Capítulo Único
20 de maio de 2015
Essa é uma história que começou há, mais ou menos, vinte e cinco anos.
Quando volto mentalmente no tempo, percebo que não devia ter feito o que fiz, que ela não devia ter feito o que fez e que tudo, nesses últimos vinte e cinco anos, foi um erro.
Mas, ao mesmo tempo, quando volto mentalmente no tempo, descubro que sem esses erros, nós não teríamos crescido.
Sem essas falhas, ela não seria a mesma mulher que é hoje.
E sem essa garota, eu não seria o homem que me tornei.
20 de maio de 1990
Trim trim trim trim trim
Senti um sapato bater na minha testa. Com toda certeza, ele tinha sido arremessado por John, meu amável colega de quarto. Tateei o despertador na cômoda e, sem nem olhar, soquei o pino para fazê-lo parar de tocar. Em seguida, virei-me para o lado e voltei a dormir.
Trim trim trim trim trim
Dessa vez John acertou meu estômago e eu acordei uivando de dor. Mas esse maldito despertador não ia parar de tocar? Levantei, grogue, e fui desligar a porcaria do meu despertador de novo. Acontece que não era o despertador, o que tocava era o maldito telefone de merda. Apostava toda a droga do meu apartamento no campus que era a minha mãe.
- Querido! Quanto tempo! – Berrou minha mãe no telefone, assim que atendi.
Bingo. Precisei afastar o celular da minha orelha, ela falou realmente alto.
- É... Oi, mãe. – Respondi, com a melhor voz de sono in the world.
- Está tudo bem aí? Faz tempo que não me telefona...
Dei um suspiro.
- Sim, mãe, tudo óti...
- Ah, querido, você faz tanta falta! Seu pai está doido sem um companheiro de pesca por aqui, precisamos de você de volta!
- Hm... Legal, mãe.... – Murmurei. Ainda estava com sono, ela não ia conseguir arrancar muitas palavras de mim.
- Liguei pra lembrar você do casamento do Greg. – Falou.
- Claro, mãe, como se eu fosse me esquecer da droga do casamento do meu irmão. –Resmunguei, sentando na cama novamente.
- , você é o padrinho. É importante que chegue no horário e estou falando sério dessa vez. Devia falar com Greg e Em. – Repreendeu, provavelmente porque eu sempre chegava atrasado mesmo.
Minha casa era muito longe da faculdade. Eram, mais ou menos, quatro ou cinco horas de voo, contando com o fuso horário, o que era uma ótima desculpa para não os visitar com frequência. Fazia apenas um ano e oito meses desde que eu me mudara, mas eu já os tinha visto há dois meses, no meu próprio aniversário.
Estudava na Universidade de Seattle, mas nasci na boa e velha Nova York. Meio que cansei das regras, da família grande e rica, e resolvi, junto com meu grande amigo John, mudar de ambiente. Indo para o outro lado dos Estados Unidos, no caso. A bem da verdade, eu praticamente obriguei John a vir comigo, mas ele acabou gostando de Seattle. No final, todo mundo gostava.
- Greg me ligou esses dias e eu já falei com Emma também. Pelo... hm, Skype. – Menti. Me senti meio mal por ter que mentir, mas o mal-estar foi embora tão rápido quanto surgira.
- Por favor, , eu estou falando sério – Praticamente implorou, notando a mentira em minha voz.
- Tá bem, mas quero lembrar que John vai comigo.
Minha mãe deu um suspiro feliz do outro lado da linha.
- Tudo bem, querido, pode trazer quem quiser. Menos aquela garota de cabelo rosa, eu não gosto muito dela. – Murmurou.
Amy. Minha mãe achava que ela seria uma má influência para mim se eu começasse a namorá-la, mas não tinha chance nenhuma de eu namorar com ela algum dia. Por motivos de: Amy era lésbica. Claro que, apesar da opção sexual de Amy ser totalmente reconhecida por todo mundo (inclusive pelos pais dela), eu nunca disse isso a minha mãe.
- Ok.
- , seu voo parte ao meio dia! Tenha um bom voo, querido, até mais tarde!
