Capítulo Único
— Entramos no ar em cinco, quatro, três, dois… - disse, apontando para as duas mulheres sentadas no sofá branco coberto com uma manta felpuda lilás.
— Olá, terráqueos e telespectadores que vivem em outros planetas! Sejam bem-vindos a mais uma live com convidados especiais aqui do canal - ela apresentou. — Se você caiu de paraquedas aqui e agora e não faz a mínima ideia do que está acontecendo, saiba que eu também não sei direito até hoje, então está tudo bem.
sorriu atrás das câmeras, aumentando minimamente a iluminação atrás dele.
— Eu sou a , do Le Donne, e essa é a Luna, do Brilha la Luna, também conhecida como a minha melhor amiga e a pessoa que mais leva tempo para se arrumar em todo o mundo.
— Em minha defesa, isso só acontece porque eu sou desorganizada e sumo com metade das minhas coisas.
— Em sua defesa, você só adicionou mais um defeito seu à lista. Você é péssima.
— Se eu fosse boa, teria opções de amizade melhores que você - Luna retrucou. — E é com esse clima de amor e respeito que abrimos o quadro de hoje.
riu, puxando um iPad e uma caneca branca de bolinhas turquesas.
— É hora do perguntas e respostas com chocolate porque é cedo demais para ser socialmente aceito que eu abra uma garrafa de vinho e eu não quero perder minha monetização.
— Nós abrimos caixinhas de perguntas nos nossos perfis do instagram e selecionamos algumas para hoje - Luna completou. — Vamos começar!
começou a perceber o aumento massivo dos números de espectadores ao vivo, junto com os comentários que não paravam de subir no chat. havia se tornado um pequeno fenômeno nos últimos tempos e a visibilidade crescente às vezes ainda o chocava.
— A primeira pergunta é para a Luna - ela anunciou. — Como surgiu a ideia de começar o seu canal?
A mulher soltou um sorriso sincero, contente com a lembrança evocada e a oportunidade de abraçar aquela memória.
— Eu comecei me gravando enquanto eu maquiava por um pedido das minhas amigas mesmo, que queriam ideias para algum evento ou dia específico ou entender melhor esse processo de automaquiagem. Elas gostaram tanto que começaram a me incentivar a ampliar isso e fazer um canal realmente para as pessoas. Se você for ver meus primeiros vídeos, eles eram editados porcamente, a definição da minha câmera não era lá essas coisas e eu só ficava lá me maquiando e falando umas abobrinhas para tentar me envolver com o público. Eu não fazia ideia do que eu estava fazendo.
— O que ninguém imagina quando te vê hoje - comentou.
— Pois é! Foi muito treino, muito estudo, muitas horas vendo outras pessoas e pesquisando sobre outros nichos para conseguir ampliar meus horizontes e aumentar minha qualidade. No fim das contas, deu tudo certo. E é por isso que eu sempre vou vir com o clichê sobre não desistir e que realmente é a prática que leva à perfeição. Quem fica bom em alguma coisa do dia para a noite é parte de uma espécie rara em risco severo de extinção. Seres humanos normais se aperfeiçoam com o treino. Insistam nas coisas que vocês querem que vai dar tudo certo.
— Nos meus primeiros vídeos eu era super travada. Quem me acompanha desde o começo do Le Donne sabe bem disso. A palavra espontaneidade não tinha entrado no meu dicionário. Se você me dissesse, naquela época, que eu estaria fazendo transmissões ao vivo assim um dia, eu riria muito. Mas só depois de surtar.
Luna riu da fala da amiga, enquanto desbloqueava o próprio celular.
— A próxima pergunta é da Kiara: , você parece uma pessoa super culta. Me indica seu filme favorito, por favor? Amo seu canal, acompanho todo vídeo religiosamente.
— Kiera, meu amor - ela disse, mandando um beijo em direção à câmera. — Muito obrigada por esse carinho e por fazer parte da nossa família. Você é um doce. Mas eu tenho uma péssima notícia. Eu até tento acompanhar esses filmes meio diferentões, os indicados ao Oscar e tudo mais. Só que meu filme favorito continua sendo A Nova Onda do Imperador. É a razão de toda a minha existência e eu sempre revejo quando fico me sentindo meio para baixo porque sei que ele sempre vai me fazer rir.
Ela respirou fundo, encolhendo os ombros.
— Mas se você quiser a indicação de outro filme que eu também amo de paixão e é mais adulto, sério e tudo mais; fica aí a dica: Sociedade dos Poetas Mortos. Depois me conta o que achou.
— Alerta de gatilho - Luna interveio. — A só sabe indicar filmes que vão te fazer chorar, então estejam cientes disso antes de seguir.
Os comentários estavam bombando com risadas e pessoas dizendo que, realmente, aquele era um filme para emocionar até os corações mais duros e gelados, enquanto outras diziam que a mulher era ‘gente como a gente’ por simplesmente adorar uma animação e exaltá-la sem se importar com o que os chatos cult de plantão diriam. A vida era curta demais para não se aproveitar as pequenas alegrias dos filmes infantis.
— Luna, qual lugar você está louca para conhecer em uma viagem próxima? Beijos, beijos, Marie.
Ela fez um biquinho, levando o indicador ao queixo em um impulso instintivo. O problema ali não era saber a resposta e, sim, escolher só uma em meio à extensa lista que surgiu em sua mente.
— Bom, eu vou dizer Suíça porque tem castelos e chocolate. Eu gosto um pouco de doces.
— E com um pouco ela quer dizer que viveria facilmente de doces se não fosse morrer por isso.
— Basicamente - Luna concordou.
Mais uma vez os comentários começaram a pipocar. Pessoas falando de doces - ou sendo do contra para falar que preferiam salgados -, suíços dizendo para que ela fosse logo visitá-los e um ou outro comentário desnecessário que logo era retratado e retirado pela própria plataforma. Os números de visualizações se mantinham em crescimento estável, mais alto do que eles esperavam.
A dona do Brilha la Luna pegou o celular novamente, pronta para ler a próxima pergunta para a amiga. Antes mesmo de começar a falar, precisou engolir uma risada.
— O que foi? - perguntou. — Não é besteira, né? Isso é um programa familiar.
— Não. Pelo contrário. Na verdade, é uma pergunta bem séria.
A outra estreitou os olhos, intrigada e temerosa. Sabia perfeitamente que, apesar de ser uma ótima pessoa, a amiga nem sempre era exatamente uma pessoa confiável no quesito fazê-la passar vergonha gratuitamente.
— , você está namorando? Nunca te vimos com ninguém.
A mulher balançou a cabeça, fingindo uma fisionomia de derrota.
— Vocês não viram porque realmente faz um bom tempo que eu não namoro alguém - admitiu. — Não que eu não tenha conhecido pessoas, saído vez ou outra, mas o negócio do envolvimento sério e da parte do namoro eu vou ter que dizer que não vem rolando mesmo. Sinto muito em decepcioná-los.
— Não que eu já não tenha tentado fazer com que ela saísse mais, encontrasse uns amigos meus, criasse uma conta nesses aplicativos de relacionamento… — Eu já te falei que não vou me envolver nesse tipo de coisa. Não julgo quem usa, mas não é exatamente o tipo de estresse ao qual eu pretendo me expor.
— Nesse caso, vamos usar o poder da internet para anunciar que está oficialmente procurando um namorado. Alguém para dar a ela todo o carinho e aconchego que essa mulher incrível merece.
— Cala a boca - a amiga disse, rindo.
— Se você está interessado, mande sua inscrição por meio de uma mensagem fofa para a minha caixa postal - Luna continuou. — Não falo para mandarem para a dela porque é capaz de ela sumir com todas sem nem abrir. Estarei esperando as cartinhas.
— Eu não vou fazer isso - disse.
— Não, . Eu que vou. Vou ler tudo com muito carinho e selecionar só as mais legais para você. O projeto ‘Encontrar um Namorado para a ’ está oficialmente iniciado. E que a sorte esteja sempre a seu favor. - Ela deu uma risada engasgada. — Aliás, esse é outro ótimo filme.
— Eu vou começar uma nova edição dos Jogos Vorazes só para poder te matar - a outra retrucou. — Escolha as suas armas.
sentiu um algo no peito que residia entre um aperto e uma sensação de vazio que parecia capaz de sugá-lo como um buraco negro. Inventou uma distração aleatória checando a fiação - que não tinha absolutamente nada de errado ou sequer passível de ser mexido -, apenas para se ocupar e não correr o risco de ser percebido. Tudo estava bem daquela forma e continuaria exatamente assim. Ele só precisava desenvolver algum tipo de audição seletiva nos próximos minutos, para seu próprio bem.
— Ok, ok, chega - pôs fim à pequena discussão que corria de forma quase cômica, apesar de se sentir realmente nervosa. — Próxima pergunta: Luna, se você tivesse que nomear um batom, que nome daria?
— Meu Deus, gente. Eu não tenho criatividade. Não faço ideia. Vou precisar pensar um pouquinho.
O clima logo voltou a se suavizar em meio às risadas das duas com cada resposta absurda para uma pergunta ainda pior. Algumas mensagens de carinho também foram incluídas em meio ao andamento da transmissão, arrancando sorrisos bobos e palavras de verdadeira e absurdamente completa gratidão a tudo o que cada uma daquelas pessoas e seu apoio havia permitido que ambas construíssem em suas vidas. Tinham tanta sorte por receberem esse acolhimento e esse abraço apertado de outros seres que compartilhavam momentos de seus dias com elas e permitiam que elas levassem a vida fazendo algo que amavam tanto. Jamais deixariam de dizer e reafirmar isso sempre que possível.
— Nós ficamos por aqui com a live - anunciou. — Quem sabe não repetimos em breve? Ou pensamos em alguma outra coisa que possamos fazer juntas. Comentem aí se vocês gostaram e o que mais gostariam de ver.
— Obrigada pelo carinho e por nos aturarem - Luna agradeceu. — Beijinhos, beijinhos.
— E até a próxima.
Bastaram alguns segundos para que movesse os dedos, apertasse algumas coisas e dissesse:
— E estamos fora do ar. O alcance foi excelente. Saiu melhor do que as projeções que fizemos.
soltou um suspiro de alívio. Apesar do tempo e da bagagem como criadora de conteúdo digital, as transmissões ao vivo ainda não eram exatamente uma área que ela poderia dizer que dominava. Provavelmente era mais uma das coisas que teria que adicionar à lista do que melhorar. Especialmente se havia dado tão certo.
— Acho que eu vou esquentar o restinho de chocolate quente que sobrou - Luna anunciou. — Alguém quer também ou eu posso tomar tudo?
— Você é maluca?
Luna piscou lentamente algumas vezes antes de responder com outra pergunta.
— Por quê? Eu não posso tomar o chocolate quente? - Seus olhos se estreitaram, como se avaliassem alguma possível mensagem subliminar flutuando pelo ambiente. — Você quer o chocolate quente?
— Eu não estou nem aí para o chocolate quente - declarou. — Que ideia doida é essa de abrir uma campanha para me encontrar um namorado?
Luna soltou uma gargalhada alta.
— Ah, é sobre isso? Relaxa. Duvido que alguém realmente tenha levado a sério. E não vai fazer mal a ninguém. No máximo, você vai receber umas mensagens bonitinhas ou toscas e fim.
— Você é horrível.
— E você é preocupada demais, . De verdade, o que pode acontecer de tão horrível assim?
Algumas possibilidades passaram pela cabeça da mulher, que chacoalhou o pescoço na tentativa de se livrar das imagens - no mínimo obscenas - que tomaram aquele espaço. Era uma verdade universalmente inquestionável que os caras não tinham noção de limites ou respeito algum em mensagens, principalmente no instagram. Sinceramente, ela não se arriscaria a criar expectativas tão diferentes para o que seriam capazes de fazer em uma caixa postal.
— Se alguém mandar algo, vai ser para a minha caixa postal, ok? Eu filtro se aparecer alguma coisa problemática. Você não vai precisar nem ficar sabendo.
— Espero mesmo que ninguém tenha te levado a sério. Não bastasse ser a encalhada, agora fico parecendo a encalhada desesperada. Você está ferindo a minha imagem de independência.
— Ser independente não tem nada a ver com ter ou não um relacionamento - Luna a lembrou. — E eu sei que você sabe disso melhor do que ninguém. Qual é o problema em ter alguém?
revirou os olhos, dando-se por vencida.
— Só por essa palhaçada, você não vai tomar o resto do meu chocolate quente.
🎥💌💻
— Novidades da família, lindas lembranças e muitas emoções marcarão o dia. Receba um presente, demonstre seu carinho com gestos generosos e crie um ambiente acolhedor em casa. Momento de fortalecer as bases afetivas e a autoestima.
— O que é isso? - perguntou, tomando um gole do vinho que havia levado.
— O seu horóscopo de hoje - Luna respondeu. — É tão coerente.
— Você sabe que eu não acredito nessas coisas. Sem contar que são sempre coisas totalmente vagas e abertas que servem para literalmente qualquer pessoa. Sem credibilidade. Passo.
Luna revirou os olhos enquanto soltava o corpo no sofá e colocava os pés para cima do estofado, puxando a manta cor de rosa sobre as pernas. agarrou uma das pontas, estendendo o tecido sobre seus membros inferiores também.
— É claro que tem credibilidade. Tudo o que está escrito aqui descreve praticamente tudo o que importa no seu dia.
A outra balançou a cabeça em negação, enquanto encaixava a taça de vinho sobre o porta copos do braço do sofá e erguia a mão livre para possibilitar a enumeração:
— Nada de novidades na família. Nenhuma linda lembrança. Minha única emoção do dia é tédio.
— Uma coisa é certa: você definitivamente não anda mostrando seu carinho com atos generosos.
— Eu te trouxe vinho. É o maior ato de generosidade do mundo.
— Só trouxe porque você queria beber.
— Mas eu estou dividindo e compartilhando como ensinaram na igreja e na pré-escola. Um gigantesco ato de benevolência.
— Cara de pau.
deu de ombros.
— Pelo menos isso prova que esse seu horóscopo é furada, como eu já tinha dito. Não tem nada certo aí sobre mim.
— Tem uma partezinha aqui, olha: “momento de fortalecer as bases afetivas”. No seu caso, como você não tem nenhuma, ‘momento de construir as bases afetivas’ também serve.
A amiga bufou, jogando a cabeça para trás. Estava se exaurindo por completo daquele papo.
— Eu não estou no clima, Luna. Começa a superar isso, por favor.
— Não posso - respondeu. — Acontece que uma seguidora do meu canal me mandou uma mensagem dizendo que tinha enviado um kit de máscaras faciais e eu não aguentei. Fui correndo para a minha caixa postal buscar a caixa e…
— E…?
— E tinham umas cartas lá - respondeu baixinho. — Para você.
espremeu os olhos com tanta força que teria os esmagado se isso fosse possível. A inspiração a seguir foi tão profunda quanto seus pulmões aguentavam, como se pudesse encontrar algum remédio no ar capaz de impedi-la de explodir de vez.
Tinham se passado alguns dias desde a live e, por mais que tenha ficado algum tempo ainda nervosa pensando em tudo o que poderia acontecer dali para frente, em algum momento ela apenas havia se convencido de que realmente estava exagerando por conta de suas preocupações e aquela vozinha irritante que coçava o fundo de sua mente era só a mania autodestrutiva de sempre esperar o pior.
Havia pelo menos uns três dias em que ela tinha realmente se esquecido dessa história. O acontecimento não se esgueirava mais por suas memórias e tomava todo o foco de suas ideias de forma furtiva e quase desrespeitosa. Ela havia se convencido de que aquela era só mais uma peça que ficara no passado como uma história que a faria rir algum dia.
— ?
— Eu não sei nem o que pensar.
— Você não precisa pensar em nada. Não agora. Depois você decide se quer abrir os envelopes, se quer ler ou se vamos acender a lareira com eles. Independentemente de qual dessas opções você escolher, não existe nenhuma pressão ou obrigação sua, sabe? Você não é obrigada a responder, a falar sobre ou sei lá. Não tem nenhuma cobrança nessa história.
A mulher aquiesceu lentamente, absorvendo aquelas palavras como uma verdade em seu coração e não só como algo que ela repetiria na cabeça, como se um disco arranhado tivesse ficado preso ali. Precisaria acreditar. No fim das contas, não parecia que ela tinha muita escolha a não ser essa.
— Chegaram muitas?
— Bom, daí depende do que você considera como muitas - Luna respondeu.
fez uma careta para a amiga.
— Algumas. Eu não parei para contar. Tenho mais o que fazer da vida, sabia?
— Tipo maratonar todas as temporadas de Glow Up, mesmo as que você já viu? - apontou para a tela plana à sua frente.
— É terapêutico - ela se justificou. — E serve como uma fonte de inspiração e conteúdo para o canal. No fim das contas, assistir a um reality show virou meio que parte do meu trabalho.
— Você deveria participar.
— Não sei, não. É uma baita oportunidade de expor o seu trabalho e ganhar seguidores, mas não deixa de ser também uma oportunidade de fazer tudo dar errado, cavar um buraco profundo e enterrar todos os meus sonhos bem no fundo dele.
