Capítulo Único
Acordei ainda um pouco confuso. A última coisa de que me lembro foi de atravessar a rua e ouvir um barulho muito alto. Depois disso é só escuridão. Mas onde estou agora não me parece ser uma rua, muito menos um hospital, que é onde eu deveria estar. Afinal, eu acho que fui atropelado.
Lembrando-me desse fato, me levantei muito apressado. Chequei se estava tudo bem comigo e pelo visto estava inteiro. Estranho, muito estranho. Nem as minhas roupas estavam amassadas! Foi então que olhei melhor a minha volta e finalmente percebi onde estava.
Era um cemitério, um dos bem grandes. Pelo o que me recordo, acho que nunca havia estado nesse cemitério antes, não se parece nem um pouco com os da minha cidade. Apesar da escuridão dava para notar as lápides extensas e as estátuas gigantes sobre os túmulos. Olhei mais de perto para a lápide mais próxima e vi algo realmente perturbador.
Meu nome estava escrito naquela lápide! Sem contar a minha foto 3X4 que eu mais odiava. Isso, sem sombra de dúvidas, era a pior brincadeira de mal gosto que já havia sofrido na vida! Quem poderia ser a mente perversa por trás disso? Ainda estava meio atordoado com tudo aquilo, mas resolvi procurar o responsável por essa palhaçada. Até por que, quem quer que seja deve estar se divertindo muito observando a minha reação.
Mal comecei a andar e avistei uma luz ao longe. Portanto, fiz a minha melhor cara de raiva e apertei o passo para chegar até lá o quanto antes. Tropecei algumas vezes em coisas que juguei serem galhos, mas não mudei meu foco nem uma vez. Quando cheguei próximo o suficiente da fonte de luz, que era uma lamparina, vi o que me pareceu ser um velho terminando de fechar uma cova com uma pá. Mesmo desconsertado por aquela cena, respirei fundo e prossegui para conseguir o que queria. Pigarreei para limpar a garganta e comecei.
- Ei, é você o responsável por essa brincadeira? – Perguntei antes mesmo do velho notar a minha presença ali.
Ele se virou rapidamente procurando de onde veio o som. Quando me viu pareceu ficar feliz e se aproximou de mim com a lamparina.
- Finalmente você acordou, meu rapaz! A caminhada vai ser um pouco longa, já está pronto para ir? – Ele sorriu mostrando os dentes. Parecia que não os escovava há alguns anos.
- Então é você mesmo! Que história é essa de caminhada? Eu não vou a lugar algum!
- Por que eles sempre dizem isso? – O velho perguntou mais para si mesmo do que para mim.
- O que você quis dizer com isso? – Ele se apoiou na pá e me olhou com uma cara de interrogação, como se estivesse mais confuso que eu. – Pode me explicar o que está acontecendo aqui?!
- Você não está sabendo? – Perguntou-me ainda confuso. – Meu querido, você está morto.
- MORTO?! Ma-mas isso não faz sentido nenhum!
- Pois é, meu jovem, essas coisas acontecem. – O velho colocou a mão no meu ombro como se quisesse me consolar. Sua mão estava tão fria que me senti morto de verdade.
- Eu não entendo. Como isso aconteceu? – Comecei a chorar sem vergonha nenhuma. Já estava morto, o que de pior poderia acontecer? O velho deu de ombros e bateu a pá na terra para finalizar o trabalho.
- Eu não faço a mínima ideia, meu dever aqui é só de levar você até o portão.
- Portão? Onde raios eu estou?!
- Você morreu de quê mesmo? – Ele me perguntou como quem pergunta as horas.
- Atropelamento, eu acho. – Respondi sem a mínima vontade de pensar sobre a minha própria morte.
- Ah, agora está explicado. Quem morre de causas assim costuma demorar um pouco para aceitar. – Ele colocou a pá sobre o ombro e pegou a lamparina. - Bem, você está morto e é para cá que os mortos veem. Seja bem vindo ao que chamam de “outro lado”.
Olhei em volta mais uma vez. É, acho que agora tudo faz sentido. Nunca pensei como seria estar do outro lado, até porque nunca pensei em vir tão cedo. Todos os meus planos e sonhos estão mortos comigo agora. Nunca pensei que estar morto fosse assim tão triste.
