Finalizada em: 27/03/2021

Prólogo

JUNHO

acordou em um quarto diferente do que estava acostumada. O verão estava começando a dar as caras, e o sol batendo no seu rosto logo pela manhã era a prova viva disso.
A confusão pelo ambiente novo, contudo, durou apenas alguns segundos. Como se o perfume dele não fosse o suficiente para identificar o lugar por conta própria, com uma rápida olhada em volta, mesmo com os olhos ainda meio embaçados pelo sono, conseguiu identificar onde estava.
Nos últimos meses ela havia ido bastante ali. era o tipo de cara que gostava de sair, de se encontrar com os amigos e fazer programas diferentes com , mas dificilmente a levava para outro lugar que não fosse a casa dele. Ou a própria casa dela. Sim, estava acostumada a ir para a cama de , mas não tinha o hábito de dormir ali. Eles tinham um acordo, afinal de contas. havia deixado suas condições bastante claras desde o início: ele estava à procura de uma companhia para ocasiões específicas, datas comemorativas, finais de semana tediosos, e não de uma namorada.
Transar fazia parte do acordo, mas dormir, e acordar um do lado do outro, definitivamente não.
Aquela, contudo, não tinha sido a primeira vez que quebrava uma regra do acordo deles. não havia deixado margens para dúvidas quando eles começaram a colorir aquela amizade: sexo era bem-vindo no relacionamento deles, mas sentimentos amorosos não.
não era do tipo que se envolvia com uma mulher só e, definitivamente, não era do tipo que se amarrava a uma só pessoa. Ele não estava pronto para um relacionamento e, mais do que isso, ele não queria um relacionamento. Nem com e nem com ninguém. Ela pensou que seria fácil manter esse termo do acordo, mas como poderia se ela já era apaixonada por antes mesmo de darem o primeiro beijo? Foi difícil admitir isso para si mesma, admitir que estava se apaixonando por uma pessoa que jamais corresponderia seus sentimentos de volta. Foi ainda mais difícil perceber que, por mais que se esforçasse, os sentimentos não estavam indo embora, pelo contrário.
E vendo o caminho que estava percorrendo, um caminho solitário e no qual ela seria a única a acabar machucada, decidiu terminar com . Terminar com o acordo entre eles — o acordo acerca da amizade com benefícios que eles tinham porque, obviamente, isso era tudo o que eles tinham. Não era como se e tivessem algo mais sério a ponto de terem o direito de ganharem um rótulo.
não era idiota. Ele entendeu, de cara, o motivo da decisão dela. Mas, agindo exatamente como ela esperava que ele agiria, pediu por uma última noite.
— Uma despedida. — ele dissera.
E ali estava ela. Na cama do homem que ela não deveria ter se apaixonado, mas se apaixonou. Sob os lençóis do rapaz que, mesmo sabendo que a mulher nutria sentimentos mais profundos por ele, propôs “uma última noite”, assim, como se os sentimentos dela não valessem nada. E , como uma boba apaixonada, completamente entregue a ele, aceitou.
A mudança do som ambiente foi o que a trouxe de volta à realidade.
não tinha percebido, mas, desde que acordara, o barulho da água caindo do chuveiro era o que lhe dava a certeza de que a mulher estava sozinha no quarto enquanto tomava banho. E quando o som cessou, deu-se conta da situação em que se encontrava.
Jogando as cobertas para o lado, ela correu para vestir a roupa com a qual, graças a Deus, havia dormido. E quando finalmente abriu a porta do banheiro, saindo de lá com nada além do que uma toalha enrolada na cintura, o peito úmido pelas gotas que caíam dos cabelos molhados, já estava pronta para ir embora.
Deu graças a Deus mais uma vez por estar completamente vestida, com a bolsa no ombro e a dois passos da porta do quarto dele. Porque se estivesse na posição em que se encontrava dois minutos atrás, praticamente nua e enrolada nas cobertas da cama dele, tinha certeza de que não deixaria a casa de tão cedo.
Ele pareceu surpreso por vê-la ali, parada, olhando para ele. Talvez ele não esperasse que a mulher já estivesse acordada. Talvez não pensasse que ela estivesse pronta para ir embora. Ou, talvez, pensou, ele apenas estivesse decepcionado por encontrá-la ali ainda.
Ela precisou limpar a garganta antes de falar.
— Já estou indo embora.
nada respondeu. Sua expressão era impossível de ser decifrada. O semblante neutro, os lábios apertados um contra o outro, o pomo de adão subindo e descendo conforme engolia a saliva.
— Sei que o nosso acordo não incluía dormirmos na casa um do outro, mas não é como se essa fosse a primeira vez que eu quebrasse uma das nossas regras. — deu uma risadinha que não expressava graça alguma.
Ainda sem ter nenhuma reação dele, olhou diretamente para o homem à sua frente, sabendo que aquela seria a última vez que o veria assim, tão próximo à ela, tão… Acessível.
segurava a toalha na cintura enquanto tinha a outra mão caída do lado do corpo. Ele respirou fundo e abriu a boca, mas não saiu nenhuma palavra dali.
esperou que ele dissesse algo, qualquer coisa, mas continuou apenas a olhando. E aquilo doeu. Mas também foi o sinal que ela precisava para reunir forças e, finalmente, dar um passo para trás, em direção à porta.
— Bem, , acho que a gente termina por aqui. — e, engolindo em seco, disse o que seriam suas últimas palavras para ele. — Nos vemos por aí.
Ela então deu as costas para e para o que ele significava para ela.
Iria doer no começo, mas ela iria aprender a superá-lo. Ela precisava.
Antes de fechar a porta não apenas do quarto, mas também daquele capítulo da sua vida, ouviu falar alguma coisa do outro lado.
— Espero que fique bem, .
Mas ela não tinha certeza se tinha entendido bem as palavras dele, e não voltou atrás para descobrir.