— Se o seu sonho fosse participar de uma telenovela, você já teria chegado lá faz tempo.
— Eu tento ser compreensiva e acolhedora e você me trata desse jeito. Nada de mostrar o carinho por meio de atos generosos mesmo.
A amiga soltou uma risadinha, antes de decidir tomar a taça de vinho de volta em mãos e virar o resto do conteúdo de uma só vez garganta abaixo.
— Ok, vamos fazer isso.
Luna arregalou os olhos, verdadeiramente chocada por receber literalmente a última reação que poderia esperar, ao menos de uma forma tão imediata.
— É sério?
— É sério - confirmou. — Se você esperar mais cinco segundos, vai ter me dado tempo suficiente para mudar de ideia.
Luna não precisou nem de dois para levantar e sair correndo, sumindo do campo visual da amiga com uma rapidez surpreendente.
cruzou as pernas sobre o estofado, balançando o pé nervosa e agitadamente, sentindo um turbilhão de sensações misturadas e confusas que pareciam prestes a fazê-la vomitar.
‘Não precisa se preocupar’ era o que ela repetia para si mesma. ‘Não significa nada. Não muda nada. Não é nada.’
Antes que pudesse começar a divagar e espiralar sobre o significado por trás daquela dupla negação, sua melhor amiga estava de volta, jogando os envelopes sobre a mesa de centro.
— Você disse alguns - esbravejou.
— E desde quando tem limite para alguns? Dois são alguns. Cem são alguns. Que diferença faz?
Um envelope azul claro chamou sua atenção. Não importava o remetente, o conteúdo, nem nada do tipo. Era impossível não notar em algo com uma cor tão destoante dos demais.
— Esse já ganhou pontos por se fazer notar - Luna declarou.
rasgou a abertura do envelope, em uma tentativa pouca cuidadosa de abri-lo. De lá, puxou uma pequena folha amarela timbrada com um design que não lhe remetia a nada.
Ela leu:
— Rosas são vermelhas,
Violetas são azuis,
Não sei bem
O que rima com azuis.
— Profundo - Luna disse.
— Ah, tem uma segunda tentativa no verso.
Ela pigarreou teatralmente antes de declamar a outra versão:
— Rosas são vermelhas,
Eu comprei vários queijos.
Queria saber
Quando vamos dar uns beijos.
Luna se engasgou com a própria risada.
— Coitado. Dou nota seis pelo esforço.
— Acho que ele gastou tudo o que tinha com a aparência da coisa toda. Pelo menos me fez rir.
— Minha vez - Luna declarou, puxando uma carta qualquer. — , minha irmã é a sua maior fã. Ela vê você quase o dia todo e fala de você no resto do tempo. Com isso, eu meio que sinto como se já te conhecesse. E é bem óbvio que você é uma mulher incrível. Meu ego não é grande o suficiente para dizer que eu sou tão incrível quanto você, mas, modéstia à parte, eu até sei ser um pouco engraçado às vezes. Enfim, se quiser sair para fazer alguma coisa, meu número está no final desse bilhete. Boa sorte na sua busca!
— Foi fofo. Queria dar um abraço na irmã dele.
— Não é esse o ponto, garota! Você está focando na parte errada da história.
respirou profundamente, brincando com um dos fios soltos na barra da blusa que usava.
— Eu disse: é fofo. Mas não é como se eu fosse me sentir magicamente atraída por alguém em um bilhetinho, sabe? Se eu ainda tivesse uns quatorze anos teria funcionado.
— Você provavelmente era bem mais legal nessa época. Quem te machucou?
A verdadeira destinatária das cartas ergueu um dedo do meio antes de puxar outro envelope. Para sua surpresa, não encontrou nenhuma carta no seu interior. Havia uma folha dobrada várias vezes, que já fez seu sexto sentido apitar e berrar com todos os avisos de receio e perigo possíveis.
— Puta que pariu, o cara mandou um print impresso do perfil dele do Tinder.
Luna largou imediatamente o que estava fazendo para se aproximar e ver a proeza.
— Fã de futebol, cerveja e bons amigos. Procurando por alguém com quem dividir a cama e a vida. Seu prazer é a minha maior satisfação.
— Meu Deus, começou parecendo a biografia do twitter e terminou parecendo anúncio de gigolô - Luna comentou. — O que esses caras têm na cabeça?
— O pior é que esse é o perfil do Tinder dele. Centenas de outras pessoas foram obrigadas a ler essa porcaria.
— E é por isso que ele continua procurando.
Enquanto a criadora de todo aquele plano procurava qualquer outra coisa que pudesse ser interessante, aproveitou os momentos de distração para verificar o celular.
Algumas notificações de curtidas em um meme aleatório que havia publicado no facebook, curtidas e seguidores novos no instagram e mensagens do Whatsapp que ela provavelmente ignoraria. A mais recente, contudo, era de alguém que ela nunca ignorava.
“Recebidos pagos do dia”
A mensagem de vinha acompanhada de uma foto de dois Funkos ainda na caixa. Eram as figuras de Hermione Granger e Tony Stark. Dois dos personagens favoritos de ambos.
Ela se pegou sorrindo para a tela quando decidiu responder:
O ‘Visto por Último' logo foi substituído por um ‘Online’, seguido de um ‘Digitando…’. Ela se ajeitou um pouco no sofá, arrumando o celular em mãos, carregando a pequena faísca de expectativa no peito.
“Não toca na minha Hermione.”
“Como vai sua noite?”
ergueu a taça de vinho e virou o celular, tirando uma selfie com uma Luna distraída ao fundo.
O próximo aviso de ‘Digitando…’ demorou um pouco mais para chegar dessa vez. Quando o fez, sumiu tão rápido quanto apareceu. E de novo. E mais uma vez. Até que uma mensagem lacônica chegou:
“E aí?”
riu alto antes de voltar a digitar. Depois de passar tanto tempo de sua vida perto de , tinha uma imagem bastante clara de como seria sua reação em casa ao ler algo que consideraria tão bizarro e absurdo quanto aquilo.
Ela procurou o fatídico envelope azul e, assim que o tomou em mãos, fotografou as gêmeas poéticas que havia recebido.
Uma coleção de emojis risonhos veio logo em seguida.
“É ele, . Esse é o cara.”
“Não dá para ficar melhor do que isso”
— , você precisa ver isso - Luna roubou sua atenção abruptamente. — É sério.
digitou um ‘Luna está me chamando’ e bloqueou o celular, sabendo que tinha mais ou menos uma margem de três segundos até que a amiga decidisse que não poderia mais esperar pelos sinais de sua boa vontade e esfregar o que quer que fosse bem no meio de sua cara. E, com certeza, a palavra delicadeza havia sido descuidadamente cortada do dicionário dela e jogada na lixeira mais distante da maternidade desde o momento em que ela havia chorado pela primeira vez.
— O que você encontrou aí?
Luna lhe estendeu um envelope em papel reciclado.
— Você precisa ler essa. Eu juro. Deve ser uma das coisas mais legais que eu já vi na minha vida toda.
sentiu o coração acelerar um pouco, já reagindo fisiologicamente à intensa criação de expectativa que a amiga havia conseguido instaurar com sucesso. ‘Não é nada de mais’, pensou. ‘Não significa nada. Sem pressão’.
Com uma inspiração profunda, puxou o papel e leu:
“‘Não escuta esse cara, não. Ele ‘tá tentando te guiar pelo caminho da bondade. Eu vou te guiar pelo caminho que é o bicho.’
Eu sei que você vai saber exatamente quem, quando e como disse isso. Eu acabei de (re)ver esse filme por sua causa e me lembrei de como ele é incrivelmente bem humorado e fascinante do seu próprio jeito especial. Acho que você gosta tanto dele porque isso soa exatamente como uma descrição sua. Mas não acho que você tenha a consciência disso. Acho que nos encantamos pelas coisas sem a necessidade de entender exatamente o porquê. Acho que foi assim que eu me encantei por você.
E foi desde a primeira vez em que coloquei os olhos em você. Você tem esse sorriso fácil e esse brilho nos olhos, como se realmente amasse viver cada segundo dessa coisa esquisita que é a vida. Isso me fez, dia após dia, desejar intensamente viver tudo isso. Esse seu mundo, desde que fosse do seu lado.
No começo, eu pensava que era uma questão de querer estar por perto por acreditar que essas suas perspectivas sobre o mundo pudessem me atingir como uma doença contagiosa. No fim das contas, levei um tempo para perceber que, na realidade, o sentimento era outro. Talvez menos egoísta. Ou mais. Não sei exatamente.
O sentimento amoroso parece paradoxal o suficiente para se deitar bem no meio da linha que divide o altruísmo e o egoísmo. É querer se doar para alguém e fazer esse alguém feliz, mas, no fundo, também é sempre esperar algo em retorno.
E eu posso dizer que é suficiente saber que compartilhamos o gosto por animações, sagas, chocolate quente e dias nublados de inverno. Mas eu queria poder ter a sensação de esperar fazer todas essas coisas com você. E ser egoísta o suficiente para querer ter sua cabeça deitada no meu peito no fim da noite e poder segurar sua mão enquanto estivermos indo para… Sei lá. Basicamente qualquer lugar. É tosco demais admitir que eu iria para qualquer lugar no universo desde que fosse com você? Meu Deus, eu nem sei escrever sem começar a divagar em um fluxo de consciência bizarro. Parece um áudio em forma de carta.
Enfim. Quando essa tal campanha para te arranjar um namorado surgiu, eu vi a chance de colocar essas palavras no papel. De uma forma mais confusa do que eu esperava, mas tudo bem. E a oportunidade de te lembrar de nunca perder a sua essência que cativa a todos.
Você é uma mulher incrível e não merece menos do que alguém que reconheça isso. Espero que você seja tão feliz quanto qualquer um pode ser.
E lembre-se:
‘É possível encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se a pessoa se lembrar de acender a luz.’”
Quando terminou a leitura, percebeu que havia deixado escapar uma lágrima pesada, que molhou o canto inferior da folha. A consistência se afinou, rasgando um pequeno pedaço da carta. Ela exalou um suspiro de alívio ao perceber que seu choro não tinha causado danos à lembrança que ela mal podia esperar para guardar em um canto seguro e próximo o suficiente de seu coração para nunca mais se afastar daquelas palavras.
Não conseguiu evitar uma risada anasalada, quando fungou com as narinas relativamente entupidas.
— Que droga - reclamou. — Odeio chorar. Odeio muito.
— Eu sabia que você ia se derreter toda.
— Isso aqui é maldade. De verdade.
— Ainda colocou Harry Potter. Realmente queria atingir todos os seus pontos fracos.
assentiu, com as sobrancelhas levemente erguidas.
— E sabe o que é pior? - Luna perguntou. — O maldito não assinou.
travou. Seu cérebro era um Windows em tela azul. Seu sistema operacional tinha desconfigurado, desligado, parado de vez. Não era possível.
— Como assim?
Ela pegou o envelope, revirando-o de forma afoita em busca de qualquer sinal, qualquer dica que identificasse a correspondência.
— Não tem remetente - Luna disse, já tendo feito o trabalho de procura e gastado sua própria cota de revolta com isso. — Eu não sei como isso foi enviado assim, mas foi.
bufou, externalizando sua frustração com a força de expulsão do ar.
— Não é possível. Esse tipo de coisa só acontece comigo mesmo. O universo deve me odiar muito.
Luna lhe deu um peteleco no braço.
— Para de falar besteira. Vai dar certo.
— Como?
A amiga se curvou sobre as pernas, tentando ligar alguns pontos na cabeça para chegar a algum lugar. A ideia acendeu como uma luz no fim do túnel em sua mente.
— Acho que eu tive uma ideia.
ajeitou a postura, tentando se convencer a não parecer tão esperançosa quanto, de repente, estava.
— Qual?
— Vamos levar essa história de volta para onde tudo começou.
🎥💌💻
— Ok, acho que está tudo certo.
coçou os braços, como fazia quando estava nervosa. Teria que agradecer por ter se lembrado de lixar as unhas na noite anterior.
— É tão estranho fazer isso sem o atrás das câmeras - admitiu.
— Bem-vinda ao meu mundo - respondeu Luna. — Aqui a gente se vira com o que tem. Ou com o que não tem, no caso. Vou gravar uma thread DIY de como ser sua própria ‘camera woman’ e editora.
A amiga riu, enquanto checava o cabelo pela última vez.
— Tem certeza de que isso vai dar certo?
— Não - admitiu Luna. — Mas tenho certeza de que não temos nenhuma ideia melhor.
Foi obrigada a concordar. De todas as várias ideias ruins que tiveram, aquela tinha de ser a menos terrível.
Sentaram-se no sofá rosa pouco chamativo do escritório que Luna usava para gravar os vídeos para o Brilha la Luna e repassaram o planejamento do que iriam dizer e de qual seria a abordagem para tentar chegar, de alguma forma, na resposta à charada daquela missão quase impossível. Se o remetente não fosse o Tom Cruise, ficaria um tanto decepcionada,
— Ok, começamos - Luna anunciou. — Olá, estrelas do meu céu! Como vocês estão nessa linda tarde? Eu estou aqui com uma grande amiga, já bem conhecida de vocês, para falarmos daquele que é o nosso assunto favorito: Fofocas.
— Não é exatamente uma fofoca - a corrigiu.
— Não - concordou. — Mas agora que eu consegui a sua atenção, vem comigo que eu te explico tudo.
— Daí você rola a sua vinheta bonitinha.
— É, mas só na edição final. Agradeço pelo elogio. Deu um trabalho dos infernos fazer aquele negócio.
As duas reorganizaram o set minimamente e aproveitaram para tomar um copo de água depois de Luna ter um acesso de tosse com um engasgo que fez parecer que ela perderia um pedaço de um pulmão a qualquer momento.
— Ok, vamos voltar.
— Tem certeza de que você consegue?
— Sim, . Pelo amor de Deus, eu não vou morrer agora. Foi só um engasgo.
— Bom, me perdoe por ser uma amiga preocupada com a sua saúde e bem-estar.
— Cala a boca e grava.
Com um sorriso largo, Luna continuou: — Há uns dias, fizemos uma live lá no Le Donne e nós acabamos lançando uma campanha para encontrar um namorado para a .
— E, com nós, ela quer dizer ela.
— Sim, quero dizer eu. Enfim, o fato é que eu propus tudo isso meio que como uma brincadeira, achando que nem ia dar certo. Mas, caras, eu não acho que seja uma brincadeira mais.
riu com o uso do jargão do meme atual.
— O fato é que nós realmente recebemos algumas cartas, bilhetes, fotos e tudo mais que vocês podem imaginar.
— É sério. Tudo o que vocês podem imaginar mesmo - enfatizou. — Mas, tirando uma ou outra coisa meio perturbadora, a maioria acabou sendo bem engraçada e eu preciso deixar meu agradecimento público aqui. Independentemente do que tenha acontecido, essa história toda conseguiu me arrancar boas risadas e isso não seria possível sem vocês.
— Acontece que, em meio a poemas, cantadas e fotos, encontramos uma cartinha que realmente parece ter sido arrancada com sangue e lágrimas do fundo do coração de alguém. E nós precisamos saber quem foi.
— É tipo uma questão de vida ou morte.
— Está mais para morte mesmo. Mas nós não vamos desistir de descobrir quem é o nosso remetente secreto que foi tão específico que chegou a amolecer até os meus sentimentos.
— Foram esses detalhes super específicos que nos deram uma ideia - explicou. — Existe uma citação explicitamente retirada de um filme que foi citado durante a live em que tudo isso começou. A pessoa que enviar a citação exata para o e-mail que nós criamos especialmente para isso…
— Porque estamos completamente desesperadas - Luna acrescentou, interrompendo-a.
— Vai permitir que consigamos dormir à noite, porque, de verdade, esse mistério todo ainda vai acabar matando uma de nós.
— Então, se você acha que você que escreveu a dita carta, por favor, manda a frase para a gente. A gente precisa te encontrar. Eu imploro.
— Nós imploramos.
— Agora você quer fazer as coisas no plural?
riu, empurrando-a de leve.
Com mais alguns comentários e brincadeiras, deram fim à gravação.
— Como a intenção é ser algo curtinho mesmo, eu acho que consigo editar rápido e já subo para o canal amanhã - Luna disse. — Como já é um dia em que meus inscritos costumam receber vídeos, eles vão estar esperando e acho que temos mais chances de ter um alcance melhor.
A amiga respirou fundo, concordando. Cada minuto que passava remoendo cada uma das frases de alguém que parecia conhecê-la melhor do que ela mesma e - com certeza - valorizá-la mais do que ninguém jamais havia feito era um martírio. Ela precisava conseguir se livrar daquele coração acelerado e de todas as mil histórias que sua mente criava em meio ao grande rol de possibilidades que residiam no incerto.
— Qualquer coisa que resolva logo essa história.
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As pessoas simplesmente não perdiam uma oportunidade sequer de causar. A caixa de entrada do e-mail criado explodiu com várias mensagens tão rápido que ela só conseguiu soltar um suspiro frustrado, já sabendo que encontraria uma enorme quantidade de pessoas cujo único intuito era realmente se sentir engraçado à base da sacanagem e às custas do sofrimento dos outros.