- Ei, mãe, você não podia, sei lá, me ligar depois das seis da próxima vez? – Perguntei, mas ela já tinha desligado. Legal. Eram exatamente 5:30 da manhã. Esqueceu do fuso horário de novo. Dei um bocejo e decidi voltar a dormir antes de começar o dia me preparando para a longa viagem.
- John, ei, John. Acorda. – Fiquei balançando o garoto de um lado para o outro e, um pouco antes de eu pegar meu tênis para revidar sua perícia de hoje mais cedo, ele abriu aqueles olhos azuis elétricos que me deixavam louco. Brincadeira.
- O que é? – Perguntou, coçando os olhos e se sentando.
- Primeiro, já são dez e trinta e oito e nosso voo sai ao meio dia. Segundo, temos que sair do campus agora e ir para Nova York. – John revirou os olhos.
- Eu não vou a Nova York agora. Nem fudendo. Não vou. – Pegou as cobertas, se cobriu e (quase) voltou a dormir. Tirei o cobertor dele e joguei no chão.
- Vai sim. Mês passado eu fui até a porra do Oregon com você, só pra ver aquela sua namoradinha Lucy. Retribua o favor e vamos a Nova York, agora. É casamento de Greg. – Lembrei-lhe.
Ele resmungou mais um pouco, mas acabou se levantando e pegou uma roupa no armário que a gente dividia. Depois foi até o banheiro e fechou a porta com uma força um pouco maior do que a necessária. Sentei na minha cama para esperar John, já que eu estava pronto.
John demorou mais ou menos meia hora lá dentro, ou mais, porque quando ele saiu eu estava ferrado no sono. Acordei com uma outra sapatada na cara.
-Vamos, . – Falou, e eu notei seu mau humor. Peguei uma blusa de frio em cima da cadeira e uma mochila. – Vai dormir lá?
Arregalei os olhos, perplexo com sua pergunta idiota.
- Você não espera que eu vá e volte no mesmo dia, certo? – John soltou mais uma avalanche de palavrões antes de jogar qualquer roupa que achasse na frente dentro da própria mochila.
- Esse feriado vai ser um desastre. – Comentou, socando uma calça jeans que se recusava a caber ali. – Vai chamar Amy?
- Melhor não. Greg não a conhece. – Falei, o ajudando a colocar a calça dentro da bolsa.
Com ambos os zíperes prestes a estourarem, deixamos o quarto e fomos em direção ao ponto de táxi.
Felizmente nós não perdemos o voo, mas foi por um triz. John dormiu a viagem toda e não restou nada para eu fazer a não ser adiantar um relatório que era para ser entregue na quinta-feira seguinte.
Obviamente, não tinha nenhum ser humano infeliz para nos receber quando pousamos em Nova York. Claro que não tinha. Revirei os olhos, enquanto colocava a alça da minha mochila nas costas. John parecia melhor, pelo menos estava conversando comigo, o que era um bom sinal.
- E ela nem era assim, tãaao gostosa. Sério, acho que Connor se deu mal. – Falou, me explicando sobre o fim do relacionamento de alguns de nossos amigos, Connor e Naty. Pelo que John me dizia, Connor, aquele filho da puta, tinha traído Naty com uma garota da fraternidade vizinha. Faculdade, álcool, festas, traições e dramas. Vida de universitário em geral.
- Tomara que ela esteja bem. – Desejei, porque Naty era realmente muito doce e não merecia aquilo.
Estávamos parados na frente do aeroporto, nos acostumando com o ar, acho. Bom, era a única explicação para não termos ido até um ponto de táxi ou a uma droga qualquer.
- Acho... acho que a gente precisa ir. – Sugeriu John, olhando para um táxi amarelo quando eu não disse mais nada. Concordei com ele, assentindo com a cabeça, mas assim que dei um passo, escutei uma voz feminina e desconhecida gritar meu nome.
- !? – Foi mais uma pergunta. Virei-me para a pessoa que me chamava e a garota sorriu e chegou mais perto. – Oi... ? –Perguntou, meio que para confirmar. Eu poderia ser um idiota com ela, dizendo um “Não, sou Johnny Depp, prazer”, mas resolvi não ser. Estava de mau humor, mas não precisava descontar nela.