Capítulo Único

OUTUBRO

estava deitado no chão da sala há mais tempo do que conseguia se lembrar. O verão havia dado lugar ao outono e a temperatura baixa do ar já começava a dar sinais. Ainda assim, mesmo com o vento gelado entrando pela janela aberta, não tinha a mínima vontade de se levantar para fechá-la.
A verdade era que, já há algum tempo, o rapaz não sentia vontade de fazer nada. Ele não sabia quando tinha acontecido, mas, de uma hora para outra, sua energia foi embora. Era como se ele tivesse ido dormir numa noite e acordado no dia seguinte se sentindo um lixo, sem vontade de se levantar da cama, sem vontade de se encontrar com ninguém, sem vontade de falar com os amigos.
A única vontade, porém, a que nunca ia embora, era a de ver .
, o que você fez comigo? — perguntou para ninguém, levando a garrafa de cerveja aos lábios.
Há meses não a via. Tinha tido algumas notícias dela, mas nada que fosse o bastante para lhe acalmar a fome, a necessidade, o vício que havia desenvolvido pela mulher. queria mais. Queria saber mais de . Onde ela estava, o que estava fazendo, se estava se saindo bem nas provas da faculdade, se havia conseguido se demitir do emprego de merda que ela tanto reclamava — nunca gostara de trabalhar em escritórios de advocacia, sempre sonhou em trabalhar em órgãos públicos.
Era curioso como sabia disso. Como ele sabia tanta coisa sobre , coisas que ele nunca havia parado para prestar atenção, mas que, de alguma forma, faziam parte do seu conhecimento.
— Onde você está, ?
tentou levar a garrafa até a mesinha de centro, mas calculou errado a distância, deixando-a cair. A sorte era que a garrafa já estava vazia, assim como as outras tantas espalhadas ali no chão.
O rapaz não era um alcóolatra. Ele nem mesmo gostava tanto assim de cerveja. Mas era a única coisa que tinha para beber em casa, já que ele havia se esquecido de fazer compras naquela semana. E na semana passada. E se não fossem os amigos, provavelmente não teria lembrado de reabastecer a despensa de alimentos na semana anterior também.
Ele esteve muitíssimo ocupado nos últimos meses. Tão ocupado que mal teve tempo de pensar nas escolhas de merda que tinha feito desde que se conhecia por gente. Quer dizer, profissionalmente falando, não tinha do que reclamar. Seu trabalho ia muito bem, obrigado, o dinheiro na conta aumentava mais a cada mês, e seu nome ia ganhando mais e mais influência no ramo todos os dias. era bom no que fazia e ninguém contestava isso. O problema era a sua vida pessoal.
tinha alguns poucos amigos, amigos do tipo que ele sabia que poderia contar a qualquer dia e qualquer horário. Tinha, contudo, muitíssimos conhecidos, os quais estavam sempre dispostos a acompanhá-lo em uma noite de curtição no final de semana. nunca estava sozinho e, por isso, companhia nunca lhe fora um problema.
E talvez fosse por isso que ele levou tanto tempo para entender o que estava sentindo.
Muitas pessoas já entraram e saíram da sua vida. O rapaz já fez parte de muitas histórias que hoje ele já não sabia que rumo tinha tomado. Então por que ele sentia aquele peso no peito todas as vezes que pensava em ? Enquanto estava com a cabeça ocupada trabalhando, enquanto tinha onde colocar toda a sua energia, se sentia razoavelmente bem. Todas as vezes que vinha até seus pensamentos, o rapaz colocava-a de lado para se dedicar ao que amava fazer.
Mas quando ele ficava sozinho… Como naquele momento… Era insuportável.
— Puta que pariu, . — suspirou.
Ele já nem sabia mais pelo que reclamava.
A verdade era que ele precisou de muito tempo para entender o que estava sentindo. E, se fosse sincero consigo mesmo, talvez ele ainda não tivesse entendido completamente. A última vez que e haviam se visto foi em junho, eles já estavam em outubro. E não havia um só dia em que o não se lembrava do barulho da porta se fechando atrás dela enquanto ia embora da sua vida.
chegou a chamá-la uma vez, duas vezes, três vezes. Mas como o covarde que era, não tinha se feito ser ouvido por ela. Como poderia? lhe disse adeus, deu as costas para ele, e tudo o que conseguiu fazer foi ficar ali parado, como um idiota, vendo a mulher ir embora. E agora, meses depois, tudo que conseguia pensar, tudo o que ele queria, era poder sentir seus dedos no cabelo dele de novo. Sentir as peles roçarem enquanto se embrenhavam na cama, ouvir os suspiros de prazer que soltava próxima ao ouvido dele.
queria tudo aquilo mais uma vez. Não. Ele queria mais, mais de uma vez.
Precisou de tempo para entender aquilo, mas finalmente percebeu que só mais uma noite — como havia sugerido à quando a mulher disse que queria terminar o que tinham — não seria o bastante. Uma noite ao lado dela nunca seria o bastante. a queria de volta, queria do seu lado não apenas para uma noite de sexo sem compromisso, mas já não sabia se tinha o direito de pedir isso a ela.
Ele sabia… Ele sabia que queria levar o relacionamento deles para algo além do que estava oferecendo, e por culpa dele ela escolheu terminar tudo.
— Foi divertido enquanto durou, mas acho que devemos parar por aqui.
— O que você está dizendo?
— Estou dizendo… Que acho que o nosso acordo já não funciona mais para mim. — ela fez uma pausa. — Acho que… Acho que quebrei uma das nossas regras, .