Luna estava ajudando-a nisso. Entrava casualmente no e-mail e deletava as mensagens mais idiotas e bloqueava os usuários ao máximo que podia. também precisaria agradecer ao pleno funcionamento do reconhecimento de spam que estava filtrando boa parte das mensagens repetitivas dos famigerados ‘trolls’, que parecia. se espalhar e crescer como ervas daninhas por todo o ambiente virtual.
Alguns realmente pareciam estar tentando, apesar de claramente não saberem o que estava acontecendo e estarem longe demais de serem os possíveis remetentes. Tinham se aproveitado das menções a Sociedade dos Poetas Mortos e Jogos Vorazes e estavam chutando citações das duas obras - possivelmente tentando acertar de verdade. Praticamente ninguém, entretanto, tinha sequer se aproximado do filme de que realmente se tratava. Uma animação como aquela não era mesmo conhecida por ter grandes quotes afinal. Ela tinha que admitir que não pareceria mesmo provável aos olhos de quem não houvesse participado ativamente do processo.
Entre uma mensagem e outra, o processo de abertura dos e-mails foi ficando maçante e cansativo, deixando de ser uma sequência de decepções para de tornar apenas uma desestimulante escalada em direção à completa desesperança. Quanto mais seleções fazia para “excluir todos”, menos acreditava que realmente pudesse dar certo.
— O que você está fazendo? - A chegada de a assustou de leve, servindo como o sinal necessário para que ela entendesse que talvez já fosse mesmo hora de parar.
deu de ombros, com um sorriso forçado e entristecido.
— Nada. Quer um chocolate quente?
sorriu. Se havia uma certeza na vida, era a de que seria praticamente impossível não encontrar um chocolate quente na casa de sempre que a previsão do tempo acusasse mesmo que a mais ligeira frente fria.
— No dia em que eu te responder que não, por favor me interne.
Os dois seguiram para a cozinha de decoração minimalista, mas com pequenos pontos coloridos do apartamento de . Essa sempre havia sido uma necessidade sua, de certa forma. Ela achava as grandes mobílias e decorações impactantes um pouco demais, um pouco asfixiantes, um pouco claustrofóbicas. Mas não encontrar um sinal que fosse de cor era como admitir que estava vivendo em um ambiente estéril. E, se não havia vida em um ambiente estéril, então que merda ela estava fazendo respirando bem ali?
As canecas fumegantes logo repousaram à frente de cada um. soprou a sua levemente, rindo de como a pequena névoa do choque térmico havia acabado de embaçar seus óculos por completo. Não havia sentido em usá-los naquele momento.
— E é por momentos como esse que eu simplesmente cedi à pressão de comprar lentes de contato.
— Você fica absurdamente fofo de óculos. Mas também fica lindo como sempre com as lentes. E sei que esse tipo de coisa deve ser meio chato, mas eu acho engraçado.
estreitou os olhos.
— Que bom que meu sofrimento te diverte.
Ela riu alto, levando a mão ao seu braço. O toque pareceu quase elétrico e ela temeu que ele também houvesse sentido. Talvez fosse a eletricidade estática nos fios de seu cardigan ou o fato de ela ter esfregado as mãos nas calças minutos antes. Tinha de ser físico, pois se fosse emocional, ela teria que bloquear qualquer que fosse sua origem. Mas não. Era só uma reação normal. Ela tinha certeza disso.
— Você sempre me diverte. Não sei o que seria de mim sem você.
Ele enrubesceu de leve, olhando para baixo por alguns segundos em uma tentativa besta de se recompor e esconder a sua reação.
— Provavelmente uma pessoa que levaria mais tempo para editar os vídeos - ele disse, tentando desviar dos seus próprios sentimentos com uma brincadeira. Aquele era o seu mecanismo de defesa mais óbvio. — Mas você aprende tudo tão rápido que logo perceberia que nunca precisou de mim.
sorriu, revirando os olhos de brincadeira.
— Até parece - respondeu. — Você é meu melhor amigo. Eu sempre preciso de você.
Antes que ele pudesse elaborar uma resposta, ela teve sua atenção desviada para a vibração do celular à sua frente, assinalando uma nova notificação. Com o reconhecimento facial na tela inicial, pôde ver o aplicativo do e-mail denunciando uma nova mensagem na caixa de entrada da conta recém-criada.
A mensagem era tão curta que cabia por completo na prévia que ela leu rapidamente, sentindo seu coração dar um duplo twist carpado no peito.
‘Não escuta esse cara, não. Ele ‘tá tentando te guiar pelo caminho da bondade. Eu vou te guiar pelo caminho que é o bicho.’
— Puta merda. - O ar lhe faltou.
— O que foi? - perguntou.
— É ele - ela respondeu em um sussurro, mais para si do que para manter a comunicação.
— Ele quem?
se levantou de uma só vez, deixando a cadeira balançando às suas costas com a movimentação súbita. Ela não conseguia evitar. Seu humor havia ido de zero a cem em uma aceleração que causaria inveja aos engenheiros das equipes de fórmula um. A sensação de esperança renovada era quase como uma droga encontrando os receptores exatos e lhe enchendo da mais plena sensação de euforia.
— O dono da carta - disse e correu para o computador. Cada um de seus neurônios parecia ter sido imediatamente reprogramado para distribuir seu foco em pensar como responder àquele e-mail.
Precisava calcular as palavras exatas. Tinha que construir uma mensagem que parecesse contente, mas não desesperada; despojada, mas não desprovida de qualquer grau de animação. Deveria ser o suficiente para demonstrar interesse, mas não dar a impressão de jogo ganho. Principalmente porque ela ainda não fazia ideia de quem era aquela pessoa.
Com os dedos nervosos, pressionados um contra o outro, ela começou a desenhar rascunhos mentais de como iniciar aquele e-mail.
Na cozinha, tentava se convencer de que a cremosidade do chocolate quente poderia segurar os pedaços de seu coração que ameaçavam se separar. Talvez o conforto do doce caloroso fosse suficiente para fingir que aquilo não doía como o inferno.
🎥💌💻
O Gero era um dos seus restaurantes favoritos de toda a vida. Por estar acostumada com o ambiente, o cardápio e já ser conhecida pelo nome por praticamente todos os funcionários, pensou que aquela era a melhor ideia de lugar para aquele primeiro encontro. Precisava se agarrar a alguma familiaridade enquanto enfrentava tantas novidades e dúvidas ao mesmo tempo. De alguma forma, precisava dessa sensação de falsa segurança.
Tinha trocado algumas mensagens com Matthew depois do e-mail em que ele cravou a citação de ‘A Nova Onda do Imperador’ contida na carta. O rapaz havia se apresentado brevemente e parecia esboçar pequenos sinais de bom humor em cada frase. , por sua vez, estava se esforçando para ser sua versão mais simpática, que assustaria até a sua mãe - a qual sempre dizia que ela tinha momentos incrivelmente ranzinzas quando queria.
Quando, por fim, decidiu que valeria se arriscar, convidou o rapaz para sair. Luna quase contratou toda uma empresa de pirotecnia só para soltar trocentos fogos de artifício silenciosos em comemoração. A amiga havia passado dias a fio repetindo as mesmas palavras tranquilizadoras e carregadas de incentivo, com medo de que a outra desse para trás aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. No fim das contas, já havia perdido todas as saídas ao longo do jogo e agora, na porta do Gero, não tinha exatamente para onde correr. Não sem ir contra todos os princípios de consideração e educação que havia construído ao longo da vida.
Respirou fundo, apertando os olhos com força, decidindo que aquele era o momento para colocar todas as suas preocupações e inseguranças para fora. A partir do momento em que pisasse o pé direito para dentro do restaurante, apenas a confiante teria sido oficialmente convidada para aquele jantar a dois. A outra teria que ficar do lado de fora esperando.
— - cumprimentou a recepcionista. — Que bom te ver!
— Também é muito bom te ver, Annalise. Você não estava aqui da última vez. Eu fiquei preocupada.
Annalise gesticulou rapidamente como se dissesse que ela não precisava se importar com aquilo.
— Precisei tirar uns dias de folga porque minha mãe ficou doente. Mas deu tudo certo, ela já está bem melhor.
— Que bom que vocês estão bem. Se precisar de alguma coisa me manda uma mensagem, hein?
A recepcionista sorriu sinceramente, estendendo para ela o cardápio - que ela havia decorado por completo - apenas por uma questão de protocolo.
— Pode deixar - garantiu. — Mesa para você?
— Na verdade, eu meio que tenho um encontro hoje.
Os olhos de Annalise brilharam automaticamente.
— Me conta mais!
— A Luna inventou uma campanha para me encontrar um namorado e pediu para os caras mandarem cartas. Várias eram bem estranhas, mas uma me pegou pelo coração sem dó - contou. — O nome dele é Matthew. Talvez até já esteja aí.
— Ele chegou tem uns dez minutos - Annalise confirmou. — Pediu a melhor mesa para dois que tivéssemos. Ele é bem bonito.
sentiu um pequeno sorriso se formando. Suspirou profundamente mais uma vez, garantindo que estivesse pronta.
— Vamos?
Ela aquiesceu, seguindo a recepcionista.
A cada passo, teve tempo de elaborar e destruir tantas expectativas que chegou a se assustar com a velocidade do próprio pensamento. Quase verbalizou um agradecimento ao atingir seu destino, vendo a imagem verdadeira e não tendo mais que lidar com as possibilidades fervilhando no cérebro. Agora, teria que sustentar apenas aquela batida acelerada contra o esterno, tentando fingir a maior naturalidade do universo.
Assim que a viu chegar, ele se levantou, com um sorriso largo repleto de dentes claros e perfeitamente alinhados e braços firmes e malhados que a apertaram em um abraço forte.
— É um prazer te conhecer. Assim, ao vivo, sabe? Fiquei tão feliz quando você me chamou.
A voz dele era como uma melodia para seus ouvidos. Ela poderia escutá-lo falando por horas a fio. Gostaria de ouvir a carta sendo lida por ele apenas para poder guardar aquelas palavras com o seu timbre ressoando em suas memórias.
— É um prazer te conhecer também. Obrigada por aceitar o convite.
— Eu não sou doido de recusar. Teria cancelado qualquer coisa só para estar aqui.
— Vocês gostariam de pedir? - Aproximou-se um garçom.
— Para mim pode ser o de sempre - respondeu, vendo o homem assentindo e anotando em seu bloquinho.
— O que é o de sempre? - Matthew perguntou.
— Ai, nossa. Perdão, foi o costume - ela se desculpou. — Eu gosto muito do fettuccine alfredo com camarões. Peço ele quase sempre que venho aqui.
O rapaz concordou, sorrindo.
— Bom, o seu bom gosto deve se estender para comidas. Então eu vou querer o mesmo que ela.
— Quem disse que eu tenho bom gosto? - brincou.
— Eu já vi vários dos seus vídeos. Sem contar que você está deslumbrante. Como sempre.
Ela agradeceu a ele pelo elogio e pelo garçom pela entrega de uma taça de vinho tinto e outra de água.
— Saúde - disse ao erguer a vidraria.
— Um brinde a esse momento - ele sugeriu.
Após alguns instantes de silêncio que lhe queimaram como uma azia, ela tentou puxar algum assunto.
— E aí? O que você gosta de fazer?
— Ah, sair com meus amigos, jogar futebol, ver os jogos da NFL e da NBA… Esse tipo de coisa.
concordou com a cabeça. Não fazia ideia de como falar sobre qualquer um daqueles temas. Seu conhecimento esportivo sabia que a NBA era sobre basquete e nela tinha o LeBron James, mas mesmo ele só havia conhecido por conta do Space Jam 2. Por algum motivo, sua memória era muito melhor quando havia uma sala de cinema envolvida.
Sua variedade de tópicos para abordagem parecia ter acabado de passar por um funil e suas opções haviam diminuído demais para seu próprio bem.
— E você?
— Ah, você sabe. Eu sou meio que a doida dos filmes. - Ela riu. — Também me divirto de verdade fazendo todas as pesquisas e o planejamento dos vídeos, mas essa parte às vezes acaba sendo mais cansativa do que puro lazer. Mas a gente tenta conciliar as duas coisas.
— Vantagens de trabalhar com o meio virtual, né? E de ser sua própria chefe.
concordou, sem saber ao certo se deveria levar aquele comentário como uma fala totalmente inocente apenas para continuar a conversa ou se deveria se importar com o fundo de ressentimento que parecia ter percebido emergindo ali.
— E você, Matthew, com o que você trabalha?
— Eu sou engenheiro civil. Trabalho em um escritório de arquitetura.
— Então você também é meio que seu chefe.
— Mas tenho que prestar todas as contas e justificativas para os donos do escritório. Sem contar o aluguel e a prioridade de contratos.
— Entendi. Mas você gosta do que faz?
O homem deu de ombros.
— Dá para levar. E paga as contas.
precisou agradecer mentalmente à cozinha que liberou os pratos exatamente no momento e a salvou de prolongar aquele papo que começava a sinalizar a necessidade de ser podado antes de se tornar uma desagradável bola de neve.
Recapitulando a carta, ela teve uma ideia:
— Quem é seu personagem favorito de Harry Potter?
Matthew engoliu o macarrão, limpando a boca no guardanapo logo em seguida.
— De quê?
precisou se esforçar para não contorcer o rosto todo em uma brutal careta.
— Harry Potter - ela repetiu. — Pode ser dos filmes.
— Ahn, acho que o Harry?
Ela só aceitou. Tudo bem, talvez alguém realmente gostasse do personagem principal não por uma questão de falta de originalidade ou por essa ser simplesmente a resposta mais fácil.
— E de que casa você é?
— Casa? - Ele parecia verdadeiramente confuso. — Onde eu moro?
— Não. Que casa de Hogwarts, sabe.
— Ah, entendi. Aquela vermelha.
— Grifinória?
— É. Acho que é esse o nome mesmo.
— Entendi.
— E você é de qual?
expôs um sorriso honesto. Sabendo que pelo menos ele estava claramente tentando. Não que parecesse sequer perto de ser o suficiente.
— Corvinal - ela respondeu.
— Não lembro dessa.
Ela concordou, absorvendo aquela informação. Cada vez mais a verdade ficava óbvia, escrita bem no meio de sua cara com luzes pulsantes e um aviso em outdoor bem no meio da cidade.
Não era fácil. Era forçado, como se todos os lados estivessem tentando demais fazer funcionar algo que deveria ser natural, com base nas expectativas previamente criadas.
— Matthew, você não mandou a carta, né?
— Claro que eu mandei. Eu escrevi aquele trecho do seu desenho.
— Mas na carta você fala de Harry Potter, de sagas, de outras coisas…
Ele franziu as sobrancelhas, genuinamente confuso.
— Eu não falei nada disso.
— A carta começa com A Nova Onda do Imperador e termina com uma fala do Dumbledore. No meio tem várias coisas lindas, super atenciosas.
— , eu só mandei a frase do desenho. Não tem mais nada escrito. Eu coloquei uma foto minha vestido de diabinho no halloween por causa do personagem. Foi só isso.
E foi então que a ficha caiu; despencou bem no meio de sua cabeça.
— Eu não vi nenhuma foto - admitiu. — Acho que a carta não era sua.
— Mas eu não acertei a frase?
Ela aquiesceu.
— Eu sei que é estranho; eu também acho. Mas acho que realmente foi tudo uma grande coincidência, por mais improvável que pareça.
— Você tem a carta aí? Por curiosidade.
lhe estendeu a correspondência. Matthew desdobrou o papel e correu os olhos atentamente por cada uma daquelas frases. Soprou o ar pelo nariz em uma risada.
— É, eu definitivamente não escrevi isso. Sinceramente, eu não tenho nem um décimo do talento com as palavras que esse cara tem. E também não te conhecia direito para escrever coisas tão profundas assim. Soa próximo demais vindo de alguém que, em teoria, só te conhece há uma meia hora.
Ela acabou rindo do comentário. Sentia certo alívio em saber que não era ele o cara - seria, no mínimo, um grande banho de água fria ter uma refeição tão improdutiva e sem química depois de ter criado tantas expectativas. Por outro lado, haviam esmurrado seu sistema de volta para o zero. Só Matthew havia acertado e não era ele. A única conclusão que deveria tirar disso tudo era a de que tinha se jogado de cabeça em uma piscina vazia e quebrado a cara. Sua pequena fantasia, como qualquer livro de conto de fadas, tinha chegado ao fim.
— Mesmo assim, foi bem legal mesmo te conhecer - ele falou. — Espero que você ainda o encontre. Você merece alguém legal.
Ela sorriu em agradecimento, sem poder dizer a ele que havia desistido por completo sem estragar o momento.
— Você também, Matthew.
E com um último aceno, a noite havia chegado ao fim, assim como a última migalha de qualquer coisa em que ela pudesse atar seu fingido otimismo.
