1.
Quando a vi aproximar-se, ela já estava perto o suficiente para que eu não mais acreditasse que mudaria seu percurso e encontraria com outra pessoa.
A garota sentou-se na minha frente, na mesinha do refeitório, e disse um “oi” tímido.
Ergui uma sobrancelha, estranhando aquilo totalmente, e arrumei meus óculos, que já estavam quase na ponta do nariz porque eu estivera de cabeça baixa.
- Oi? – respondi, mas acabou parecendo uma pergunta, e então olhei para o lado, para meu amigo , como se esperando que ele confirmasse que sentara mesmo na nossa mesa e estava falando comigo.
é uma das garotas mais populares da nossa escola. Não sei exatamente por que, afinal, ela não é uma cheerleader, não está no grupo de teatro, não é filha de ninguém importante, mas sempre anda com uma turma grande de amigos (todos bastante populares, é claro) e é chamada para todas as festas. Talvez ela seja popular apenas por andar com pessoas populares. Ou por ser bonita, eu sei lá. O que eu sei mesmo é que não consigo imaginar um motivo sequer para que ela viesse falar comigo na hora do intervalo. Ou, bem... em qualquer outra hora.
colocara a bandeja com o seu lanche na nossa mesa, bem na frente da minha, e passava um dedo pela borda dela como se estivesse pensando no que dizer.
- Você perdeu alguma aposta? – pronunciou-se, inclinando-se para a frente, e quando a menina fez cara de quem não entendeu ele continuou: – Sabe, perdeu alguma aposta e como punição tem que sentar conosco por uma semana ou algo assim...
abriu um sorriso contido, como se achasse graça, mas depois acabou rindo de verdade.
- Não é isso – garantiu, e então voltou a olhar para mim – Eu sei que isso deve estar parecendo estranho, porque nunca nos falamos antes, mas eu... eu meio que preciso da sua ajuda, .
Minhas sobrancelhas já quase se confundiam com meu cabelo de tão erguidas que estavam.
- Pra que você precisaria da minha ajuda?
suspirou e então tirou sua bolsa do ombro e começou a revirá-la enquanto eu procurava pelos amigos dela no refeitório para checar se não a estavam observando e rindo, realmente comprando a ideia de e achando que estava pagando alguma aposta. Mas quando os encontrei, pareciam normais, conversando entre si sem nem notar que nós tínhamos uma de suas amigas conosco.
Voltei minha atenção para quando ela pegou uma folha dobrada e colocou em cima da minha bandeja, que já estava vazia àquela hora, apenas com alguns guardanapos amassados.
Quando abri, vi que eram provas. Duas de Física, uma de Química. Todas elas com um grande F em vermelho no canto superior.
- O Roger disse que eu vou reprovar se minhas notas não melhorarem.
Olhei-a nos olhos. Roger era nosso professor, tanto de Química quanto de Física, e era um dos mais legais que eu já tive. O mais legal de todos os professores que davam aula para o último ano. Se ele estava reprovando alguém, esse alguém devia mesmo ser muito burro!
Digo, ter muita dificuldade na matéria.
- Ele me falou que você poderia me ajudar se eu, hm... pedisse com jeitinho – o rosto dela começou a ficar vermelho e eu segurei a vontade de bufar, não acreditando que o professor Roger tinha indicado logo a mim – Eu sei que é pedir demais, sabe, você perder seu tempo me ensinando algo, mas eu posso te pagar, se você quiser. – Parou um tempo pra pensar e então acrescentou: – Não muito, é claro, porque não tenho tanto dinheiro assim, mas acredito que se você cobrar uma quantidade razoável...
- Olha – eu comecei, tentando pensar em como recusar aquilo. Sim, eu era bom naquelas matérias. Sim, sempre tirava A nas provas. Mas nunca acreditei que fosse bom ensinando. E também achava que não queria perder meu tempo fazendo isso por uma garota que eu mal conhecia. – Eu não acho que teria muito tempo para te ensinar, eu trabalho por meio período e ficaria bem difícil – falei a verdade. – Nenhum dos seus amigos pode te ajudar?
apoiou o rosto nas mãos e negou com a cabeça.
- Não. Os que não estão na mesma situação que eu, estão quase lá.
tentou disfarçar uma risada fingindo um ataque repentino de tosse, mas isso não passou despercebido à garota.
- Eu sei o que vocês estão pensando – ela revirou os olhos – Os populares são todos burros e blá-blá-blá – disse aquilo como se realmente escutasse esse tipo de coisa todo santo dia – Mas eu realmente sempre tive dificuldade com essas matérias, , a diferença é que esse ano eu também estou trabalhando por meio período, e aí que as coisas desandaram – ela encolheu os ombros e olhou para baixo – Se as minhas notas não melhorarem, nunca vou conseguir ser aceita em uma faculdade.
- Ei, não é assim também – eu disse, sentindo-me estranhamente compadecido por sua situação. Não conseguir entrar em faculdades também era uma preocupação que eu tinha. E o ar triste que tomou conta dos olhos dela contribuíram pra isso – Bom, talvez... nos fins de semana eu possa te ajudar por algumas horas...
deu um pulo da cadeira e levantou-se, vindo me dar um beijo estalado no rosto, que me deixou completamente confuso.
- Obrigada, muito obrigada! O Roger me disse que você era legal!
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, ela pegou sua mochila e sua bandeja com o lanche e me deu uma piscadinha.
- Nós combinamos os detalhes durante a semana!
E então caminhou até a mesa dos amigos dela.
me olhou sacudindo a cabeça negativamente e dizendo algo sobre eu não saber dizer não para garotas bonitas. Suspirei e pensei que, talvez, ele estivesse mesmo certo. E que agora eu precisaria arranjar uma desculpa se quisesse fugir.
2.
A semana passou de certa forma tranquila até a minha primeira aula de Química, na quarta.
Quando a aula acabou e eu me posicionei em frente à mesa do professor Roger, ele me encarou de um jeito estranho.
- Então... A falou comigo essa semana – comecei – Disse que você me indicou para ensiná-la Química e Física.
O professor assentiu, mas não disse nada.
- Bem... Eu não soube como recusar, pra falar a verdade – fui sincero, afinal, aquele talvez fosse o único jeito de me livrar daquilo. – Mas o senhor não poderia, sabe... indicar a ela alguém que tivesse mais tempo? Eu trabalho e...
- também trabalha – ele respondeu, dando de ombros e arrumando a maleta dele.
- Eu sei – cocei a cabeça, tentando encontrar um meio de fazê-lo me ajudar – Ela me disse. Mas, professor, eu realmente não acho que seja a pessoa certa para ensinar a qualquer um... o senhor tem alunos mais inteligentes.
O professor Roger suspirou e então apoiou as duas mãos na mesa, me encarando por cima dos óculos.
- A é uma boa menina, . E ela está indo realmente mal esse ano por ter problemas pessoais acontecendo o tempo todo – ergui a sobrancelha, estranhando, e ele me olhou de forma dura – Eu sei o que todos pensam. E o fato de ela ter amigos, hm... que não exatamente ligam para os estudos ajudam com a fama ruim, mas você nunca pode julgar alguém sem saber tudo pelo que essa pessoa passa.
Querendo achar um jeito de esquivar-me do discurso, assenti colocando a mochila nos ombros e tentei acabar com o assunto.
- Então não tem como indicar outra pessoa, é isso?
Ele revirou os olhos.
- Eu indiquei você porque acredito que aquela menina não precise somente de ajuda com a matéria. Precisa estar perto das pessoas certas. Mas se você disse que ia ajudá-la e agora não vai mais, diga a ela você mesmo.
Surpreso, saí da sala com o rabinho entre as pernas. Eu nunca fora o favorito de nenhum professor, mas o professor Roger sempre me tratara muito bem, e ter uma resposta atravessada daquelas era coisa nova.
Indo para o trabalho aquele dia, me conformei com a ideia e aceitei que teria de ajudá-la. Talvez não fosse tão ruim, afinal. Mas ainda duvidava bastante da parte dos problemas pessoais.
Apostava que o problema de era preguiça. Quando eu comecei a trabalhar, também foi difícil manter minhas notas altas. Mas eu me esforcei e consegui. Ela provavelmente estava mais preocupada em manter seu número alto de saídas aos fins de semana do que as notas de fato.
E eu mal sabia que me arrependeria muito por pensar uma coisa dessas sobre no futuro.
No sábado, às seis da tarde, estacionou em frente ao mercado no qual eu trabalhava de caixa com seu Honda Civic prata e acenou para mim. Um sorrisinho no rosto, os cabelos presos no alto da cabeça, parecendo um pouco animada demais para quem estava prestes a desperdiçar duas horas de um sábado estudando.
Quando entrei no carro dela, percebi que estava usando uma saia rosa estranha de cintura alta, que parecia dos anos 50, e uma blusa branca simples. Seu cabelo também estava preso por uma fita rosa.
Intrigado com aquele tipo de roupa, fiquei encarando-a por mais tempo do que deveria.
- Ah – ela disse, quando reparou no meu olhar. – Você já foi até aquela lanchonete estilo anos 50 e 60 que fica em frente ao shopping? – ela perguntou e eu neguei com a cabeça. – Bem... Não vá. É onde eu trabalho. Por isso essa roupa idiota, todas as garçonetes têm que usar isso por baixo do avental.