Sim, havia deixado claro como ela se sentia em relação a ele. E , se tivesse sido sincero com ela na época, teria lhe retribuído as palavras. Mas é claro que ele não fez isso. Talvez tenha sido o choque de ouvir aquelas frases saírem da boca dela. Quer dizer, a possibilidade de perdê-la nunca lhe tinha passado pela cabeça. E quando aquilo se tornou uma realidade, se viu perdido, sem chão, sem reação.
— Eu sou um otário. — riu, jogando a cabeça para trás.
Levou a mão até a mesa de centro, buscando pela garrafa de cerveja, mas então se lembrou de que todas estavam vazias. Ter que se levantar para buscar outra bebida não era algo que o animasse, mas ficar sóbrio naquela noite estava fora de cogitação.
Ele então caminhou até a cozinha, esbarrando em uma cadeira que ele adoraria poderia falar que estava fora do lugar, mas sabia que a culpa do encontrão era dele e da sua visão embaçada pelo álcool. Talvez a sua missão de se embebedar naquela noite estivesse indo melhor do que o esperado, afinal de contas.
Abriu a geladeira e fez uma careta com o que encontrou. Além de não ter praticamente nenhuma comida saudável ali, suas cervejas também tinham acabado.
— Agora é oficial, eu preciso ir ao supermercado.
Abriu a porta do armário onde costumava guardar outras bebidas, na esperança de encontrar alguma coisa, qualquer coisa que o ajudasse a não ficar sóbrio naquela noite. E o que encontrou fez com que desse uma risada debochada. Levou a mão até a única garrafa de vinho que tinha ali, o vinho preferido de , e tirou a rolha.
— Acho que isso é o mais próximo que vou chegar de você. — disse sozinho, como se tivesse uma pessoa na frente dele.
Levou a garrafa aos lábios, mas logo fez uma careta ao sentir o gosto amargo que, outrora, era doce.
— Talvez fosse doce porque eu estava bebendo com você. — disse de novo, pensando que aquilo fazia muito sentido, já que também não era um grande amante de vinhos. Bebia quando a ocasião pedia e quando sugeria, e apenas naqueles momentos.
amava aquele vinho e, agora, o odiava.