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nem sabia mais que filme estava passando. Tinha simplesmente deixado em um canal pago qualquer e deixado que as películas fossem trocadas em sequência, prendendo-se tanto a elas quanto o fazia em relação aos comerciais repentinos. Estava com o mesmo pijama que havia usado para dormir e não tinha se levantado para mais do que fazer xixi, escovar os dentes, beber água e pegar um pacote de cookies de gotas de chocolate na cozinha. Não era saudável. Não era admirável. Mas ela tinha decidido permitir a si mesma aquele dia de autopiedade para remoer sua própria burrice e aprender a ser menos afoita e deixar seu coração atropelar quaisquer sinais de sua racionalidade.
Dois tiros altos explodiram pelo ambiente. Ela não se mexeu.
Após alguns segundos, tudo o que ela conseguiu fazer foi soltar uma gargalhada solitária, rindo de si mesma. Como era patética. Ao menos não era alguma comédia romântica melosa para piorar sua situação.
Batidas sincronizadas soaram à distância. Quando percebeu que era alguém em sua porta, quase desejou que fossem mais tiros cinematográficos.
Com o som se repetindo, ela puxou as cobertas mais para cima, escondendo-se. Se fingisse que não estava ali, provavelmente a deixariam em paz.
O celular vibrou ao seu lado:
“Eu sei que você está em casa. Abre a porta.”
Pelo tom incisivo, ela imaginaria que fosse Luna, mas se chocou ao encontrar a mensagem em sua conversa com .
A contragosto, prendeu o cabelo em um rabo de cavalo mal feito e se arrastou até a porta, encontrando seu melhor amigo ali.
— Pijama - ele disse. — Péssimo sinal.
deu de ombros.
— Todo mundo passa um dia ou outro de pijama. Não tem nada de errado nisso.
— Tem quando essa pessoa é você. Ninguém nunca te viu de pijama. É quase como se você já saísse da cama trocada.
— Talvez eu saia. Você não precisa saber de todos os meus segredos.
riu, balançando a cabeça.
— Vai tomar um banho.
— Uau - ela disse. — Que jeito mais discreto de me dizer que eu estou fedida.
— Você não está. Mas nós vamos sair, então um banho seria bom.
— Não vou para lugar algum. Se você quiser sentar aí e ver filme comigo, ok; mas não me amola.
— Nós vamos sair - ele repetiu. — É mais um aviso que um pedido.
— Meu Deus, você é um chato.
— Se a minha chatice conseguir tirar você dessa cama, eu aceito a ofensa.
bufou, reconhecendo que a teimosia dele não a deixaria em paz a menos que cedesse.
— Ok, mas para onde vamos?
Com um sorriso esperto, ele apenas respondeu:
— Você vai ver.
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— Um quiz, ? É sério?
Seu entorno estava cheio de mesas organizadas pelo salão, distribuídas junto de placas com numerações e um pequeno tablado onde já se posicionava o homem que, aparentemente, seria o responsável por manejar as perguntas.
— Lógico que é. Tem álcool e competitividade. Qual a chance disso não te animar?
Uma garçonete passou por eles com uma bandeja preta, oferecendo shots de tequila.
agarrou um dos pequenos copos e virou o conteúdo garganta abaixo.
— Então vamos fazer isso para valer.
Os dois escolheram a mesa de número sete - o favorito dele. Cada um recebeu um pequeno sino e um alto copo cheio de cerveja.
— A primeira categoria é: cinema - o homem anunciou alegremente pelo microfone.
— Você sabia disso? - perguntou. — Não é possível.
— Não - ele garantiu. — É um sorteio de temas. Você deu sorte.
— A pergunta é: Quais os títulos de todos os filmes da saga Crepúsculo e seus anos de lançamento?
bateu com tanta força no pino de seu sino que quase criou um afundamento na própria pele.
— Você sabe os anos? - sussurrou, recebendo um sinal dela para que ficasse em silêncio.
— Crepúsculo em 2008, Lua Nova em 2009, Eclipse em 2010, Amanhecer parte 1 em 2011 e Amanhecer parte 2 em 2012.
— Certa resposta para a mesa sete!
bateu palmas em comemoração à sua pequena vitória.
— Vou fazer uma petição para ser tudo sobre cinema - comentou. — Mas acho que ninguém mais vai querer assinar.
— A gente vai ganhar com ou sem isso.
— É assim que se fala!
— Próxima categoria: videogames. Qual é o mais antigo: Odyssey, Atari ou Nintendo 64?
— Nintendo 64 - respondeu o rapaz da mesa quatro.
sorriu vitorioso ao ouvir o comum engano. Os números no nome do aparelho eram mesmo traiçoeiros para os ouvidos menos familiarizados com o assunto.
— Odyssey - ele respondeu.
— Mais um ponto para a mesa sete!
— As pessoas já estão começando a nos olhar com cara de ódio - sussurrou de forma risonha. — Sinal de que estou atingindo o meu objetivo com sucesso.
— Vamos deixar os mortais tentarem a próxima - ele sugeriu, dando um gole em sua cerveja. Ela imitou os seus movimentos.
— Próxima categoria: esportes.
— Ótimo momento para um descanso forçado. Vamos demonstrar humildade.
— Exatamente. Apenas modéstia, nada de ignorância completa do tema.
— Eu não cheguei a te contar sobre o meu encontro, né?
engoliu em seco ao seu lado, movendo-se desconfortavelmente na cadeira.
— Não que eu me lembre - falou, a voz mais grave do que ele esperava.
— Vamos fazer um breve intervalo - o homem anunciou antes de descer do tablado, deixando ilhado no meio do caminho de tudo o que ele preferiria não saber.
A verdade era que aquele papo de ficar feliz em ver quem se ama feliz, independentemente de quem fosse a causa, era muito bonito da boca para fora, mas corroía o peito como ácido do lado de dentro. Era o tipo de coisa que criava músicas bonitas e trechos emotivos em livros, mas doía absurdamente quando extrapolava as páginas e notas. E, assim como alguns band aids não precisavam ser arrancados, algumas coisas estariam melhores se não fossem ditas. Muito menos ouvidas.
— Foi horrível - ela contou rindo. — A gente não combinava em absolutamente nada. Acho que a única coisa que tínhamos em comum era o fato de ambos terem amigos. Mais nada. E ele ainda entrou em um papo meio desgostoso e infeliz sobre o próprio trabalho, mas direcionando isso como se estivesse ressentido comigo por, aparentemente, não saber o inferno que ele passava.
— E que culpa você tem se ele não está feliz no emprego?
— Não sei. Ele provavelmente também não sabe. Foi um despejo de frustrações a troco de nada. E eu só lembrei de tudo isso agora porque a única coisa que ele falou que gostava era exatamente esse bicho esportivo.
— Parece se encaixar perfeitamente como a sua alma gêmea.
— Sabe o que ele me respondeu quando eu perguntei qual era a casa dele de Hogwarts? - negou. — ‘Aquela vermelha?’. Ele não só não sabia o nome como basicamente me perguntou se era a vermelha. Como se eu devesse escolher que resposta eu queria para aquilo.
— Impossível conviver com gente assim. Você fez bem em dar um pé na bunda dele.
— Na verdade, eu nem precisei dar. Ele também claramente não estava muito a fim depois de perceber que a gente mal conseguia sustentar uma conversa produtiva.
— Eu sinto muito que tenha dado errado - ele disse, apenas porque parecia o certo a se fazer em um momento como aquele.
deu de ombros.
— Não era para ser. Eu estava esperando por alguém que parecia me conhecer melhor do que eu mesma e recebi alguém que mal se conhece.
Ela virou o resto de sua cerveja e ergueu a mão, solicitando que seu copo fosse enchido uma vez mais.
— E você realmente acha que existe alguém no mundo que te conheça melhor do que você mesma?
— Você já não é o exemplo exato disso?
— E voltamos com o jogo!
mal teve tempo de assimilar o arrepio caloroso incontestável que havia percorrido seus braços, escalado suas costas e se instalado na base de sua nuca, com uma palpitação que tinha encontrado o caminho errado. Pigarreou de leve, puxando de volta para si o pequeno sino e dando sua atenção completa a ele. Precisava se agarrar àquela possibilidade mínima de desvio de foco mesmo que, no fundo de sua mente, aquelas palavras ecoassem em uma tentativa sabotadora e dolorosa de lhe criar esperanças quando ele tinha certeza de que não tinha sido aquilo que ela queria dizer. Era apenas o seu próprio desejo maquinando uma compreensão que, finalmente, correspondesse às suas expectativas.
— A categoria é: celebridades. Verdadeiro ou falso: Brad Pitt e Jennifer Aniston se casaram em 1999 e se divorciaram em 2005.
bateu em seu sino rapidamente.
— Falso. Eles se casaram em 2000.
— Acho que esse é um ponto duplo para a mesa sete!
A mulher comemorou sem nenhuma discrição, já sentindo a postura desinibida que o álcool na corrente sanguínea proporcionava. As pessoas das outras mesas já tinham desistido de se incomodarem com a derrota e estavam acompanhando-a nas risadas e dancinhas de comemoração.
apenas meneava a cabeça e sorria, tentando não pensar em como tudo o que mais queria era abraçá-la. Como alguém que, de fato, a conhecia melhor do que qualquer outra pessoa.
Entre risadas altas e toques pouco elaborados, a dupla passou por todas as perguntas seguintes com maestria e bom humor, gargalhando dos próprios picos de agitação ao tentar superar o limite humano da reação - especialmente após algumas doses de álcool - para praticamente esmurrar o pino do objeto em suas mãos, tocando-o mais do que o necessário.
Se estava triste e se sentindo para baixo horas antes, agora tinha atingido o completo oposto. Era exatamente sobre isso que ela pensava quando garantia, sem dúvida alguma, que ele a conhecia melhor do que ninguém. Porque era a única pessoa em todo o universo capaz de saber exatamente como arrancá-la da cama e animá-la de verdade. Ele a fazia tão feliz e ela nunca saberia lhe explicar o quanto.
— E os campeões são, obviamente, nossos amigos da mesa sete! Parabéns!
Os outros competidores os aplaudiram enquanto recebiam chapéus enormes e coloridos que deveriam servir como coroas ou qualquer coisa do tipo. Também levaram para casa um cupom de 70% de desconto para a próxima visita ao bar, válido para uma mesa de até quatro pessoas.
Dentro do táxi, os dois ainda riam alto, relembrando algumas perguntas e a forma como havia batido com tanta força em seu sino que o tinha derrubado da mesa.
— O que você vai fazer amanhã?
— Preciso visitar o meu pai - ela disse com uma careta. — Não é exatamente o programa que eu queria.
— Mas vai dar certo.
Ela assentiu, tendo uma ideia de repente:
— Você não quer ir comigo?
— Eu?
— É - ela confirmou. — Vai ser mais fácil de encarar tudo se você estiver lá para segurar minha mão e dizer que tudo vai ficar bem.
fez exatamente isso, entrelaçando os seus dedos sobre o banco traseiro do carro.
— Eu vou sempre estar aqui para isso. Por e para você.
sorriu, bocejando em seguida. Em um movimento cuidadoso, deixou que a cabeça caísse e se encaixasse no ombro dele. Quando ele se aproximou e deixou um beijo em sua testa, ela quase deixou escapar o quanto o amava. Independente do quanto temesse que aquelas palavras pudessem estragar tudo.
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não havia dormido nada bem. Tinha passado horas a fio repetindo cada uma das risadas gostosas e das sensações do toque dela em sua pele; da percepção de comodidade e pertencimento súbito que o invadiam tão depressa e de forma certeira.
Ignorando a cara de cansaço, colocou os óculos de grau e se dirigiu ao apartamento dela, tendo prometido buscá-la para que fossem até a casa de seu pai.
— Bom dia - ele disse ao vê-la pronta à porta.
— Só se for para você. Minha ressaca está tendo um péssimo dia - ela brincou, mas se aproximou dele, deixando um beijo estalado em sua bochecha. — Você ainda se lembra do endereço dele?
concordou.
— Podemos ir?
— Fica à vontade - ela respondeu, acomodando-se melhor no banco. — Se quiser matar a gente no caminho, também topo.
Ele riu, dando a partida no carro. Nem poderia começar a tentar imaginar como cada uma daquelas simples visitas era difícil para ela. Não deveria ser nada fácil ter de engolir suas mágoas e angústias ao tentar fazer o certo por alguém que não havia pensado nisso ao simplesmente sumir da sua vida por anos enquanto você crescia.
guardava seu rancor em um pedaço à parte de seu coração, que tentava suprimi-lo diariamente. Se ainda se importava em ver o pai vez ou outra, era porque havia prometido à mãe que tentaria dar uma chance a ele e que não jogaria fora a possibilidade de tê-lo em sua vida ainda. Acontece que, mesmo que o homem tivesse se provado assíduo na tentativa de mudar, agora era um pouco tarde para que as coisas simplesmente pudessem voltar a ficar bem. O perdão não era tão fácil e natural como ela gostaria que fosse.
Por todo o caminho, apenas assistiu aos seus movimentos, enquanto ela trocava sem parar de estações no rádio, não se contentando em escutar uma canção sequer por completo. Ele se silenciou, permitindo que ela tivesse seu momento de descontar o próprio estresse sem que se sentisse inibida ou julgada por isso.
Quando ele finalmente estacionou o carro, deixou que ela respirasse um pouco e tomasse a iniciativa de descer do automóvel quando se sentisse preparada para isso.
Seguiu-a até a porta, interrompendo-a quando ela estava prestes a tocar a campainha. segurou-a pelas mãos, olhou no fundo dos seus olhos e disse:
— Não esquece: é possível encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se a pessoa se lembrar de acender a luz.
De uma forma brincalhona, ele acendeu a lanterna do próprio celular sobre eles, arrancando uma risada sincera dela que logo foi cortada pelo choque de realidade.
— Foi você - ela sussurrou.
Era claro. Tão óbvio. Como ela podia não ter percebido? Quem mais poderia saber tanto sobre ela? Quem mais poderia amar tanto todos aqueles filmes, chocolate quente e dias nublados de inverno? Como tinha se esquecido de todas as tardes que passaram juntos sob cobertores no sofá, tomando chocolate e assistindo a animações sem parar ou maratonando todos os oito filmes de Harry Potter até que alguém decidisse que era hora de dormir?
Como não tinha percebido que a única pessoa que poderia amá-la daquele jeito era exatamente quem demonstrava um pouco desse amor todos os dias? Mas o medo a havia cegado. O medo de perdê-lo. O medo de ter interpretado mal os sinais. O medo de não ser correspondida. O medo de destruir tudo o que tinham por querer demais. Porque ela, sim, sabia que sempre o amara com todo o seu coração. E tinha sido medrosa o suficiente para não perceber o quão recíproco tudo aquilo era.
— Você que enviou a carta sem remetente - ela repetiu.
sentiu o rosto queimando.
— Eu…
tinha pequenas lágrimas brotando nos olhos, como uma fonte nova de água minando do chão depois de tanto tempo de busca na seca.
— Por que você não me contou?
— Eu não sabia se era a minha carta - ele explicou. — E eu não queria só jogar isso na sua cara de repente. Não parecia certo e nem justo. Com nenhum de nós.
Ele precisou respirar fundo antes de continuar, com a voz quase falhando:
— E eu não queria te perder.
— Você nunca iria me perder - ela garantiu. — Nunca vai.
— Eu não tinha como ter essa certeza, entende? Eu não sabia como você ia reagir.
se colocou nas pontas dos pés, colando os seus lábios aos dele com uma calma que não representava em nada o desespero de quem havia esperado tanto tempo querendo fazer aquilo.
— Eu reagiria assim - ela disse ao se afastar, com um sorriso bobo refletido no dele.
— Se eu soubesse que ia ser assim…
Mas ele não completou a sua frase, recebendo-a nos braços e acolhendo outro de seus beijos. Um mais profundo, demorado, sugestivo do tanto que haviam guardado para si. Um que representava tudo. Um que compreendia cada movimento do outro em antecipação, exatamente da forma como se entendiam em tudo. Um que havia sido feito especificamente para o outro.
A contragosto, se afastou um pouco dela, mantendo suas testas ainda coladas, o peito palpitando em euforia juntamente ao seu.
— Seu pai não está nos esperando?
ergueu os ombros.
— Eu esperei ele por anos. Ele pode esperar um pouquinho.
E estavam de volta aos braços um do outro. Onde sempre deveriam ter ficado.
— Olá, terráqueos e telespectadores que vivem em outros planetas! Sejam bem-vindos a mais uma live com convidados especiais aqui do canal - ela apresentou. — Se você caiu de paraquedas aqui e agora e não faz a mínima ideia do que está acontecendo, saiba que eu também não sei direito até hoje, então está tudo bem.
sorriu atrás das câmeras, aumentando minimamente a iluminação atrás dele.
— Eu sou a , do Le Donne, e essa é a Luna, do Brilha la Luna, também conhecida como a minha melhor amiga e a pessoa que mais leva tempo para se arrumar em todo o mundo.
— Em minha defesa, isso só acontece porque eu sou desorganizada e sumo com metade das minhas coisas.
— Em sua defesa, você só adicionou mais um defeito seu à lista. Você é péssima.