- Não é tão ruim – considerei e ela riu.
- Claro, claro. E então. Onde é que podemos começar nossas aulas?
Tirei os óculos, olhando para a frente, e limpei-os na blusa enquanto respondia.
- Bom, eu pensei em irmos ao shopping ou algo assim. Ou a um café mesmo. Sabe, tomamos um lanche enquanto te ensino, o que você acha?
Coloquei meus óculos a tempo de virar-me e ver assentir e sorrir de lado.
- É uma boa ideia.
Quando chegamos a um café próximo, escolhemos uma mesa a um canto e foi difícil não reparar em todos os olhares voltados para . Aquelas roupas já eram chamativas o suficiente sem uma pessoa bonita dentro, mas ela já parecia acostumada, pois não pareceu se incomodar.
- Primeiro de tudo – disse, assim que nos sentamos – Precisamos combinar o preço de suas aulas, professor.
- Não me chame de professor – revirei os olhos – E eu não estava realmente pensando em te cobrar. Serão só alguns dias mesmo. Mas você pode, hm... pagar a comida? – sugeri e ela riu.
- Acho que sai mais barato que um professor particular. Eu topo.
pediu um chocolate quente e pão de queijo para nós dois, e então sentei-me mais próximo a ela enquanto tirava alguns livros de Física da mochila e ela pegava um caderno.
Conforme estudávamos, com surpresa percebi que ela realmente só era muito ruim nas matérias do ano em que estávamos. As matérias dos anos anteriores ela sabia, embora precisasse se esforçar um pouco mais do que eu para responder perguntas e questões-exemplo do nosso livro.
Não demorou muito pra que eu percebesse também que era bastante otimista e animada. E embora, agora mais de perto, pudesse ver olheiras de cansaço embaixo de seus olhos, ela ainda parecia pronta para mais duas horas de estudo, de festas, de trabalho... O que era totalmente diferente de mim. Mesmo que eu estivesse ali tentando ajudá-la, meus pensamentos estavam longe. Mais precisamente na minha cama.
As horas, felizmente, passaram rápido, e quando voltamos ao carro dela, até começava a dar sinais de cansaço.
Enquanto dirigia até a minha casa, ela seguia contando coisas engraçadas sobre onde trabalhava. Turistas que pareciam perdidos ou não falavam inglês direito, clientes que só iam até lá vestidos também como se estivessem presos em um filme de Aubrey Hepburn, cantadas idiotas que ela e as outras garçonetes recebiam; eram coisas realmente engraçadas, mas eu não estava tão acostumado assim a sair por aí socializando ou conversando com garotas populares, por isso a maioria dos meus comentários era do tipo “uau”, “legal”, “caramba”, e até para mim mesmo estava soando completamente entediante.
Quando estacionou em frente à minha casa, olhou pra mim com um sorrisinho cansado e me perguntou se podia encher meu saco no dia seguinte.
Quando confirmei e disse que ela poderia passar na minha casa às 3h, o sorriso dela tornou-se uma carinha de pensativa.
- Você não é muito de sorrir, não é? – me perguntou e eu dei de ombros, querendo de verdade ir embora. Estava muito cansado. – Sabe, você deveria. – ela continuou e eu a encarei – Quando você sorri aparece uma covinha bem aqui – encostou o dedo indicador em minha bochecha esquerda – e além de ser fofo, você fica ainda mais bonito.
Olhei-a com uma sobrancelha erguida, pego de surpresa. Ela estava... dando em cima de mim?
- Sem segundas intenções – disse, rindo e levantando os braços como quem se rendia ao ver minha expressão confusa – Só sei apreciar pessoas bonitas, ok?
Um pouco relutante, mas sentindo uma alegria estranha ao mesmo tempo, sorri de verdade dessa vez e ela sorriu de volta.
Desci do carro e quando bati a porta, o pôs em movimento.
- Te vejo amanhã, professor! – ela gritou.
- Não me chame de professor – reclamei, mas já tinha ido embora.
3.
Quando ela chegou na minha casa no domingo, minha mãe a viu e foi impossível impedir que fizesse uma cena dizendo que eu nunca levava garotas em casa (o que nem tinha acontecido, pois inicialmente nem planejava entrar, então eu realmente não a tinha levado até lá), me fazendo sentir constrangido e rir o tempo todo da minha cara.
Como minha mãe praticamente nos obrigou a entrar dizendo que estava fazendo um bolo, quando eu e chegamos ao meu quarto eu fui pegar meus livros.
- Não liga pra ela – disse quando virei-me com os livros em mãos, mas então vi a cara vermelha da menina tentando não rir de mim e revirei os olhos – Aposto que você tá se matando de rir por dentro.
soltou uma gargalhada gostosa de ouvir, e embora eu quisesse ficar bravo, não deu muito certo.
- Não se preocupa, eu deixo você se vingar – ela disse, sentando-se no chão e pegando o mesmo caderno do dia anterior da mochila – Domingo que vem na minha casa, tá bom?
Revirei os olhos de novo e sentei ao lado dela, apoiando minhas costas na cama atrás de nós.
- Você nunca leva ninguém na sua casa? – perguntei e ela negou.
- Garotos não.
- Hm – eu disse – então tudo bem. Sua mãe também faz bolo? Porque eu gosto de bolo...
riu.
- Vou providenciar um bolo pra você, professor.
Desisti de pedir pra ela não me chamar assim e puxei o livro pra perto.
- Química hoje?
- Sim, por favor.
E então passamos o resto da tarde estudando. Fazíamos algumas pausas pra comer, ir ao banheiro e tudo o mais, mas de uma certa forma era legal tentar ensinar coisas a ela. era engraçada e mesmo que estivesse levando os estudos à sério, ficava tentando me fazer rir sempre que podia.
Foi o primeiro dia em que questionei todas as minhas impressões sobre ela.
O domingo seguinte, na casa dela, foi de certa forma engraçado.
A mãe dela me recebeu de um jeito quase carinhoso, e o irmão mais velho ficou me olhando meio desconfiado, como se quisesse me abordar e dizer que estava de olho em mim ou algo assim, o que me deixou meio constrangido, mas ele não fez nada disso e sempre que esteva por perto me tratou normalmente.
- A me disse que você ensina muito bem – a mãe dela me falou quando estávamos na cozinha e tirava um bolo de chocolate enorme do forno – E ficamos muito felizes que você aceitou ajudá-la, pois ela estava indo realmente mal esse ano e eu não sabia como ajudar.
Observei enquanto elas trocavam um olhar carinhoso, e me perguntei novamente se realmente tivera problemas pessoais aquele ano. Se eu tirasse notas ruins como as dela sem um bom motivo, minha mãe não me olharia de um jeito carinhoso, me olharia bem feio.
- Não é nada – respondi – Ela aprende rápido, de qualquer forma.
abriu um sorriso pra mim e colocou o bolo em cima da mesa, jogando então uma cobertura bastante cremosa também de chocolate por cima.
- Minha mãe odeia cozinhar – ela dizia, enquanto fazia isso – O que é ótimo, porque quando ela tenta, a gente até perde a fome.
A mãe dela pegou um pano de prato e bateu na filha com ele, fazendo-a rir.
- O quê? – se defendeu, olhando a mãe – É verdade!
- Você que fez o bolo então? – perguntei depois de um tempo, estranhando, e assentiu.
- Eu gosto de fazer doces. E pensei em caprichar hoje já que você não aceita meu dinheiro, daí pago em bolo – ela deu uma piscadinha e eu sorri.
Aquilo parecia meio doido. Estar na casa dela, com a família dela, comendo um bolo que fez. Mas eu não podia negar que, de certa forma, embora estivesse perdendo metade do meu domingo, estava gostando daquela mudança de rotina.
Quando terminou de passar a cobertura no bolo, gritou pelo irmão e todos se sentaram ao redor da mesa.
O primeiro pedaço foi para mim, o que me deixou um pouco desconfortável ao comer, sendo observado por todos com certa expectativa.
Tentei fazer cara de quem estava gostando mesmo antes de começar a comer, porque se estivesse ruim, seria muito difícil fingir que não no meio do caminho, mas quando saboreei o primeiro pedaço do bolo percebi que não precisava fingir, e uma expressão de surpresa acabou passando por meu rosto.
- Tá bom, não tá? – disse, já se servindo, e eu assenti – Aposto que por essa você não esperava.
Engoli e tive que concordar.
- Eu já estava até me preparando psicologicamente pra fingir que gostei – Admiti, fazendo a mãe dela rir e me olhar com reprovação.
- Guarda isso pra quando vier almoçar aqui e quem tiver feito a comida foi certa pessoa – o irmão dela me disse, apontando discretamente pra mãe deles, que não deixou aquilo passar despercebido.
- Minha comida não é tão ruim as... – ela começou a dizer, mas os filhos caíram na gargalhada ao mesmo tempo antes que ela terminasse, e acabei rindo do jeito deles.
- Piada!
- Sua comida é horrível, mãe!
- Nem deveria ser considerada comestível!
- Tudo bem, já chega – a mulher interrompeu, mas já estava rindo também – Calem a boca e comam.
E o resto da tarde se passou naquele clima animado, e eu pude entender porque era daquele jeito. A família toda dela parecia levar as coisas de um jeito mais leve, o que parecia bem legal.