Enquanto refletia sobre o meu novo estado, o velho se virou e começou a andar com a lamparina e a pá. Corri para alcançá-lo.
- Já se acostumou com a morte, garoto? – O velho perguntou sem olhar para mim.
- Mais ou menos, a ideia ainda me incomoda. Por que logo agora? Caramba, eu ainda tinha tanta coisa para fazer!
- A morte é assim mesmo, as vezes a danada chega sem nem avisar!
- E a minha mãe, sabe se ela está bem? – Não pude deixar de perguntar.
- Mães sempre sofrem, não é mesmo? Mas ela vai ficar bem, logo será a vez dela também.
- Cruzes! – Repudiei o comentário sentindo um calafrio subir minha espinha. – Droga, nem consegui dizer o quanto a amava. Nem pedi minha namorada em casamento!
- Se preocupa não, ela não vai ficar sozinha por muito tempo.
- Não acredito nisso! Meu melhor amigo vai cuidar dela por mim...
- É desse mesmo que eu estou falando, rapaz! Ele não ficou muito triste com a sua morte, não. Na verdade, acho que ele nunca gostou de você e sempre esteve de olho na sua namorada. Devia escolher melhor os seus amigos.
- Bem que minha mãe me avisou. Desgraçado, eu ia chamá-lo para ser meu padrinho de casamento.
- Capaz que ele teria aceitado.
- Cara de pau. Sorte a dele eu estar morto agora!
Estava com tanta raiva que já nem prestava atenção ao caminho. Tropecei em algo que parecia ser uma pedra e cai de cara no chão. Sobre não poder acontecer nada de pior, acho que mudei de ideia.
- Olha por onde anda, garoto. A estrada aqui é bem ruim.
- A gente não poderia esperar amanhecer para continuar?
- Não, meu jovem, aqui nunca amanhece. Não existe Sol nesse lugar, a única luz é essa aqui. – O velho agitou a lamparina na altura dos olhos e voltou a andar.
Levantei com dificuldade e limpei a sujeira das roupas. Tive que dar uma corrida para me aproximar do velho novamente. Ele andava rápido demais para um velho que carrega uma pá e uma lamparina.
- O senhor quer que eu carregue essa pá para você? – A educação que minha mãe me deu me fez perguntar.
- Muito obrigado pela gentileza, meu jovem, mas este fardo eu que tenho que carregar.
Realmente não entendi a resposta que ele me deu, então uma ideia bem louca passou pela minha cabeça.
- O senhor, por um acaso, é Deus?
- DEUS?! Oh, não! Nem Deus, nem o diabo!
- Então quem é você?
- Sabe que nem eu mesmo sei. – Ele me lançou um olhar que dava sinceridade ao que dizia. – eu sou apenas o que mostra o caminho até o portão. Falando nisso, chegamos.
O velho iluminou mais o caminho para que eu pudesse ver. Era um portão enorme, combinava com o tamanho do cemitério, parecia até que tinha saído de um filme do Tim Burton. O velho me deu a lamparina e se afastou do caminho.
- E agora? – Perguntei, não entendendo porque ele me deu a lamparina.
- Meu trabalho termina aqui, meu jovem. Você precisa decidir se quer ir ou ficar, porém, eu não sei o que vai acontecer depois disso.
Pensei um pouco sobre o que ele me disse, enquanto ele voltava pelo caminho que tínhamos trilhado.
- Se eu escolher ficar, vamos nos encontrar outra vez? – Gritei para que ele me ouvisse.
- Não sei dizer, rapaz! – Ele gritou de volta.
- Não vai precisar da luz para voltar?
- Estou mais acostumado a escuridão que você. – Ele se virou e acenou. – Adeus e obrigado pela companhia.
Acompanhei o passo ágil do velho até sumir de vista. Agora estava morto e sozinho, ainda por cima tinha que escolher qual caminho seguir. Encarei o portão ameaçador. Será que fui bom o suficiente para ir pro céu? Pensei na vida que tive e conclui que os únicos arrependimentos que tinha eram de não fazer tudo aquilo que podia ter feito enquanto ainda podia. Talvez esse portão não seja tão ameaçador assim.
