deles sobre a grande mesa central. Pincéis de variados tamanhos, tintas de diferentes cores, uma espátula para misturá-las, uma palheta de pintura e alguns outros.
Após organizarem tudo, a parou em frente ao quadro que pintava com técnicas abstratas. Antes de tocar nela, porém, voltou à mesa e puxou a cadeira giratória para sentar. Mordendo os lábios, pegou o celular e o desbloqueou, indo até a lista de chamada. Sem pensar duas vezes, clicou no contato onde estava escrito “Mãe”, deixando a chamada em viva-voz para que pudesse ouvir.
- Oi, mãe... – começou meio sem jeito. – Como você estão?
- Seu pai e eu estamos bem, querida. – respondeu sorridente. – Mas porque está me ligando assim, de repente? Aconteceu algo?
- Não, não! – tratou de acalmá-la. – Eu só queria conversar um pouco e... e pedir desculpas.
- Desculpas? – questionou sem entender. – Pelo quê, meu bem?
- Eu deveria ter ligado muito antes. – explicou, tentando segurar as lágrimas. – Mas eu deixei o trabalho me sufocar e...
- Está tudo bem, . – disse de maneira terna. – Sabemos que está ocupada, não precisa se preocupar conosco.
- Eu preciso sim. – engoliu seco, criando coragem para continuar. – Se lembra do quadro que eu estava pintado?
- O que nos prometeu como presente? – o ânimo na voz da mulher voltou. – Eu penso nele todos os dias!
- Eu estou quase terminando. – riu abafado com o entusiasmo dela. – Até as próximas bodas ele vai estar pronto e eu vou aí para entregá-lo a vocês dois.
- Então quer dizer que virá para nossa próxima festa? – disse incrédula.
- Sim. – confirmou sem hesitar. – Então trate de encomendar aqueles salgados que eu amo.
- Eu nunca esqueceria. – riu da observação da filha.
- E o papai, onde está? – questionou.
- Seu pai está no trabalho. – respondeu suspirando. – Ele iria gostar tanto de falar com você.
- Eu ligo pra ele depois. – decretou mais para si mesma. – Até lá, diga que eu o amo.
- Ele sabe disso, mas mesmo assim irei dizer. – respondeu.
- Tudo bem, agora eu preciso desligar. – falou após um suspiro. – Eu amo vocês!
- Não se preocupe, filha. – deu de ombros. – Nós também te amamos.
Quando a linha ficou muda, respirou fundo e passou as mãos nos olhos para limpar as poucas lágrimas que havia derramado. Ao olhar para seu animus, se surpreendeu, pois ele fazia os mesmos movimentos, indicando que também tinha chorado.
- A voz dela é tão aconchegante. – fungou, se aproximando. – Parecia até que ela estava aqui de tão real.
- Eu sei. – sorriu sem mostrar os dentes. – Foi como se ele estivesse me abraçando.
- Vamos começar esse trabalho antes que se arrependa. – brincou para deixar o ambiente um pouco mais alegre.
- Não vou me arrepender. – riu levemente, se levantando.
- Então mãos à obra! – passou uma mão na outra em expectativa.
O homem abriu as cortinas da sala, deixando que a luz do dia penetrasse e foi auxiliar a com o seu trabalho. Perderam horas ali, continuando de onde a mulher havia parado há meses. Mais empenhada do que nunca, deixou que seus sentimentos transbordassem enquanto utilizava as cores e os pincéis para criar sua arte.


~o~

O resto do dia foi divertido, especialmente quando presenteou com as roupas que tinha feito para ele. O animus franziu o cenho ao vê-la carregar aquelas peças de roupa e mais ainda por terem cortes masculinos.
- Tcharam! – parou frente a ele.
- Você fez isso? – perguntou, pegando uma camisa com mangas longas e golas dobráveis. – O corte está perfeito!
- É claro que está! – se gabou. – Por que não experimenta?
