01. I'll Be Ok

Finalizada Em: 18/11/2018

Capítulo Único

When everything is going wrong
And things are just a little strange
It's been so long now you've forgotten how to smile
And overhead the skies are clear
But it still seems to rain on you
And your only friends all have better things to do


(Quando tudo está dando errado
E as coisas estão um pouco estranhas
Faz tanto tempo e agora você até esqueceu como sorrir
E o alto dos céus está limpo
Mas ainda parece chover em você
E todos os seus únicos amigos têm coisas melhores para fazer)


limpou o terno com um guardanapo, garantindo ao rapaz que esbarrara nele com um cachorro quente na mão, deixando uma mancha bem na lapela de seu paletó, que estava tudo bem. Afinal de contas, xingar o rapaz e dizer que aquele borrão de cor estranha era apenas mais uma das muitas merdas que vinham acontecendo em sua vida não ia adiantar nada.
Ele continuou caminhando, em direção ao escritório, e quis rir da ironia que era voltar ao trabalho em um dia de sol, com um céu extremamente azul sob sua cabeça, enquanto ainda sentia como se em sua vida só houvesse lugar para chuvas e as cores tivessem sido todas substituídas por inúmeros tons de cinza. No entanto tudo o que conseguiu foi fazer um barulho estranho com a boca que ninguém jamais veria como riso. Fazia tanto tempo que estava triste que tinha esquecido como sorrir.
Entrou no arranha-céu onde ficavam os escritórios da empresa que ele e o irmão haviam fundado juntos, tirando do bolso o celular para mandar algumas mensagens. Desejou um bom dia às pessoas na recepção e no elevador, lembrando-se de ser ao menos educado, como seus pais haviam ensinado.
Ninguém tinha culpa de nada e ele precisava se lembrar disso, apesar de ser bem difícil quando nenhum de seus amigos (os únicos três que ainda falavam com ele) estava disponível para tomar uma cerveja depois do expediente, em plena segunda-feira.

When you're down and lost
And you need a helping hand
When you're down and lost along the way
Oh just tell yourself
I, I'll be ok


(Quando você está pra baixo e perdido
E precisa de uma mão para te ajudar
Quando você está pra baixo e perdido pelo caminho
Oh, apenas diga a si mesmo
Eu, eu vou ficar bem)


Depois de concluir a última tarefa do dia, desligou o computador e pegou suas coisas para ir embora. Já não havia mais ninguém na empresa, o que de certa forma era bom pois ele estava disposto a chamar qualquer um que fosse para ir a um bar e usar seu poder de chefe para fazer o pobre infeliz azarado escutar todas as suas lamentações, até que pelo menos uma garrafa de uísque estivesse vazia sobre a mesa. No dia seguinte, ele se arrependeria, com toda a certeza. Precisava de ajuda, mas os funcionários da empresa provavelmente não eram as pessoas mais indicadas para serem suas ouvintes.
Seu caso provavelmente demandava um abraço de pai, um colo de mãe, palavras sábias do irmão mais velho, ou talvez mais precisamente terapia. Porém eram dez da noite e por ora só havia seu apartamento, silencioso e cheio de lembranças, ou o pub que ficava em frente a ele, esfumaçado e cheio de gente, de onde saía uma música que não conseguiu identificar.
O rapaz escolheu uma mesa bem no fundo do bar, pediu uma dose dupla de bebida e afrouxou a gravata, enquanto o garçom derramava o líquido âmbar em seu copo. Tomando um gole generoso, disse a si mesmo que talvez não precisasse realmente de um psicólogo. Talvez conseguisse voltar a rir, se passasse tempo suficiente assistindo aos desafinados clientes do pub se revezando no karaokê.
Enquanto a máquina idiota atribuía nota oito e meio a uma menina de cabelo azul, a despeito de sua total falta de ritmo e de sua incapacidade de seguir a letra mostrada na tela da TV, ele sentiu os lábios se erguerem timidamente. Enquanto esvaziava o copo, ele assegurou a si mesmo que ficaria bem.

