Capítulo Único
2016.
O barulho foi alto, estrondoso.
O impacto foi tão chocante, que toda a arquibancada do autódromo de Interlagos ficou em silêncio e quem assistia a transmissão pela televisão não teve narração por longos três minutos, o tempo que os narradores levaram para compreender aquele o acidente que havia acabado de acontecer na penúltima volta. Primeiro e segundo lugar colidiram-se um ao outro, a ponto de a Ferrari capotar de frente e a Mercedez pegar fogo.
Uma cena de terror completa, com muito suspense, dor, agonia…
De onde estava era impossível chegar a tempo no meio da pista para ter o mínimo possível de notícias de seu noivo, o motorista que liderava o circuito e, ao sofrer a tentativa de uma ultrapassagem na curva mais perigosa, estava no carro que capotou por quilômetros. Ela sentia seu queixo tremer, a espinha cada vez mais gelada e sua reação foi começar a se bcar para tentar sair do sonho que pensava estar sonhando, tendo os braços abraçando a própria cintura, numa tentativa inconsciente de amenizar a azia em seu estômago. Mas não era um sonho, infelizmente sua realidade era exatamente aquela, sem tirar ou colocar mais.
Jaehyun tinha sofrido um acidente terrível e ela sentia o pânico a consumir cada segundo passado, as razões variavam e continuavam surgindo. Ele era seu noivo, o amor de sua vida; não tinha contado a ele sobre seu primeiro contrato de trabalho num hospital de verdade, assim como ela sonhava seguir no papel de enfermeira chefe; e, o mais importante, ainda não tinha compartilhado com ele sua recém dúvida: se estava grávida. Estava esperando a agenda dele dar uma acalmada para compartilhar com ele suas dúvidas. Agora ela se arrependia de ter dado tanta corda ao tempo, deveria ter escutado mais a física de Einstein.
Era desesperador viver as hipóteses do que seus olhos observavam pela tela da televisão de muitas polegadas — que, inclusive, mostrava tudo com uma definição impecável e em tamanho grande. Seu ímpeto de desligar só foi impedido pela movimentação ali dentro do camarote por um grupo de oficiais, indo direto até os representantes da Mercedez.
Ao mesmo tempo que eles diziam algo com muita restrição, ela ouviu da TV:
— É isso o que vocês estão ouvindo… — O narrador disse com a decepção palpável em sua voz, na tela ele aparecia conversando com seu parceiro de bancada. — Esse acidente foi planejado, era intencional que o carro do primeiro sul-coreano vitorioso fosse atingido.
— Isso é inaceitável! A equipe da Mercedez deve explicações e uma punição severa! O rapaz estava em sua primeira temporada, levando todas… É um talento que podemos perder hoje por… simplesmente por um pecado-
— Espera! Recebemos a confirmação de uma morte.
prendeu a respiração, desejando que sua mente se desligasse novamente. Estava sem rumo e sozinha. Não sabia o que fazer.
— Acabaram de nos confirmar que o piloto escocês, Alexander Rundbraken, foi retirado do carro em chamas já sem vida.
O berro dentro da sala veio da mãe do outro piloto, que havia causado o acidente, e desejou também que naquele momento pudesse oferecer algum conforto para a senhora. Mas ela estava em tanto caos, que a única coisa que viu foi o vulto de alguém lhe amparando quando seu corpo ficou mole e ela caiu, completamente inconsciente.
2021.
Estava muito frio do lado de fora, mas Lizzie saiu correndo quando viu o carro de Jaehyun virar a esquina. A pequena lia um livro de desenhos no seu sofá confortável abaixo da janela de seu quarto, que era exatamente o ponto da curva, sendo possível que ela tivesse uma visão ampla do cruzamento à frente de sua casa. Em todos os dias úteis da semana, Lizzie ficava ali, sentadinha, à espera de seu pai quando sua mãe lhe dava o chocolate quente com marshmallows — para dias frios — ou o suco — para dias quentes — da tarde.
Sua empolgação funcionava como um alarme para , que sempre estaria no escritório no andar de baixo nos dias de folga, ou então Solange, a babá. Neste dia, porém, era sua mãe.
— Mamãe! Mamãe! — Lizzie gritava enquanto descia os degraus com muita pressa. — Mamãe, ele chegou! Ele chegou!
Tão rapidamente, surgiu à porta do escritório, sorrindo para a filha, que já estava diante da entrada da casa, empolgada por sua saudade do pai — que, inclusive, não fazia mais de oito horas desde quando saiu de casa para trabalhar. Ela era tão grudada a Jaehyun, ao ponto de ainda aos quatro anos fazer um berreiro pela manhã, quando acorda e não o vê em casa mais.
até se preocupava com a falta de favoritismo para seu lado às vezes, haja visto que seu esforço foi o maior, sendo bem realista com a história de carregar por nove meses, etc.
— Mamãe, por que ele está demorando? — Lizzie resmungou manhosa, cruzando os braços e ficando emburrada.
— Já falamos sobre isso, meu bem, está com muita neve lá fora, seu pai deve estar tentando abrir o portão ainda. Demora.
— Eu quero que ele veja o desenho que eu fiz da nossa família, mamãe. — A menina se virou para a mãe, ainda manhosa, indo até ela. a pegou no colo, fazendo carinho em suas costas.
— Ele já vai aparecer… Aguenta só mais um pouquinho — respondeu carinhosa, tentando respirar fundo para saber lidar com a situação.
Não era somente a manha de Lizzie que precisaria lidar naquele instante.