- São pra mim? – seus olhos brilharam.
- E pra quem mais seria? – sorriu largamente.
Sem palavras, ele se levantou e pegou tudo das mãos da moça, correndo para o banheiro que havia no andar inferior. riu com a atitude entusiasmada e voltou a se jogar no estofado. Esperou até que ele voltasse, o que não demorou tanto.
- Definitivamente, você é a melhor estilista do mundo! – a voz alegre encheu mais uma vez o cômodo. – Eu experimentei todas e estão perfeitas!
O homem vestia uma calça de tecido preta com uma camisa de alfaiataria com corte moderno e nas mãos trazia mais duas delas de outras cores.
- Que bom que gostou. – balançou os ombros.
- Não, você não entendeu. – foi até ela. – Você fez isso em uma madrugada, consegue perceber o seu talento?
- Eu até consigo, só não saio falando. – se levantou, ajeitando a gola dele. – Pra tudo é preciso equilíbrio.
- Falando sobre equilíbrio, eu tive uma ideia. – mordeu os lábios.
- Teve? – ergueu as sobrancelhas.
- Vem comigo. – a segurou pela mão.
Subiram as escadas juntos até o quarto da moça, que se sentou em sua cama com as pernas cruzadas, enquanto o observava mexer em suas gavetas.
- Aqui está! – anunciou, se virando com um objeto em mãos.
arregalou os olhos ao reconhecer a caixa da tintura que costumava usar. Era , sua cor preferida e nem fazia ideia de que ainda estava guardada.
- O que está sugerindo? – questionou com os braços cruzados. – Não posso pintar meu cabelo de uma hora pra outra.
- Como disse, basta ter equilíbrio! – sorriu animado.
O olhou sério, entretanto, seu íntimo quase chorava de alegria. Uma das coisas que mais gostava na vida eram as cores. Se pudesse, sairia pintando o mundo inteiro para que fosse mais feliz. Assim, apesar de parecer hesitante por fora, ela realmente queria tentar e não precisou se esforçar para entender.
Passaram algumas boas horas entre o processo de descoloração e pintura e, no fim, o brilhava. As mechas foram feitas na parte de baixo do cabelo, perto da nuca e ficavam escondidas pelo restante de cor natural, só podendo ser visto caso os fios estivessem presos ou se os balançasse demais. Mesmo que fosse algo discreto, era um começo e sentia isso.
Após, ela pegou o celular e foi para a cozinha, abrindo a conversa que teve com mais cedo, encontrando algumas mensagens perguntando o motivo do seu sumiço repentino e se estava tudo bem. Suspirando cansada, resolveu não entrar em detalhes e mandou apenas uma resposta.
“Diga à equipe que não faça nada até que eu esteja aí.”
Após enviar o texto, ficou por alguns segundos fitando o visor, pensando se não havia sido seca demais. estava sendo legal nos últimos dias e ela sempre se esquivava. Mordendo o lábio inferior, voltou os dedos para o teclado, digitando um complemento.
“Eu estou bem. Obrigada por se preocupar.”
Bloqueando a tela, foi até a geladeira pegar um pouco de água. Enquanto isso, sua mente maquinava uma forma de resolver o problema sem que não houvesse prejuízos no meio do caminho.

~o~

despertou confuso ao ouvir os ruídos em sua volta. Ainda com a cara amassada, olhou em volta, encontrando uma completamente produzida. Sentando-se no sofá, analisou a calça com listras verticais em tons escuros, com uma camisa branca de alfaiataria que ela vestia, assim como o sobretudo bege claro. Nos pés tinha um salto escuro e a bolsa que segurava era da mesma cor.
- Pra onde está indo? – perguntou ainda meio grogue.
- Estou indo até a empresa. – respondeu, terminando de colocar o relógio no pulso. – Poderia fazer o almoço para quando eu voltar?