--

estava terminando de digitar o último dos seus trabalhos para a faculdade — ou, pelo menos, o último com prazo próximo. Estava desde às duas horas da tarde sentada na mesma posição, não tendo nem mesmo parado para jantar, quando a energia piscou uma, duas vezes, e então acabou.
Completamente no escuro, a mulher só fez soltar um grito de raiva e, ao mesmo tempo, de alívio. Raiva por ter sido interrompida quando estava digitando suas conclusões, e alívio porque ela sabia que todo o trabalho daquela tarde estava seguramente salvo por conta das configurações de salvamento automático que havia mudado no instante em que viu o tempo mudar do lado de fora. No momento que o sol deixou de bater na janela dela, e viu as nuvens escuras tomarem o céu, ela soube que o seu trabalho estava em risco, já que sempre que chovia forte, o seu bairro ficava sem energia.
— Nunca falha. Um trovão, um apagão. — ela disse, com ironia.
E foi naquele momento que a luz voltou. Imediatamente ela voltou a ligar o notebook, apenas para ter certeza de que estava tudo bem com o trabalho que lhe renderia metade da nota naquele semestre, e então voltou a desligar o eletrônico. Ainda que faltasse pouco para terminar, estava cansada demais, e os poucos minutos que ficara sem energia foram o bastante para tirá-la do ritmo frenético de concentração em que estava. sabia que não conseguiria se concentrar de novo, não quando a chuva do lado de fora havia acabado de piorar e as gotas fortes batiam contra o vidro da sua janela.
Pegou uma manta em cima da cama e foi até a sala para tentar se distrair dos barulhos fortes que vinham do lado de fora. gostava de chuva, mas não de tempestades como aquela.
No instante em que ligou a televisão, contudo, ouviu a campainha tocar.
Franziu a testa, pensando se não teria se confundido, se o som não poderia ter saído da televisão, mas aquilo não fazia sentido. Não que alguém na porta da sua casa que, na verdade, era um pequeno e aconchegante flat, fizesse algum sentido, especialmente àquela hora e com aquela chuva caindo do lado de fora, mas o som da campainha tocando de novo foi inconfundível.
Caminhou até a porta e olhou pelo olho mágico. Havia uma pessoa do lado de fora, mas a pessoa estava de cabeça baixa, o que impossibilitava de a reconhecer. A mulher achou estranho demais alguém bater à sua porta àquela hora, ainda mais com aquele temporal, então decidiu apenas ignorar quem quer que fosse.
Mas a campainha continuou tocando. E o que fez com que ela desistisse de chamar a polícia e abrisse a porta foi a voz que ouviu do outro lado. Ou, pelo menos, a voz que ela pensou ter ouvido. Porque não poderia ser ele. Não fazia sentido, de qualquer forma.
Para a sua surpresa, contudo, as suas suspeitas foram confirmadas ao dar de cara com um completamente molhado, da cabeça aos pés, escorado no batente da porta da casa dela.
— O que está fazendo aqui? — foi o que ela perguntou.
A verdade era que tinha um milhão de outras perguntas em sua mente, mas aquela foi a única que ela conseguiu fazer no momento.
estava com os olhos cerrados e a boca entreaberta. As gotas da água do cabelo escorriam pelo rosto do rapaz e entravam pelos seus lábios finos, o corpo tremendo pelo frio que devia estar sentindo por estar à mercê do vento gelado que fazia companhia à chuva forte.
sentiu suas roupas molharem apenas por ter aberto a porta a ele, nem imaginava como deveria estar se sentindo.
— Você não tem um guarda-chuva?
Claro, , excelente pergunta. Não era como se a resposta fosse óbvia demais.
tentou se erguer e dar um passo para frente, mas precisou voltar a se apoiar no batente.
… — sua voz rouca, que outrora deixaria com os pelos arrepiados, apenas a deixou preocupada.
— Você está bêbado?
— Um pouquinho, talvez. — admitiu, piscando preguiçosamente.
A mulher rolou os olhos. Não podia acreditar naquilo.
O primeiro sentimento que teve foi o de decepção. Mesmo sem se verem há meses, as coisas não pareciam ter mudado nadinha, afinal de contas: aparentemente continuava a procurando quando se sentia solitário ou quando se embebedava. O segundo sentimento, contudo, foi o de tristeza. Porque foi naquele momento que ela percebeu que mesmo com todos os seus esforços para não ter nenhuma notícia que envolvesse o nome de , o simples fato dele aparecer na sua porta em uma sexta-feira à noite ainda a abalava. E muito.
, eu acho que você deveria ir…
… Você não mudou nada. — ele falou pesado e então deu um sorriso de lado. — Na verdade, para ser sincero, acho que mudou. Está mais linda, se é que isso é possível.
A mulher suspirou, revirando os olhos. Queria poder fechar a porta e voltar para os seus afazeres, mas como poderia deixá-lo ali, sozinho?
, quer que eu chame um táxi para você?
… Eu sei… Eu sei que já faz um tempo desde que você saiu pela porta da minha casa, mas eu ainda penso em você. — suspirou. — O tempo todo, todos os dias. Eu não sei, juro que eu não sei, como vou me virar sem você, .