O que devo fazer?
Lembrando-me desse fato, me levantei muito apressado. Chequei se estava tudo bem comigo e pelo visto estava inteiro. Estranho, muito estranho. Nem as minhas roupas estavam amassadas! Foi então que olhei melhor a minha volta e finalmente percebi onde estava.
Era um cemitério, um dos bem grandes. Pelo o que me recordo, acho que nunca havia estado nesse cemitério antes, não se parece nem um pouco com os da minha cidade. Apesar da escuridão dava para notar as lápides extensas e as estátuas gigantes sobre os túmulos. Olhei mais de perto para a lápide mais próxima e vi algo realmente perturbador.
Meu nome estava escrito naquela lápide! Sem contar a minha foto 3X4 que eu mais odiava. Isso, sem sombra de dúvidas, era a pior brincadeira de mal gosto que já havia sofrido na vida! Quem poderia ser a mente perversa por trás disso? Ainda estava meio atordoado com tudo aquilo, mas resolvi procurar o responsável por essa palhaçada. Até por que, quem quer que seja deve estar se divertindo muito observando a minha reação.
Mal comecei a andar e avistei uma luz ao longe. Portanto, fiz a minha melhor cara de raiva e apertei o passo para chegar até lá o quanto antes. Tropecei algumas vezes em coisas que juguei serem galhos, mas não mudei meu foco nem uma vez. Quando cheguei próximo o suficiente da fonte de luz, que era uma lamparina, vi o que me pareceu ser um velho terminando de fechar uma cova com uma pá. Mesmo desconsertado por aquela cena, respirei fundo e prossegui para conseguir o que queria. Pigarreei para limpar a garganta e comecei.
- Ei, é você o responsável por essa brincadeira? – Perguntei antes mesmo do velho notar a minha presença ali.
Ele se virou rapidamente procurando de onde veio o som. Quando me viu pareceu ficar feliz e se aproximou de mim com a lamparina.
- Finalmente você acordou, meu rapaz! A caminhada vai ser um pouco longa, já está pronto para ir? – Ele sorriu mostrando os dentes. Parecia que não os escovava há alguns anos.
- Então é você mesmo! Que história é essa de caminhada? Eu não vou a lugar algum!
- Por que eles sempre dizem isso? – O velho perguntou mais para si mesmo do que para mim.
- O que você quis dizer com isso? – Ele se apoiou na pá e me olhou com uma cara de interrogação, como se estivesse mais confuso que eu. – Pode me explicar o que está acontecendo aqui?!
- Você não está sabendo? – Perguntou-me ainda confuso. – Meu querido, você está morto.
- MORTO?! Ma-mas isso não faz sentido nenhum!
- Pois é, meu jovem, essas coisas acontecem. – O velho colocou a mão no meu ombro como se quisesse me consolar. Sua mão estava tão fria que me senti morto de verdade.
- Eu não entendo. Como isso aconteceu? – Comecei a chorar sem vergonha nenhuma. Já estava morto, o que de pior poderia acontecer? O velho deu de ombros e bateu a pá na terra para finalizar o trabalho.
- Eu não faço a mínima ideia, meu dever aqui é só de levar você até o portão.
- Portão? Onde raios eu estou?!
- Você morreu de quê mesmo? – Ele me perguntou como quem pergunta as horas.
- Atropelamento, eu acho. – Respondi sem a mínima vontade de pensar sobre a minha própria morte.
- Ah, agora está explicado. Quem morre de causas assim costuma demorar um pouco para aceitar. – Ele colocou a pá sobre o ombro e pegou a lamparina. - Bem, você está morto e é para cá que os mortos veem. Seja bem vindo ao que chamam de “outro lado”.
Olhei em volta mais uma vez. É, acho que agora tudo faz sentido. Nunca pensei como seria estar do outro lado, até porque nunca pensei em vir tão cedo. Todos os meus planos e sonhos estão mortos comigo agora. Nunca pensei que estar morto fosse assim tão triste.