- Mas você ainda está de folga! – se levantou, indo até a estilista.
- Eu sei e não vou abusar, nem nada. – parou para encará-lo. – Só preciso resolver logo a questão dos tecidos.
- Eu vou junto. – se ofereceu.
- E qual seria desculpa para aparecer por lá? – riu, pegando a chave do carro. – Fique aqui e nos vemos mais tarde.
Beijando o rosto do mais alto, foi até a porta e saiu sem olhar para trás. ficou parado por alguns instantes sem entender como tudo aconteceu tão rápido, porém, logo deu de ombros. Abrindo um sorriso orgulhoso, saltitou até a cozinha para procurar algo que pudesse comer.
Enquanto dirigia, a coordenadora segurava o volante com força, criando coragem para seguir em frente. Sempre fora uma mulher decidida, todavia, havia esquecido como era a sensação de defender o que era justo. Não demorou a chegar ao trabalho, deixando o carro no estacionamento do prédio e entrou pela imensa porta automática de vidro.
Segurando a bolsa com firmeza, pegou um dos elevadores até o andar onde ficava o seu setor, logo chegando à sua sala. Não demorou muito ali, deixando seus pertences sobre a mesa transparente e então se dirigiu até a sala onde a equipe de designers e estilistas deveriam estar. A maioria estava lá, apenas não havia chegado.
- Ele disse que se atrasaria um pouco hoje. – Pietra respondeu sem encará-la.
- Tudo bem, vamos aguardar um pouco. – suspirou, fitando a mais nova. – Pietra, será que podemos conversar?
- Claro... – respondeu sem muitas opções.
Se afastando um pouco dos outros, pararam mais ao fundo da sala, ficando frente a frente. Com as mãos cruzadas à frente do corpo, a coordenadora não sabia muito bem como iniciar a conversa, por isso decidiu ir direto ao ponto.
- Como você está? – perguntou de uma vez.
- Como eu estou? – a questão lhe pegou desprevenida. – Acho que... que estou bem.
- Ah, que alívio. – soltou o ar. – Eu achei que tinha sido mais grave.
- Foi só um susto. – balançou os ombros.
- Mesmo assim, eu queria pedir desculpas. – a olhou nos olhos. – Poderia ter sido muito pior e eu sinto muito por isso, de verdade.
A designer não soube como responder, pois não esperava um pedido de desculpas vindo justamente de sua superior. Até tentou dizer algo, porém, foi interrompida quando entrou pela porta, esbaforido.
- Me desculpem o atraso. – tirou a jaqueta, a deixando em qualquer lugar. – Eu precisei passar num lugar antes de vir pra cá e... ?
- Er, oi... – morreu os lábios ao ver a expressão perplexa dele.
- O que está fazendo aqui? – se aproximou a passos largos. – Eu passei em sua casa e só seu amigo estava lá, mas ele não me disse aonde poderia estar?
- Você foi à minha casa? – fez uma careta.
Antes que o designer respondesse, os dois perceberam que eram observados pelos colegas com atenção. Sem jeito, fingiram que nada estava acontecendo e pigarreou, tomando a palavra.
- Pessoal, eu sei que aconteceram muitas coisas em pouco tempo e não espero que me perdoem pelo meu comportamento. – parou no meio deles. – Apesar da pressão que estamos recebendo, eu não tinha o direito de agir como uma...
- Como uma mulher de gelo, fria e sem coração. – completou e os outros riram abafado.
- Acho que é por aí. – a mulher os acompanhou, causando surpresa. – Apesar disso eu peço desculpas e espero que possamos trabalha em harmonia a partir de agora.
- E quanto ao problema com os tecidos? – Lisa cruzou os braços. – O chefe já ameaçou demitir o responsável pelo assunto.
- A questão é que não existe um culpado. – Jean abriu os braços, indignado. – Pelo menos não diretamente. Nós fizemos o pedido correto, o erro foi dos fornecedores e já nos apressamos em resolver tudo.