— Se eu fosse boa, teria opções de amizade melhores que você - Luna retrucou. — E é com esse clima de amor e respeito que abrimos o quadro de hoje.
riu, puxando um iPad e uma caneca branca de bolinhas turquesas.
— É hora do perguntas e respostas com chocolate porque é cedo demais para ser socialmente aceito que eu abra uma garrafa de vinho e eu não quero perder minha monetização.
— Nós abrimos caixinhas de perguntas nos nossos perfis do instagram e selecionamos algumas para hoje - Luna completou. — Vamos começar!
começou a perceber o aumento massivo dos números de espectadores ao vivo, junto com os comentários que não paravam de subir no chat. havia se tornado um pequeno fenômeno nos últimos tempos e a visibilidade crescente às vezes ainda o chocava.
— A primeira pergunta é para a Luna - ela anunciou. — Como surgiu a ideia de começar o seu canal?
A mulher soltou um sorriso sincero, contente com a lembrança evocada e a oportunidade de abraçar aquela memória.
— Eu comecei me gravando enquanto eu maquiava por um pedido das minhas amigas mesmo, que queriam ideias para algum evento ou dia específico ou entender melhor esse processo de automaquiagem. Elas gostaram tanto que começaram a me incentivar a ampliar isso e fazer um canal realmente para as pessoas. Se você for ver meus primeiros vídeos, eles eram editados porcamente, a definição da minha câmera não era lá essas coisas e eu só ficava lá me maquiando e falando umas abobrinhas para tentar me envolver com o público. Eu não fazia ideia do que eu estava fazendo.
— O que ninguém imagina quando te vê hoje - comentou.
— Pois é! Foi muito treino, muito estudo, muitas horas vendo outras pessoas e pesquisando sobre outros nichos para conseguir ampliar meus horizontes e aumentar minha qualidade. No fim das contas, deu tudo certo. E é por isso que eu sempre vou vir com o clichê sobre não desistir e que realmente é a prática que leva à perfeição. Quem fica bom em alguma coisa do dia para a noite é parte de uma espécie rara em risco severo de extinção. Seres humanos normais se aperfeiçoam com o treino. Insistam nas coisas que vocês querem que vai dar tudo certo.
— Nos meus primeiros vídeos eu era super travada. Quem me acompanha desde o começo do Le Donne sabe bem disso. A palavra espontaneidade não tinha entrado no meu dicionário. Se você me dissesse, naquela época, que eu estaria fazendo transmissões ao vivo assim um dia, eu riria muito. Mas só depois de surtar.
Luna riu da fala da amiga, enquanto desbloqueava o próprio celular.
— A próxima pergunta é da Kiara: , você parece uma pessoa super culta. Me indica seu filme favorito, por favor? Amo seu canal, acompanho todo vídeo religiosamente.
— Kiera, meu amor - ela disse, mandando um beijo em direção à câmera. — Muito obrigada por esse carinho e por fazer parte da nossa família. Você é um doce. Mas eu tenho uma péssima notícia. Eu até tento acompanhar esses filmes meio diferentões, os indicados ao Oscar e tudo mais. Só que meu filme favorito continua sendo A Nova Onda do Imperador. É a razão de toda a minha existência e eu sempre revejo quando fico me sentindo meio para baixo porque sei que ele sempre vai me fazer rir.
Ela respirou fundo, encolhendo os ombros.
— Mas se você quiser a indicação de outro filme que eu também amo de paixão e é mais adulto, sério e tudo mais; fica aí a dica: Sociedade dos Poetas Mortos. Depois me conta o que achou.
— Alerta de gatilho - Luna interveio. — A só sabe indicar filmes que vão te fazer chorar, então estejam cientes disso antes de seguir.
Os comentários estavam bombando com risadas e pessoas dizendo que, realmente, aquele era um filme para emocionar até os corações mais duros e gelados, enquanto outras diziam que a mulher era ‘gente como a gente’ por simplesmente adorar uma animação e exaltá-la sem se importar com o que os chatos cult de plantão diriam. A vida era curta demais para não se aproveitar as pequenas alegrias dos filmes infantis.
— Luna, qual lugar você está louca para conhecer em uma viagem próxima? Beijos, beijos, Marie.
Ela fez um biquinho, levando o indicador ao queixo em um impulso instintivo. O problema ali não era saber a resposta e, sim, escolher só uma em meio à extensa lista que surgiu em sua mente.
— Bom, eu vou dizer Suíça porque tem castelos e chocolate. Eu gosto um pouco de doces.
— E com um pouco ela quer dizer que viveria facilmente de doces se não fosse morrer por isso.
— Basicamente - Luna concordou.
Mais uma vez os comentários começaram a pipocar. Pessoas falando de doces - ou sendo do contra para falar que preferiam salgados -, suíços dizendo para que ela fosse logo visitá-los e um ou outro comentário desnecessário que logo era retratado e retirado pela própria plataforma. Os números de visualizações se mantinham em crescimento estável, mais alto do que eles esperavam.
A dona do Brilha la Luna pegou o celular novamente, pronta para ler a próxima pergunta para a amiga. Antes mesmo de começar a falar, precisou engolir uma risada.
— O que foi? - perguntou. — Não é besteira, né? Isso é um programa familiar.
— Não. Pelo contrário. Na verdade, é uma pergunta bem séria.
A outra estreitou os olhos, intrigada e temerosa. Sabia perfeitamente que, apesar de ser uma ótima pessoa, a amiga nem sempre era exatamente uma pessoa confiável no quesito fazê-la passar vergonha gratuitamente.
— , você está namorando? Nunca te vimos com ninguém.
A mulher balançou a cabeça, fingindo uma fisionomia de derrota.
— Vocês não viram porque realmente faz um bom tempo que eu não namoro alguém - admitiu. — Não que eu não tenha conhecido pessoas, saído vez ou outra, mas o negócio do envolvimento sério e da parte do namoro eu vou ter que dizer que não vem rolando mesmo. Sinto muito em decepcioná-los.
— Não que eu já não tenha tentado fazer com que ela saísse mais, encontrasse uns amigos meus, criasse uma conta nesses aplicativos de relacionamento… — Eu já te falei que não vou me envolver nesse tipo de coisa. Não julgo quem usa, mas não é exatamente o tipo de estresse ao qual eu pretendo me expor.
— Nesse caso, vamos usar o poder da internet para anunciar que está oficialmente procurando um namorado. Alguém para dar a ela todo o carinho e aconchego que essa mulher incrível merece.
— Cala a boca - a amiga disse, rindo.
— Se você está interessado, mande sua inscrição por meio de uma mensagem fofa para a minha caixa postal - Luna continuou. — Não falo para mandarem para a dela porque é capaz de ela sumir com todas sem nem abrir. Estarei esperando as cartinhas.
— Eu não vou fazer isso - disse.
— Não, . Eu que vou. Vou ler tudo com muito carinho e selecionar só as mais legais para você. O projeto ‘Encontrar um Namorado para a ’ está oficialmente iniciado. E que a sorte esteja sempre a seu favor. - Ela deu uma risada engasgada. — Aliás, esse é outro ótimo filme.
— Eu vou começar uma nova edição dos Jogos Vorazes só para poder te matar - a outra retrucou. — Escolha as suas armas.
sentiu um algo no peito que residia entre um aperto e uma sensação de vazio que parecia capaz de sugá-lo como um buraco negro. Inventou uma distração aleatória checando a fiação - que não tinha absolutamente nada de errado ou sequer passível de ser mexido -, apenas para se ocupar e não correr o risco de ser percebido. Tudo estava bem daquela forma e continuaria exatamente assim. Ele só precisava desenvolver algum tipo de audição seletiva nos próximos minutos, para seu próprio bem.
— Ok, ok, chega - pôs fim à pequena discussão que corria de forma quase cômica, apesar de se sentir realmente nervosa. — Próxima pergunta: Luna, se você tivesse que nomear um batom, que nome daria?
— Meu Deus, gente. Eu não tenho criatividade. Não faço ideia. Vou precisar pensar um pouquinho.
O clima logo voltou a se suavizar em meio às risadas das duas com cada resposta absurda para uma pergunta ainda pior. Algumas mensagens de carinho também foram incluídas em meio ao andamento da transmissão, arrancando sorrisos bobos e palavras de verdadeira e absurdamente completa gratidão a tudo o que cada uma daquelas pessoas e seu apoio havia permitido que ambas construíssem em suas vidas. Tinham tanta sorte por receberem esse acolhimento e esse abraço apertado de outros seres que compartilhavam momentos de seus dias com elas e permitiam que elas levassem a vida fazendo algo que amavam tanto. Jamais deixariam de dizer e reafirmar isso sempre que possível.
— Nós ficamos por aqui com a live - anunciou. — Quem sabe não repetimos em breve? Ou pensamos em alguma outra coisa que possamos fazer juntas. Comentem aí se vocês gostaram e o que mais gostariam de ver.
— Obrigada pelo carinho e por nos aturarem - Luna agradeceu. — Beijinhos, beijinhos.
— E até a próxima.
Bastaram alguns segundos para que movesse os dedos, apertasse algumas coisas e dissesse:
— E estamos fora do ar. O alcance foi excelente. Saiu melhor do que as projeções que fizemos.
soltou um suspiro de alívio. Apesar do tempo e da bagagem como criadora de conteúdo digital, as transmissões ao vivo ainda não eram exatamente uma área que ela poderia dizer que dominava. Provavelmente era mais uma das coisas que teria que adicionar à lista do que melhorar. Especialmente se havia dado tão certo.
— Acho que eu vou esquentar o restinho de chocolate quente que sobrou - Luna anunciou. — Alguém quer também ou eu posso tomar tudo?
— Você é maluca?
Luna piscou lentamente algumas vezes antes de responder com outra pergunta.
— Por quê? Eu não posso tomar o chocolate quente? - Seus olhos se estreitaram, como se avaliassem alguma possível mensagem subliminar flutuando pelo ambiente. — Você quer o chocolate quente?
— Eu não estou nem aí para o chocolate quente - declarou. — Que ideia doida é essa de abrir uma campanha para me encontrar um namorado?
Luna soltou uma gargalhada alta.
— Ah, é sobre isso? Relaxa. Duvido que alguém realmente tenha levado a sério. E não vai fazer mal a ninguém. No máximo, você vai receber umas mensagens bonitinhas ou toscas e fim.
— Você é horrível.
— E você é preocupada demais, . De verdade, o que pode acontecer de tão horrível assim?
Algumas possibilidades passaram pela cabeça da mulher, que chacoalhou o pescoço na tentativa de se livrar das imagens - no mínimo obscenas - que tomaram aquele espaço. Era uma verdade universalmente inquestionável que os caras não tinham noção de limites ou respeito algum em mensagens, principalmente no instagram. Sinceramente, ela não se arriscaria a criar expectativas tão diferentes para o que seriam capazes de fazer em uma caixa postal.
— Se alguém mandar algo, vai ser para a minha caixa postal, ok? Eu filtro se aparecer alguma coisa problemática. Você não vai precisar nem ficar sabendo.
— Espero mesmo que ninguém tenha te levado a sério. Não bastasse ser a encalhada, agora fico parecendo a encalhada desesperada. Você está ferindo a minha imagem de independência.
— Ser independente não tem nada a ver com ter ou não um relacionamento - Luna a lembrou. — E eu sei que você sabe disso melhor do que ninguém. Qual é o problema em ter alguém?
revirou os olhos, dando-se por vencida.
— Só por essa palhaçada, você não vai tomar o resto do meu chocolate quente.
— Novidades da família, lindas lembranças e muitas emoções marcarão o dia. Receba um presente, demonstre seu carinho com gestos generosos e crie um ambiente acolhedor em casa. Momento de fortalecer as bases afetivas e a autoestima.
— O que é isso? - perguntou, tomando um gole do vinho que havia levado.
— O seu horóscopo de hoje - Luna respondeu. — É tão coerente.
— Você sabe que eu não acredito nessas coisas. Sem contar que são sempre coisas totalmente vagas e abertas que servem para literalmente qualquer pessoa. Sem credibilidade. Passo.
Luna revirou os olhos enquanto soltava o corpo no sofá e colocava os pés para cima do estofado, puxando a manta cor de rosa sobre as pernas. agarrou uma das pontas, estendendo o tecido sobre seus membros inferiores também.
— É claro que tem credibilidade. Tudo o que está escrito aqui descreve praticamente tudo o que importa no seu dia.
A outra balançou a cabeça em negação, enquanto encaixava a taça de vinho sobre o porta copos do braço do sofá e erguia a mão livre para possibilitar a enumeração:
— Nada de novidades na família. Nenhuma linda lembrança. Minha única emoção do dia é tédio.
— Uma coisa é certa: você definitivamente não anda mostrando seu carinho com atos generosos.
— Eu te trouxe vinho. É o maior ato de generosidade do mundo.
— Só trouxe porque você queria beber.
— Mas eu estou dividindo e compartilhando como ensinaram na igreja e na pré-escola. Um gigantesco ato de benevolência.
— Cara de pau.
deu de ombros.
— Pelo menos isso prova que esse seu horóscopo é furada, como eu já tinha dito. Não tem nada certo aí sobre mim.
— Tem uma partezinha aqui, olha: “momento de fortalecer as bases afetivas”. No seu caso, como você não tem nenhuma, ‘momento de construir as bases afetivas’ também serve.
A amiga bufou, jogando a cabeça para trás. Estava se exaurindo por completo daquele papo.
— Eu não estou no clima, Luna. Começa a superar isso, por favor.
— Não posso - respondeu. — Acontece que uma seguidora do meu canal me mandou uma mensagem dizendo que tinha enviado um kit de máscaras faciais e eu não aguentei. Fui correndo para a minha caixa postal buscar a caixa e…
— E…?
— E tinham umas cartas lá - respondeu baixinho. — Para você.
espremeu os olhos com tanta força que teria os esmagado se isso fosse possível. A inspiração a seguir foi tão profunda quanto seus pulmões aguentavam, como se pudesse encontrar algum remédio no ar capaz de impedi-la de explodir de vez.
Tinham se passado alguns dias desde a live e, por mais que tenha ficado algum tempo ainda nervosa pensando em tudo o que poderia acontecer dali para frente, em algum momento ela apenas havia se convencido de que realmente estava exagerando por conta de suas preocupações e aquela vozinha irritante que coçava o fundo de sua mente era só a mania autodestrutiva de sempre esperar o pior.
Havia pelo menos uns três dias em que ela tinha realmente se esquecido dessa história. O acontecimento não se esgueirava mais por suas memórias e tomava todo o foco de suas ideias de forma furtiva e quase desrespeitosa. Ela havia se convencido de que aquela era só mais uma peça que ficara no passado como uma história que a faria rir algum dia.
— ?
— Eu não sei nem o que pensar.
— Você não precisa pensar em nada. Não agora. Depois você decide se quer abrir os envelopes, se quer ler ou se vamos acender a lareira com eles. Independentemente de qual dessas opções você escolher, não existe nenhuma pressão ou obrigação sua, sabe? Você não é obrigada a responder, a falar sobre ou sei lá. Não tem nenhuma cobrança nessa história.
A mulher aquiesceu lentamente, absorvendo aquelas palavras como uma verdade em seu coração e não só como algo que ela repetiria na cabeça, como se um disco arranhado tivesse ficado preso ali. Precisaria acreditar. No fim das contas, não parecia que ela tinha muita escolha a não ser essa.
— Chegaram muitas?
— Bom, daí depende do que você considera como muitas - Luna respondeu.
fez uma careta para a amiga.
— Algumas. Eu não parei para contar. Tenho mais o que fazer da vida, sabia?
— Tipo maratonar todas as temporadas de Glow Up, mesmo as que você já viu? - apontou para a tela plana à sua frente.
— É terapêutico - ela se justificou. — E serve como uma fonte de inspiração e conteúdo para o canal. No fim das contas, assistir a um reality show virou meio que parte do meu trabalho.
— Você deveria participar.
— Não sei, não. É uma baita oportunidade de expor o seu trabalho e ganhar seguidores, mas não deixa de ser também uma oportunidade de fazer tudo dar errado, cavar um buraco profundo e enterrar todos os meus sonhos bem no fundo dele.
— Se o seu sonho fosse participar de uma telenovela, você já teria chegado lá faz tempo.
— Eu tento ser compreensiva e acolhedora e você me trata desse jeito. Nada de mostrar o carinho por meio de atos generosos mesmo.
A amiga soltou uma risadinha, antes de decidir tomar a taça de vinho de volta em mãos e virar o resto do conteúdo de uma só vez garganta abaixo.
— Ok, vamos fazer isso.
Luna arregalou os olhos, verdadeiramente chocada por receber literalmente a última reação que poderia esperar, ao menos de uma forma tão imediata.
— É sério?
— É sério - confirmou. — Se você esperar mais cinco segundos, vai ter me dado tempo suficiente para mudar de ideia.
Luna não precisou nem de dois para levantar e sair correndo, sumindo do campo visual da amiga com uma rapidez surpreendente.
cruzou as pernas sobre o estofado, balançando o pé nervosa e agitadamente, sentindo um turbilhão de sensações misturadas e confusas que pareciam prestes a fazê-la vomitar.
