Capítulo Único
Hospital central de Boston, 9:15 pm.
Eu estava correndo. As batidas do meu coração aceleravam cada vez mais conforme eu acelerava meus passos. Era como se tudo ao redor daquele hospital estivesse embaçado enquanto eu corria. Eu conseguia sentir o olhar das pessoas sobre mim, mas não me importava.
A cena presenciada apenas alguns instantes atrás na sala de cirurgia ainda ecoava pela minha cabeça.
“Parada Cardíaca. Desfibrilador. Carrega em 300. AFASTA”
Senti as lágrimas se acumularem em meus olhos, mas não parei de correr. Eu estava correndo sem saber exatamente para onde.
“Hora do Óbito: 9:10. Fizemos tudo o que podíamos, eu sinto muito.”
Meus pés frearam subitamente quando notei que estava do lado de fora do hospital. O som dos poucos carros que passavam pela avenida e minha respiração ofegante era a única coisa a ser ouvida ali. Meu peito subia e descia à medida que eu tentava me acalmar.
O choque do vento frio contra minha pele fez com que eu abraçasse meu próprio corpo. Só então a ficha caiu.
Estando ali naquela posição e com o rosto molhado devido às lágrimas, eu só conseguia pensar no quanto estava assustada com nível em que deixei as coisas chegarem. Quando foi que a Medicina deixou de ser um sonho e se tornou um pesadelo pra mim?
Estava sendo difícil lidar. Já são meses neste mesmo estado. Noites mal dormidas, falta de apetite e a terrível sensação de angustia que não parecia passar nunca.
Respirei fundo e sequei o rosto com as mãos. Eu não podia demonstrar tanta fraqueza, embora tivesse quase certeza que as pessoas que convivem comigo já tivessem notado o estado deplorável a qual me encontrava.
Dirigi meus passos de volta ao hospital, e ignorando os olhares curiosos sobre mim, segui até o vestiário. Por sorte, o mesmo estava vazio, e após entrar pude soltar o ar preso em meus pulmões que eu nem sequer percebi que estava prendendo.
- Dra. . – Uma voz grossa chamou atrás de mim e eu voltei a prender a respiração. Sabia quem era.
Virei meu corpo e me deparei com o médico alto escorado no batente da porta.
- Sim, Dr. Bennet! Posso ajudá-lo? – Perguntei, tentando demonstrar firmeza em meu tom de voz.
Dr. Bennet era o chefe da área de cardiologia do hospital, e o mesmo estava sendo responsável por mim em meu período de estágio como sua auxiliar.
- Primeiramente, eu queria saber qual é o seu problema?! – Ele se desencostou do batente e se aproximou de mim, deixando-me ainda mais tensa. – Você saiu da minha sala de cirurgia correndo, . Isso é completamente desrespeitoso e inaceitável!
- Eu sei, Dr. Bennet! – Engoli em seco, sentindo-me envergonhada com o olhar fixo dele sobre mim. – Não irá mais se repetir, me desculpe.
O médico em minha frente riu fraco e negou com a cabeça.
- Seu comportamento está estranho há dias, . Se tratando de uma estagiaria como você, eu esperava mais! – O aperto em meu peito parecia aumentar com a forma dura em que ele falava. – Um paciente morre e você sai correndo. Esse é seu nível de profissionalismo? Francamente! Se parece mais com fraqueza pra mim.
Eu não consegui responder nada. Afinal, ele estava certo. Apenas abaixei a cabeça e encarei o chão. Não tinha mais coragem para olhá-lo nos olhos.
- Eu não vou mais tolerar atitudes como essas, espero que isso esteja claro. Comporte-se como uma médica de verdade, é melhor pra você.
Senti o olhar frio do médico me encarando pela última vez antes de sair do vestiário, deixando-me sozinha ali novamente.
Bufei, sentindo a raiva me consumir por dentro. Aproximei-me dos armários de metal depositando um soco forte em um deles. O impacto da minha mão contra o armário fora o suficiente para amassar o metal, mas não o suficiente para aliviar o sufoco dentro de mim
Ignorando o incômodo que estava sentindo nos dedos, tateei os bolsos do jaleco a procura da chave do meu armário. Rapidamente tirei todos os meus pertences dali, colocando tudo de qualquer jeito dentro da bolsa. Troquei a roupa branca por uma calça jeans e um sobretudo grosso, e passei as mãos pelos cabelos na tentativa de ficar com aparência um pouco mais apresentável.