Enquanto refletia sobre o meu novo estado, o velho se virou e começou a andar com a lamparina e a pá. Corri para alcançá-lo.
- Já se acostumou com a morte, garoto? – O velho perguntou sem olhar para mim.
- Mais ou menos, a ideia ainda me incomoda. Por que logo agora? Caramba, eu ainda tinha tanta coisa para fazer!
- A morte é assim mesmo, as vezes a danada chega sem nem avisar!
- E a minha mãe, sabe se ela está bem? – Não pude deixar de perguntar.
- Mães sempre sofrem, não é mesmo? Mas ela vai ficar bem, logo será a vez dela também.
- Cruzes! – Repudiei o comentário sentindo um calafrio subir minha espinha. – Droga, nem consegui dizer o quanto a amava. Nem pedi minha namorada em casamento!
- Se preocupa não, ela não vai ficar sozinha por muito tempo.
- Não acredito nisso! Meu melhor amigo vai cuidar dela por mim...
- É desse mesmo que eu estou falando, rapaz! Ele não ficou muito triste com a sua morte, não. Na verdade, acho que ele nunca gostou de você e sempre esteve de olho na sua namorada. Devia escolher melhor os seus amigos.
- Bem que minha mãe me avisou. Desgraçado, eu ia chamá-lo para ser meu padrinho de casamento.
- Capaz que ele teria aceitado.
- Cara de pau. Sorte a dele eu estar morto agora!
Estava com tanta raiva que já nem prestava atenção ao caminho. Tropecei em algo que parecia ser uma pedra e cai de cara no chão. Sobre não poder acontecer nada de pior, acho que mudei de ideia.
- Olha por onde anda, garoto. A estrada aqui é bem ruim.
- A gente não poderia esperar amanhecer para continuar?
- Não, meu jovem, aqui nunca amanhece. Não existe Sol nesse lugar, a única luz é essa aqui. – O velho agitou a lamparina na altura dos olhos e voltou a andar.
Levantei com dificuldade e limpei a sujeira das roupas. Tive que dar uma corrida para me aproximar do velho novamente. Ele andava rápido demais para um velho que carrega uma pá e uma lamparina.
- O senhor quer que eu carregue essa pá para você? – A educação que minha mãe me deu me fez perguntar.
- Muito obrigado pela gentileza, meu jovem, mas este fardo eu que tenho que carregar.
Realmente não entendi a resposta que ele me deu, então uma ideia bem louca passou pela minha cabeça.
- O senhor, por um acaso, é Deus?
- DEUS?! Oh, não! Nem Deus, nem o diabo!
- Então quem é você?
- Sabe que nem eu mesmo sei. – Ele me lançou um olhar que dava sinceridade ao que dizia. – eu sou apenas o que mostra o caminho até o portão. Falando nisso, chegamos.
O velho iluminou mais o caminho para que eu pudesse ver. Era um portão enorme, combinava com o tamanho do cemitério, parecia até que tinha saído de um filme do Tim Burton. O velho me deu a lamparina e se afastou do caminho.
- E agora? – Perguntei, não entendendo porque ele me deu a lamparina.
- Meu trabalho termina aqui, meu jovem. Você precisa decidir se quer ir ou ficar, porém, eu não sei o que vai acontecer depois disso.
Pensei um pouco sobre o que ele me disse, enquanto ele voltava pelo caminho que tínhamos trilhado.
- Se eu escolher ficar, vamos nos encontrar outra vez? – Gritei para que ele me ouvisse.
- Não sei dizer, rapaz! – Ele gritou de volta.
- Não vai precisar da luz para voltar?
- Estou mais acostumado a escuridão que você. – Ele se virou e acenou. – Adeus e obrigado pela companhia.
Acompanhei o passo ágil do velho até sumir de vista. Agora estava morto e sozinho, ainda por cima tinha que escolher qual caminho seguir. Encarei o portão ameaçador. Será que fui bom o suficiente para ir pro céu? Pensei na vida que tive e conclui que os únicos arrependimentos que tinha eram de não fazer tudo aquilo que podia ter feito enquanto ainda podia. Talvez esse portão não seja tão ameaçador assim.
O que devo fazer?