Now things are only getting worse
And you need someone to take the blame
When your lover's gone there's no one to share the pain
You're sleeping with the TV on
And you're lying in an empty bed
All the alcohol in the world would never help me through it again


(Agora as coisas estão só piorando
E você precisa de alguém para levar a culpa
Quando seu amante se foi e há ninguém para compartilhar a dor
Você está dormindo com a TV ligada
E está deitado em uma cama vazia
Todo o álcool do mundo nunca me ajudaria nisso de novo)


achava que as coisas não poderiam ficar piores, mas elas sempre podem. Ele estava extremamente distraído no trabalho, cometeu alguns equívocos, perdeu um cliente importante e então o irmão exigiu que ele se afastasse de novo.
Não foram convincentes os seus argumentos, nem bem sucedida a sua tentativa desesperada de colocar a culpa no representante do próprio cliente, que, segundo ele, teria passado dados incorretos. Não era bem sucedida qualquer tentativa sua de colocar a culpa em quem quer que fosse pela sua miserabilidade. Era ele quem estava se entregando à dor, quem não estava lutando para melhorar minimamente.
Era ele quem passava todas as noites em um bar que fedia a cigarros, ouvindo músicas que davam vontade de chorar, para depois ir para casa e continuar bebendo, deitado em sua cama, grande demais para ele e sua solidão, até dormir com a TV ligada, mesmo sabendo que nem todo o álcool do mundo mudaria o fato de que sua mulher havia morrido.
Nem toda a pena que pudesse sentir de si mesmo seria capaz de trazê-la de volta, mas, quando não havia ninguém para compartilhar a dor, os copos, as garrafas e a autopiedade pareciam boas opções de companhia.
Apenas quando a mãe o visitou, no final daquela mesma semana, depois de saber que ele estava gozando de férias compulsórias, as cortinas do apartamento foram abertas e ele foi obrigada a confrontar novamente o contraste entre a luminosidade do dia e o seu luto. Foi obrigado a encarar que a vida seguia seu rumo, apesar da tragédia que ocorrera naquela cidade, levando seu amor.
Ele não achava, naquele momento, que ficaria realmente bem, mas teve que dizer à mãe que sim, apesar de cético. E, tanto por ela quanto por , reconheceu que tinha obrigação de ao menos tentar.

When you're down and lost
And you need a helping hand
When you're down and lost along the way
Just try a little harder
Try your best to make it through the day
Oh just tell yourself
I, I'll be ok

You're not alone (you're not alone)
You're not alone (you're not alone)
You're not alone


(Quando você está pra baixo e perdido
E precisa de uma mão para te ajudar
Quando você está pra baixo e perdido pelo caminho
Tente um pouco mais
Tente o seu melhor para superar isso durante o dia
Oh, apenas diga a si mesmo
Eu, eu vou ficar bem

Você não está só (você não está só)
Você não está só (você não está só)
Você não está só)