Deixei o vestiário apertando a bolsa firmemente contra o meu corpo. Eu estava completamente fora de mim, e nem sequer sabia ao certo o que estava fazendo, mas não conseguiria ficar nem mais um minuto dentro daquele lugar.
Talvez aquela seria a atitude mais irresponsável que eu já tomei nos últimos tempos. Saí do hospital, dirigindo-me até a estação de trem que ficava apenas a alguns minutos de caminhada dali. Eu apenas saí de lá, sem dar satisfações e sem me importar com o que aconteceria depois. Precisava urgentemente de tempo para mim, e, acima de tudo, precisava voltar para casa.
Logo a passagem do trem com destino a Nova York estava em minhas mãos. Não havia muitas pessoas na estação devido ao horário e ao frio, e poucos minutos depois eu já estava sentada no acento confortável do transporte.
Desliguei o celular para evitar ligações que eu não queria atender e encostei minha cabeça na janela. A viagem duraria cerca de 3 horas e meia. O cansaço me consumia, mas eu não iria conseguir dormir.
Eu só queria entender porque estava daquele jeito. Talvez a rotina da faculdade de Medicina – que é cansativa ao extremo – junto ao estágio, esteja sendo desgastante demais pra mim.
Fechei meus olhos e lembrei de como as coisas costumavam ser antes. De como eu era feliz no colegial junto aos meus amigos. E do quanto eu fiquei ainda mais feliz quando recebi a carta de aprovação da Universidade de Boston. Medicina sempre fora o meu sonho, e, mesmo a universidade sendo longe de casa, os meus pais me apoiaram.
No começo era tudo perfeito, e eu me sentia a pessoa mais realizada do mundo. Mas agora, cinco anos depois, eu me sentia completamente frustrada. Por Deus, em qual momento eu errei? O vazio intenso dentro de mim havia se tornado algo comum. Eu me sentia completamente sozinha e a vontade de sumir era constante.
O relógio marcava 00:30 quando cheguei em Nova York. A temperatura havia caído ainda mais, deixando os meus músculos totalmente rígidos. Me apressei em chegar ao ponto de táxi mais próximo e, após entrar no banco de trás de um dos veículos amarelos, um senhor simpático de cabelos brancos me levou ao meu próximo destino.
Uma chuva fina começou a cair, distraindo-me enquanto eu observava as gotas d’água escorrerem pelo vidro da janela. Quando notei a rua da casa dos meus pais, senti algo estranho dentro de mim. Eu não queria ter que responder todos os questionamentos que a minha mãe faria, eu não queria dar explicações e muito menos inventar desculpas.
- Por favor, vire na próxima rua. – Disse ao taxista.
O senhor concordou com a cabeça, olhando-me pelo retrovisor.
A chuva fina havia se transformado em tempestade. O barulho das gostas fortes contra o carro junto aos trovoes era alto. Após dar mais algumas instruções ao taxista, pedi para que ele parasse em frente à casa que eu tanto conhecia.
- Aqui está. – Entreguei algumas notas ao motorista.
- A senhorita tem algum guarda chuva? – Ele perguntou. O barulho da chuva era tão alto que eu quase não pude ouvi-lo direito.
- Não, mas não tem problema. – Disse ajeitando a bolsa no ombro. – Obrigada, tenha uma boa noite.
Desci do carro e me dirigi até a porta da casa, tomando cuidado para não escorregar. Mais uma vez naquele dia, eu não sabia o que estava fazendo. A entrada da casa não era coberta e a essa altura eu já estava ensopada. Apertei a campainha algumas vezes, sentindo os meus dentes baterem de tanto frio.
Longos minutos se passaram até a porta se abrir. arregalou os olhos ao me reconhecer.
- ?
Meu coração acelerou ao vê-lo e eu tremia tanto que não consegui responder nada. Senti as lágrimas se acumularem em meus olhos e me puxou para dentro, de forma preocupada.
Fechou a porta atrás de si e se colocou em minha frente.
- O que aconteceu? – Ele tirou a bolsa do meu ombro e colocou em algum canto. Voltou até mim e segurou meu rosto com as mãos, esperando pela resposta. Eu me senti a pior pessoa do mundo por deixa-lo preocupado. Ainda sim, não consegui responder nada. Apenas neguei com a cabeça, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. – Nós vamos conversar, mas primeiro você precisa de um banho quente.