- Eu sei disso e fico feliz que tenham conseguido resolver tudo sem mim. – balançou a cabeça positivamente, fitando o estilista. – Quanto a essa questão, como a coordenadora da equipe, eu assumo a partir daqui.
- Como assim, vai assumir? – franziu o cenho.
- Não se preocupem. – sorriu para ele. – Apenas confiem em mim.
Sem mais delongas, a se despediu rapidamente dos seus colegas e deixou a sala, ainda que a chamasse de volta. Decidida, respirou fundo e caminhou até um dos elevadores. Enquanto subia até o andar desejado, ensaiava mentalmente o que dizer, se perguntando se ficaria tão nervoso quanto ela.
Rindo abafado do pensamento, ergueu os olhos no momento em que as portas de metal se abriram, então saiu a passos largos. Havia poucas pessoas naquele andar e o som dos seus saltos contra o piso era o maior ruído que se podia ouvir. Ao parar em frente à porta de madeira, bateu duas vezes e esperou. Em alguns segundos, recebeu autorização para entrar e, após puxar ar para os pulmões, o fez.
- Senhorita , não esperava vê-la tão cedo! – foi recebida pelo olhar confuso do seu chefe.
- Eu também achava que ficaria mais dias afastada. – sorriu para ele. – Mas existe um assunto pendente, creio eu.
O homem grisalho a encarou sem dizer nada por alguns segundos, como se a analisasse. Antes teria abaixado a cabeça para evitar contato visual, todavia, era uma nova pessoa. Na realidade, ela havia voltado a ser quem era, ou pelo menos começava a voltar a ser. Mantendo a postura, aguardou que o mais velho dissesse algo sem desviar uma única vez.
- Parece que você já tomou uma decisão. – cruzou os braços com um sorriso de canto. –Sente-se.
Fazendo o que lhe foi dito, circundou a cadeira e sentou-se de frente para ele, com apenas a mesa de vidro os separando.
- Então, vai me contar quem é o elo mais fraco de sua equipe? – disse sem muita preocupação.
- Com todo respeito senhor, não existe um elo mais fraco no meu time. – sorriu levemente. – Todos são ótimos profissionais e nenhum deles é responsável pelo que aconteceu. Os únicos culpados são os nossos fornecedores que não fizeram o seu trabalho direito. Quanto a esses designers e estilistas, resolveram tudo sem mim.
- Quer dizer que não há um culpado? – se inclinou para frente. – Então quem devemos punir?
- Eu sou a coordenadora deles e quem deveria estar de olho. – balançou a cabeça uma vez. – Então, caso queira punir alguém, esse pessoa sou eu.
Após falar o que tanto queria, a mulher cerrou os punhos disfarçadamente para que o homem não visse. Inclinando a cabeça levemente para o lado e erguendo as sobrancelhas, ele parecia não acreditar no que tinha acabado de ouvir. Mas, por mais incrível que fosse, a estilista não estava com medo. Ainda que pudesse ser prejudicada, não se importava, pois tinha a chance de defender pessoas que não tinham feito nada de errado.
- Então é isso? – ele finalmente falou. – Vai proteger a sua equipe.
- Só estou tentando ser justa, senhor. – sorriu mais uma vez. – A culpa não foi de nenhum deles.
- Que seja... – se levantou, caminhando até a grande janela de vidro ao lado.
O homem parou, colocando as mãos nos bolsos das calças e olhou para o lado de fora sem muito interesse. continuou sentada, o observando com atenção. Seu chefe era um homem imprevisível e era capaz de qualquer coisa.
- Pensei que você fosse mais fraca, . – riu abafado. – Mas creio que estava enganado.
- Como? – franziu o cenho sem entender.
- Volte para seu trabalho e conduza sua equipe para que terminem logo o trabalho. – finalmente se virou para ela.
- Quer dizer que... – arregalou os olhos.