Quando eu e ela fomos para a sala para estudar Química, me pediu para corrigir uma prova que ela tinha achado na internet e usado para treinar, e enquanto corrigia percebi que ela já havia progredido bastante. Apenas dois exercícios de dez estavam errados.
- Você fez enquanto consultava algum livro?
Ela negou com a cabeça e eu sorri pra ela.
- Eu te daria um A.
sorriu e me deu um beijo no rosto, de novo me pegando de surpresa, mas dessa vez me fazendo ter uma sensação estranha quando ela fez aquilo.
Como se estivesse decepcionado por ter durado tão pouco.
- Graças a você – ela respondeu – Obrigada.
E então começamos a estudar de fato, e eu me peguei distraído, olhando para o rosto concentrado dela várias vezes do dia, desejando que ela estivesse na minha turma de amigos, não em outra. E querendo passar mais fins de semana como aquele.
4.
Na escola não nos falávamos tanto, mas sempre que me via no corredor ou no refeitório, acenava animada para mim, que não sabia direito como corresponder à toda aquela animação. Comecei a observá-la mais durante as semanas e foi fácil ver que aquele tratamento não era só comigo. Ela parecia animada, feliz e estranhamente bem disposta com qualquer um, o que me surpreendeu de verdade. A maioria das garotas como ela eram um tanto esnobes, só sorriam daquele jeito que ela fazia quando era pro próprio grupinho de amigos, e eu fiquei feliz em ver que ela parecia uma das exceções à regra, embora uma parte de mim ficasse meio chateado por perceber que não era só eu que recebia tratamento especial.
O professor Roger me perguntava semanalmente como ela estava indo, e eu queria entender de verdade por que toda aquela preocupação com a menina. A história dos “problemas pessoais” dos quais ele falou ficava voltando à minha cabeça sempre que falava com ele ou com ela, mas não tive coragem ou achei que fosse certo perguntar pra qualquer um dos dois. Afinal, aquilo não era problema meu.
Em uma quinta-feira, sentou-se comigo e com novamente no refeitório, ao final do intervalo, mas pela primeira vez em três semanas, vi que ela parecia triste.
- O que houve? – perguntei quando ela sentou conosco e olhou discretamente para , como se não quisesse falar na frente dele.
- Nada – respondeu, mas acrescentou: - Você acha que pode me encontrar hoje depois do trabalho? Não vai levar muito tempo...
- Claro – disse e sorriu de um jeito meio forçado, que eu não gostei muito, e então deu tchau para nós dois e foi embora.
- Achei que vocês só se vissem nos fins de semana – falou e eu concordei.
- Nós nos vemos só nos fins de semana.
- Entendi. Então essa é a hora que ela te oferece uns beijinhos em troca de aulas extras – ele riu e eu o ignorei, acompanhando com os olhos seguir para a mesa que usualmente sentava, abraçar uma amiga de lado e apoiar a cabeça no ombro dela, permanecendo quietinha e nada animada pelo resto do intervalo.
Quando chegou, entrei no carro dela e sorri. Talvez aquilo a ajudasse, mas pareceu que não.
- D – ela disse, assim que me olhou – Eu tirei um D na última prova de Física.
- Mas você estava indo tão bem, . O que aconteceu?
- Eu não sei – assustado, percebi que os olhos dela estavam ficando marejados – As coisas não estão muito boas lá em casa, e no dia da prova eu tinha acabado de brigar com meu pai e... – uma lágrima escorreu e ela limpou rapidamente – Desculpa, você não precisa ver isso.
Respirou fundo, tentando acalmar-se, e eu segurei a mão dela.
Quando a garota me encarou, eu sorri um pouquinho e disse pra ela trocar de lugar comigo, pensando que talvez ela realmente estivesse tão atolada em notas ruins por ter problemas de fato.
Assim, fui dirigindo o carro dela até a minha casa, e minha mãe nos recebeu animada como sempre ficava ao ver , mas nos deixou em paz para subirmos até meu quarto e ficarmos na varanda, que ficava de frente para o quintal, olhando as luzes distantes e o céu estrelado.
Eu não sabia exatamente o que fazer por ela, mas ao vê-la chorar percebi que, de alguma forma naquelas três semanas, me havia feito ligar para ela, e não conseguia simplesmente ignorar que estivesse triste. De alguma forma, estava envolvido demais com aquela personalidade alegre e entusiasmada para aceitar facilmente que ela não estivesse mais daquele jeito.
- Você quer me contar os problemas da sua casa?
E embora nós conversássemos aos fins de semana, ela nunca me falava nada pessoal, mesmo que até eu, com meu jeito meio reservado, já tivesse contado algumas, como a faculdade que queria ir, o que fazia nas horas vagas, meus sonhos...
- Você realmente não precisa fazer isso, – ela disse, me olhando agradecida – Você já me ajuda tanto cedendo um pouco do teu tempo, sendo que antes a gente nem se falava... Isso já é pedir demais.
- Ei – eu falei – está tudo bem. Acredite em mim, eu não perguntaria nada ou te traria até aqui se não quisesse realmente te ajudar mais do que faço, está bem?
assentiu.
- Há um ano e pouco meu pai sumiu – ela começou, devagar, parecendo um pouco relutante, como se não soubesse se deveria mesmo confiar em mim – Minha mãe não trabalhava, nem eu, só meu irmão, e não sabíamos se ele tinha ido embora, morrido, sido sequestrado, sei lá... – ela respirou fundo – Foi uma angústia do caramba por uns dois, três meses. Até que ele apareceu, com uma outra mulher, e disse que estava se separando da minha mãe, mas não dos filhos – ela revirou os olhos e seu rosto ficou vermelho – É claro que mesmo depois de dizer isso, e sabendo da situação, ele continuou não ajudando em nada, e quando eu perguntei do dinheiro que ele e minha mãe guardaram por anos para que eu fosse para a faculdade... bem, ele gastou nos dois meses que esteve fora. – Àquela altura, ela não me olhava mais, e eu fiquei feliz por ela não ter visto a expressão de raiva que passou pelo meu rosto. – Minha mãe conseguiu um trabalho, mas ela já sofreu tanto com toda essa história de ser abandonada e tal... eu não quero depender somente dela, quero ajudar em algo, porque até agora tudo o que eu fiz foi dar gastos – ela suspirou e olhou para baixo – Então eu comecei a trabalhar também e há um ano estou guardando tudo o que ganho para tentar pagar pelo menos os primeiros semestres. Mas agora meu pai voltou, está querendo voltar pra casa porque a mulher com quem ele fugiu largou ele e... tá tudo tão desestabilizado! – Ela respirou fundo – Minha mãe tá muito mal com tudo isso, eu não sei como ajudá-la e acabo não conseguindo me concentrar em mais nada! E no dia da prova, mesmo que eu soubesse algumas questões, não conseguia lembrar de nada porque ele veio me pedir dinheiro emprestado e...
Ela começou a chorar e eu não soube o que fazer.
- Ele te falou alguma coisa? – sugeri e ela assentiu.
- Me disse que eu sempre fui uma cabeça de vento e não ia conseguir entrar em faculdade nenhuma, de qualquer forma, então não ia precisar do dinheiro.
- Wow – eu respondi – Que belo pai.
Ela deu uma risada sem graça e concordou. Quando me olhou, seu rosto ainda estava molhado pelas lágrimas.
- Eu só queria te dizer que agradeço muito pelo que você tem feito por mim. Mas eu acho que não vai dar em nada mesmo, então você não precisa mais perder o seu...
- Ei – interrompi, sem acreditar – O que você tá falando, ? – Aproximei-me um pouco mais dela – Você tá indo bem até agora. Vai mesmo deixar que o que ele disse te afete assim? – eu sentia raiva daquele cara por ter tido a coragem de dizer uma coisa tão ruim pra uma menina tão legal – São seus sonhos, não vou te deixar desistir assim.
- , não tem nada que você possa fazer por mim..
- Claro que tem – eu estava tão furioso com o pai dela, com o fato da vida dela ter virado de cabeça pra baixo, que nem estava realmente pensando no que minhas palavras implicariam. – Nós podemos estudar três vezes durante a semana e nos fins de semana também!
- ...
- Não é tarde demais, . Faltam o quê? Dois meses pra última data de inscrição pras universidades? Teremos dois meses pra te preparar, pra fazer as suas notas subirem! Se acalma. Olha só, nós vamos conseguir, eu não fiquei três semanas te ajudando pra desistir agora!
me encarou e eu sustentei seu olhar de forma insistente, até ela começar a abrir um sorriso.
- Não conhecia esse seu lado – ela disse, e então adiantou-se até mim e me abraçou pela cintura, apoiando seu rosto em meu peito – Obrigada, .
E eu não soube direito o que fazer, mas passei meus dedos por seus cabelos e sorri para mim mesmo.
Eu nem sabia por quê, mas estava feliz por poder ajudá-la.
5.
Eu dizia para mim mesmo que não era grande coisa que estivéssemos indo ao cinema.
Porque eu e nem éramos assim tão amigos!
Mas a verdade é que as coisas, sem querer, começaram a ficar um pouco estranhas.
Veja bem, como eu não fazia parte da turminha dos “populares” e trabalhava por meio período, não tinha mesmo muito tempo (ou vontade) de fazer outras coisas. Quando chegava em casa, depois de escola e trabalho, tudo o que eu queria fazer era jogar até a hora de dormir. Eu adorava jogar. Podia explodir coisas, matar pessoas, me distrair e tudo isso enquanto vivia histórias super-legais dentro dos jogos.
