Capítulo Único
Janeiro
Olhei para o céu iluminado com os fogos de artifício. Senti a brisa da maresia no meu rosto, a esperança de um ano novo repleto de novas experiências. Sonhos a serem realizados, os objetivos escritos no meu planner a dias de acontecerem. 365 dias de novas oportunidades. Era clichê, eu sei, mas ano novo sempre foi o meu feriado favorito por esse motivo.
Eu sempre amei começos. Primeiro dia de aula, primeiro mês de namoro, primeiro capítulo de um livro novo. O frio na barriga pela expectativa e o desejo de coisas boas. E era exatamente assim que eu me sentia naquele primeiro de janeiro.
Eu tinha certeza que 2020 seria um ano rico. Cheio de boas escolhas, um novo emprego, o fim da faculdade. Olhei para o lado e meu namorado estava de olhos fechados, o copo de cerveja na sua mão esquentando, mas a serenidade no seu rosto que o ano tinha chegado ao fim.
Finalmente deixamos para trás o processo que a empresa dele tinha levado e ela iria poder recomeçar. Deixando para trás os conflitos de família, resolvidos no Natal e meu cunhado finalmente voltando para o Brasil; fazia 4 anos que ele estava na Holanda e finalmente estaria em casa em abril. A família reunida depois de tanto tempo.
— Obrigada. — Falei baixinho para o universo.
Agradecer pelo novo ciclo que estava se iniciando. Mas nada que eu tinha vivido até ali me prepararia para os meses seguintes.
Março
As ruas estavam desertas. Plena segunda-feira e não se via um carro passando na avenida mais movimentada da cidade. Tudo tinha sido fechado depois que um vírus ameaçou a vida das pessoas.
Não era possível ir para escola, ao trabalho, e até mesmo andar na rua estava sendo regulado: apenas uma pessoa por casa, com destino a supermercado ou farmácia.
Todos pensamos que seria apenas por algumas semanas. Eu tinha ido para casa do meu namorado na quinta e quando percebi, teria que passar todas essas semanas com ele.
Naquele momento agradeci por termos uma relação tão saudável. Na primeira semana dividimos as tarefas domésticas e tínhamos nossos horários no escritório: eu tinha minhas aulas e ele suas reuniões.
O primeiro mês foi de tensão; medo do que poderia vir acontecer e tentando focar nas nossas obrigações. À noite assistíamos o jornal buscando ter esperança, mas íamos dormir com mais dúvidas e incertezas.
Pela primeira vez, senti que aquele ano não seria mais nosso. Me sentia vivendo dentro de uma distopia. Não podia ser real. Passei minha adolescência lendo livros sobre isso e quando disse que queria viver em um livro seria uma avó perdida me contar que sou princesa de um pequeno principado ou um gigante me dizendo que sou bruxa. Não isso.
Maio
Já tinha dois meses que a única pessoa que eu via era meu namorado. Ou talvez eu devesse chamar de ex.
Passar dois meses com ele me mostrou que nossa relação não era tão saudável assim. Mesmo estando na casa dele, ele exigia que eu fizesse serviços domésticos que deveríamos dividir.
Eu cogitei ir para minha casa antes, mas o medo de ficar sozinha me impediu. Toda vez que pensava em ir para meu apartamento, sentia uma pressão no estômago e uma falta de ar.
Eu não queria ficar sozinha.
Mas também não poderia dizer que eu e ele estávamos na mesma página. Se aquelas semanas eram uma amostra do que seria quando nos casássemos, eu não queria estar em um relacionamento com esse homem.
E foi isso que eu disse para ele naquele fim de maio.
— Eu quero terminar.
Ele estava jogando vídeo game e olhou para mim sem prestar atenção.
— Tá bom. — foi a única coisa que disse.
Um relacionamento de três anos resumido em um “tá bom”.
Peguei minhas coisas e fui para casa. O apartamento fedia mofo, fechado há tanto tempo sem nem uma janela aberta. Adormeci no sofá e no dia seguinte me ocupei em fazer uma faxina.
Limpei todos os cantos da casa e, ao mesmo tempo, da alma. Separei livros para doar, roupas que não serviam mais e comidas vencidas.
No outro dia, fui no supermercado e, após lavar as compras, senti de novo a esperança que uma nova vida estava começando para mim.
O ano ainda não tinha acabado e não era porque estava em casa que eu não poderia fazer as coisas acontecerem.
Julho
Férias. Se é que podemos chamar isso de férias.
Meu último semestre da faculdade começaria em agosto e nada parecia diferente. As pessoas começaram a sair de casa, mas eu não tinha coragem.
Eu estava bem. Meus pais estavam bem.
Meu ex-namorado não estava.
Ele me ligou contado que seu primo conseguiu chegar da Holanda com três meses de atraso, mas que com poucos dias ele apresentou sintomas do vírus e estava internado, usando respiradores.
Apesar de todas os receios que eu tinha com meu ex, a família dele sempre me tratara bem. Rezei para que isso também passasse.
Um ano que era para ser esperança, estava nos fazendo aprender a rezar por dias melhores. No fim, talvez isso fosse a verdadeira esperança.
Uma vez me contaram a história sobre um Rei que tinha um anel. Nesse anel estava escrito “tudo passa”. Esse tinha sido o presente do seu pai no leito de morte:
— Sempre que você estiver passando por algo ruim, lembre desse anel. E, sempre que o reino estiver crescendo, lembra que isso também passa.
Respirei fundo e mentalizei essas palavras: isso também passa.