- Sim... sou eu. – Falei, enquanto John olhava para a garota com os olhos esbugalhados.
Sim, garota. Apostava que ela ainda estava no colegial, não parecia ter mais de dezoito anos. O olhar de John era explicado por: a garota ser linda. Sério, ela era linda. Nova demais, talvez, mas ainda era realmente a garota mais bonita que eu já havia visto na vida. Não que eu fosse admitir. Ao contrário de John, eu sabia como disfarçar.
Ela deu um sorrisinho e colocou uma mecha de seu longo cabelo castanho atrás da orelha.
- Ufa, fiquei preocupada com a possibilidade de não te reconhecer de primeira. A foto era meio antiga. – Ela riu. A risada dela era tão gostosa que só pude ficar parado olhando como um idiota. John deu um sorriso amarelo e eu senti o clima meio constrangido por ali. Ela olhou para mim de novo. – Hm, sua mãe me enviou. Para te buscar. Buscar vocês dois. – Acrescentou, olhando para John pela primeira vez.
- Ah, claro, senhorita...? – Fiz uma pergunta nas entrelinhas. Ela se deu um tapão na testa.
- Perdão, me esqueci. , meu nome é . –Respondeu, corada. Dei um largo sorriso pela primeira vez.
-Então vamos, .
- Pode me chamar de . – Ela falou, virando-se de costas para mim, e andando a nossa frente.
- Cara, ela é gata. – Sussurrou John para mim. Dei um tapa em suas costas.
- Você tem namorada, John. – Sussurrei de volta. Ele riu.
-Isso não a faz ser menos gata. – Apenas revirei os olhos e apertei o passo para chegar até .
Reconheci o veículo assim que o vi, era meu. Recusei-me a levar aquele carro enorme para Seattle, então ele ficava ali, até que alguém resolvesse usá-lo. Exatamente como nossa querida estava fazendo agora.
Eram quase cinco horas da tarde e o casamento só começaria às nove, por isso era super incompreensível que estivesse maquiada e com um penteado esquisito no cabelo longo. Mulheres e suas frescuras. Provavelmente, Em deveria estar em qualquer salão idiota, mas o que me importava era ir atrás de Greg.
Estava silencioso demais dentro do carro. John, aquele tremendo tapado, percebeu o mesmo que eu, mas decidiu começar uma conversa.
- E então, você vai? Digo, para o casamento? –“Isso é obvio, John”, quis dizer, mas foi mais rápida.
- Sim, claro. – Riu. – Sou a madrinha da noiva.
- Madrinha? – Perguntei, curioso. Ela desviou os olhos do volante e olhou para mim, por um segundo, antes de rir de novo.
- Sou irmã da Em, na verdade. Mas moro na Austrália desde os onze anos, com meu pai. Voltei para cá há pouco tempo. – Esclareceu. Hm, irmã de Em. Emma nunca me disse que tinha uma irmã, mas provavelmente eu não devo ter conversado muito com ela para obter esse tipo de informação. Além disso, os pais de Em eram separados, então suponho que cada um ficou com uma filha. Ou então eram filhas só por parte de um dos pais, já que elas sequer eram parecidas. Não perguntei nada disso, preferi me afogar com minhas próprias teorias.
O tráfego de Nova York estava igual como eu me lembrava. Lento. A gente não morava exatamente na cidade, era uma casa grande parecida com uma casa de campo, portanto virou uma rua que levava à estrada de terra e, a partir daí, não havia mais nenhum outro carro além do nosso. Aos poucos, a estrada de terra foi sumindo e uma rua pavimentada e restrita, também conhecida como a rua da minha casa, se estendeu a nossa frente. Jack abriu os pesados portões assim que nos viu e adentramos no resplendor magnifico que era aquela belíssima construção. A casa gigante, o pátio gigante, uma piscina gigante, vários empregados trabalhando (provavelmente tinha o triplo por conta do casamento) e blá blá blá.
Não é de se admirar que eu tenha tido vontade de ir embora.