‘Não precisa se preocupar’ era o que ela repetia para si mesma. ‘Não significa nada. Não muda nada. Não é nada.’
Antes que pudesse começar a divagar e espiralar sobre o significado por trás daquela dupla negação, sua melhor amiga estava de volta, jogando os envelopes sobre a mesa de centro.
— Você disse alguns - esbravejou.
— E desde quando tem limite para alguns? Dois são alguns. Cem são alguns. Que diferença faz?
Um envelope azul claro chamou sua atenção. Não importava o remetente, o conteúdo, nem nada do tipo. Era impossível não notar em algo com uma cor tão destoante dos demais.
— Esse já ganhou pontos por se fazer notar - Luna declarou.
rasgou a abertura do envelope, em uma tentativa pouca cuidadosa de abri-lo. De lá, puxou uma pequena folha amarela timbrada com um design que não lhe remetia a nada.
Ela leu:
— Rosas são vermelhas,
Violetas são azuis,
Não sei bem
O que rima com azuis.
— Profundo - Luna disse.
— Ah, tem uma segunda tentativa no verso.
Ela pigarreou teatralmente antes de declamar a outra versão:
— Rosas são vermelhas,
Eu comprei vários queijos.
Queria saber
Quando vamos dar uns beijos.
Luna se engasgou com a própria risada.
— Coitado. Dou nota seis pelo esforço.
— Acho que ele gastou tudo o que tinha com a aparência da coisa toda. Pelo menos me fez rir.
— Minha vez - Luna declarou, puxando uma carta qualquer. — , minha irmã é a sua maior fã. Ela vê você quase o dia todo e fala de você no resto do tempo. Com isso, eu meio que sinto como se já te conhecesse. E é bem óbvio que você é uma mulher incrível. Meu ego não é grande o suficiente para dizer que eu sou tão incrível quanto você, mas, modéstia à parte, eu até sei ser um pouco engraçado às vezes. Enfim, se quiser sair para fazer alguma coisa, meu número está no final desse bilhete. Boa sorte na sua busca!
— Foi fofo. Queria dar um abraço na irmã dele.
— Não é esse o ponto, garota! Você está focando na parte errada da história.
respirou profundamente, brincando com um dos fios soltos na barra da blusa que usava.
— Eu disse: é fofo. Mas não é como se eu fosse me sentir magicamente atraída por alguém em um bilhetinho, sabe? Se eu ainda tivesse uns quatorze anos teria funcionado.
— Você provavelmente era bem mais legal nessa época. Quem te machucou?
A verdadeira destinatária das cartas ergueu um dedo do meio antes de puxar outro envelope. Para sua surpresa, não encontrou nenhuma carta no seu interior. Havia uma folha dobrada várias vezes, que já fez seu sexto sentido apitar e berrar com todos os avisos de receio e perigo possíveis.
— Puta que pariu, o cara mandou um print impresso do perfil dele do Tinder.
Luna largou imediatamente o que estava fazendo para se aproximar e ver a proeza.
— Fã de futebol, cerveja e bons amigos. Procurando por alguém com quem dividir a cama e a vida. Seu prazer é a minha maior satisfação.
— Meu Deus, começou parecendo a biografia do twitter e terminou parecendo anúncio de gigolô - Luna comentou. — O que esses caras têm na cabeça?
— O pior é que esse é o perfil do Tinder dele. Centenas de outras pessoas foram obrigadas a ler essa porcaria.
— E é por isso que ele continua procurando.
Enquanto a criadora de todo aquele plano procurava qualquer outra coisa que pudesse ser interessante, aproveitou os momentos de distração para verificar o celular.
Algumas notificações de curtidas em um meme aleatório que havia publicado no facebook, curtidas e seguidores novos no instagram e mensagens do Whatsapp que ela provavelmente ignoraria. A mais recente, contudo, era de alguém que ela nunca ignorava.
“Recebidos pagos do dia”
A mensagem de vinha acompanhada de uma foto de dois Funkos ainda na caixa. Eram as figuras de Hermione Granger e Tony Stark. Dois dos personagens favoritos de ambos.
Ela se pegou sorrindo para a tela quando decidiu responder:
“Se você não for me dar a Hermione de presente, a gente vai ter que cair na porrada. É injusto mexer com o meu coração desse jeito.”
O ‘Visto por Último' logo foi substituído por um ‘Online’, seguido de um ‘Digitando…’. Ela se ajeitou um pouco no sofá, arrumando o celular em mãos, carregando a pequena faísca de expectativa no peito.
“Não toca na minha Hermione.”
“Como vai sua noite?”
ergueu a taça de vinho e virou o celular, tirando uma selfie com uma Luna distraída ao fundo.
“Estamos lendo as cartas daquela zona que a Luna inventou.”
O próximo aviso de ‘Digitando…’ demorou um pouco mais para chegar dessa vez. Quando o fez, sumiu tão rápido quanto apareceu. E de novo. E mais uma vez. Até que uma mensagem lacônica chegou:
“E aí?”
“Tem muita bizarrice. Acredita que um cara mandou o print do perfil dele do Tinder?”
“Mentira.” riu alto antes de voltar a digitar. Depois de passar tanto tempo de sua vida perto de , tinha uma imagem bastante clara de como seria sua reação em casa ao ler algo que consideraria tão bizarro e absurdo quanto aquilo.
“Pior que é verdade.”
“Mas esse nem foi o melhor. Tem um que você vai adorar. Calma aí.”
“Mas esse nem foi o melhor. Tem um que você vai adorar. Calma aí.”
Ela procurou o fatídico envelope azul e, assim que o tomou em mãos, fotografou as gêmeas poéticas que havia recebido.
Uma coleção de emojis risonhos veio logo em seguida.
“É ele, . Esse é o cara.”
“Não dá para ficar melhor do que isso”
— , você precisa ver isso - Luna roubou sua atenção abruptamente. — É sério.
digitou um ‘Luna está me chamando’ e bloqueou o celular, sabendo que tinha mais ou menos uma margem de três segundos até que a amiga decidisse que não poderia mais esperar pelos sinais de sua boa vontade e esfregar o que quer que fosse bem no meio de sua cara. E, com certeza, a palavra delicadeza havia sido descuidadamente cortada do dicionário dela e jogada na lixeira mais distante da maternidade desde o momento em que ela havia chorado pela primeira vez.
— O que você encontrou aí?
Luna lhe estendeu um envelope em papel reciclado.
— Você precisa ler essa. Eu juro. Deve ser uma das coisas mais legais que eu já vi na minha vida toda.
sentiu o coração acelerar um pouco, já reagindo fisiologicamente à intensa criação de expectativa que a amiga havia conseguido instaurar com sucesso. ‘Não é nada de mais’, pensou. ‘Não significa nada. Sem pressão’.
Com uma inspiração profunda, puxou o papel e leu:
“‘Não escuta esse cara, não. Ele ‘tá tentando te guiar pelo caminho da bondade. Eu vou te guiar pelo caminho que é o bicho.’
Eu sei que você vai saber exatamente quem, quando e como disse isso. Eu acabei de (re)ver esse filme por sua causa e me lembrei de como ele é incrivelmente bem humorado e fascinante do seu próprio jeito especial. Acho que você gosta tanto dele porque isso soa exatamente como uma descrição sua. Mas não acho que você tenha a consciência disso. Acho que nos encantamos pelas coisas sem a necessidade de entender exatamente o porquê. Acho que foi assim que eu me encantei por você.
E foi desde a primeira vez em que coloquei os olhos em você. Você tem esse sorriso fácil e esse brilho nos olhos, como se realmente amasse viver cada segundo dessa coisa esquisita que é a vida. Isso me fez, dia após dia, desejar intensamente viver tudo isso. Esse seu mundo, desde que fosse do seu lado.
No começo, eu pensava que era uma questão de querer estar por perto por acreditar que essas suas perspectivas sobre o mundo pudessem me atingir como uma doença contagiosa. No fim das contas, levei um tempo para perceber que, na realidade, o sentimento era outro. Talvez menos egoísta. Ou mais. Não sei exatamente.
O sentimento amoroso parece paradoxal o suficiente para se deitar bem no meio da linha que divide o altruísmo e o egoísmo. É querer se doar para alguém e fazer esse alguém feliz, mas, no fundo, também é sempre esperar algo em retorno.
E eu posso dizer que é suficiente saber que compartilhamos o gosto por animações, sagas, chocolate quente e dias nublados de inverno. Mas eu queria poder ter a sensação de esperar fazer todas essas coisas com você. E ser egoísta o suficiente para querer ter sua cabeça deitada no meu peito no fim da noite e poder segurar sua mão enquanto estivermos indo para… Sei lá. Basicamente qualquer lugar. É tosco demais admitir que eu iria para qualquer lugar no universo desde que fosse com você? Meu Deus, eu nem sei escrever sem começar a divagar em um fluxo de consciência bizarro. Parece um áudio em forma de carta.
Enfim. Quando essa tal campanha para te arranjar um namorado surgiu, eu vi a chance de colocar essas palavras no papel. De uma forma mais confusa do que eu esperava, mas tudo bem. E a oportunidade de te lembrar de nunca perder a sua essência que cativa a todos.
Você é uma mulher incrível e não merece menos do que alguém que reconheça isso. Espero que você seja tão feliz quanto qualquer um pode ser.
E lembre-se:
‘É possível encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se a pessoa se lembrar de acender a luz.’”
Quando terminou a leitura, percebeu que havia deixado escapar uma lágrima pesada, que molhou o canto inferior da folha. A consistência se afinou, rasgando um pequeno pedaço da carta. Ela exalou um suspiro de alívio ao perceber que seu choro não tinha causado danos à lembrança que ela mal podia esperar para guardar em um canto seguro e próximo o suficiente de seu coração para nunca mais se afastar daquelas palavras.
Não conseguiu evitar uma risada anasalada, quando fungou com as narinas relativamente entupidas.
— Que droga - reclamou. — Odeio chorar. Odeio muito.
— Eu sabia que você ia se derreter toda.
— Isso aqui é maldade. De verdade.
— Ainda colocou Harry Potter. Realmente queria atingir todos os seus pontos fracos.
assentiu, com as sobrancelhas levemente erguidas.
— E sabe o que é pior? - Luna perguntou. — O maldito não assinou.
travou. Seu cérebro era um Windows em tela azul. Seu sistema operacional tinha desconfigurado, desligado, parado de vez. Não era possível.
— Como assim?
Ela pegou o envelope, revirando-o de forma afoita em busca de qualquer sinal, qualquer dica que identificasse a correspondência.
— Não tem remetente - Luna disse, já tendo feito o trabalho de procura e gastado sua própria cota de revolta com isso. — Eu não sei como isso foi enviado assim, mas foi.
bufou, externalizando sua frustração com a força de expulsão do ar.
— Não é possível. Esse tipo de coisa só acontece comigo mesmo. O universo deve me odiar muito.
Luna lhe deu um peteleco no braço.
— Para de falar besteira. Vai dar certo.
— Como?
A amiga se curvou sobre as pernas, tentando ligar alguns pontos na cabeça para chegar a algum lugar. A ideia acendeu como uma luz no fim do túnel em sua mente.
— Acho que eu tive uma ideia.
ajeitou a postura, tentando se convencer a não parecer tão esperançosa quanto, de repente, estava.
— Qual?
— Vamos levar essa história de volta para onde tudo começou.
— Ok, acho que está tudo certo.
coçou os braços, como fazia quando estava nervosa. Teria que agradecer por ter se lembrado de lixar as unhas na noite anterior.
— É tão estranho fazer isso sem o atrás das câmeras - admitiu.
— Bem-vinda ao meu mundo - respondeu Luna. — Aqui a gente se vira com o que tem. Ou com o que não tem, no caso. Vou gravar uma thread DIY de como ser sua própria ‘camera woman’ e editora.
A amiga riu, enquanto checava o cabelo pela última vez.
— Tem certeza de que isso vai dar certo?
— Não - admitiu Luna. — Mas tenho certeza de que não temos nenhuma ideia melhor.
Foi obrigada a concordar. De todas as várias ideias ruins que tiveram, aquela tinha de ser a menos terrível.
Sentaram-se no sofá rosa pouco chamativo do escritório que Luna usava para gravar os vídeos para o Brilha la Luna e repassaram o planejamento do que iriam dizer e de qual seria a abordagem para tentar chegar, de alguma forma, na resposta à charada daquela missão quase impossível. Se o remetente não fosse o Tom Cruise, ficaria um tanto decepcionada,
— Ok, começamos - Luna anunciou. — Olá, estrelas do meu céu! Como vocês estão nessa linda tarde? Eu estou aqui com uma grande amiga, já bem conhecida de vocês, para falarmos daquele que é o nosso assunto favorito: Fofocas.
— Não é exatamente uma fofoca - a corrigiu.
— Não - concordou. — Mas agora que eu consegui a sua atenção, vem comigo que eu te explico tudo.
— Daí você rola a sua vinheta bonitinha.
— É, mas só na edição final. Agradeço pelo elogio. Deu um trabalho dos infernos fazer aquele negócio.
As duas reorganizaram o set minimamente e aproveitaram para tomar um copo de água depois de Luna ter um acesso de tosse com um engasgo que fez parecer que ela perderia um pedaço de um pulmão a qualquer momento.
— Ok, vamos voltar.
— Tem certeza de que você consegue?
— Sim, . Pelo amor de Deus, eu não vou morrer agora. Foi só um engasgo.
— Bom, me perdoe por ser uma amiga preocupada com a sua saúde e bem-estar.
— Cala a boca e grava.
Com um sorriso largo, Luna continuou: — Há uns dias, fizemos uma live lá no Le Donne e nós acabamos lançando uma campanha para encontrar um namorado para a .
— E, com nós, ela quer dizer ela.
— Sim, quero dizer eu. Enfim, o fato é que eu propus tudo isso meio que como uma brincadeira, achando que nem ia dar certo. Mas, caras, eu não acho que seja uma brincadeira mais.
riu com o uso do jargão do meme atual.
— O fato é que nós realmente recebemos algumas cartas, bilhetes, fotos e tudo mais que vocês podem imaginar.
— É sério. Tudo o que vocês podem imaginar mesmo - enfatizou. — Mas, tirando uma ou outra coisa meio perturbadora, a maioria acabou sendo bem engraçada e eu preciso deixar meu agradecimento público aqui. Independentemente do que tenha acontecido, essa história toda conseguiu me arrancar boas risadas e isso não seria possível sem vocês.
— Acontece que, em meio a poemas, cantadas e fotos, encontramos uma cartinha que realmente parece ter sido arrancada com sangue e lágrimas do fundo do coração de alguém. E nós precisamos saber quem foi.
— É tipo uma questão de vida ou morte.
— Está mais para morte mesmo. Mas nós não vamos desistir de descobrir quem é o nosso remetente secreto que foi tão específico que chegou a amolecer até os meus sentimentos.
— Foram esses detalhes super específicos que nos deram uma ideia - explicou. — Existe uma citação explicitamente retirada de um filme que foi citado durante a live em que tudo isso começou. A pessoa que enviar a citação exata para o e-mail que nós criamos especialmente para isso…
— Porque estamos completamente desesperadas - Luna acrescentou, interrompendo-a.
— Vai permitir que consigamos dormir à noite, porque, de verdade, esse mistério todo ainda vai acabar matando uma de nós.
— Então, se você acha que você que escreveu a dita carta, por favor, manda a frase para a gente. A gente precisa te encontrar. Eu imploro.
— Nós imploramos.
— Agora você quer fazer as coisas no plural?
riu, empurrando-a de leve.
Com mais alguns comentários e brincadeiras, deram fim à gravação.
— Como a intenção é ser algo curtinho mesmo, eu acho que consigo editar rápido e já subo para o canal amanhã - Luna disse. — Como já é um dia em que meus inscritos costumam receber vídeos, eles vão estar esperando e acho que temos mais chances de ter um alcance melhor.
A amiga respirou fundo, concordando. Cada minuto que passava remoendo cada uma das frases de alguém que parecia conhecê-la melhor do que ela mesma e - com certeza - valorizá-la mais do que ninguém jamais havia feito era um martírio. Ela precisava conseguir se livrar daquele coração acelerado e de todas as mil histórias que sua mente criava em meio ao grande rol de possibilidades que residiam no incerto.
— Qualquer coisa que resolva logo essa história.
As pessoas simplesmente não perdiam uma oportunidade sequer de causar. A caixa de entrada do e-mail criado explodiu com várias mensagens tão rápido que ela só conseguiu soltar um suspiro frustrado, já sabendo que encontraria uma enorme quantidade de pessoas cujo único intuito era realmente se sentir engraçado à base da sacanagem e às custas do sofrimento dos outros.
Luna estava ajudando-a nisso. Entrava casualmente no e-mail e deletava as mensagens mais idiotas e bloqueava os usuários ao máximo que podia. também precisaria agradecer ao pleno funcionamento do reconhecimento de spam que estava filtrando boa parte das mensagens repetitivas dos famigerados ‘trolls’, que parecia. se espalhar e crescer como ervas daninhas por todo o ambiente virtual.