Ela estava com o celular na mão, pronta para ligar para a primeira companhia de táxi salva na sua agenda de contatos, quando a mão dele sobre o seu braço a fez parar. A pele dele estava gelada. Gelada demais em contraste com a dela, aquecida pelas roupas secas e pelo aquecedor ligado na sala.
suspirou.
, você quer entrar enquanto espera pelo táxi?
— Eu não sei. — respondeu. — Eu não sei o que fazer, . Eu estou tão sozinho. — ele riu. Não um riso alegre, engraçado, mas um riso irônico, desacreditado. — Caralho, eu estou tão sozinho.
E olhando nos olhos dela, ele pediu:
— Me abrace. Me abrace, , por favor, me abrace.
Se antes ela estava decidida a mandá-lo embora e ignorar qualquer coisa que pudesse ter para dizer, perdeu completamente o rumo do que estava fazendo. Porque ali, na sua frente, estava um totalmente diferente de quem ela estava acostumada a se reunir nos encontros rápidos que tinham outrora.
Ali estava um vulnerável, de olhos vermelhos não apenas pela bebida, e de rosto molhado não somente pela água da chuva. estava com o coração partido e parecia ser a única capaz de curá-lo.
A aproximação dele foi rápida demais. a abraçou, ambos os braços ao redor dela, apertando corpo contra corpo. tremia. Se de frio ou de alívio, não saberia dizer. Mas o que ela tinha certeza era que ele estava gelado demais, molhado demais e, definitivamente, com frio demais.
deu alguns passos para trás, puxando com ela, apenas para que pudesse fechar a porta atrás dele. E, então, no silêncio da sua casa, no calor do ambiente, se permitiu abraçá-lo de volta.
O suspiro dele foi audível. O coração dela batia tão rápido que pensou que o som poderia sobressair a respiração pesada dele. deitou a cabeça no ombro dela, o nariz próximo da curva do seu pescoço, o ar batendo na pele dela enquanto ele falava.
— Eu senti falta disso. Senti sua falta, .
A mulher, contudo, não sabia como reagir. Ele continuava tremendo, e ainda não sabia se de frio ou por outro motivo. Relutante, achou por bem se afastar dos seus braços e o levar até o sofá. Pediu para que ele se sentasse enquanto buscava por uma toalha e uma muda de roupas secas.
— Me espere aqui.
não queria soltá-la, mas precisou o fazer, eventualmente. Não era como se ele tivesse muita força para segurá-la perto dele. Não teve essa força meses atrás e não a estava tendo agora.
se afastou a passos rápidos, o coração batendo em disparada, o gosto amargo na boca, a realidade finalmente lhe acometendo.
estava na sua sala, chorando, tremendo. Bêbado, com certeza, mas mostrando uma faceta que, até então, a mulher não conhecia. estava surpresa, não sabia o que fazer, não sabia quem era aquele homem que pedia pela sua atenção, que admitia, sem pudor, sentir a sua falta. O mesmo homem que, não muito tempo atrás, não moveu um só dedo ao vê-la ir embora da sua vida. Que nunca fez questão de dar um passo além no relacionamento que mantinham.
Aquele mesmo homem estava ali, na sala dela, e não o reconhecia.
— Você precisa se secar. — ela disse assim que voltou, a voz quase falhando.
Vê-lo naquele estado era dolorido. Por mais que tivesse a machucado antes, não gostava de vê-lo ferido, e o que os olhos dele mostravam naquele momento era o quanto ele estava abatido.
, olhe para mim. — ele levantou a cabeça. — Se quiser usar o meu banheiro para trocar de roupa… Você conhece o caminho. — ela estendeu a muda de roupas para ele.
não negou a oferta. Ele ainda olhou para a garota por alguns instantes, instantes demorados demais para o seu coração frágil e ainda ressentido com ele, e então se levantou sem perguntar pelo caminho.
De todas as vezes que o rapaz dormira na casa dela, de todo o tempo que ficaram juntos, ele nunca havia deixado uma só peça de roupa para trás. Ele não seria tolo de cometer esse deslize e correr o risco de passar a mensagem errada à , é claro que não. Por este motivo, quando terminaram o relacionamento que mal haviam dado um nome, não tinham o que devolver para o outro.
A roupa que emprestou para ele era uma roupa dela própria, um moletom antigo, velho e largo demais para o corpo da mulher, mas que, ela sabia, ficaria curto em . Seus ombros largos talvez esticassem demais o tecido e as pernas longas provavelmente não seriam inteiramente cobertas, mas, ainda assim, seria uma melhor opção do que continuar com as roupas molhadas com que chegara.
Quando ele voltou, sentiu a sua presença antes mesmo de vê-lo. tinha esse efeito sobre ela e, aparentemente, não seriam alguns meses afastados que iriam mudar isso.
— Obrigado. — ele disse.
Como havia suspeitado, os punhos e as canelas dele não puderam ser cobertos pelo tecido da roupa, mas isso só fez com que ele ficasse ainda mais adorável. A imagem dele parado na soleira de , os cabelos bagunçados, ainda molhados, os olhos meio perdidos e os lábios entre os dentes… O quão trouxa seria se admitisse para si mesma que aquela imagem estava balançando com ela?
— Disponha. — ela respondeu.