- , querido! –Gritou minha mãe, saindo pela porta de entrada assim que me viu. Forcei um sorriso.
- Oi, mãe. – Sussurrei de um jeito meio anasalado, porque ela tinha tapado meu nariz ao me abraçar.
- Ah, deixe eu olhar pra você! – Falou, se afastando alguns centímetros e me olhando como se eu fosse o último copo de água do deserto. – Ele não é lindo, ?
demorou um pouco para perceber do que minha mãe falava e corou um pouco quando foi obrigada a dar uma resposta. Acho que meu sorrisinho cínico a atrapalhou um pouco.
- Ah... sim, sim, ele é lindo. – Falou, corando ainda mais quando John não conseguiu segurar a gargalhada e deu uma risada em alto e bom som. Sua risada chamou a atenção de minha mãe, que abriu um grande sorriso para ele.
- Johnny! Como você está crescido, querido. – Exclamou, quando o abraçou.
John e eu fomos praticamente criados juntos. Não é algo legal de ficar comentando por aí, mas a verdade nua e crua é: seus pais trabalhavam para os meus. Eles morreram. Minha mãe ficou com John. Fim. Éramos quase irmãos. Eu entrei na universidade por causa da boa quantidade de dinheiro que meu pai investia em mim. Mas John conseguiu uma bolsa. Era provavelmente a pessoa mais inteligente que eu conhecia. Não sei mesmo se um dia iria encontrar alguém que era nerd e idiota ao mesmo tempo, por isso eu gostava de ter John por perto.
Deixei John com minha mãe e entrei em casa, pela primeira vez em meses. Não tinha mudado nada, exceto que estava bem cheia de coisa por causa do casamento. Fui direto até o terceiro quarto do segundo andar, onde sabia que meu querido irmão mais velho estaria. Como queria mostrar que ia me comportar, dei um soquinho na porta, mas não esperei um consentimento para entrar.
- Maninho. – Sussurrou, desviando o olho do videogame assim que me viu.
- Fala sério, Greg, você vai se casar daqui a quatro horas. – Ri, enquanto ele dava de ombros.
- Como chegou?
- Hm... bem, eu acho.
Greg riu.
- Perguntei como chegou aqui em casa. – Estava desviando de sua pergunta de propósito. Sabia que ele ia me dizer alguma coisa sobre .
- Ah. Sua adorável cunhada adolescente foi me buscar. – Respondi, rindo de um jeito meio esquisito. Greg rolou os olhos para mim.
- Ela é mais legal do que parece.
- Oook, hoje o casamento é seu, vamos falar da sua noiva, não da minha. – Precisei de cinco segundos inteiros para perceber a asneira que tinha falado. Mas já era tarde demais, Greg estava rindo feito louco.
- Ok, certo, então vamos deixar sua noiva fora dessa conversa por enquanto, já que seu casamento com a sua noiva, que você por um acaso conheceu hoje, vai n...
- Ah, cale a boca, Greg. – Falei, dando um soco mental na minha própria cara por ter dito algo tão idiota. – Não acredito que vai se casar. Isso é insano. – Murmurei.
Ele finalmente desligou o vídeogame e veio se sentar na cama ao meu lado. Deu um longo suspiro antes de falar:
- Um dia, você vai conhecer alguém. E esse alguém vai ser a gravidade que te prende na Terra. Vai ser mais importante que o oxigênio que você respira e você vai fazer todas as vontades dela, porque ela é tudo para você. Um dia, , você vai amar e finalmente entender o real valor de um casamento.
Continuamos a conversa pré casamento numa boa depois desse pequeno desabafo. Coloquei na minha cabeça que Greg era um babaca romântico e não dei a menor atenção para o que ele tinha falado. Mas quando deixei seu quarto, não pude deixar de imaginar que universo estranho seria aquele se as palavras de Greg estivessem corretas. E algo em meu íntimo me dizia que elas estavam.
- Olá, . – Murmurei, sentando-me ao lado dela. A garota sorriu.