Era e sempre foi o meu jeito de passar a maior parte das noites, me distrair.
E então veio a .
Não quero dizer que ela me fez parar de gostar de jogos, porque quando eu não estava com ela, estava no meu computador jogando. Mas ela se saía muito bem como uma distração. Bem até demais.
Eu queria realmente negar, mas era difícil não pensar em segundas intenções quando eu tinha uma garota tão bonita por perto. Pior! Bonita, engraçada, que fazia de tudo pra me fazer dar nem que fosse um sorrisinho tímido, e que realmente era esforçada e focada. Que tentava manter o bom humor e alegrar quem estava com ela mesmo apesar dos próprios problemas que enfrentava.
E eu não conseguia mais negar que nos cinco dos sete dias de todas as semanas em que a via, eu mais passava tempo reparando nela, no jeito dela, do que ensinando de verdade.
Mas aquele sábado me disse que não queria estudar. E afinal, passamos mesmo um mês apenas estudando, todas as semanas, e precisávamos de descanso.
“Nós nos vemos todos os dias” ela me disse. “E ficamos juntos quase todos os dias, sempre estudando. Por que não fazemos algo que seja legal de verdade juntos?”
É claro que eu queria dizer que tudo o que eu fazia com ela, não importando o que fosse, acabava por tornar-se legal. Não seria mentira. As últimas semanas foram muito mais divertidas do que eu pensei que seriam, mas apenas concordei, porque eu sabia que aquilo não daria em nada mesmo. vivia me dizendo que assim que as notas dela melhorassem, ela me esqueceria. E, de certa forma, eu acreditava.
Então eu estava dirigindo o carro dela até o cinema - porque sinceramente, sem ofensas, dirigia tão mal que me deixava em pânico ao lado dela – enquanto eu pensava em todas essas coisas, e estranhamente ela não estava me interrompendo.
- Por que você está tão quieta? – eu perguntei, embora também estivesse. Mas afinal, aquilo era meio normal.
- Pensando em umas coisas – ela me respondeu distante e então sorriu – Que filme você quer ver?
- Qualquer um que não seja romance – fiz uma careta para o gênero.
- Ei! Qual o problema com os romances? – ela parecia indignada e eu balancei a cabeça.
- São todos iguais, ! É muito chato, eu durmo toda vez que vejo um!
riu e me deu um soquinho no ombro, de brincadeira.
- Você nunca deve ter visto um bom de verdade então – disse – Mas tudo bem, também não quero ver romances. Que tal uma comédia? Eu gosto de ver você rindo.
Sorri, um pouco sem graça.
- Estou começando a deixar de acreditar que você só gosta de apreciar a minha beleza, viu? – provoquei e ela gargalhou dessa vez.
- É que você é muito sério – ela explicou – Todas as vezes que eu te vejo na escola, ou até quando está na sua casa, você tá tipo assim – e fez uma cara emburrada que me fez rir – Ta vendo! Você fica bem melhor desse jeito.
- Se é que isso te ajuda – eu disse, já bem próximo do cinema e procurando uma vaga para estacionar – Eu sorrio bem mais com você por perto.
Eu encontrei a vaga e tive tempo de estacionar perfeitamente antes que respondesse.
Quando olhei pra ela, seu rosto ainda estava meio vermelho.
- O que foi? – achei graça de sua cara.
- Nada – ela disse e revirou os olhos – Só fui pega um pouquinho de surpresa – ela riu e saiu do carro.
Saí também, e de novo eu me sentia feliz demais por estar perto dela.
“Isso vai acabar logo” disse para mim mesmo, e então entramos no cinema para comprar nossos ingressos.
O dia seguinte era sábado, mas eu estava de folga, pois era feriado e somente metade dos empregados trabalhavam aquele dia e, como eu trabalhara no feriado passado, agora era minha vez de ficar em casa. Tinha pensado em ficar jogando o dia todo, mas por algum motivo ficava lembrando do dia anterior e rindo sozinho dos comentários de sobre o filme, e aí acabavam me matando no jogo porque eu estava distraído demais pensando nela.
Com vários suspiros de frustração durante o dia, às 5h eu comecei a me arrumar e peguei um ônibus para o shopping.
Aquele não era exatamente o destino que eu tinha em mente e sim a lanchonete em frente, aquela que eu nunca frequentara, mas onde trabalhava.
Não sabia o que eu tinha pensado indo até ali. Talvez estivesse apenas querendo sair de casa, andar um pouco, já que de qualquer forma a veria aquele dia na minha casa depois que ela saísse do trabalho.
Mas eu estava com uma estranha urgência em vê-la. E aquilo me preocupava tanto quanto o fato de eu ter obedecido aos meus pensamentos e ido parar ali.
Entrei na lanchonete e o local era totalmente retrô. O piso era quadriculado, preto e branco. As mesinhas eram retangulares, e ao redor dela ficavam sofás de estofado vermelho. Havia quadros em quase todas as paredes de celebridades e cantores antigos. No centro, havia um balcão bem grande, onde bancos altos também com estofado vermelho ficavam em volta.
Garçonetes vestidas como andavam pelo local com bandejas em mãos, e havia mais algumas atrás do balcão, fazendo shakes, atendendo os clientes e limpando.
It’s Now or Never, uma das únicas músicas do Elvis Presley que eu conhecia tocava ao fundo, e eu tive que admirar o local. Pelo que eu entendia daquela época, parecia muito bom. Era como se eu tivesse entrado em uma máquina do tempo. Ou em um carro que viajava pelo tempo, como o do Dr. Brown, e eu era o Marty McFly que acabara de voltar para 1955.
Parei por um tempo, procurando com os olhos, e esquivei-me de uma outra garçonete dizendo que estava apenas esperando alguém.
Quando encontrei-a, estava atendendo algum cliente mais no fundo com aquele sorriso bonito dela, e meu corpo pareceu que esquentou só de vê-la. Aquilo, definitivamente, era muito estranho.
Caminhei até lá e sentei-me no sofá atrás da pessoa que ela estava atendendo, e quando acabou, ela dirigiu-se até a minha mesa.
- Posso ajudá-lo? – disse, e então arregalou os olhos por um momento ao me reconhecer – !
Sorri, e ao mesmo tempo que fiz isso, ela sorriu de volta.
- O que faz aqui?
- Estou te esperando para estudarmos – dei de ombros – Agora você pode anotar meu pedido?
Ela riu, e havia um brilho diferente nos olhos dela, como se estivesse realmente feliz por me ver.
- Claro, o que o senhor deseja? – disse, fazendo uma voz séria e pegando um bloquinho de anotações – Temos sucos e shakes de todos os sabores. Também temos cafés, refrigerantes e chás.
- Tem chocolate quente? – perguntei, depois de pensar por alguns momentos e ela assentiu, erguendo uma sobrancelha para o pedido – E pão de queijo?
Dessa vez ela sorriu, e eu sabia que estava se lembrando da primeira vez que estudamos juntos, quando foi exatamente aquele o pedido dela.
- Já trago.
E virou-se para ir até o balcão, mas antes de chegar lá, ainda olhou por cima do ombro, para mim, como se para checar se eu estava mesmo lá.
E seria uma baita mentira se eu dissesse que não fiquei feliz por ver que ela estava sorrindo.
Poucos minutos depois de vir com o meu pedido, sentou-se à minha frente com um sorriso.
- Meu horário acabou – e então bebericou do meu chocolate quente, quase se engasgando quando foi rir da cara feia que eu fiz – Ei, foi só um pouquinho! – ela se defendeu e eu revirei os olhos, puxando a xícara pra mais perto de mim quando ela colocou sobre a mesa, ainda fingindo estar bravo. – Egoísta.
Ri um pouco.
- Quer estudar aqui mesmo? – perguntei e ela assentiu.
- Você trouxe os livros?
- Hm, não – respondi, me sentindo idiota – Eu esqueci... Mas podemos revisar tudo que já vimos, não pode ser?
assentiu novamente e pegou o caderno dela, que estava dentro da mochila.
Abriu-o, ainda sentada de frente pra mim, e arrastei-me no sofazinho para ficar ao lado dela.
Quando cheguei bem perto, me olhou com um sorrisinho e então voltou-se para o caderno, deixando que eu me perguntasse se ela realmente sorria tanto, daquele jeito tão sincero, o tempo todo com qualquer outra pessoa. Porque a impressão que eu tinha – ou talvez a que eu queria ter – era que ela só dedicava aquele tratamento a mim.
Estudamos por quase uma hora, mas ali era difícil, porque as músicas eram sempre animadas e as pessoas também, e acabávamos nos distraindo.
Depois que um cara entrou com uma roupa chamativa e começou a dançar enquanto fazia os pedidos, nós desistimos de estudar de verdade.
- Parece um lugar legal para trabalhar – comentei e ela me olhou.
Os cabelos dela estavam presos naquele rabo de cavalo alto ainda, e ela não parecia estar usando maquiagem nenhuma, o que fazia eu me perguntar por que, mesmo assim, ela ainda parecia tão bonita.
- É bem divertido, eu gosto muito – ela respondeu – Alguns dias nem parece que é trabalho de verdade.