Alguns realmente pareciam estar tentando, apesar de claramente não saberem o que estava acontecendo e estarem longe demais de serem os possíveis remetentes. Tinham se aproveitado das menções a Sociedade dos Poetas Mortos e Jogos Vorazes e estavam chutando citações das duas obras - possivelmente tentando acertar de verdade. Praticamente ninguém, entretanto, tinha sequer se aproximado do filme de que realmente se tratava. Uma animação como aquela não era mesmo conhecida por ter grandes quotes afinal. Ela tinha que admitir que não pareceria mesmo provável aos olhos de quem não houvesse participado ativamente do processo.
Entre uma mensagem e outra, o processo de abertura dos e-mails foi ficando maçante e cansativo, deixando de ser uma sequência de decepções para de tornar apenas uma desestimulante escalada em direção à completa desesperança. Quanto mais seleções fazia para “excluir todos”, menos acreditava que realmente pudesse dar certo.
— O que você está fazendo? - A chegada de a assustou de leve, servindo como o sinal necessário para que ela entendesse que talvez já fosse mesmo hora de parar.
deu de ombros, com um sorriso forçado e entristecido.
— Nada. Quer um chocolate quente?
sorriu. Se havia uma certeza na vida, era a de que seria praticamente impossível não encontrar um chocolate quente na casa de sempre que a previsão do tempo acusasse mesmo que a mais ligeira frente fria.
— No dia em que eu te responder que não, por favor me interne.
Os dois seguiram para a cozinha de decoração minimalista, mas com pequenos pontos coloridos do apartamento de . Essa sempre havia sido uma necessidade sua, de certa forma. Ela achava as grandes mobílias e decorações impactantes um pouco demais, um pouco asfixiantes, um pouco claustrofóbicas. Mas não encontrar um sinal que fosse de cor era como admitir que estava vivendo em um ambiente estéril. E, se não havia vida em um ambiente estéril, então que merda ela estava fazendo respirando bem ali?
As canecas fumegantes logo repousaram à frente de cada um. soprou a sua levemente, rindo de como a pequena névoa do choque térmico havia acabado de embaçar seus óculos por completo. Não havia sentido em usá-los naquele momento.
— E é por momentos como esse que eu simplesmente cedi à pressão de comprar lentes de contato.
— Você fica absurdamente fofo de óculos. Mas também fica lindo como sempre com as lentes. E sei que esse tipo de coisa deve ser meio chato, mas eu acho engraçado.
estreitou os olhos.
— Que bom que meu sofrimento te diverte.
Ela riu alto, levando a mão ao seu braço. O toque pareceu quase elétrico e ela temeu que ele também houvesse sentido. Talvez fosse a eletricidade estática nos fios de seu cardigan ou o fato de ela ter esfregado as mãos nas calças minutos antes. Tinha de ser físico, pois se fosse emocional, ela teria que bloquear qualquer que fosse sua origem. Mas não. Era só uma reação normal. Ela tinha certeza disso.
— Você sempre me diverte. Não sei o que seria de mim sem você.
Ele enrubesceu de leve, olhando para baixo por alguns segundos em uma tentativa besta de se recompor e esconder a sua reação.
— Provavelmente uma pessoa que levaria mais tempo para editar os vídeos - ele disse, tentando desviar dos seus próprios sentimentos com uma brincadeira. Aquele era o seu mecanismo de defesa mais óbvio. — Mas você aprende tudo tão rápido que logo perceberia que nunca precisou de mim.
sorriu, revirando os olhos de brincadeira.
— Até parece - respondeu. — Você é meu melhor amigo. Eu sempre preciso de você.
Antes que ele pudesse elaborar uma resposta, ela teve sua atenção desviada para a vibração do celular à sua frente, assinalando uma nova notificação. Com o reconhecimento facial na tela inicial, pôde ver o aplicativo do e-mail denunciando uma nova mensagem na caixa de entrada da conta recém-criada.
A mensagem era tão curta que cabia por completo na prévia que ela leu rapidamente, sentindo seu coração dar um duplo twist carpado no peito.
‘Não escuta esse cara, não. Ele ‘tá tentando te guiar pelo caminho da bondade. Eu vou te guiar pelo caminho que é o bicho.’
— Puta merda. - O ar lhe faltou.
— O que foi? - perguntou.
— É ele - ela respondeu em um sussurro, mais para si do que para manter a comunicação.
— Ele quem?
se levantou de uma só vez, deixando a cadeira balançando às suas costas com a movimentação súbita. Ela não conseguia evitar. Seu humor havia ido de zero a cem em uma aceleração que causaria inveja aos engenheiros das equipes de fórmula um. A sensação de esperança renovada era quase como uma droga encontrando os receptores exatos e lhe enchendo da mais plena sensação de euforia.
— O dono da carta - disse e correu para o computador. Cada um de seus neurônios parecia ter sido imediatamente reprogramado para distribuir seu foco em pensar como responder àquele e-mail.
Precisava calcular as palavras exatas. Tinha que construir uma mensagem que parecesse contente, mas não desesperada; despojada, mas não desprovida de qualquer grau de animação. Deveria ser o suficiente para demonstrar interesse, mas não dar a impressão de jogo ganho. Principalmente porque ela ainda não fazia ideia de quem era aquela pessoa.
Com os dedos nervosos, pressionados um contra o outro, ela começou a desenhar rascunhos mentais de como iniciar aquele e-mail.
Na cozinha, tentava se convencer de que a cremosidade do chocolate quente poderia segurar os pedaços de seu coração que ameaçavam se separar. Talvez o conforto do doce caloroso fosse suficiente para fingir que aquilo não doía como o inferno.
O Gero era um dos seus restaurantes favoritos de toda a vida. Por estar acostumada com o ambiente, o cardápio e já ser conhecida pelo nome por praticamente todos os funcionários, pensou que aquela era a melhor ideia de lugar para aquele primeiro encontro. Precisava se agarrar a alguma familiaridade enquanto enfrentava tantas novidades e dúvidas ao mesmo tempo. De alguma forma, precisava dessa sensação de falsa segurança.
Tinha trocado algumas mensagens com Matthew depois do e-mail em que ele cravou a citação de ‘A Nova Onda do Imperador’ contida na carta. O rapaz havia se apresentado brevemente e parecia esboçar pequenos sinais de bom humor em cada frase. , por sua vez, estava se esforçando para ser sua versão mais simpática, que assustaria até a sua mãe - a qual sempre dizia que ela tinha momentos incrivelmente ranzinzas quando queria.
Quando, por fim, decidiu que valeria se arriscar, convidou o rapaz para sair. Luna quase contratou toda uma empresa de pirotecnia só para soltar trocentos fogos de artifício silenciosos em comemoração. A amiga havia passado dias a fio repetindo as mesmas palavras tranquilizadoras e carregadas de incentivo, com medo de que a outra desse para trás aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo. No fim das contas, já havia perdido todas as saídas ao longo do jogo e agora, na porta do Gero, não tinha exatamente para onde correr. Não sem ir contra todos os princípios de consideração e educação que havia construído ao longo da vida.
Respirou fundo, apertando os olhos com força, decidindo que aquele era o momento para colocar todas as suas preocupações e inseguranças para fora. A partir do momento em que pisasse o pé direito para dentro do restaurante, apenas a confiante teria sido oficialmente convidada para aquele jantar a dois. A outra teria que ficar do lado de fora esperando.
— - cumprimentou a recepcionista. — Que bom te ver!
— Também é muito bom te ver, Annalise. Você não estava aqui da última vez. Eu fiquei preocupada.
Annalise gesticulou rapidamente como se dissesse que ela não precisava se importar com aquilo.
— Precisei tirar uns dias de folga porque minha mãe ficou doente. Mas deu tudo certo, ela já está bem melhor.
— Que bom que vocês estão bem. Se precisar de alguma coisa me manda uma mensagem, hein?
A recepcionista sorriu sinceramente, estendendo para ela o cardápio - que ela havia decorado por completo - apenas por uma questão de protocolo.
— Pode deixar - garantiu. — Mesa para você?
— Na verdade, eu meio que tenho um encontro hoje.
Os olhos de Annalise brilharam automaticamente.
— Me conta mais!
— A Luna inventou uma campanha para me encontrar um namorado e pediu para os caras mandarem cartas. Várias eram bem estranhas, mas uma me pegou pelo coração sem dó - contou. — O nome dele é Matthew. Talvez até já esteja aí.
— Ele chegou tem uns dez minutos - Annalise confirmou. — Pediu a melhor mesa para dois que tivéssemos. Ele é bem bonito.
sentiu um pequeno sorriso se formando. Suspirou profundamente mais uma vez, garantindo que estivesse pronta.
— Vamos?
Ela aquiesceu, seguindo a recepcionista.
A cada passo, teve tempo de elaborar e destruir tantas expectativas que chegou a se assustar com a velocidade do próprio pensamento. Quase verbalizou um agradecimento ao atingir seu destino, vendo a imagem verdadeira e não tendo mais que lidar com as possibilidades fervilhando no cérebro. Agora, teria que sustentar apenas aquela batida acelerada contra o esterno, tentando fingir a maior naturalidade do universo.
Assim que a viu chegar, ele se levantou, com um sorriso largo repleto de dentes claros e perfeitamente alinhados e braços firmes e malhados que a apertaram em um abraço forte.
— É um prazer te conhecer. Assim, ao vivo, sabe? Fiquei tão feliz quando você me chamou.
A voz dele era como uma melodia para seus ouvidos. Ela poderia escutá-lo falando por horas a fio. Gostaria de ouvir a carta sendo lida por ele apenas para poder guardar aquelas palavras com o seu timbre ressoando em suas memórias.
— É um prazer te conhecer também. Obrigada por aceitar o convite.
— Eu não sou doido de recusar. Teria cancelado qualquer coisa só para estar aqui.
— Vocês gostariam de pedir? - Aproximou-se um garçom.
— Para mim pode ser o de sempre - respondeu, vendo o homem assentindo e anotando em seu bloquinho.
— O que é o de sempre? - Matthew perguntou.
— Ai, nossa. Perdão, foi o costume - ela se desculpou. — Eu gosto muito do fettuccine alfredo com camarões. Peço ele quase sempre que venho aqui.
O rapaz concordou, sorrindo.
— Bom, o seu bom gosto deve se estender para comidas. Então eu vou querer o mesmo que ela.
— Quem disse que eu tenho bom gosto? - brincou.
— Eu já vi vários dos seus vídeos. Sem contar que você está deslumbrante. Como sempre.
Ela agradeceu a ele pelo elogio e pelo garçom pela entrega de uma taça de vinho tinto e outra de água.
— Saúde - disse ao erguer a vidraria.
— Um brinde a esse momento - ele sugeriu.
Após alguns instantes de silêncio que lhe queimaram como uma azia, ela tentou puxar algum assunto.
— E aí? O que você gosta de fazer?
— Ah, sair com meus amigos, jogar futebol, ver os jogos da NFL e da NBA… Esse tipo de coisa.
concordou com a cabeça. Não fazia ideia de como falar sobre qualquer um daqueles temas. Seu conhecimento esportivo sabia que a NBA era sobre basquete e nela tinha o LeBron James, mas mesmo ele só havia conhecido por conta do Space Jam 2. Por algum motivo, sua memória era muito melhor quando havia uma sala de cinema envolvida.
Sua variedade de tópicos para abordagem parecia ter acabado de passar por um funil e suas opções haviam diminuído demais para seu próprio bem.
— E você?
— Ah, você sabe. Eu sou meio que a doida dos filmes. - Ela riu. — Também me divirto de verdade fazendo todas as pesquisas e o planejamento dos vídeos, mas essa parte às vezes acaba sendo mais cansativa do que puro lazer. Mas a gente tenta conciliar as duas coisas.
— Vantagens de trabalhar com o meio virtual, né? E de ser sua própria chefe.
concordou, sem saber ao certo se deveria levar aquele comentário como uma fala totalmente inocente apenas para continuar a conversa ou se deveria se importar com o fundo de ressentimento que parecia ter percebido emergindo ali.
— E você, Matthew, com o que você trabalha?
— Eu sou engenheiro civil. Trabalho em um escritório de arquitetura.
— Então você também é meio que seu chefe.
— Mas tenho que prestar todas as contas e justificativas para os donos do escritório. Sem contar o aluguel e a prioridade de contratos.
— Entendi. Mas você gosta do que faz?
O homem deu de ombros.
— Dá para levar. E paga as contas.
precisou agradecer mentalmente à cozinha que liberou os pratos exatamente no momento e a salvou de prolongar aquele papo que começava a sinalizar a necessidade de ser podado antes de se tornar uma desagradável bola de neve.
Recapitulando a carta, ela teve uma ideia:
— Quem é seu personagem favorito de Harry Potter?
Matthew engoliu o macarrão, limpando a boca no guardanapo logo em seguida.
— De quê?
precisou se esforçar para não contorcer o rosto todo em uma brutal careta.
— Harry Potter - ela repetiu. — Pode ser dos filmes.
— Ahn, acho que o Harry?
Ela só aceitou. Tudo bem, talvez alguém realmente gostasse do personagem principal não por uma questão de falta de originalidade ou por essa ser simplesmente a resposta mais fácil.
— E de que casa você é?
— Casa? - Ele parecia verdadeiramente confuso. — Onde eu moro?
— Não. Que casa de Hogwarts, sabe.
— Ah, entendi. Aquela vermelha.
— Grifinória?
— É. Acho que é esse o nome mesmo.
— Entendi.
— E você é de qual?
expôs um sorriso honesto. Sabendo que pelo menos ele estava claramente tentando. Não que parecesse sequer perto de ser o suficiente.
— Corvinal - ela respondeu.
— Não lembro dessa.
Ela concordou, absorvendo aquela informação. Cada vez mais a verdade ficava óbvia, escrita bem no meio de sua cara com luzes pulsantes e um aviso em outdoor bem no meio da cidade.
Não era fácil. Era forçado, como se todos os lados estivessem tentando demais fazer funcionar algo que deveria ser natural, com base nas expectativas previamente criadas.
— Matthew, você não mandou a carta, né?
— Claro que eu mandei. Eu escrevi aquele trecho do seu desenho.
— Mas na carta você fala de Harry Potter, de sagas, de outras coisas…
Ele franziu as sobrancelhas, genuinamente confuso.
— Eu não falei nada disso.
— A carta começa com A Nova Onda do Imperador e termina com uma fala do Dumbledore. No meio tem várias coisas lindas, super atenciosas.
— , eu só mandei a frase do desenho. Não tem mais nada escrito. Eu coloquei uma foto minha vestido de diabinho no halloween por causa do personagem. Foi só isso.
E foi então que a ficha caiu; despencou bem no meio de sua cabeça.
— Eu não vi nenhuma foto - admitiu. — Acho que a carta não era sua.
— Mas eu não acertei a frase?
Ela aquiesceu.
— Eu sei que é estranho; eu também acho. Mas acho que realmente foi tudo uma grande coincidência, por mais improvável que pareça.
— Você tem a carta aí? Por curiosidade.
lhe estendeu a correspondência. Matthew desdobrou o papel e correu os olhos atentamente por cada uma daquelas frases. Soprou o ar pelo nariz em uma risada.
— É, eu definitivamente não escrevi isso. Sinceramente, eu não tenho nem um décimo do talento com as palavras que esse cara tem. E também não te conhecia direito para escrever coisas tão profundas assim. Soa próximo demais vindo de alguém que, em teoria, só te conhece há uma meia hora.
Ela acabou rindo do comentário. Sentia certo alívio em saber que não era ele o cara - seria, no mínimo, um grande banho de água fria ter uma refeição tão improdutiva e sem química depois de ter criado tantas expectativas. Por outro lado, haviam esmurrado seu sistema de volta para o zero. Só Matthew havia acertado e não era ele. A única conclusão que deveria tirar disso tudo era a de que tinha se jogado de cabeça em uma piscina vazia e quebrado a cara. Sua pequena fantasia, como qualquer livro de conto de fadas, tinha chegado ao fim.
— Mesmo assim, foi bem legal mesmo te conhecer - ele falou. — Espero que você ainda o encontre. Você merece alguém legal.
Ela sorriu em agradecimento, sem poder dizer a ele que havia desistido por completo sem estragar o momento.
— Você também, Matthew.
E com um último aceno, a noite havia chegado ao fim, assim como a última migalha de qualquer coisa em que ela pudesse atar seu fingido otimismo.
nem sabia mais que filme estava passando. Tinha simplesmente deixado em um canal pago qualquer e deixado que as películas fossem trocadas em sequência, prendendo-se tanto a elas quanto o fazia em relação aos comerciais repentinos. Estava com o mesmo pijama que havia usado para dormir e não tinha se levantado para mais do que fazer xixi, escovar os dentes, beber água e pegar um pacote de cookies de gotas de chocolate na cozinha. Não era saudável. Não era admirável. Mas ela tinha decidido permitir a si mesma aquele dia de autopiedade para remoer sua própria burrice e aprender a ser menos afoita e deixar seu coração atropelar quaisquer sinais de sua racionalidade.