- Olá, . – Respondeu, no mesmo tom. Rimos em seguida. John estava entretido tendo uma séria conversa com James e Linds (era uma cena engraçada de se assistir), meus pais tinham sumido e estava sozinha. Resolvi que não queria atrapalhar todo o lindo amor de Greg e Em e presumi que fosse uma boa ideia tentar conversar com , já que a gente não se falara desde aquele incidente constrangedor com minha mãe mais cedo.
- E então? – Perguntei, não sabendo exatamente como começar uma conversa. Eu era péssimo nisso, realmente.
Ela riu.
- Estuda na US, né? – Fiquei aliviado com sua facilidade de comunicação. Devia ser um talento para as mulheres em geral.
- Sim... lá é legal. – Murmurei, odiando a mim mesmo e a minha estúpida, porém inevitável, falta de jeito.
- Tem quantos anos?
- Hm... vinte e um. E você, deve ter o que... uns quinze? – Chutei, de brincadeira, me deparando com a cara risonha dela.
- Tenho dezessete, . – Falou, rindo de minha expressão em seguida. – Pareço uma menininha, mas só pareço mesmo. – Riu, mostrando a língua e bebendo um gole de seu vinho.
Depois dessa constrangida tentativa de conversa, me soltei bastante e tivemos o que pareceu uma conversa de verdade. Chamei-a para dançar algum tempo depois e nos juntamos a John na pista de dança.
Foi uma noite divertida. Eu sinceramente pensei em beijá-la em uma determinada hora da festa, mas decidi que era melhor não. Não queria nem imaginar como seria o resto do feriado, com todos nós na mesma casa. Se não fosse por esses fatores, ainda tinha a parte de que fazíamos parte de uma mesma família agora, querendo ou não. E eu iria para Seattle dali a dois dias, então não valia a pena.
Na minha última manhã em Nova York, trocamos e-mails, no entanto. era uma garota legal, sua amizade, com certeza, valeria a pena. John quase chorou quando foi se despedir de meus pais e James riu tanto da cena que ficou roxo. Ele era um garotinho e tanto.
Fui embora da minha cidade natal muito mais leve do que quando chegara, e eu nem fazia ideia do motivo.
30 de julho de 1992
- ! – Primeiro eu senti meu corpo batendo no chão, depois ouvi alguém me chamando e apenas segundos depois percebi de quem era a voz e o corpo da pessoa que estava em cima de mim.
- ! – Saudei, rindo de seu entusiasmo, e a abracei de volta ainda no chão. Ela resolveu sair de cima da minha pessoa e me ajudou a levantar, em seguida. Ela estava diferente. Parecia mais alta e seus cabelos estavam ainda maiores que da última vez.
- John não pôde vir mesmo? – Ela parecia um pouco decepcionada quando fez a pergunta.
- Hm, não... não teve a mesma sorte que eu. – Ela assentiu, compreensiva.
Começamos a andar em direção ao estacionamento, mas, alguns passos depois de termos começado a andar, ela me parou e abriu um grande sorriso.
- Fecha os olhos. – Praticamente gritou. Eu ri da empolgação dela, mas fechei os olhos. Senti sua pequena mão segurando na minha, me guiando até onde quer que fosse. Ela parou de andar. – Pronto, pode abrir.
Abri os olhos lentamente e uma luz berrante e amarela invadiu minha visão.
- Ah, não, , você não fez isso. –Ri, andando na direção daquele canário amarelo que ela chamava de carro.
- Bem, eu disse que faria. – E ela disse mesmo.
Tivemos uma breve discussão sobre isso há alguns meses, onde eu dizia que um carro amarelo chamaria muita atenção e ela me apoiava dizendo que chamar atenção era justamente o que ela queria. Se ela fosse assaltada não adiantaria recorrer a uma pessoa que morava do outro lado dos Estados Unidos, no caso, eu. Ela me ofendeu quando disse que não precisava de mim para absolutamente nada.
- Ai, , ela é tão linda! Você vai adorar a Sophie! – Comentou, enquanto fazia o trajeto conhecido até a casa de meus pais.
- Tomara que ela seja parecida com a mãe. – deu uma risadinha metida.
- Modéstia à parte, ela é a minha cara. – Falou.