segurou a barra do moletom, deu uma rápida olhada pelo ambiente, engoliu em seco e então caminhou até onde estava. Seu olhar, antes perdido, agora estava inseguro. Ele já não parecia atordoado, já não balbuciava palavras que não eram do seu feitio, mas agora parecia meio sem jeito, como se estivesse envergonhado por estar ali.
Claro, pensou, o efeito da bebida deve estar passando e o arrependimento está começando a bater.
Sentou-se do lado dela e, com um sorriso fraco, e que não chegou aos seus olhos, lhe devolveu a toalha.
— Obrigado. — repetiu.
sorriu, resignada. No final das contas, era apenas alguém que estava sofrendo, como ela, mas por motivos diferentes. Ela não tinha coragem de mandá-lo embora, não naquele estado.
Ao ver uma gota escorrer pelo seu rosto perfeito, a mulher levou a toalha aos cabelos dele, secando-os. suspirou profundamente, tombando a cabeça em direção a ela, apreciando o gesto.
— Me desculpe, , eu tentei, mas não posso mais esperar.
Ela cessou os movimentos. Aquela voz… A mesma voz que ele usou quando a mulher abriu a porta, a voz de confissão, a voz conformada.
— Pensei que essa dor passaria, mas não passou. Seus dedos no meu cabelo estão na minha mente, seu cheiro está impregnado em mim… Os seus toques estão marcados na minha pele e eu não consigo mais. Quer dizer, você se foi, não é? E a culpa é toda minha.
prendeu a respiração. Seus olhos estavam presos nos dela. Ele estava tão próximo, tão próximo que a cada palavra proferida quase podia sentir o roçar dos lábios dele na sua pele.
— Ah, caralho, eu estou tão sozinho, , tão sozinho.
Ele jogou a cabeça para trás, em direção ao encosto do sofá, perdendo o toque dela, a toalha caindo no seu colo.
A mulher ainda estava sem reação, até porque ela precisava ser cautelosa. Não podia permitir que seu coração sensível fosse enganado pelas palavras dele. Afinal de contas…
— Você está bêbado. — não foi uma pergunta.
soltou uma risada irônica, a primeira desde que chegara. Ainda sem olhar para ela, já que o teto parecia infinitamente mais interessante no momento, balançou a cabeça em sinal negativo.
— Quem me dera. — confessou. — Seria mais fácil, já que, se eu estivesse bêbado, isso significaria que nas próximas horas a minha única preocupação seria cuidar da minha ressaca. — outra risada irônica. — Não… Aquela chuva teve um efeito mil vezes melhor que qualquer banho gelado que eu já tenha tomado em toda a minha vida.
E apesar da intensidade do momento, da seriedade com que ele falava e do rumo que aquela conversa estava tomando, conseguiu soltar outra risada. fazia aquilo com ela. Fazia seu coração disparar, seu corpo vibrar, sua pele se arrepiar. Além disso, tinha o poder de mudar o seu humor instantaneamente.
Era assim que as pessoas apaixonadas se sentiam? ainda era apaixonada por ?
O som da sua risada pareceu ser o bastante para chamar a atenção dele. levantou a cabeça, voltando a olhar para a mulher do seu lado, mas não conseguiu encará-la por muito tempo. Por mais que sentisse falta de , doía vê-la tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe dele.
Levou os olhos para outro lugar que não fosse o rosto saudoso de , parando na prateleira que a mulher guardava os DVDs, ao lado da televisão, e soltou uma risadinha, dessa vez menos debochada, como se realmente achasse alguma coisa engraçada.
— O que foi? — ela perguntou.
parou de rir, mas não deixou o sorriso de lado sumir.
— Eu ainda assisto as séries que você me mostrou. — confessou.
Algumas por serem realmente boas, outras apenas por me lembrarem você, ele pensou.
respirou fundo ao seu lado. Ela se lembrou das raras vezes que ficava mais que uma ou duas horas na casa de , ou das poucas oportunidades que o rapaz não ia imediatamente embora da sua casa após uma noite de sexo, vezes estas em que sempre tinham uma pequena discussão para decidirem o que iriam assistir. sempre ganhava no final, já que sempre prometia uma série nova e desconhecida por ele.
Ela não fazia ideia de que continuava assistindo aos episódios após se despedirem. Aquilo também era novo para ela, tudo era novo. O simples fato de estar sentado na sua sala, falando com ela sem ter a pretensão de lhe tirar a roupa, já era algo novo.
O que estava acontecendo, afinal de contas?
Ele levou a mão aos cabelos, bagunçando-os. Puxou o ar com força, encheu os pulmões, tomou toda a coragem que vinha reunindo há algum tempo, e então soltou:
— Me desculpa se eu disse algo.
E então foi a vez de prender a respiração.
— Ou, melhor, me desculpa por não dizer algo quando eu deveria ter dito. — corrigiu.
olhava para frente, perdido em pensamentos, centrado nos seus sentimentos enquanto encarava o seu perfil.
— Eu não sei… Eu não sei como vou me virar. Você me fez dizer coisas que eu nem mesmo sabia que sentia, que eu não fazia ideia de que estavam dentro de mim… Mas que precisavam ser colocadas para fora.
não estava entendendo aonde ele queria chegar. As palavras não faziam muito sentido.