Olhei para o céu iluminado com os fogos de artifício. Senti a brisa da maresia no meu rosto, a esperança de um ano novo repleto de novas experiências. Sonhos a serem realizados, os objetivos escritos no meu planner a dias de acontecerem. 365 dias de novas oportunidades. Era clichê, eu sei, mas ano novo sempre foi o meu feriado favorito por esse motivo.
Eu sempre amei começos. Primeiro dia de aula, primeiro mês de namoro, primeiro capítulo de um livro novo. O frio na barriga pela expectativa e o desejo de coisas boas. E era exatamente assim que eu me sentia naquele primeiro de janeiro.
Eu tinha certeza que 2020 seria um ano rico. Cheio de boas escolhas, um novo emprego, o fim da faculdade. Olhei para o lado e meu namorado estava de olhos fechados, o copo de cerveja na sua mão esquentando, mas a serenidade no seu rosto que o ano tinha chegado ao fim.
Finalmente deixamos para trás o processo que a empresa dele tinha levado e ela iria poder recomeçar. Deixando para trás os conflitos de família, resolvidos no Natal e meu cunhado finalmente voltando para o Brasil; fazia 4 anos que ele estava na Holanda e finalmente estaria em casa em abril. A família reunida depois de tanto tempo.
— Obrigada. — Falei baixinho para o universo.
Agradecer pelo novo ciclo que estava se iniciando. Mas nada que eu tinha vivido até ali me prepararia para os meses seguintes.
Março
As ruas estavam desertas. Plena segunda-feira e não se via um carro passando na avenida mais movimentada da cidade. Tudo tinha sido fechado depois que um vírus ameaçou a vida das pessoas.
Não era possível ir para escola, ao trabalho, e até mesmo andar na rua estava sendo regulado: apenas uma pessoa por casa, com destino a supermercado ou farmácia.
Todos pensamos que seria apenas por algumas semanas. Eu tinha ido para casa do meu namorado na quinta e quando percebi, teria que passar todas essas semanas com ele.
Naquele momento agradeci por termos uma relação tão saudável. Na primeira semana dividimos as tarefas domésticas e tínhamos nossos horários no escritório: eu tinha minhas aulas e ele suas reuniões.
O primeiro mês foi de tensão; medo do que poderia vir acontecer e tentando focar nas nossas obrigações. À noite assistíamos o jornal buscando ter esperança, mas íamos dormir com mais dúvidas e incertezas.
Pela primeira vez, senti que aquele ano não seria mais nosso. Me sentia vivendo dentro de uma distopia. Não podia ser real. Passei minha adolescência lendo livros sobre isso e quando disse que queria viver em um livro seria uma avó perdida me contar que sou princesa de um pequeno principado ou um gigante me dizendo que sou bruxa. Não isso.
Maio
Já tinha dois meses que a única pessoa que eu via era meu namorado. Ou talvez eu devesse chamar de ex.
Passar dois meses com ele me mostrou que nossa relação não era tão saudável assim. Mesmo estando na casa dele, ele exigia que eu fizesse serviços domésticos que deveríamos dividir.
Eu cogitei ir para minha casa antes, mas o medo de ficar sozinha me impediu. Toda vez que pensava em ir para meu apartamento, sentia uma pressão no estômago e uma falta de ar.
Eu não queria ficar sozinha.
Mas também não poderia dizer que eu e ele estávamos na mesma página. Se aquelas semanas eram uma amostra do que seria quando nos casássemos, eu não queria estar em um relacionamento com esse homem.
E foi isso que eu disse para ele naquele fim de maio.
— Eu quero terminar.
Ele estava jogando vídeo game e olhou para mim sem prestar atenção.
— Tá bom. — foi a única coisa que disse.
Um relacionamento de três anos resumido em um “tá bom”.
Peguei minhas coisas e fui para casa. O apartamento fedia mofo, fechado há tanto tempo sem nem uma janela aberta. Adormeci no sofá e no dia seguinte me ocupei em fazer uma faxina.
Limpei todos os cantos da casa e, ao mesmo tempo, da alma. Separei livros para doar, roupas que não serviam mais e comidas vencidas.
No outro dia, fui no supermercado e, após lavar as compras, senti de novo a esperança que uma nova vida estava começando para mim.
O ano ainda não tinha acabado e não era porque estava em casa que eu não poderia fazer as coisas acontecerem.
Julho
Férias. Se é que podemos chamar isso de férias.
Meu último semestre da faculdade começaria em agosto e nada parecia diferente. As pessoas começaram a sair de casa, mas eu não tinha coragem.
Eu estava bem. Meus pais estavam bem.
Meu ex-namorado não estava.
Ele me ligou contado que seu primo conseguiu chegar da Holanda com três meses de atraso, mas que com poucos dias ele apresentou sintomas do vírus e estava internado, usando respiradores.
Apesar de todas os receios que eu tinha com meu ex, a família dele sempre me tratara bem. Rezei para que isso também passasse.
Um ano que era para ser esperança, estava nos fazendo aprender a rezar por dias melhores. No fim, talvez isso fosse a verdadeira esperança.
Uma vez me contaram a história sobre um Rei que tinha um anel. Nesse anel estava escrito “tudo passa”. Esse tinha sido o presente do seu pai no leito de morte:
— Sempre que você estiver passando por algo ruim, lembre desse anel. E, sempre que o reino estiver crescendo, lembra que isso também passa.
Respirei fundo e mentalizei essas palavras: isso também passa.