Ele me segurou pela mão e me guiou até o andar de cima.
- Vou separar alguma roupa minha pra você e deixar em cima da cama. – Disse quando chegamos ao banheiro. – Consegue fazer isso? – Apontou com a cabeça para o chuveiro. Eu assenti e ele fechou a porta, me dando privacidade.
Não demorei muito ali, embora a sensação da água quentinha relaxando os meus músculos e acalmando a tremedeira estivesse sendo um alivio.
Sequei bem os cabelos com a toalha e vesti o moletom que havia separado pra mim, era quentinho e maior que eu. Vesti também a calça leggin que era provavelmente da irmã dele, e após deixar a tolha e minhas roupas molhadas na lavanderia, me dirigi de volta até a sala.
A lareira estava ligada, deixando o ambiente melhor ainda. A câmera Canon que usava para o trabalho estava em cima de uma mesinha, junto ao notebook e algumas fotos espalhadas.
Ele apareceu na sala e se aproximou de mim. Ainda me encarava de forma preocupada, provavelmente notando o mesmo estado deplorável.
Eu abaixei o rosto, sem conseguir sustentar o olhar. Sem dizer nada, ele passou seus braços ao meu redor, me envolvendo em um abraço protetor e carinhoso.
Logo as benditas lágrimas voltaram e eu comecei a chorar compulsivamente. Ele me apertou ainda mais e eu não consegui conter os soluços altos.
- Ei... – Ele se afastou minimamente para poder segurar meu rosto. – Tá tudo bem. – Disse com a voz suave. – Eu não sei o que aconteceu, mas eu estou aqui agora. Fica calma, por favor. – Voltou a me abraçar apertado e ficamos assim por mais alguns minutos, até eu me acalmar por completo.
Desfiz o abraço e sequei o rosto com as costas das mãos.
- Desculpa. – Disse baixinho, minha voz estava um tanto rouca. Com certeza eu amanheceria gripada.
- Senta ali. – Ele apontou para o sofá. – Vou pegar um café pra você.
Ele se dirigiu até a cozinha e eu me acomodei no sofá.
Já passava das duas da manhã e o barulho da chuva ainda era alto do lado de fora.
voltou à sala algum tempo depois segurando uma xícara de café em mãos. Sentou-se ao meu lado e me entregou a xícara quentinha.
- Eu te atrapalhei? – Perguntei, referindo-me ao notebook e as fotos.
- Não. Eu estava sem sono e finalizando alguns trabalhos. – Ele respondeu.
Beberiquei o café e encarei qualquer canto da sala, menos o rapaz ao meu lado.
Silêncio.
- Quando você vai começar a falar? – perguntou, quebrando o silêncio.
Eu não sabia por onde começar.
- Você já sentiu vontade de desistir de tudo alguma vez? – Respondi com outra pergunta.
- Profissionalmente falando, não. Eu gosto do que eu faço! Por quê?
Beberiquei o café novamente e demorei mais alguns segundos para responder.
- Porque o meu problema é exatamente esse. – Ri sem humor. – 5 anos de faculdade prestes a serem jogados no lixo... – não respondeu, esperando que eu continuasse. – Eu não sei mais quem eu sou. Não sei mais o que eu gosto. Eu simplesmente me perdi, e não sei mais como me encontrar. – Finalizei, terminando de beber o liquido quente e colocando a xícara em cima da mesa de centro.
- Eu entendo você. – Ele passou as mãos pelo cabelo, pensativo. – E o que aconteceu hoje que te fez parar aqui nesse estado?
- Eu não agi de forma profissional em um momento delicado. – Dei de ombros – Digamos que todos naquele hospital já perceberam que eu não estou bem e, de fato, eu não estou. – Fiz uma pausa para umedecer os lábios. – E eu não consigo mais viver assim. Não sei mais se o que eu quero é estar naquele hospital, entende? Mas, ao mesmo tempo, sei que é tarde demais pra desistir. O que as pessoas pensariam de mim? O que os meus pais pensariam de mim?
- Primeiramente, você precisa se perguntar se isso está fazendo bem pra você. E você já sabe a resposta, não é? – perguntou e eu novamente demorei em responder.
- Mas isso era um sonho pra mim! – Elevei levemente o meu tom de voz.
- Você disse certo: era. – Ele respondeu de forma suave e eu senti um buraco em meu estômago.