— Eu estou perdido, . Completamente perdido. — outra risada debochada. — Caralho, eu nunca me senti tão sozinho, tão sem rumo como agora. Eu sinto saudades das noites que você vinha passar comigo, e tudo o que eu mais queria era que você passasse a noite inteira pertinho de mim. Mas eu nunca disse isso em voz alta, não é? Pelo contrário. Eu sempre fiz você pensar o contrário, eu sempre te afastei. Te afastei tanto que você se foi. Isso foi em junho e agora já é outubro, e eu nunca me senti tão patético como me sinto agora.
levou as mãos aos próprios cabelos, afastando-os de perto do rosto. A verdade era que ela apenas precisava fazer alguma coisa com as mãos, já que sentia os dedos formigarem.
O que ela estava ouvindo ali, afinal de contas? O que estava tentando lhe dizer?
… Por que você veio até aqui?
Ela precisava que ele fosse claro. Sem margens para dúvidas, sem espaços para segundas interpretações. Porque não suportaria ser magoada por ele de novo. Mal havia superado da primeira vez, não podia correr o risco de quebrar a cara de novo.
Ele suspirou. E então virou-se para ela, olhando-a de frente.
— Eu não sei, .
E aquilo foi o bastante para que o coração da mulher falhasse.
— Acho que, no auge da minha bebedeira, pensei que, talvez, por algum motivo, eu poderia te pedir uma segunda chance. Uma segunda chance para ser eu mesmo, sem barreiras e sem medo dessa vez. Eu não fui eu mesmo com você, pelo menos não inteiramente, enquanto você sempre se doou completamente. E eu quero isso, . Eu quero você de volta, do jeitinho que você é e quero poder retribuir da mesma forma. Eu juro que posso ser melhor do que o merda que fui com você no passado. Eu só… Só preciso de mais uma chance.
se encontrava totalmente sem palavras.
Ficara com por um ano. Um ano de sexo com compromisso, de idas e vindas, de um relacionamento não nomeado. Um ano doando mais do que recebia. E quando ela finalmente reuniu forças para se livrar daquilo, ele…
— Você não tem o direito de simplesmente vir até aqui, bater na minha porta e pedir por uma segunda chance. Você não tem ideia de como eu me sinto ouvindo isso.
apertou os olhos com força.
— Quando eu te quis, você não moveu um dedo para me manter por perto. E agora que eu estou longe você simplesmente me quer de volta?