- Acho que ela não é muito bonita, então. – Brinquei. tirou as mãos do volante por um momento para estapear meu braço, e então fomos brincando pelo resto do caminho como se eu não tivesse vinte e três anos nas costas e sim uns treze.
- ! – Gritou James, assim que me viu, quando apareci no portão de entrada. Estava conversando com Linds no portão da frente.
Senti-me importante, mas depois me disse que eles só estavam esperando Byron chegar.
- Oi, Jay, oi, Linds. – Falei, dando um tapinha nas costas de James e bagunçando um pouco o cabelo de Linds. Ela me olhou com cara feia e eu ri. Suspeitei que estivesse de olho no Byron, por isso não me envergonhei de repreender de um jeito sarcástico:
- Ele é só cinco anos mais velho que você, prima. – Pisquei. E ela ficou mais brava ainda, revirando os olhos de um jeito que achei impertinente demais para uma garotinha de nove anos.
- Ela está impossível mesmo. – Sussurrei para quando fomos para casa. Ela deu de ombros.
- Eu disse.
A casa estava cheia, como sempre. Ela, na verdade, pertencia à família de minha mãe. Fora construída para abrigar várias pessoas e, de certa forma, estaria mentindo se dissesse que tinha tido uma infância horrível. Sempre fora muito apegado com minha família. Ela era tradicional demais talvez, mas eu me revoltei apenas quando cheguei ao auge da adolescência.
A casa pertencia aos três irmãos. Minha mãe, a mais velha, tia Marylin, a do meio, e tio Brian, o mais novo. Tia Marylin não tinha marido nem filhos, se preocupava demais com sua aparência e era meia rabugenta. Quando eu e Greg éramos crianças, vivíamos fazendo apostas sobre a probabilidade de ela ser uma bruxa ou não. Mamãe ficou furiosa quando descobriu e percebi que tia Marylin ficou meia chateada, por isso eu sabia que no fundo ela tinha um coração. Tio Brian casou-se com tia Celine e tiveram James e Linds. Minha mãe teve apenas eu e Greg, e Greg por sua vez casou-se com Emma e tiveram a minha sobrinha Sophie, que eu ainda não conhecia. obteve ordem judicial por parte de minha mãe, que a obrigava a morar lá com todo mundo. Era uma família grande, sem contar os empregados gentis como Jack, o porteiro, e Madlen, a cozinheira mais fantástica que já conheci.
- ? Venha aqui! – Ouvi Em dizer. Ela tinha uma voz meio cansada, por causa da garotinha, imagino. Dirigi-me em direção a sua voz e entrei em um quarto de criancinha, com uma parede rosa claro e vários bichinhos enfeitando a parede. Eu sabia que a decoração tinha sido projeto de , e fiquei dez vezes mais embasbacado com o talento da garota.
Sophie havia nascido há cinco meses, mas só agora consegui tempo para vir visita-la. A faculdade me tomava muito tempo e eu acabei deixando minha família de lado. Senti-me culpado por isso, mas e eu conversávamos todos os dias e assim eu recebia notícias deles com mais frequência do que eu receberia se eu nunca tivesse conhecido na minha vida.
- Emma! – Falei, lhe dando um abraço e me afastando logo em seguida, intimidado com o pequeno ser em seus braços.
- Vem, Sophie! Venha conhecer o tio ! – Sussurrou , pegando a bebê dos braços de Em. Até aquele momento nada tinha feito sentido para mim.
Emma e Greg tinham se casado, legal. Emma e Greg tinham tido uma filha, maneiro. Emma e Greg conseguiram uma casa linda em Manhattan, arrasou. Parecia que tudo na vida de Emma e Greg estava se ajustando e eu estava feliz por eles, mas não me encaixava. Era a família dele.
Mas quando colocou as coisas dessa forma, quando disse “tio ”, e quando eu segurei Sophie nos braços pela primeira vez, estava encantado com aquela criatura minúscula que, por algum motivo biológico esquisito, tinha aqueles olhos iguaizinhos aos meus. Quando segurei aquela pequena e delicada Sophie, tudo que eu imaginava sobre a vida separada de Emma e Greg ruiu, porque, por causa de uma bebezinha de cinco meses, eu comecei a me sentir aceito novamente.