Engoli em seco, sentindo meus olhos arderem.
“Se parece mais com fraqueza pra mim”
A voz do Dr. Bennet ecoou por minha cabeça.
- Desistir é fraqueza. – Disse baixo. – Eu não quero mais ser fraca.
- , olha o que isso está fazendo com você... – me encarou fixamente. – Você está mais magra, seus olhos não tem mais o mesmo brilho de antes... Você não tem noção do que eu senti ao abrir a porta e ver você naquele estado. Eu não aguento ver você assim.
E lá estava meu rosto molhado por lágrimas novamente.
- Eu quero que você entenda que isso não é o fim do mundo. – Ele continuou. – E tá tudo bem não estar bem. Sei que às vezes queremos fugir dos monstros nos escondendo debaixo de uma coberta igual fazíamos quando criança, mas não dá! Crescemos e temos responsabilidade. Você é forte e tenho certeza que tudo isso vai passar. Amanhã é outro dia, e outra chance de ser feliz.
- Na verdade, hoje. – Brinquei, referindo me ao horário e ele riu fraco.
- Sim, já é madrugada. Vem cá.
se levantou e segurou minha mão, nos guiando escada acima até o quarto. Deitamos na cama e eu aconcheguei minha cabeça em seu peito.
- Obrigada. Por tudo! – Disse, levantando levemente a cabeça para encará-lo nos olhos. – Eu sou muito sortuda por ter você.
Ele sorriu, selando nossos lábios em um beijo carinhoso.
Nós nunca definimos ao certo o que tínhamos um com o outro. A única coisa que tínhamos certeza, era de que os nossos sentimentos eram verdadeiros.
Nos separamos após mais alguns selinhos e voltei a deitar a cabeça em seu peito. Estando ali, eu percebi que não havia lugar melhor em que eu pudesse ter corrido. Eu estava em casa, onde eu pertencia.
Eu estava correndo. As batidas do meu coração aceleravam cada vez mais conforme eu acelerava meus passos. Era como se tudo ao redor daquele hospital estivesse embaçado enquanto eu corria. Eu conseguia sentir o olhar das pessoas sobre mim, mas não me importava.
A cena presenciada apenas alguns instantes atrás na sala de cirurgia ainda ecoava pela minha cabeça.
“Parada Cardíaca. Desfibrilador. Carrega em 300. AFASTA”
Senti as lágrimas se acumularem em meus olhos, mas não parei de correr. Eu estava correndo sem saber exatamente para onde.
“Hora do Óbito: 9:10. Fizemos tudo o que podíamos, eu sinto muito.”
Meus pés frearam subitamente quando notei que estava do lado de fora do hospital. O som dos poucos carros que passavam pela avenida e minha respiração ofegante era a única coisa a ser ouvida ali. Meu peito subia e descia à medida que eu tentava me acalmar.
O choque do vento frio contra minha pele fez com que eu abraçasse meu próprio corpo. Só então a ficha caiu.
Estando ali naquela posição e com o rosto molhado devido às lágrimas, eu só conseguia pensar no quanto estava assustada com nível em que deixei as coisas chegarem. Quando foi que a Medicina deixou de ser um sonho e se tornou um pesadelo pra mim?
Estava sendo difícil lidar. Já são meses neste mesmo estado. Noites mal dormidas, falta de apetite e a terrível sensação de angustia que não parecia passar nunca.
Respirei fundo e sequei o rosto com as mãos. Eu não podia demonstrar tanta fraqueza, embora tivesse quase certeza que as pessoas que convivem comigo já tivessem notado o estado deplorável a qual me encontrava.
Dirigi meus passos de volta ao hospital, e ignorando os olhares curiosos sobre mim, segui até o vestiário. Por sorte, o mesmo estava vazio, e após entrar pude soltar o ar preso em meus pulmões que eu nem sequer percebi que estava prendendo.
- Dra. . – Uma voz grossa chamou atrás de mim e eu voltei a prender a respiração. Sabia quem era.
Virei meu corpo e me deparei com o médico alto escorado no batente da porta.
- Sim, Dr. Bennet! Posso ajudá-lo? – Perguntei, tentando demonstrar firmeza em meu tom de voz.
Dr. Bennet era o chefe da área de cardiologia do hospital, e o mesmo estava sendo responsável por mim em meu período de estágio como sua auxiliar.