— Eu continuo achando que não é uma boa — disse a Noah, enquanto entravam na fila que se formava na porta da mais nova casa noturna de Nova York.
— Relaxa, cara — respondeu o amigo, fazendo careta. — O que pode acontecer de errado?
não respondeu. O amigo estava bem intencionado, ao convidá-lo para a inauguração do local, que ficava acima, e pertencia ao mesmo dono, do restaurante em que eles costumavam almoçar juntos, pelo menos uma vez por semana. Além disso, não entenderia se o rapaz lhe dissesse que ainda não se sentia bem o suficiente, apesar de estar realmente tentando, e que, se começasse a beber, temia não conseguir parar. A bebida anestesiava e era bastante tentador não sentir nada.
Durante o dia, as coisas estavam indo bem. Ele convencera o irmão de que podia voltar ao trabalho, se empenhara bem mais dessa vez, e finalmente estava conseguindo se concentrar, retomando aos poucos todas as suas responsabilidades na empresa. Como amava o que fazia e tinha orgulho do que haviam construído, as atividades o desafiavam e empolgavam, e ele já conseguia até sorrir de novo.
Ele também voltara a conviver com família e amigos, pois já conseguia falar sobre assuntos aleatórios e ter verdadeiros diálogos, tendo parado de usar toda e qualquer pessoa apenas como ouvinte de lamentos sem fim.
À noite, contudo, quando se via sozinho no apartamento que um dia dividira com , continuava se sentindo perdido. Não sabia como superar a ausência dela, que rumo dar à própria vida. Ficava arrasado quando parava para pensar nos planos que haviam feito, na família que não poderiam mais formar, e era tão difícil se manter sóbrio que ele contava os dias. Exatos cento e vinte e três, se conseguisse voltar para casa sem tomar um gole.
O lugar estava cheio, mas ele e Noah conseguiram dois lugares em uma mesa na varanda, graças a sua condição de clientes assíduos do restaurante. Noah foi buscar uma cerveja para si e um refrigerante para , que ficou observando as pessoas, especialmente as que lotavam a pista de dança na parte de dentro, se movendo ao som de música tecno. provavelmente não gostaria daquele tipo de programa, mas ele tinha certeza de que ela gostaria de vê-lo saindo de casa, conhecendo gente nova, tentando se divertir. Ela ficaria feliz em saber que ele estava se esforçando para seguir em frente, então ele não se sentiu traindo a sua memória, ao olhar as mulheres que estavam em volta, ainda que não se sentisse preparado para ter nenhum relacionamento.
— Oi! — uma das garotas que observava se aproximou, cumprimentando animadamente. — Tudo bem?
— Tudo — respondeu, meio sem jeito, não esperando que alguém fosse se aproximar tão de repente.
— Que bom que você veio! — ela continuou, e ele ficou confuso por um instante, até que olhou melhor para seu rosto e reconheceu , uma das garçonetes que costumavam servir o almoço para ele e o melhor amigo, quase sempre às quintas-feiras. Tinha sido ela mesma quem transmitira aos dois o convite do dono da casa noturna para a inauguração. — Seu amigo disse que você não tem saído.
— É. Não muito — respondeu, sem saber o que mais dizer. Ela não era uma completa estranha e parecia ser ótima pessoa, mas, se entrasse em detalhes sobre sua falta de vida social, estaria novamente fazendo de qualquer conhecido uma espécie de terapeuta em potencial que este não escolheu ser.
— Ele me falou sobre a sua esposa — comentou ela, depois de alguns segundos de hesitação, e o viu mudar instantaneamente de semblante. — Mas não fica chateado com ele, por favor. Ele só falou pra que eu visse que não to sozinha na minha dor, sabe? O meu noivo também foi vítima do atentado. Ele era bombeiro.
Ela suspirou e deu um sorriso triste, e sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. Era óbvio que ele sabia que milhares de pessoas haviam morrido em decorrência do ataque terrorista ao World Trade Center, onde sua mulher trabalhava. Tinha, porém, se voltado tanto para si mesmo que não convivera com ninguém que estivesse passando pela mesma coisa, e fora como se somente ele tivesse carregado dentro do peito toda a dor desse mundo.
— Eu sinto muito — disse com sinceridade. — Ele devia ser um cara legal... e corajoso com certeza.
abriu um sorriso, dessa vez um que iluminou todo o seu rosto. Então ela começou a falar sobre o noivo, sobre como ele resgatou quatro pessoas, antes de ficar preso, em razão de um novo desabamento na Torre Sul, sobre o quanto ele amava salvar vidas e sobre a falta que ele fazia.
Contou que eles estavam com o casamento marcado para dezembro, que ela já tinha o vestido e havia escolhido margarinas para a decoração da igreja. Desabafou a respeito da casa hipotecada e do fato de não ter podido se afastar do trabalho, nem mesmo por uma semana, pois não teria como pagar as próprias contas sem as gorjetas que recebia.
Noah apareceu, cumprimentou a garota, mas logo sumiu de novo, indo em direção à parte interna, pois não era muito bom em conversar sobre perdas e percebeu que estava bastante à vontade com o outro rapaz.
a escutou, sabendo que ela precisava falar, como ele tinha feito tantas vezes. Ele a ouviu apenas, mas era como se também estivesse falando, porque toda a sua angústia ia aos poucos se dissipando, na medida em que ele ia se identificando com ela e com sua luta para superar o trauma.
— Desculpa por te alugar — comentou, constrangida. — Eu sempre acabo tagarelando quando falo sobre o Jesse. Ainda é difícil. Deve ser pra você também, né? — indagou e assentiu.
— Mas vai ser cada vez menos, sabe? Pode não parecer agora, mas você vai ficar bem... vai conhecer alguém legal. E o Jesse sempre vai estar com você. Sempre mesmo — garantiu, não somente para consolar a menina, mas porque, de alguma forma, sentiu que o noivo olhava por ela.
No fim, Noah lhe fizera um favor enorme, ao contar à garçonete sobre sua vida, pois toda aquela conversa deixara certo de que ele não estava sozinho, de que sempre estaria com ele e outras pessoas dariam sentido à sua vida, assim como ele às delas.
Então ele teve enfim clareza de que não se tratava apenas de tentar convencer a si mesmo: ele realmente ficaria bem.


Fim.



Nota da autora: Sem nota.

Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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