Dois tiros altos explodiram pelo ambiente. Ela não se mexeu.
Após alguns segundos, tudo o que ela conseguiu fazer foi soltar uma gargalhada solitária, rindo de si mesma. Como era patética. Ao menos não era alguma comédia romântica melosa para piorar sua situação.
Batidas sincronizadas soaram à distância. Quando percebeu que era alguém em sua porta, quase desejou que fossem mais tiros cinematográficos.
Com o som se repetindo, ela puxou as cobertas mais para cima, escondendo-se. Se fingisse que não estava ali, provavelmente a deixariam em paz.
O celular vibrou ao seu lado:
“Eu sei que você está em casa. Abre a porta.”
Pelo tom incisivo, ela imaginaria que fosse Luna, mas se chocou ao encontrar a mensagem em sua conversa com .
A contragosto, prendeu o cabelo em um rabo de cavalo mal feito e se arrastou até a porta, encontrando seu melhor amigo ali.
— Pijama - ele disse. — Péssimo sinal.
deu de ombros.
— Todo mundo passa um dia ou outro de pijama. Não tem nada de errado nisso.
— Tem quando essa pessoa é você. Ninguém nunca te viu de pijama. É quase como se você já saísse da cama trocada.
— Talvez eu saia. Você não precisa saber de todos os meus segredos.
riu, balançando a cabeça.
— Vai tomar um banho.
— Uau - ela disse. — Que jeito mais discreto de me dizer que eu estou fedida.
— Você não está. Mas nós vamos sair, então um banho seria bom.
— Não vou para lugar algum. Se você quiser sentar aí e ver filme comigo, ok; mas não me amola.
— Nós vamos sair - ele repetiu. — É mais um aviso que um pedido.
— Meu Deus, você é um chato.
— Se a minha chatice conseguir tirar você dessa cama, eu aceito a ofensa.
bufou, reconhecendo que a teimosia dele não a deixaria em paz a menos que cedesse.
— Ok, mas para onde vamos?
Com um sorriso esperto, ele apenas respondeu:
— Você vai ver.
— Um quiz, ? É sério?
Seu entorno estava cheio de mesas organizadas pelo salão, distribuídas junto de placas com numerações e um pequeno tablado onde já se posicionava o homem que, aparentemente, seria o responsável por manejar as perguntas.
— Lógico que é. Tem álcool e competitividade. Qual a chance disso não te animar?
Uma garçonete passou por eles com uma bandeja preta, oferecendo shots de tequila.
agarrou um dos pequenos copos e virou o conteúdo garganta abaixo.
— Então vamos fazer isso para valer.
Os dois escolheram a mesa de número sete - o favorito dele. Cada um recebeu um pequeno sino e um alto copo cheio de cerveja.
— A primeira categoria é: cinema - o homem anunciou alegremente pelo microfone.
— Você sabia disso? - perguntou. — Não é possível.
— Não - ele garantiu. — É um sorteio de temas. Você deu sorte.
— A pergunta é: Quais os títulos de todos os filmes da saga Crepúsculo e seus anos de lançamento?
bateu com tanta força no pino de seu sino que quase criou um afundamento na própria pele.
— Você sabe os anos? - sussurrou, recebendo um sinal dela para que ficasse em silêncio.
— Crepúsculo em 2008, Lua Nova em 2009, Eclipse em 2010, Amanhecer parte 1 em 2011 e Amanhecer parte 2 em 2012.
— Certa resposta para a mesa sete!
bateu palmas em comemoração à sua pequena vitória.
— Vou fazer uma petição para ser tudo sobre cinema - comentou. — Mas acho que ninguém mais vai querer assinar.
— A gente vai ganhar com ou sem isso.
— É assim que se fala!
— Próxima categoria: videogames. Qual é o mais antigo: Odyssey, Atari ou Nintendo 64?
— Nintendo 64 - respondeu o rapaz da mesa quatro.
sorriu vitorioso ao ouvir o comum engano. Os números no nome do aparelho eram mesmo traiçoeiros para os ouvidos menos familiarizados com o assunto.
— Odyssey - ele respondeu.
— Mais um ponto para a mesa sete!
— As pessoas já estão começando a nos olhar com cara de ódio - sussurrou de forma risonha. — Sinal de que estou atingindo o meu objetivo com sucesso.
— Vamos deixar os mortais tentarem a próxima - ele sugeriu, dando um gole em sua cerveja. Ela imitou os seus movimentos.
— Próxima categoria: esportes.
— Ótimo momento para um descanso forçado. Vamos demonstrar humildade.
— Exatamente. Apenas modéstia, nada de ignorância completa do tema.
— Eu não cheguei a te contar sobre o meu encontro, né?
engoliu em seco ao seu lado, movendo-se desconfortavelmente na cadeira.
— Não que eu me lembre - falou, a voz mais grave do que ele esperava.
— Vamos fazer um breve intervalo - o homem anunciou antes de descer do tablado, deixando ilhado no meio do caminho de tudo o que ele preferiria não saber.
A verdade era que aquele papo de ficar feliz em ver quem se ama feliz, independentemente de quem fosse a causa, era muito bonito da boca para fora, mas corroía o peito como ácido do lado de dentro. Era o tipo de coisa que criava músicas bonitas e trechos emotivos em livros, mas doía absurdamente quando extrapolava as páginas e notas. E, assim como alguns band aids não precisavam ser arrancados, algumas coisas estariam melhores se não fossem ditas. Muito menos ouvidas.
— Foi horrível - ela contou rindo. — A gente não combinava em absolutamente nada. Acho que a única coisa que tínhamos em comum era o fato de ambos terem amigos. Mais nada. E ele ainda entrou em um papo meio desgostoso e infeliz sobre o próprio trabalho, mas direcionando isso como se estivesse ressentido comigo por, aparentemente, não saber o inferno que ele passava.
— E que culpa você tem se ele não está feliz no emprego?
— Não sei. Ele provavelmente também não sabe. Foi um despejo de frustrações a troco de nada. E eu só lembrei de tudo isso agora porque a única coisa que ele falou que gostava era exatamente esse bicho esportivo.
— Parece se encaixar perfeitamente como a sua alma gêmea.
— Sabe o que ele me respondeu quando eu perguntei qual era a casa dele de Hogwarts? - negou. — ‘Aquela vermelha?’. Ele não só não sabia o nome como basicamente me perguntou se era a vermelha. Como se eu devesse escolher que resposta eu queria para aquilo.
— Impossível conviver com gente assim. Você fez bem em dar um pé na bunda dele.
— Na verdade, eu nem precisei dar. Ele também claramente não estava muito a fim depois de perceber que a gente mal conseguia sustentar uma conversa produtiva.
— Eu sinto muito que tenha dado errado - ele disse, apenas porque parecia o certo a se fazer em um momento como aquele.
deu de ombros.
— Não era para ser. Eu estava esperando por alguém que parecia me conhecer melhor do que eu mesma e recebi alguém que mal se conhece.
Ela virou o resto de sua cerveja e ergueu a mão, solicitando que seu copo fosse enchido uma vez mais.
— E você realmente acha que existe alguém no mundo que te conheça melhor do que você mesma?
— Você já não é o exemplo exato disso?
— E voltamos com o jogo!
mal teve tempo de assimilar o arrepio caloroso incontestável que havia percorrido seus braços, escalado suas costas e se instalado na base de sua nuca, com uma palpitação que tinha encontrado o caminho errado. Pigarreou de leve, puxando de volta para si o pequeno sino e dando sua atenção completa a ele. Precisava se agarrar àquela possibilidade mínima de desvio de foco mesmo que, no fundo de sua mente, aquelas palavras ecoassem em uma tentativa sabotadora e dolorosa de lhe criar esperanças quando ele tinha certeza de que não tinha sido aquilo que ela queria dizer. Era apenas o seu próprio desejo maquinando uma compreensão que, finalmente, correspondesse às suas expectativas.
— A categoria é: celebridades. Verdadeiro ou falso: Brad Pitt e Jennifer Aniston se casaram em 1999 e se divorciaram em 2005.
bateu em seu sino rapidamente.
— Falso. Eles se casaram em 2000.
— Acho que esse é um ponto duplo para a mesa sete!
A mulher comemorou sem nenhuma discrição, já sentindo a postura desinibida que o álcool na corrente sanguínea proporcionava. As pessoas das outras mesas já tinham desistido de se incomodarem com a derrota e estavam acompanhando-a nas risadas e dancinhas de comemoração.
apenas meneava a cabeça e sorria, tentando não pensar em como tudo o que mais queria era abraçá-la. Como alguém que, de fato, a conhecia melhor do que qualquer outra pessoa.
Entre risadas altas e toques pouco elaborados, a dupla passou por todas as perguntas seguintes com maestria e bom humor, gargalhando dos próprios picos de agitação ao tentar superar o limite humano da reação - especialmente após algumas doses de álcool - para praticamente esmurrar o pino do objeto em suas mãos, tocando-o mais do que o necessário.
Se estava triste e se sentindo para baixo horas antes, agora tinha atingido o completo oposto. Era exatamente sobre isso que ela pensava quando garantia, sem dúvida alguma, que ele a conhecia melhor do que ninguém. Porque era a única pessoa em todo o universo capaz de saber exatamente como arrancá-la da cama e animá-la de verdade. Ele a fazia tão feliz e ela nunca saberia lhe explicar o quanto.
— E os campeões são, obviamente, nossos amigos da mesa sete! Parabéns!
Os outros competidores os aplaudiram enquanto recebiam chapéus enormes e coloridos que deveriam servir como coroas ou qualquer coisa do tipo. Também levaram para casa um cupom de 70% de desconto para a próxima visita ao bar, válido para uma mesa de até quatro pessoas.
Dentro do táxi, os dois ainda riam alto, relembrando algumas perguntas e a forma como havia batido com tanta força em seu sino que o tinha derrubado da mesa.
— O que você vai fazer amanhã?
— Preciso visitar o meu pai - ela disse com uma careta. — Não é exatamente o programa que eu queria.
— Mas vai dar certo.
Ela assentiu, tendo uma ideia de repente:
— Você não quer ir comigo?
— Eu?
— É - ela confirmou. — Vai ser mais fácil de encarar tudo se você estiver lá para segurar minha mão e dizer que tudo vai ficar bem.
fez exatamente isso, entrelaçando os seus dedos sobre o banco traseiro do carro.
— Eu vou sempre estar aqui para isso. Por e para você.
sorriu, bocejando em seguida. Em um movimento cuidadoso, deixou que a cabeça caísse e se encaixasse no ombro dele. Quando ele se aproximou e deixou um beijo em sua testa, ela quase deixou escapar o quanto o amava. Independente do quanto temesse que aquelas palavras pudessem estragar tudo.
não havia dormido nada bem. Tinha passado horas a fio repetindo cada uma das risadas gostosas e das sensações do toque dela em sua pele; da percepção de comodidade e pertencimento súbito que o invadiam tão depressa e de forma certeira.
Ignorando a cara de cansaço, colocou os óculos de grau e se dirigiu ao apartamento dela, tendo prometido buscá-la para que fossem até a casa de seu pai.
— Bom dia - ele disse ao vê-la pronta à porta.
— Só se for para você. Minha ressaca está tendo um péssimo dia - ela brincou, mas se aproximou dele, deixando um beijo estalado em sua bochecha. — Você ainda se lembra do endereço dele?
concordou.
— Podemos ir?
— Fica à vontade - ela respondeu, acomodando-se melhor no banco. — Se quiser matar a gente no caminho, também topo.
Ele riu, dando a partida no carro. Nem poderia começar a tentar imaginar como cada uma daquelas simples visitas era difícil para ela. Não deveria ser nada fácil ter de engolir suas mágoas e angústias ao tentar fazer o certo por alguém que não havia pensado nisso ao simplesmente sumir da sua vida por anos enquanto você crescia.
guardava seu rancor em um pedaço à parte de seu coração, que tentava suprimi-lo diariamente. Se ainda se importava em ver o pai vez ou outra, era porque havia prometido à mãe que tentaria dar uma chance a ele e que não jogaria fora a possibilidade de tê-lo em sua vida ainda. Acontece que, mesmo que o homem tivesse se provado assíduo na tentativa de mudar, agora era um pouco tarde para que as coisas simplesmente pudessem voltar a ficar bem. O perdão não era tão fácil e natural como ela gostaria que fosse.
Por todo o caminho, apenas assistiu aos seus movimentos, enquanto ela trocava sem parar de estações no rádio, não se contentando em escutar uma canção sequer por completo. Ele se silenciou, permitindo que ela tivesse seu momento de descontar o próprio estresse sem que se sentisse inibida ou julgada por isso.
Quando ele finalmente estacionou o carro, deixou que ela respirasse um pouco e tomasse a iniciativa de descer do automóvel quando se sentisse preparada para isso.
Seguiu-a até a porta, interrompendo-a quando ela estava prestes a tocar a campainha. segurou-a pelas mãos, olhou no fundo dos seus olhos e disse:
— Não esquece: é possível encontrar a felicidade mesmo nas horas mais sombrias, se a pessoa se lembrar de acender a luz.
De uma forma brincalhona, ele acendeu a lanterna do próprio celular sobre eles, arrancando uma risada sincera dela que logo foi cortada pelo choque de realidade.
— Foi você - ela sussurrou.
Era claro. Tão óbvio. Como ela podia não ter percebido? Quem mais poderia saber tanto sobre ela? Quem mais poderia amar tanto todos aqueles filmes, chocolate quente e dias nublados de inverno? Como tinha se esquecido de todas as tardes que passaram juntos sob cobertores no sofá, tomando chocolate e assistindo a animações sem parar ou maratonando todos os oito filmes de Harry Potter até que alguém decidisse que era hora de dormir?
Como não tinha percebido que a única pessoa que poderia amá-la daquele jeito era exatamente quem demonstrava um pouco desse amor todos os dias? Mas o medo a havia cegado. O medo de perdê-lo. O medo de ter interpretado mal os sinais. O medo de não ser correspondida. O medo de destruir tudo o que tinham por querer demais. Porque ela, sim, sabia que sempre o amara com todo o seu coração. E tinha sido medrosa o suficiente para não perceber o quão recíproco tudo aquilo era.
— Você que enviou a carta sem remetente - ela repetiu.
sentiu o rosto queimando.
— Eu…
tinha pequenas lágrimas brotando nos olhos, como uma fonte nova de água minando do chão depois de tanto tempo de busca na seca.
— Por que você não me contou?
— Eu não sabia se era a minha carta - ele explicou. — E eu não queria só jogar isso na sua cara de repente. Não parecia certo e nem justo. Com nenhum de nós.
Ele precisou respirar fundo antes de continuar, com a voz quase falhando:
— E eu não queria te perder.
— Você nunca iria me perder - ela garantiu. — Nunca vai.
— Eu não tinha como ter essa certeza, entende? Eu não sabia como você ia reagir.
se colocou nas pontas dos pés, colando os seus lábios aos dele com uma calma que não representava em nada o desespero de quem havia esperado tanto tempo querendo fazer aquilo.
— Eu reagiria assim - ela disse ao se afastar, com um sorriso bobo refletido no dele.
— Se eu soubesse que ia ser assim…
Mas ele não completou a sua frase, recebendo-a nos braços e acolhendo outro de seus beijos. Um mais profundo, demorado, sugestivo do tanto que haviam guardado para si. Um que representava tudo. Um que compreendia cada movimento do outro em antecipação, exatamente da forma como se entendiam em tudo. Um que havia sido feito especificamente para o outro.
A contragosto, se afastou um pouco dela, mantendo suas testas ainda coladas, o peito palpitando em euforia juntamente ao seu.
— Seu pai não está nos esperando?
ergueu os ombros.
— Eu esperei ele por anos. Ele pode esperar um pouquinho.
E estavam de volta aos braços um do outro. Onde sempre deveriam ter ficado.
FIM
Nota da autora: Que delícia liberar uma história inspirada numa música do BTR QUANDO ELES ACABAM DE VIR DE COMEBACK AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA. EU NÃO SEREI CAPAZ DE SOBREVIVER
Enfim, espero que tenham gostado da história e deixem comentários, pois a autora é carente.
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Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
01. Mine
02. Blow Me (One Last Kiss)
02. cardigan
02. Dance Again
02. Don't Let It Break Your Heart
02. Stitches
03. Dear Patience
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Try Hard
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. All of Me
06. Consequences
06. Falling
06. If I Could Fly
06. Love Maze
07. Bossa
07. If Walls Could Talk
08. American Boy
08. Answer: Love Myself
08. No Goodbyes
09. When You Look Me In The Eyes
10. Is it Me
10. Simple Song
10. Trust
11. Boys Will Be Boys
11. Nós
11. Robot
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. They Don't Know About Us
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. False God
13. Kiss The Girl
13. Part of Me
13. See Me Now
14. Tonight
14. When You're Ready
15. Overboard
A Million Dreams
Daydream
Evermore
MV: deja vu
MV: Golden
MV: Miracle
Not Over
Señorita
Wallfower
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