- Primeiramente, eu queria saber qual é o seu problema?! – Ele se desencostou do batente e se aproximou de mim, deixando-me ainda mais tensa. – Você saiu da minha sala de cirurgia correndo, . Isso é completamente desrespeitoso e inaceitável!
- Eu sei, Dr. Bennet! – Engoli em seco, sentindo-me envergonhada com o olhar fixo dele sobre mim. – Não irá mais se repetir, me desculpe.
O médico em minha frente riu fraco e negou com a cabeça.
- Seu comportamento está estranho há dias, . Se tratando de uma estagiaria como você, eu esperava mais! – O aperto em meu peito parecia aumentar com a forma dura em que ele falava. – Um paciente morre e você sai correndo. Esse é seu nível de profissionalismo? Francamente! Se parece mais com fraqueza pra mim.
Eu não consegui responder nada. Afinal, ele estava certo. Apenas abaixei a cabeça e encarei o chão. Não tinha mais coragem para olhá-lo nos olhos.
- Eu não vou mais tolerar atitudes como essas, espero que isso esteja claro. Comporte-se como uma médica de verdade, é melhor pra você.
Senti o olhar frio do médico me encarando pela última vez antes de sair do vestiário, deixando-me sozinha ali novamente.
Bufei, sentindo a raiva me consumir por dentro. Aproximei-me dos armários de metal depositando um soco forte em um deles. O impacto da minha mão contra o armário fora o suficiente para amassar o metal, mas não o suficiente para aliviar o sufoco dentro de mim
Ignorando o incômodo que estava sentindo nos dedos, tateei os bolsos do jaleco a procura da chave do meu armário. Rapidamente tirei todos os meus pertences dali, colocando tudo de qualquer jeito dentro da bolsa. Troquei a roupa branca por uma calça jeans e um sobretudo grosso, e passei as mãos pelos cabelos na tentativa de ficar com aparência um pouco mais apresentável.
Deixei o vestiário apertando a bolsa firmemente contra o meu corpo. Eu estava completamente fora de mim, e nem sequer sabia ao certo o que estava fazendo, mas não conseguiria ficar nem mais um minuto dentro daquele lugar.
Talvez aquela seria a atitude mais irresponsável que eu já tomei nos últimos tempos. Saí do hospital, dirigindo-me até a estação de trem que ficava apenas a alguns minutos de caminhada dali. Eu apenas saí de lá, sem dar satisfações e sem me importar com o que aconteceria depois. Precisava urgentemente de tempo para mim, e, acima de tudo, precisava voltar para casa.
Logo a passagem do trem com destino a Nova York estava em minhas mãos. Não havia muitas pessoas na estação devido ao horário e ao frio, e poucos minutos depois eu já estava sentada no acento confortável do transporte.
Desliguei o celular para evitar ligações que eu não queria atender e encostei minha cabeça na janela. A viagem duraria cerca de 3 horas e meia. O cansaço me consumia, mas eu não iria conseguir dormir.
Eu só queria entender porque estava daquele jeito. Talvez a rotina da faculdade de Medicina – que é cansativa ao extremo – junto ao estágio, esteja sendo desgastante demais pra mim.
Fechei meus olhos e lembrei de como as coisas costumavam ser antes. De como eu era feliz no colegial junto aos meus amigos. E do quanto eu fiquei ainda mais feliz quando recebi a carta de aprovação da Universidade de Boston. Medicina sempre fora o meu sonho, e, mesmo a universidade sendo longe de casa, os meus pais me apoiaram.
No começo era tudo perfeito, e eu me sentia a pessoa mais realizada do mundo. Mas agora, cinco anos depois, eu me sentia completamente frustrada. Por Deus, em qual momento eu errei? O vazio intenso dentro de mim havia se tornado algo comum. Eu me sentia completamente sozinha e a vontade de sumir era constante.
O relógio marcava 00:30 quando cheguei em Nova York. A temperatura havia caído ainda mais, deixando os meus músculos totalmente rígidos. Me apressei em chegar ao ponto de táxi mais próximo e, após entrar no banco de trás de um dos veículos amarelos, um senhor simpático de cabelos brancos me levou ao meu próximo destino.
Uma chuva fina começou a cair, distraindo-me enquanto eu observava as gotas d’água escorrerem pelo vidro da janela. Quando notei a rua da casa dos meus pais, senti algo estranho dentro de mim. Eu não queria ter que responder todos os questionamentos que a minha mãe faria, eu não queria dar explicações e muito menos inventar desculpas.