- Queria ter um assim.
- Deixa um currículo aqui – ela disse – E venha trabalhar comigo! Já consigo até imaginar você com um topete enorme e roupas brilhantes.
- É claro – revirei os olhos e falei com sarcasmo – Eu ficaria realmente muito bonito assim.
- Não tenho como discordar – respondeu e eu ri.
- Você tá muito engraçadinha hoje.
Tirei meus óculos, porque eles estavam um pouco sujos, e antes que limpasse as lentes a voz de chegou de novo até meus ouvidos.
- Olha pra cá.
Olhei-a, e com ela virada para mim também, nossos rostos ficavam a apenas uns 30 centímetros de distância.
- O que foi? – perguntei e via o sorriso dela, meio embaçado agora sem os óculos.
- Você tem olhos muito bonitos, .
Virei pra frente, agora limpando os óculos bem depressa e rindo para esconder o constrangimento.
Quando coloquei-os de volta e olhei-a novamente, ela me encarava de um jeito intenso, e sem saber exatamente por que, o constrangimento passou e deu lugar a uma estranha urgência de fazer com que ela se sentisse tão bem quanto eu me sentia quando ela me dizia aquelas coisas. Então eu segurei uma mecha do cabelo dela que tinha se soltado, arrumando-o atrás de sua orelha.
- Você não tem só os olhos muito bonitos, .
Diferente do que eu imaginei, ela não ficou vermelha como no dia anterior. Suspirou e então olhou para baixo, e reparei que as mãos dela se remexiam nervosamente.
- , eu queria te dizer uma coisa que pode soar um pouco estranha, mas... – ela parou de falar por alguns segundos, e meu estômago parece que começou a revirar. Eu estava nervoso – Depois desse tempo que passamos juntos, eu... eu acho que comecei a... – respirou fundo – acho que eu gosto de...
E então aquele cara de antes, que estivera dançando, levantou-se e começou a cantar, tirando nossa atenção daquele momento e me fazendo querer socá-lo por isso.
Eu não queria me enganar, pensando que diria que gostava de mim... mas que outra coisa ela poderia estar prestes a dizer?
Quando a garota me olhou novamente, foi bem breve, como se agora ela estivesse constrangida.
- O que você estava dizendo?
Ela riu, mas eu percebi que era uma risada meio nervosa.
- Nada. Só que eu acho que gosto mais do bolo da sua mãe do que do meu – ela virou-se pra frente e passou as mãos pelo rosto – Você acha que ela fez um hoje?
Decepcionado, e um pouco triste também, assenti.
- Quer ir lá em casa pra ver?
6.
A primeira nota boa dela veio na semana seguinte. E eu soube sem que ela tivesse sequer chegado até mim.
Foi na hora da saída, quando eu estava me dirigindo para o portão e ela já estava do lado de fora da escola.
Quando a vi estava na ponta dos pés, procurando por mim no meio dos alunos que deixavam a escola e quando ela me achou, deu um sorriso gigante e sacudiu uma folha em suas mãos.
Caminhei até lá, um pouco inseguro pois ela estava junto de alguns amigos, mas eles não pareceram sequer ligar para a minha presença quando cheguei mais perto.
- UM B! – quase gritou e eu sacudi a cabeça, rindo da animação dela.
- Sabia que não ia demorar muito – estendi a mão para ver a prova, e quando constatei que ela realmente tinha tirado um B, encarei-a – Parece que alguém não vai mais precisar de aulas, hein?
Ela deu de ombros e pegou a folha de volta.
- Pois é – estava mordendo o canto do lábio meio que em uma careta, como se não tivesse gostado do que eu disse.
Encaramos-nos nos olhos por um tempo, o que foi meio constrangedor, então arrumei meu óculos e sorri sem mostrar os dentes.
- Até qualquer dia então.
Já estava uma quadra longe da escola, quase no ponto de ônibus, quando ouvi-a me chamar.
Quando virei, estava andando na minha direção, agora sozinha.
- Que hora você tem que entrar no trabalho? – perguntou e eu olhei no relógio.
- Daqui a exatamente uma hora – respondi – Por quê?
- Quer ir tomar um sorvete comigo?
- Você não vai se atrasar?
Ela deu de ombros.
- Um dia só. Não vai ter problema.
Então começamos a andar, lado a lado, até a sorveteria mais próxima.
E parecia haver algo de errado comigo. Ao mesmo tempo que eu sentia uma espécie de angústia, porque parecia que não a veria mais, pelo menos não do jeito que já estava acostumado, também tinha uma ansiedade estranha.
caminhava quietinha ao meu lado, e o fato de não estar falando me deixava cada vez mais angustiado.
- E então – eu comecei, tentando desesperadamente me forçar a pensar em algum assunto – Você, hm... Gosta de... Hm...
- Sim – respondeu, antes que eu pudesse sequer dizer do que, parecendo achar graça do meu embaraço – Eu adoro sorvete. – ela segurou a minha mão, me puxando com ela para atravessar uma rua, mas quando chegamos ao outro lado ela não soltou – Prefiro de chocolate. Porque chocolate é a melhor coisa que já fizeram. E você?
Olhei para as nossas mãos, sem saber o que dizer daquele contato, e apertei a mão dela um pouquinho entre a minha, de uma forma que achei que seria carinhosa e a incentivaria.
- Eu gosto de baunilha... Ei, não faça essa cara – reclamei quando fez cara de nojo – Eu me abro com você e você me julga?!
caiu na risada e eu ri um pouquinho também.
- Desculpa – ela disse, ainda com aquele sorriso bonito que a fazia parecer algum tipo de atriz famosa ou sei lá o quê. – Baunilha, ok. Cada um com seu gosto, né. - depois de um silêncio, ela começou: – E então... o que você vai fazer com todas as horas vagas que vai ter agora que não precisar mais passar os dias comigo?
Senti um aperto esquisito na garganta.
- Jogar. Era o que eu fazia antes.
- Você gosta?
- Sempre gostei muito. – Olhei-a de lado – E você?
- Bem, não sei... Talvez só voltar a... sei lá... viver a vida normalmente? – ela não parecia muito segura e eu sorri um pouco.
- Você pode ir me visitar de vez em quando. Minha mãe gostou de você – “e eu também”, queria acrescentar, mas percebi que mesmo antes de parar de vê-la, eu já estava arranjando desculpas para continuar fazendo isso. Não podia ser saudável. Por isso, completei com um: - Quando nós dois tivermos um tempo sobrando, é claro.
assentiu e soltou da minha mão quando chegamos à sorveteria. Depois que ela fez nossos pedidos e me fez brindar a nota boa usando os sorvetes, voltamos andando até o ponto de ônibus conversando aleatoriedades. me deu um beijo no rosto antes de ir embora. Seus lábios estavam gelados e meio grudentos por conta do sorvete, e aquilo me fez sentir um arrepio passar pelo corpo.
- Que tal mais uma semana de estudos? – ela disse, andando de costas a curtos passos, se afastando – Só mais uma? – pediu com uma carinha fofa, de um jeito que a deixava parecendo uma menininha, e eu senti um peso estranho sair do meu peito, só agora reparando que ele estivera lá.
Sorri de um modo que eu não estava muito acostumado ainda, bastante contente.
- Só se você fizer outro bolo pra mim – deu um daqueles sorrisos bonitos dela e concordou com a cabeça.
- Faço quantos você quiser, professor.
Revirei os olhos para o apelido, mas já tinha se virado.
Quando a observei ir embora, provavelmente até seu carro, foi que me dei conta de que eu realmente sentiria falta dela quando voltássemos a “viver a vida normalmente”, mas estava mais feliz do que deveria estar por ter adiado esse dia.
Na semana seguinte o professor Roger me abordou no corredor dos armários e ficou falando sobre as notas de .
- Eu sabia que você poderia ajudá-la – ele ia dizendo entusiasmado – Ela realmente é uma boa menina, só precisava da companhia certa e eu sabia que ela iria dar um jeito de melhorar!
Com um sorriso que parecia meio louco, ele foi embora e me deixou com cara de nada até me encontrar.
- E então? – ele disse – Você vai comigo e os outros caras pro boliche hoje à noite? Segunda e quarta é mais barato, você sabe.
- Tudo bem – eu disse, porque por duas semanas já tinha evitado aquilo, pois precisava ajudar . – Às seis, né?
Fui pra minha sala assim que confirmou e mandei uma mensagem para do meu celular.
“Hoje à noite vou sair com uns amigos. Podemos remarcar para amanhã?”
A aula chegou ao fim e ainda não tinha respondido, por isso procurei por ela na hora da saída mas não a encontrei.
Acreditando que ela deveria estar ocupada, não liguei muito e fui para o trabalho.
O dia passou lento como sempre. O mercado no qual eu trabalhava não era muito movimentado. Geralmente só as pessoas do bairro mesmo passavam ali para comprar e o trabalho era, na maior parte do tempo, entediante.
Por volta das três da tarde, meu celular vibrou e quando olhei, era uma mensagem de .
“Eu precisava falar com você. Não vai demorar muito tempo, não vou atrapalhar sua noite ;)”
E depois:
“Posso passar aí quando você estiver saindo?”