Mas ela não podia se deixar levar por ele, pela sua voz rouca e pelos seus olhos brilhantes. tinha que pensar de forma objetiva, afinal.
Então ela se levantou e passou a andar em círculos pela sala.
A verdade era que precisava ser justa ali. nunca lhe prometera mais do que lhe ofereceu. Ele sempre foi sincero sobre suas intenções. Sexo era o que ele queria, um compromisso não. E aceitou isso, desde o começo. Aceitou sabendo que jamais poderia pedir algo além do que oferecia.
Por outro lado, seu coração se entregou a ele rápido demais, e acabou saindo machucada daquela relação. E ela precisava pensar em si, em primeiro lugar.
Ainda que estivesse lhe fazendo uma promessa diferente dessa vez, oferecendo-lhe algo que ele não estava disposto a dar antes, o que lhe garantia que ele levaria a promessa adiante?
— Eu sei que não tenho muita moral para pedir isso, mas acredite quando eu digo que no momento em que você saiu por aquela porta eu nem mesmo tentei superar você. Porque eu não quero, . Eu não quero superar você e o que tivemos. Eu não quero você longe de mim, não quero você fora da minha vida. E, para ser sincero, acho que vim até aqui hoje na esperança de que você também não tenha me superado ainda.
E mesmo diante de tudo o que ouvia, diante de toda a sinceridade que ele demonstrava a cada palavra proferida — porque, sim, ela acreditava em cada frase dele, em cada súplica que seu olhar dava — só conseguiu soltar uma frase:
— Você é um idiota, .
Ele não contestou.
— Por que deixou as coisas chegarem a esse ponto? Você podia, sei lá, apenas ter me ligado. Por que ser tão orgulhoso e tão cabeça dura? Por que esperar tanto tempo?
Ele suspirou, levantando-se e caminhando até ela.
— Porque eu sou um idiota.
Timidamente, levou as mãos até as dela, esperando para ver se as afastaria. A mulher não o fez. Entrelaçou seus dedos e então a puxou para mais perto, encostando as testas.
— Conheci a sensação que é se sentir um merda por não ter feito a coisa certa no momento certo. Eu não quero isso de novo, nunca mais. Eu só quero você, .
O hálito dele batendo contra seus lábios era quase covardia. Ainda que quisesse resistir a ele, como poderia?
Ela suspirou, finalmente aceitando o rumo que aquela conversa estava tomando.
— Você ao menos sabe como é estar em um relacionamento de verdade?
respirou fundo.
— Não faço ideia. Acho que você vai ter que me ensinar.
olhou para cima, encontrando um com a expressão infinitamente mais leve do que quando chegara, mas ainda apreensivo, nervoso.
— Existem algumas regras… — ela começou.
— Sexo está entre as regras?
riu.
— Com certeza.
Ele soltou o ar pela boca, aliviado.
— Acho que vamos nos sair bem, então, contanto que você me abrace agora e prometa nunca mais ir embora.
então levou os braços ao redor da cintura dele, colando seus corpos. As mãos dele a apertaram contra si, indecisas sobre em que parte do corpo da mulher parar, se nas costas, na cintura ou no quadril.
— Prometa não me dar motivos para ir embora, . — ela pediu.
Ele balançou a cabeça, abraçando-a com mais força.
— Prometo te dar motivos, todos os dias, para ficar.
Suprindo o desejo de ambos, levou os lábios até os de , beijando-a. Um beijo doce, com gosto de saudade e cheiro de recomeço. Eles não sabiam como seriam as coisas dali para frente, como seria o relacionamento deles, mas a única certeza que podiam ter era que havia uma segunda chance ali. E eles iriam usá-la a seu favor, especialmente , afinal de contas, conseguira ir contra todas as probabilidades do universo e, finalmente, havia recuperado . E, se dependesse dele, não a perderia novamente.



Fim!



Nota da autora: Oi, oi, gente! Drama não é muito meu forte, então espero que tenham gostado! Me esforcei bastante para deixar a fanfic o mais próximo possível da música, e eu espero que tenha dado certo <3 Deixem um comentário cheio de amor e indiquem a fanfic para as amigas <3

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MV's
MV: Change MV: Run & Run MV: Hola Hola



Nota da beta: Meu Deus, eu tô completamente rendida por esses dois! Eu realmente amei demais a forma como ela foi decidida, como ela tomou a atitude, e a forma como ele sofreu com isso. Real, foi bom ver ele sofrer hahahaha Mas melhor ainda foi aparecer encharcado na porta dela, como amo! Incrível 💙

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