- Por favor, vire na próxima rua. – Disse ao taxista.
O senhor concordou com a cabeça, olhando-me pelo retrovisor.
A chuva fina havia se transformado em tempestade. O barulho das gostas fortes contra o carro junto aos trovoes era alto. Após dar mais algumas instruções ao taxista, pedi para que ele parasse em frente à casa que eu tanto conhecia.
- Aqui está. – Entreguei algumas notas ao motorista.
- A senhorita tem algum guarda chuva? – Ele perguntou. O barulho da chuva era tão alto que eu quase não pude ouvi-lo direito.
- Não, mas não tem problema. – Disse ajeitando a bolsa no ombro. – Obrigada, tenha uma boa noite.
Desci do carro e me dirigi até a porta da casa, tomando cuidado para não escorregar. Mais uma vez naquele dia, eu não sabia o que estava fazendo. A entrada da casa não era coberta e a essa altura eu já estava ensopada. Apertei a campainha algumas vezes, sentindo os meus dentes baterem de tanto frio.
Longos minutos se passaram até a porta se abrir. arregalou os olhos ao me reconhecer.
- ?
Meu coração acelerou ao vê-lo e eu tremia tanto que não consegui responder nada. Senti as lágrimas se acumularem em meus olhos e me puxou para dentro, de forma preocupada.
Fechou a porta atrás de si e se colocou em minha frente.
- O que aconteceu? – Ele tirou a bolsa do meu ombro e colocou em algum canto. Voltou até mim e segurou meu rosto com as mãos, esperando pela resposta. Eu me senti a pior pessoa do mundo por deixa-lo preocupado. Ainda sim, não consegui responder nada. Apenas neguei com a cabeça, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. – Nós vamos conversar, mas primeiro você precisa de um banho quente.
Ele me segurou pela mão e me guiou até o andar de cima.
- Vou separar alguma roupa minha pra você e deixar em cima da cama. – Disse quando chegamos ao banheiro. – Consegue fazer isso? – Apontou com a cabeça para o chuveiro. Eu assenti e ele fechou a porta, me dando privacidade.
Não demorei muito ali, embora a sensação da água quentinha relaxando os meus músculos e acalmando a tremedeira estivesse sendo um alivio.
Sequei bem os cabelos com a toalha e vesti o moletom que havia separado pra mim, era quentinho e maior que eu. Vesti também a calça leggin que era provavelmente da irmã dele, e após deixar a tolha e minhas roupas molhadas na lavanderia, me dirigi de volta até a sala.
A lareira estava ligada, deixando o ambiente melhor ainda. A câmera Canon que usava para o trabalho estava em cima de uma mesinha, junto ao notebook e algumas fotos espalhadas.
Ele apareceu na sala e se aproximou de mim. Ainda me encarava de forma preocupada, provavelmente notando o mesmo estado deplorável.
Eu abaixei o rosto, sem conseguir sustentar o olhar. Sem dizer nada, ele passou seus braços ao meu redor, me envolvendo em um abraço protetor e carinhoso.
Logo as benditas lágrimas voltaram e eu comecei a chorar compulsivamente. Ele me apertou ainda mais e eu não consegui conter os soluços altos.
- Ei... – Ele se afastou minimamente para poder segurar meu rosto. – Tá tudo bem. – Disse com a voz suave. – Eu não sei o que aconteceu, mas eu estou aqui agora. Fica calma, por favor. – Voltou a me abraçar apertado e ficamos assim por mais alguns minutos, até eu me acalmar por completo.
Desfiz o abraço e sequei o rosto com as costas das mãos.
- Desculpa. – Disse baixinho, minha voz estava um tanto rouca. Com certeza eu amanheceria gripada.
- Senta ali. – Ele apontou para o sofá. – Vou pegar um café pra você.
Ele se dirigiu até a cozinha e eu me acomodei no sofá.
Já passava das duas da manhã e o barulho da chuva ainda era alto do lado de fora.
voltou à sala algum tempo depois segurando uma xícara de café em mãos. Sentou-se ao meu lado e me entregou a xícara quentinha.
- Eu te atrapalhei? – Perguntei, referindo-me ao notebook e as fotos.
- Não. Eu estava sem sono e finalizando alguns trabalhos. – Ele respondeu.