Respondi que sim, pensando no que poderia estar querendo me dizer, sentindo um nervoso estranho ao pensar no dia em que conversamos na lanchonete onde ela trabalhava e torcendo secretamente para ser a continuação daquele assunto, e quando finalmente saí, estava ansioso nem eu sei por quê para vê-la.
já estava lá, vestindo um casaco por cima de suas roupas de trabalho, apoiada de costas no seu carro, enrolando os fios de seu cabelo entre os dedos.
- Oi – eu disse quando me aproximei, e dei um beijo em seu rosto. – O que você queria falar comigo?
parecia um pouco nervosa. Colocou as mãos nos bolsos e deu de ombros.
- Eu só... – ela mordeu o lábio e depois suspirou – Bem, eu estava querendo te dizer isso há um tempo, mas nunca sabia como, e hoje eu não conseguia parar de pensar que não deveria deixar a oportunidade passar já que eu finalmente reuni coragem suficiente de novo...
Ela olhou para baixo e ficou chutando umas pedrinhas no chão, me deixando com a certeza de que ela me diria o que não disse aquele dia.
Apoiei-me ao lado dela, olhando-a.
- Pode falar.
Ela olhou pra mim e sorriu, um pouco sem graça.
Então moveu-se, deixando de se apoiar no carro para ficar na minha frente, e estava próxima o suficiente para que, se eu quisesse, pudesse me inclinar e dar-lhe um beijo.
Mas por que eu estava pensando nisso, de qualquer forma?
- Eu queria te dizer que esses dias têm sido muito confusos pra mim, mas, de algum jeito, quando estamos juntos... – ela parou de falar, parecendo pensar em como dizer o resto e de repente meu corpo ficou tenso. Achava que sabia o que ela diria, e queria mais do que poderia explicar que ela dissesse, mas como ela estava com as bochechas vermelhas e parecia não saber como continuar, inclinei-me para frente. Não exatamente para beijá-la, mesmo que uma grande parte de mim tivesse essa vontade há um tempo, mas para incitá-la a continuar.
- Quando estamos juntos...?
Ela olhou nos meus olhos e minha respiração ficou ofegante, sabe-se lá por quê. Talvez porque estivesse muito perto. Talvez porque fosse realmente bonita. Talvez porque ela estivesse prestes a dizer o que eu não tinha coragem de dizer.
E então uma buzina nos assustou, me fazendo dar um pulo. afastou-se e quando olhei para o lado, e outros de meus amigos estavam dentro do carro dele, acenando para mim.
Tinham vindo me buscar.
Fechando os olhos e respirando fundo, ouvi aproximar-se.
- Oi – ele disse – Você vai com a gente também?
Abri os olhos a tempo de vê-la negar, com um sorriso de desculpas.
- Não, eu tenho que estudar – ela disse, e como me olhou estranho, como se estivesse prestes a perguntar se eu ia mesmo ao boliche, ela acrescentou: - Só vim buscar um livro com o , mas já estou indo.
Então ela veio até onde eu estava no carro dela, apertou de leve meu braço e sorriu forçado.
- Aproveite.
já tinha ido embora há muito tempo, e eu já estava no carro junto com meus amigos. Já tinha respondido algumas perguntas sobre ela, sido zoado, alertado, mas mesmo assim meus pensamentos estavam longe.
Eu não queria que aquele momento tivesse sido interrompido. Porque duvidava que tentaria dizer o que queria uma terceira vez, e embora eu também quisesse dizer algo, não tinha a menor ideia de como fazer isso por ela.
7.
A semana extra de aulas virou duas. E depois três.
E quando notamos, nem precisávamos mais estudar. As provas já tinham passado, estávamos a uma semana do prazo para solicitarmos vagas em faculdades, mas mesmo assim continuávamos nos encontrando. Na casa dela, na minha, na lanchonete onde trabalhava...
E ela também começara a passar alguns dias comigo no intervalo, o que fez e meus amigos estranharem um pouco, mas não tinha jeito com ela. Aqueles sorrisos alegres e as conversas engraçadas acabavam ganhando todo mundo, e já não fazia mais sentido nenhum achar que ela simplesmente me esqueceria quando nossos encontros acabassem.
Porque já tivera a chance, várias vezes antes, de acabar com eles. E mesmo assim continuávamos nos encontrando.
Então eu tinha certeza que no dia que decidíssemos não nos encontrar mais, demoraria provavelmente o mesmo tempo que eu demoraria para esquecer todas aquelas horas com a companhia boa dela. O que eu relutava em admitir mesmo é que esse tempo seria bem longo.
Para minha tristeza, a sexta-feira chegou e era o último dia que nos veríamos fora da escola. Decidimos alguns encontros antes que mandaríamos nossas inscrições para as universidades juntos, na casa dela, como um tipo de despedida dos nossos estudos, por isso lá estava eu, em pé atrás dela, que estava sentada em uma cadeira de frente para o computador em seu quarto. Enquanto ela terminava as inscrições, comentávamos sobre as variadas universidades.
Por incrível que pareça, ela me ajudou enormemente durante a semana com minha carta de apresentação. Eu era horrível para esse tipo de coisa, e me deu dicas valiosas.
Quando terminamos, ela girou a cadeira e ficou de frente para mim.
Levantou a cabeça, para me olhar, e um daqueles sorrisos bonitos que eu queria que fossem só pra mim brincava em seu rosto.
- Terminamos – ela disse, contente, e então se levantou.
A distância entre a gente agora era mínima, e quando ela me abraçou, eu segurei-a com força contra mim.
- Obrigada, – disse ao meu ouvido – Tenho certeza que se eu conseguir algo, vai ser graças à ajuda que você me deu.
Sorri, acariciando os cabelos dela, e então dei um beijo em sua cabeça, me sentindo estranho e bem ao mesmo tempo por fazer aquilo.
- Não precisa agradecer – respondi – foi muito bom passar esses dias com você, – disse sincero e ela se afastou de mim.
- Acho que é isso então – a menina suspirou e mordeu o lábio inferior, o que me fez encará-lo e ter uma vontade idiota de mordê-lo também. – Nos vemos na escola? – ela disse insegura, e eu comecei a sentir um aperto esquisito no peito.
Na escola não era a mesma coisa.
Não era como quando estávamos só eu e ela.
- Você quer ir ao cinema comigo hoje? – soltei em resposta, sabendo que aquela era uma pergunta estúpida. tinha um monte de amigos, com certeza tinha um milhão de coisas melhores pra fazer em uma sexta à noite.
Mas um brilho de alegria apareceu nos olhos dela quando sorriu e assentiu.
- Claro! Vou me trocar.
Foi me empurrando pra fora do quarto enquanto eu ria e antes de fechar a porta, me disse:
- Espere lá embaixo, juro que não demoro.
Concordei e desci as escadas, sentando-me no sofá da sala e passando as mãos pelos cabelos, tentando nervosamente arrumá-los.
Nós já tínhamos ido ao cinema juntos, mas aquela vez me parecia diferente. E eu tinha uma esperança boba de que alguma coisa boa aconteceria, como beijá-la no escuro, no meio do filme, e finalmente descobrir como era fazer isso.
A campainha soou e eu me assustei.
A mãe e o irmão dela ainda estavam trabalhando, e gritou lá do quarto pra que eu abrisse a porta.
Dando de ombros, caminhei até lá e abri, encontrando um homem de uns 40 anos parado do lado de fora. Ele tinha a minha altura, os cabelos de , uma barba mal feita e uma expressão estranha no rosto.
- Quem é você? – ele me perguntou e eu ergui uma sobrancelha.
- Sou um amigo da – respondi. – Ela está lá em cima. Posso ajudá-lo?
O homem revirou os olhos e passou por mim sem que eu tivesse tempo de detê-lo, e então ouvi os passos de descendo a escada.
- Quem era? – ela perguntou, mas então viu o homem parado no meio da sala. – Ah.
Parou no degrau que estava, olhou pra mim e depois pra ele e então respirou fundo, terminando de descer.
Não pude deixar de notar que ela estava muito bonita. Os cabelos estavam soltos, o rosto maquiado, e ela usava um batom que fazia um contraste legal com a sua cor de pele.
- Pai, esse é o – ela me apresentou de má vontade, e eu percebi que aquela expressão alegre dela já era – , esse é meu pai.
Caminhou até ele então e cruzou os braços.
- A mãe está trabalhando ainda – informou e ele deu de ombros.
- Vim falar com você.
bufou.
- O que você quer agora?
- Você sabe o quê – o homem revirou os olhos novamente – Sou seu pai, te ajudei a vida inteira, e agora que eu preciso você me nega ajuda?
olhou para mim.
- Pai, nós temos visita, se você puder por favor ser mais gentil...
- Você deveria ser mais gentil, criança ingrata – ele reclamou, e não parecia sequer ligar pra minha presença ali – Pra que você vai usar esse seu prezado dinheiro, afinal? Gastar com baladas? Porque duvido que você consiga realmente fazer algo que preste com ele.
- Ei – interrompi, desacreditando e ficando imadiatamente com muita raiva – vai usar o dinheiro pra faculdade! Eu mesmo estive ajudando ela a estudar pra que consegui...
- Esse é um assunto de família, garoto – ele me interrompeu – você não deveria se meter. Essa idiota pode estudar por mais 10 anos que não vai conseguir nada mesmo.
Sentindo a raiva pulsar em minhas veias, avancei na direção dele, mas entrou na minha frente e colocou a mão no meu peito.