- Sim, estão recebendo mais uma chance. – deu de ombros. – Sem erros dessa vez, devo adiantar.
- Vamos fazer o nosso melhor. – se levantou.
- Claro, claro... – voltou a olhar para fora. – Pode ir agora.
- Sim, senhor. – disse, tentando esconder o sorriso.
Após um leve acenar de cabeça, deu as costas ao homem e caminhou cautelosamente até a porta, mordendo os lábios para esconder a felicidade por ter conquistado a sua primeira vitória. Nunca imaginou que um uma pessoa como seu chefe seria convencido tão rapidamente. Ao fechar a portar atrás de si, fechou os olhos com força e deixou que o sorriso finalmente tomasse seu rosto.
- Isso! – socou o ar em comemoração.
- Posso saber que alegria é essa? – de repente ouviu e se virou assustada, encontrando recostado à parede branca.
- Ah é você... – suspirou aliviada, voltando à realidade.
- Ainda não me respondeu. – ergueu as sobrancelhas.
- Vamos conversar em outro lugar, é melhor. – apontou para a sala do chefe.
- Claro. - concertou a postura e começaram a caminhar juntos. – Não precisa me responder se não quiser, mas estava lá resolvendo o assunto dos tecidos?
- Sim. – não se incomodou com a pergunta. – Eu consegui convencê-lo a nos dar uma nova chance.
- Sério? – a fitou admirado. – Não sabia que era do tipo persuasiva.
- Eu sou muitas coisas que você ainda não conhece, . – riu abafado. – A propósito, obrigada pelo estojo.
- Você gostou mesmo? – ele parou e ela o fez também.
- Sim, são perfeitos! – sorriu quando ficaram frente a frente. – Só não entendi porque simplesmente não o entregou a mim.
- É complicado... – fitou o teto por uns instantes. – A maior questão era saber se você não me faria engolir o estojo com lápis e tudo.
- Que tipo de mulher acha que eu sou? – não conseguiu prender o riso diante da observação.
- Uma bem difícil de compreender. – o designer riu junto.
- Você poderia tentar. – sorriu de canto.
- É, eu poderia. – a fitou de baixo à cima.
sorriu, preparando uma resposta, mas antes de falar mais, ouviu o bipe no seu celular.
- Eu preciso voltar. – disse, encarando o visor. – Quanto a você, deve ir pra casa.
- Sem problemas. – fingiu se render.
Com um último aceno, se afastou, pronta para voltar para casa. Porém, parou assim que o colega a chamou novamente.
- Er... sobre seus exames. – coçou a nunca. – Já estão feitos?
- Não. – respondeu sem entender. – Estão marcados para a próxima semana, por quê?
- Por nada... – desviou os olhos. – Só que, se precisar, eu... eu posso acompanhá-la.
- Está se oferecendo pra ir comigo? – franziu a testa, admirada.
- Se quiser, é claro! – ressaltou.
- Tá, eu vou pensar sobre. – respondeu sem muita certeza.
Ainda atônita, lhe deus as costas e caminhou até o estacionamento. Por todo a caminho de casa veio pensativa. Não fazia ideia do que responder. Depois de guardar o carro na garagem, foi para dentro e deixou a chama junto com os outros pertences sobre a mesinha de centro.
- , já cheguei! - anunciou, subindo as escadas.
Tirou os saltos e os pegou, subindo as escadas velozmente. Estava entusiasmada para contar o que havia acontecido. Ao entrar em seu quarto, viu que a porta da sacada estava aberta e foi até lá. O encontrou perto do parapeito, observando a paisagem com o cabelo sendo balançado pela brisa.
- Cheguei. – disse mais uma vez, mas ele não respondeu. – Ei, está tudo bem?
- Se está tudo bem? – ele finalmente a encarou e lágrimas enchiam seus olhos.