Um pouco mais cedo o carteiro passou e deixou uma carta específica, endereçada a ser entregue diretamente nas mãos dela ou de Jaehyun. não aguentou quando teve noção do que poderia ser ao notar o selo e ligou para sua mãe, desesperada, sem saber como reagir e o que fazer. Ela tinha somente a certeza de que aquilo traria para o marido uma certa revolta por reviver um trauma que ele ainda não tinha se livrado por completo. Desde o acidente que quase arrancou sua vida, causado propositalmente para impedir o seu sucesso como primeiro sul-coreano a ganhar um título, Jaehyun abominava tudo o que se tratava do assunto — inclusive, foi difícil para que ele conseguisse voltar a dirigir até mesmo um carro popular.
Jaehyun e passaram por um logo caminho, ela precisou ser paciente e ter muita fé; na época do acidente, não tinha se formado a muito tempo, tinha conseguido seu primeiro contrato de trabalho para ser enfermeira chefe em um hospital e precisaria abdicar de algumas coisas, como sua vida americana, para residir em Seul. E se não bastasse isso, estava grávida. No fim, acabou que precisou desistir de seu trabalho e se doar para o bebê que crescia em seu útero, além de acompanhar Jaehyun em todo o processo de recuperação; foram meses com ele indo e voltando de salas de cirurgia, sempre para consertar algo que complicava. Mas, no fim, ele estava ali, vivo, em pé, dia após dia se recuperando.
E ela não poderia estar mais feliz e agradecida. Foi um caminho longo, mas que ele conseguiu concluir com muita força e determinação. O final do julgamento disciplinar e também perante à lei do mandante que planejou todo o acidente, usando o outro piloto que perdeu a vida por isso, também foi um martelo batido para que Jaehyun pudesse seguir em frente. A justiça sendo feita e ele em pé, saudável, podendo ver sua pequena Lizzie crescer e estar casado com a mulher de sua vida, lhe mostrou que existiam batalhas árduas demais para serem vencidas por qualquer desistência.
O erro de naquele dia foi ter ligado para sua mãe e não se atentado ao fato de Lizzie ser extremamente esperta para sua idade; ela ouviu toda a conversa e se maravilhou com o fato do pai ter sido um piloto de carros velozes. Mesmo estando a pouco de completar cinco anos, Lizzie já adorava aventuras. Sua expertise rendeu para uma tarde inteira mostrando o álbum antigo de fotos de Jaehyun em sua época das pistas que ela mantinha escondido. E ela sabia que por mais didática que tenha sido sobre aquilo ser um segredo das duas, Lizzie não iria segurar. Tanto é que na porta da geladeira tinha um desenho pregado.
Lizzie era insistente, um traço forte seu que havia puxado e às vezes pedia que, dentre tudo, ela tivesse vindo ao mundo com outro tópico de seus trejeitos.
A fechadura fez o barulho comum de abertura, liberando a entrada de Jaehyun.
— Papai! — Lizzie se jogou dos braços da mãe, correndo em direção a ele, o abraçando pelas pernas e quase derrubando-o.
— Oi, meu amor! — Ele se abaixou, abraçando-a. — Olha o que eu trouxe pra você, mas é nosso segredo para depois do jantar… — esticou uma pequena caixinha.
— Roy Donuts!
— Tem seus sabores favoritos — beijou a bochecha dela, levantando-se para ir até , enquanto Lizzie se distraía com os desenhos da caixinha de donuts. — Oi, meu bem.
— Olá. — Ela sorriu, recebendo os lábios dele em um beijo rápido. Não se estendeu, deixando que a filha tivesse o maior holofote por aquele momento.
— Papai, a gente pode comer só um agora? Eu prometo que como todo o jantar… — Lizzie fez um bico, se colocando no meio dos dois e olhando para cima com seus olhinhos brilhantes.
— A culpa de eu não saber dizer não para esses olhos é sua, porque são iguais aos seus. — Jaehyun murmurou baixo para , abaixando-se outra vez para ficar mais próximo possível da altura de Lizzie. — Só um pedacinho, prometo que depois você pode comer todos se quiser, mas primeiro tem o jantar. E hoje eu vou fazer seu prato favorito…
— Aquele miojo cheio de coisa colorida? — Ela se empolgou, sorrindo de orelha a orelha.
Jaehyun apenas assentiu e Lizzie deu pulinhos, estendendo a caixa para ele.
— Então eu como o donuts depois, papai! — ergueu o rosto para a mãe e depois olhou para ele novamente. — Fiz uma coisa pra você, vou buscar.
Não deu tempo de nada, ela saiu correndo e subiu a escada com todo o seu cuidado infantil, ainda que tenha feito com muita pressa. Jaehyun se ergueu, rindo fraco de como Lizzie era espontânea demais e sempre muito empolgada, eufórica, até mesmo com as mínimas coisas.
Ele dava valor demais ao que tinha ali dentro de sua maior fortaleza: sua família. Nenhum outro golpe seria tão mais poderoso do que ele havia conquistado e tido a chance de viver. Era como se uma nova vida tivesse lhe sido ofertada no momento que saiu com vida de um carro destruído e sem nenhuma chance de sobrevivência; e todos os dias ele agradecia por tal privilégio, poder acompanhar o crescimento de Lizzie e casar com a mulher que amava valia de muito mais.
Era um pensamento do qual não conseguia escapar sempre que se alojava em sua cabeça, até mesmo quando não estava pensando, ele pensava sobre. Um looping infinito de gratidão.
E podiam tentar o quanto quisessem, jamais conseguiriam derrubá-lo, porque essa chance de um milhão dentro do infinito, ele jamais deixaria para trás.
Fim.
Nota da autora: Olá, muito obrigada por ler. Até a próxima!
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