Beberiquei o café e encarei qualquer canto da sala, menos o rapaz ao meu lado.
Silêncio.
- Quando você vai começar a falar? – perguntou, quebrando o silêncio.
Eu não sabia por onde começar.
- Você já sentiu vontade de desistir de tudo alguma vez? – Respondi com outra pergunta.
- Profissionalmente falando, não. Eu gosto do que eu faço! Por quê?
Beberiquei o café novamente e demorei mais alguns segundos para responder.
- Porque o meu problema é exatamente esse. – Ri sem humor. – 5 anos de faculdade prestes a serem jogados no lixo... – não respondeu, esperando que eu continuasse. – Eu não sei mais quem eu sou. Não sei mais o que eu gosto. Eu simplesmente me perdi, e não sei mais como me encontrar. – Finalizei, terminando de beber o liquido quente e colocando a xícara em cima da mesa de centro.
- Eu entendo você. – Ele passou as mãos pelo cabelo, pensativo. – E o que aconteceu hoje que te fez parar aqui nesse estado?
- Eu não agi de forma profissional em um momento delicado. – Dei de ombros – Digamos que todos naquele hospital já perceberam que eu não estou bem e, de fato, eu não estou. – Fiz uma pausa para umedecer os lábios. – E eu não consigo mais viver assim. Não sei mais se o que eu quero é estar naquele hospital, entende? Mas, ao mesmo tempo, sei que é tarde demais pra desistir. O que as pessoas pensariam de mim? O que os meus pais pensariam de mim?
- Primeiramente, você precisa se perguntar se isso está fazendo bem pra você. E você já sabe a resposta, não é? – perguntou e eu novamente demorei em responder.
- Mas isso era um sonho pra mim! – Elevei levemente o meu tom de voz.
- Você disse certo: era. – Ele respondeu de forma suave e eu senti um buraco em meu estômago.
Engoli em seco, sentindo meus olhos arderem.
“Se parece mais com fraqueza pra mim”
A voz do Dr. Bennet ecoou por minha cabeça.
- Desistir é fraqueza. – Disse baixo. – Eu não quero mais ser fraca.
- , olha o que isso está fazendo com você... – me encarou fixamente. – Você está mais magra, seus olhos não tem mais o mesmo brilho de antes... Você não tem noção do que eu senti ao abrir a porta e ver você naquele estado. Eu não aguento ver você assim.
E lá estava meu rosto molhado por lágrimas novamente.
- Eu quero que você entenda que isso não é o fim do mundo. – Ele continuou. – E tá tudo bem não estar bem. Sei que às vezes queremos fugir dos monstros nos escondendo debaixo de uma coberta igual fazíamos quando criança, mas não dá! Crescemos e temos responsabilidade. Você é forte e tenho certeza que tudo isso vai passar. Amanhã é outro dia, e outra chance de ser feliz.
- Na verdade, hoje. – Brinquei, referindo me ao horário e ele riu fraco.
- Sim, já é madrugada. Vem cá.
se levantou e segurou minha mão, nos guiando escada acima até o quarto. Deitamos na cama e eu aconcheguei minha cabeça em seu peito.
- Obrigada. Por tudo! – Disse, levantando levemente a cabeça para encará-lo nos olhos. – Eu sou muito sortuda por ter você.
Ele sorriu, selando nossos lábios em um beijo carinhoso.
Nós nunca definimos ao certo o que tínhamos um com o outro. A única coisa que tínhamos certeza, era de que os nossos sentimentos eram verdadeiros.
Nos separamos após mais alguns selinhos e voltei a deitar a cabeça em seu peito. Estando ali, eu percebi que não havia lugar melhor em que eu pudesse ter corrido. Eu estava em casa, onde eu pertencia.
Fim.
Nota da autora: Olá! Se você chegou até aqui, eu gostaria de te agradecer por ter dado uma chance a essa pequena estória. É algo bem simples, mas com bastante significado. Tenho certeza que em algum momento da vida já nos deparamos com crises parecidas com as dessa pp, hahah. Será que ela desistiu da medicina ou não? deixo em aberto pra vocês imaginarem o que quiser. E, caso você esteja passando por algo assim, eu espero que consiga lidar com as dificuldades da melhor forma possível. Se puder, não deixe de comentar o que achou. É importante! No mais, muito obrigada! <3
Outras Fanfics:
http://fanficobsession.com.br/ficstape/06paperhouses.html
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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