Apesar disso, havia um grande sorriso em seus lábios que constatava a felicidade radiante que ele sentia. Por um segundo a mulher foi arrebatada e também sorriu, sentido os olhos marejar.
- Eu senti tudo o que passou lá. – ele revelou, a abraçando. – E eu estou orgulhoso, nós estamos orgulhosos!
- ... – tentou dizer, mas ele a apertou mais forte.
- Achei que demoraria mais, mas não poderíamos esperar menos da nossa garota. – afagou os fios dela.
- O que quer dizer? – se afastou para olhá-lo.
Ainda sorrindo, ele a segurou pela mão, a levando para dentro. Pararam em frente ao espelho de corpo inteiro que havia no recinto, mas permaneceram um de frente para o outro.
- , está na hora de eu voltar. – falou sem rodeios.
- O quê? – arregalou os olhos – Mas, eu ainda preciso de ajuda!
- E vai ter. – respondeu convicto. – Todas as pessoas que estão à sua volta podem ser aliadas e agora você já sabe como fazer isso. Sozinha.
- , por favor... – mordeu os lábios.
- Tão teimosa. – riu abafado, tocando o rosto dela. – Apenas continue se cuidando, pois vamos estar de olho. E eu ainda vou aí dentro, lembra?
- Sim, eu só... – engoliu seco, sem conseguir continuar.
- Eu só tenho um último conselho. – a olhou sério. – Se o te ligar, atenda.
A estilista pensou em contestar a fala, mas decidiu ignorá-la, dando atenção ao seu coração acelerado por conta da possibilidade de não ver mais sua contraparte. Enquanto se encaravam, a sensação que já havia tido antes, voltou. Piscou os olhos duas vezes quando o rosto de se tornou o seu, mas daquela vez foi permanente.
Então, como da primeira vez, ele havia se transformado nela. A mesma altura, os fios coloridos, o sorriso singelo e os olhos. Estes brilhavam intensamente que quase pôde ler sua alma, caso ele tivesse uma. Ainda o fitava quando teve a sensação de estar de frente para um espelho. Só depois de um determinado tempo é que caiu na real.
Seu animus não estava mais lá e ela realmente mirava o próprio reflexo. Deixando que as lágrimas escorressem, tocou o no vidro gelado, encostando os dedos nos seus próprios. Olhando para si mesma, notou que ainda que estivesse triste, seu interior vibrava em contentamento, como se houvesse cumprido uma missão.

- Nós vamos conseguir! – murmurou com confiança.
Afastando-se do espelho, se sentou na cama, pensativa. Ao olhar para o lado viu uma folha de papel sobre o lençol e a pegou. Com o coração aquecendo, identificou o croqui e o desenho nele. os havia desenhando juntos, abraçados, como se fossem irmãos se divertindo. Ao pé do rascunho havia uma pequena inscrição que ela leu com atenção.
- “Ligue pro !” – repetiu o que o animus havia escrito. – Me poupe, ...
Permitindo que um sorriso enchesse seus lábios, jogou-se no colchão com os braços abertos e fitou o teto. Havia começado bem com a ajuda de , relembrando quem era de verdade e, estranhamente conseguia sentir o equilíbrio se instalar dentro de si. Mas, mesmo que sua persona tivesse sido reajustada, sabia que o tralhado não havia chegado ao fim. Ainda teria um longo caminho a percorrer a partir de agora, todavia, havia uma diferença: não estava mais sozinha.


Fim



Nota da autora: Eu não vim falar muito, apenas quero exaltar esse hino chamado Persona e mais ainda Kim Namjoon por ser um dos responsáveis por essa maravilha. Enquanto escrevia a história, tirei muitas lições pra mim mesma e espero que, além de se divertirem lendo, possam perceber quão importante é a mensagem que essa música passa pra nós.
Enfim, estou agradecendo adiantado a quem ler e quiser comentar. Nos vemos em minhas outras histórias.



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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