- Deixa pra lá – ela disse, baixo – Não vale à pena.
Mas os olhos dela estavam marejados e aquilo só me fez querer bater naquele cara.
Eu nunca fui de brigar, mas não podia deixar que ele falasse daquela forma com ela.
Vendo minha expressão assassina, o homem começou a rir, desdenhoso.
- Solte ele, . Vamos ver o que seu amiguinho consegue fazer.
- Fique quieto! – ela gritou – Já não basta tudo o que me disse da outra vez?
Ele começou a dizer algo, mas eu me adiantei, tirando da minha frente, e o empurrei.
Acho que por não ter estado devidamente apoiado, o homem desequilibrou-se e caiu.
- ! – gritou, mas quando o pai dela se levantou, me olhando furioso, ela colocou-se na frente dele – Você não vai encostar nele! – Disse, e agora ela estava chorando de verdade enquanto o empurrava pra fora – E eu não vou te dar dinheiro nenhum. Mesmo que eu não consiga ir pra faculdade, queimo o dinheiro todo, mas não entrego nada a você!
Ainda com um olhar assassino, ele foi pra fora dizendo que ela era ingrata e xingando-a de um jeito que eu não esperava que um pai fizesse.
Quando trancou a porta, ele deu um chute nela que quebrou a madeira embaixo, e eu quis sair e bater nele de verdade, mas de novo me impediu.
- Deixa – ela disse – Por favor, deixa pra lá.
E como ela ainda chorava, eu percebi que não podia deixá-la de lado. precisava de alguém.
Puxei-a para um abraço e pedi desculpas pelo que fiz, agora me sentindo um pouco envergonhado, embora não arrependido.
- Eu não achei que ele fosse assim tão ruim – admiti.
- Ele não é – ela respondeu, e sua voz saiu abafada por seu rosto estar contra minha pele – Eu não sei o que aconteceu com ele desde que foi embora, ele não era desse jeito.
Então se afastou apenas o suficiente para olhar pra mim.
- Não queria que você tivesse visto isso. Por favor, não conte pra ninguém, eu não poderia suportar que outras pessoas soubessem...
- Ei – segurei seu rosto entre minhas mãos – Você pode confiar em mim. Eu nunca diria isso pra ninguém.
assentiu e então se afastou, indo até a porta e arrumando as lascas da madeira que haviam se soltado, fazendo o possível para que não ficasse um buraco tão visível ali enquanto ainda fungava.
Ajoelhei-me ao seu lado e ajudei, me sentindo extremamente mal por ela. Principalmente porque eu não sabia como ajudar.
- Vamos sair daqui? – convidei e ela negou com a cabeça.
- Desculpa, , mas eu não quero mais ir ao cinema depois disso.
- Vamos pra minha casa – chamei – ficamos lá conversando.
me olhou e parecia que ia negar.
- Vamos – pedi, olhando-a nos olhos – Não quero que você fique aqui, só te fará lembrar mais ainda do que aconteceu.
- Tudo bem. – ela suspirou - Vou avisar minha mãe.
foi até o banheiro, tentou dar um jeito na maquiagem ao redor dos olhos, que ficara toda borrada, e então ligou para a mãe dela, explicando sem dar muitos detalhes o que acontecera e dizendo que não queria ficar ali.
Quando a mãe dela disse que já estava quase na esquina, nós fomos até o carro de e eu dirigi até a minha casa, ainda me sentindo um idiota por não saber como confortá-la.
8.
Quando chegamos, minha mãe não nos incomodou tanto porque já estava trancada em seu quarto assistindo alguma coisa na TV, por isso pudemos ir até meu quarto sem problemas.
parecia tão abatida pelas coisas que o pai disse, e por eu ter presenciado tudo, que mal falava comigo, e aquilo estava me deixando louco.
Percebi que odiava vê-la daquele jeito, era a garota mais legal que eu conhecia, não podia – nem merecia – ficar triste.
Eu não sabia como confortar quem quer que fosse, mas já a conhecia o suficiente. Era daquelas pessoas que gostavam de carinho, de contato. Por isso, sem sequer me sentir constrangido mais, assim que fechei a porta eu puxei-a para os meus braços, sem que oferecesse qualquer relutância em me abraçar pela cintura, e acariciei seus cabelos .
- Eu não sou muito bom com essas coisas – admiti, baixinho, perto do ouvido dela – Então me fale o que eu posso fazer pra te ajudar – pedi – Odeio ver você sem aquele sorriso bonito.
apertou um pouquinho mais seus braços em volta da minha cintura, mas não disse nada.
- – chamei-a, me sentindo angustiado – Eu faço qualquer coisa!
Ela levantou o rosto e riu, e aquilo me fez sentir um alívio imenso.
- Qualquer coisa? – ergueu uma sobrancelha e fez uma cara de sapeca.
- Sim – respondi, convicto, e então ela sorriu daquele jeito verdadeiro.
- Você tem sorvete aí?
- Hm – pensei – acho que tem um restinho de um pote que comprei essa semana – tentei lembrar – Você quer?
- Quero sim – respondeu, e então soltou-se de mim – mas quero que você faça um bolo pra mim também.
- ... – eu disse, quase rindo, e ela riu junto.
- Bolo com sorvete é gostoso – respondeu – e vai alegrar meu dia. Vamos, você disse que faria qualquer coisa! – ela cobrou e eu revirei os olhos – Vamos, ! Eu te ajudo.
Queria recusar, mas a verdade é que eu realmente tinha falado sério quando disse que faria qualquer coisa para ajudá-la.
Por isso, com cara de quem estava indo para a forca, eu puxei-a comigo, segurando a mão dela entre a minha até a cozinha.
ia me dizendo o que fazer no começo, e, pra falar a verdade, eu só peguei os ingredientes mesmo. Porque na hora de colocar a mão na massa, o maior progresso que consegui foi sujar minha camisa toda de farinha de trigo.
- ! – ela gritou pra me avisar que eu estava me sujando também quando virava o trigo em um pote, mas já era tarde demais, e ela ria alto.
- Bom – eu disse, observando o estrago – pelo menos você está rindo agora.
Ela veio até mim, para tentar me ajudar, e como ainda ria eu passei minha mão suja de trigo no rosto dela, pra que ficasse suja como eu, e ela me bateu de brincadeira.
- Não acredito que você fez isso! – disse, mas aquele sorriso inconfundível de felicidade estava estampado em seu rosto, e eu me sentia muito bem por tê-lo colocado lá.
E então ela assumiu dali em diante, e eu tentava atrapalhá-la de vez em quando, apenas porque era engraçado, e mesmo que tivesse acontecido algo bem ruim aquele dia, já era uma lembrança distante, e eu podia dizer que estar naquela cozinha com ela era um dos momentos mais felizes que já tive ao lado da garota, o que não era pouca coisa.
Quando colocou o bolo no forno, começamos a contar meia hora para que ficasse pronto, e eu puxei-a comigo para a bancada da cozinha, encostando-a lá e parando na frente dela, tentando limpar sua bochecha que ainda estava um pouco suja de trigo.
Enquanto eu fazia isso, sentia o olhar dela sobre mim, e quando acabei e a encarei, de novo aquele brilho bonito nos olhos.
- O que foi? – perguntei e ela balançou a cabeça.
- Nada. Só... nada – ela sorriu de um jeito tímido.
- Tava apreciando minha beleza de novo? – brinquei e ela riu.
- Você ficou muito convencido, não devia ter te falado nada!
Sorri e ela colocou o dedo indicador em minha bochecha, no lugar que a covinha que ela disse achar bonita aparecia.
- Ei – chamei sua atenção – Não liga para o que aquele cara disse, tá bom? Nada daquilo era verdade. Eu tenho certeza que você vai conseguir muitas coisas boas na sua vida.
sorriu.
- Obrigada, . E obrigada também por ter me defendido. Foi muito legal da sua parte.
Sorrimos um para o outro, e eu comecei de novo a pensar em como seria ruim não tê-la mais ali comigo. Só vê-la de longe, na escola, e acenar como se nunca tivéssemos passado aquele tempo juntos.
Estava prestes a confessar aquilo tudo e dizer que não queria que acontecesse, torcendo pra que ela também não quisesse, mas minha mãe entrou na cozinha antes que eu reunisse a coragem necessária.
- Hmmm, que cheirinho bom...
- É o bolo que o fez – disse e caminhou até o forno, para ver como ele estava, e minha mãe me olhou de boca aberta.
Revirei os olhos.
- Eu sei o que você vai dizer – falei entediado – Milagres acontecem, vai chover hoje, blá-blá-blá.
Ela riu e também, e então ficamos os três conversando sobre as universidades que acabáramos de nos inscrever e o futuro incerto, parando só quando fui ajudá-la ao reparar que a menina já estava tirando o bolo do forno.
Poucos minutos depois, estávamos comendo bolo com sorvete, e realmente ficava muito gostoso.
Depois de minha mãe elogiar várias vezes o bolo, ela foi dormir e ficamos nós dois sozinhos na cozinha limpando a bagunça que fizemos.
Agora, a única coisa suja era minha roupa.
- Vamos lá em cima pra eu trocar essa blusa?
assentiu e fomos para o meu quarto.
Ela foi para a varanda enquanto eu procurava uma blusa, e depois de tirar a suja e trocar rapidamente, fui até lá e encontrei-a observando o céu.
- Ajudei a te alegrar com o bolo? – perguntei e ela sorriu.
- Ajudou sim.
- Mas você já esta ficando triste de novo, não é?
Ela me olhou de lado, e eu sabia que estava. Dava pra ver em seus olhos.
- Um pouco.
- Você quer que eu te deixe em alguma festa ou algo assim? – perguntei, sabendo que não tinha realmente mais nada que eu pudesse fazer para ajudá-la.
virou-se de frente pra mim com uma expressão estranha.
- Por que está dizendo isso?
Dei de ombros, olhando pra ela.
- É uma sexta-feira à noite – disse – Você é uma menina que tem bastante amigos. Tenho certeza que tem algo melhor pra fazer do que ficar aqui comigo.
Ela riu, mas foi um riso sem graça.
- Não é a mesma coisa.
- Como assim? – ergui uma sobrancelha, e ela fugiu do meu olhar.
- Não é tão bom quanto quando estou com você. – e então me encarou – Mas se você quiser que eu vá, tudo bem.
- Não! – quase gritei, sentindo uma sensação estranha no estômago – Não era isso. Só achei que talvez fosse te ajudar ou algo assim...
virou-se de volta, voltando a encarar o nada, e eu a observei por longos segundos.
- Toda vez que eu tento falar disso, alguma coisa interrompe – queixou-se, ainda sem me encarar, e suspirou longamente.
- Agora não tem nada que vá te interromper – encorajei e ela olhou para as próprias mãos, que estavam apoiadas no parapeito.
- Tudo bem – disse, voltando a olhar para a frente – Antes eu saía com esses meus amigos, ia às festas e tudo o mais... mas nunca pareceu tão bom assim. Era sempre a mesma história. Fofocas, conversas inúteis, pessoas querendo se mostrar... Sempre me pareceu bem idiota, sabe, mas todos os meus amigos estavam por lá e eu acabava indo também... – suspirou novamente – E aí eu comecei a passar um tempo com você. E de alguma forma, você consegue me fazer esquecer todas as lembranças ruins de um jeito que nenhuma das pessoas com quem eu passava meus dias conseguia... E as coisas começaram a fazer sentido. Como se de repente tudo valesse mais à pena com você.
Um sorriso já estava se formando no meu rosto, e meu corpo parecia meio febril. Eu tinha gostado de ouvir aquilo.
- E então eu comecei a te conhecer melhor – ela continuou – e foi incrível a forma como você foi melhorando aos poucos. Antes todo sério comigo, agora desse jeito tão diferente, quase carinhoso. – percebi que ela sorria ao dizer essas palavras – e você realmente é muito bonito, . E então começou a me parecer uma ótima recompensa por todos os dias de estudo se no final ficássemos, sabe... juntos.
Ela ficou quieta, e então eu percebi que era a minha vez de falar algo, responder o que quer que fosse, mas eu não fazia ideia do que dizer. Só queria muito que ela olhasse pra mim agora.
começou a remexer as mãos nervosamente e então voltou a falar.
- Eu sei que isso deve estar soando totalmente estranho, mas por favor, não me afaste só por isso. Eu não quero perder contato com você. Queria poder continuar adiando a hora de acabar com essas aulas, mas não posso mais, então só não me deixe muito longe, tá bom? Eu não falo mais disso se você não quiser, mas continue sendo meu amigo e me trazendo aqui e...
- – interrompi-a e segurei seu braço, virando-a gentilmente para mim.
Quando ela me encarou, as bochechas vermelhas, os olhos atentos, a única coisa que eu queria fazer era abraçá-la e nunca mais soltar.
- Oi? – ela disse, e então eu sorri, segurando seu rosto entre minhas mãos e puxando-a para mais perto de mim.
- Eu já entendi. E eu quero a mesma coisa.
E então encostei minha boca na dela, em um selinho demorado, que lentamente começou a se tornar um beijo de verdade.
Meu coração batia forte contra o peito, e minhas mãos acariciavam o cabelo dela, e eu sabia que não conseguiria soltá-la tão cedo, porque depois de dois meses ao seu lado, eu finalmente podia dizer que aquele beijo era o melhor que eu já tinha provado.
9.
Eu conseguia ver a marca do batom dela por todo meu corpo, no lugar que distribuíra beijos, e todas elas pareciam que estavam exatamente no lugar certo, como uma obra de arte.
Deitado na minha cama, coberto apenas por um lençol, apoiando a cabeça em meu braço, eu a observava na varanda. Estava parada em uma pose pensativa, e ela parecia perfeita ali, vestindo as minhas roupas íntimas, com o cabelo meio bagunçado caindo pelas costas, uma blusa também minha sobre o corpo e que ficava larga demais nela.
Fechei os olhos, tentando entender o fato de que eu tinha beijado várias vezes aquela noite, acariciado seu corpo, tirado sua roupa... e que ela também parecia maravilhada com aquele fato, tanto quanto eu estava.
E quanto mais pensava nela e a observava, mais tinha certeza que eu estava perdido.
Perdido por finalmente aceitar o fato de que eu gostava dela.
Levantei e vesti meu short, caminhando até ela na varanda, abraçando-a por trás e apoiando minha cabeça em seu ombro.
- O que tá fazendo? – perguntei, e senti ela estremecer nos meus braços, em um arrepio.
- Só pensando.
- No quê?
soltou-se do meu abraço, apenas para ficar de frente pra mim e passar seus braços pelo meu pescoço.
- Que isso parece muito surreal – ela sorriu e eu também.
- Eu sei – concordei – mas tá acontecendo de verdade, por mais incrível que pareça.
Ouvi seu riso e me senti mais feliz ainda.
Fechei os olhos, apoiando meu rosto na curva de seu pescoço e sentindo o cheiro gostoso que ela emanava. E tudo que eu tinha vontade era de beijá-la e fazer tudo que fizemos antes de novo.
ficou acariciando meu cabelo, até que consegui juntar as frases necessárias em minha cabeça para dizer algo aceitável.
- Mais cedo você fez uma declaração bem legal – eu comecei, agora me afastando para olhá-la – e como eu não respondi, posso fazer isso agora?
Ela assentiu, encostando seu nariz no meu, e eu respirei fundo.
- Eu passei um tempo tentando não pensar em você desse jeito – apertei-a um pouquinho mais contra mim – porque achava que logo que suas notas melhorassem você iria sumir. Mas não tem como não gostar de você, – olhei-a bem de pertinho – não dá pra não gostar desse teu jeito alegre, desse teu sorriso lindo, da sua risada gostosa. E eu sou um covarde, porque fiquei esse mês inteiro pensando em como seria horrível não ter mais você tão perto depois de hoje, mas não tive coragem de falar.
Ela pareceu que ia me interromper, mas dei um beijo de leve em seus lábios e continuei.
- Eu já não queria que isso acabasse antes – confessei – Agora então, só se eu fosse louco.
Ela sorriu e me beijou de verdade dessa vez.
- Não precisa acabar agora – disse quando me soltou. – Eu com certeza não quero que acabe agora.
Puxei-a de volta para o quarto, jogando-a de novo na cama enquanto ela ria.
Quando me deitei em cima dela, eu tinha certeza que aquele era o maior sorriso que eu já tinha dado na vida.
- Então vamos estudar mais um pouco – eu disse, e comecei a levantar a blusa que ela vestia – Um pouco de anatomia dessa vez, o que acha?
Ela gargalhou da minha piada idiota e eu ri também, mas logo interrompi aquilo para dar-lhe um beijo, porque ela era tudo o que eu queria, e eu já tinha perdido muito tempo.
Não perderia mais nem um segundo.
Fim.
Nota da autora: Então... essa é o primeiro ficstape do qual participo, e devo admitir que AMEI demais ter tido a chance de participar. Achava o projeto incrível desde o começo, mas, agora, acho mais incrível ainda!
Espero que tenham gostado da fic! ;)
Se quiserem ler outras fics minhas, aqui vai a listinha.
Outras Fanfics:
Em andamento:
The Hardest Part (Outros)
Finalizadas:
Story Of Us (McFLY, Restrita) – Longfic;
5 Canções (McFLY);
All We Ever do Is Say Goodbye (Outros) – Songfic;
Anatomia (The Maine, Restrita);
Famous in My Heart (Outros);
I Know I’m Not Alone (Outros) – Songfic;
Last Night With You (Outros);
Love is on The Radio (McFLY) – Songfic;
Lovely (Outros);
My Daydream Away (All Time Low);
Pequeno Infinito (The Maine);
Sorriso Fugitivo (Outros, Não-Interativa);
Without The Love (Outros) – Songfic.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Espero que tenham gostado da fic! ;)
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Outras Fanfics:
Em andamento:
The Hardest Part (Outros)
Finalizadas:
Story Of Us (McFLY, Restrita) – Longfic;
5 Canções (McFLY);
All We Ever do Is Say Goodbye (Outros) – Songfic;
Anatomia (The Maine, Restrita);
Famous in My Heart (Outros);
I Know I’m Not Alone (Outros) – Songfic;
Last Night With You (Outros);
Love is on The Radio (McFLY) – Songfic;
Lovely (Outros);
My Daydream Away (All Time Low);
Pequeno Infinito (The Maine);
Sorriso Fugitivo (Outros, Não-Interativa);
Without The Love (Outros) – Songfic.
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