Eu segurei Sophie por vinte minutos inteiros, parecendo um titio bobão (foi quem me disse isso depois), quando Emma muito educadamente pediu a pequena de volta para amamentá-la. Era muito difícil não cair de amores por aquela menininha.
Depois de horas, quando Sophie tinha mamado, dormido, acordado e mamado de novo, estávamos os quatro; eu, , Emma e minha mãe, observando a menininha entretida com a TV, rindo a cada coisinha boba que ela fazia.
- E então, como é que você está, tio do ano? – Falou , que, cansada de paparicar Sophie, veio tirar meu sossego.
- Eu estou legal, tia do ano. – Respondi. Ela gargalhou.
- Sophie é, de fato, a melhor coisa que já aconteceu com a gente. Quer dizer, olha só pra ela! – Exclamou, com um genuíno sorriso no rosto e uma admiração imensa no olhar.
- Ela é mesmo incrível. – Aprovei, fazendo o olhar de se iluminar mais ainda.
- ! Me ajude aqui. – Gritou Em, presa entre atender o telefone e acudir Sophie que de repente começara a chorar. se levantou, pronta.
- Quem é a bebezinha mais cuti cuti da tia ? –Gritou para Sophie, tomando-a dos braços de Emma. A bebê não parecia ter achado a tia muito normal, mas aos poucos seu choro foi se transformando em uma gargalhada tão gostosa que até eu não pude deixar de rir com ela.
- Eu adoro ela. – Sussurrou a voz de Greg em meus ouvidos. Assustei-me por uma fração de segundos, mas logo me recompus. Dei uma tossidinha para disfarçar qualquer coisa antes de abrir o maior sorriso do mundo para meu irmão preferido. - Hey, Greg!
Ele sorriu, me abraçando de lado.
- Eu estava errado, sabe. – Começou. Nos afastamos um pouco do grupo, nos sentando cada um em uma ponta do sofá.
- Geralmente você está mesmo, mas sobre o que dessa vez? – Perguntei, recebendo um soquinho no braço em troca.
- Não é Emma a única pessoa que me prende à Terra. – Confessou. Me lembrei dessas palavras, aquelas que ele disse antes de se casar. – Então, me sinto na obrigação de reformular minha frase.
Eu realmente não queria aula de sentimentalismos.
- Ah, não, não precisa, não. – Resmunguei, dando um sorrisinho debochado. Ele não me ouviu, claro.
- A garota, aquela garota, não vai ser a única coisa que te prende à Terra. – Repetiu. – Mas ela vai te dar algo que prenda. Ela vai te dar o maior presente que você vai receber na vida. Ela vai te dar uma família, . – Sussurrou, sorrindo, orgulhoso, para a esposa e para a linda filha que estava em seu colo. Sorri com ele e, dessa vez, acreditei que o que ele dizia era verdade. Mais do que isso, me peguei desejando ter tudo o que ele tinha.
- Então, eu preciso encontrar essa garota, Greg. – Sussurrei. Greg me lançou um sorriso culpado.
- Receio que sim.
Não sei o motivo, mas, sem combinar e de um jeito totalmente automático, ambos olhamos para brincando com a sobrinha no tapete.
16 de maio de 1994
A aglomeração de pessoas vestidas de preto infestava minha casa. Eu não sabia o que era pior, as pessoas que estavam chorando, as pessoas que tentavam me consolar ou, o que era ainda o pior do pior, as pessoas que tentavam me consolar, chorando. Havia por lá vários rostos conhecidos, mas também vi algumas caras jamais vistas antes. Eu mesmo já tinha parado de chorar, porém não conseguia falar com ninguém, e também não queria que ninguém viesse falar comigo.
- . – Escutei a voz chorosa de alguém que eu automaticamente fui abraçar.
era a única exceção. Sentia que ela me entendia, que ninguém naquele salão perdeu mais do que nós dois. Greg era meu irmão, e Emma, a irmã dela, mas aquele casal, o meu irmão, foram responsáveis pelo começo da nossa amizade e eu sentia que estávamos atados apenas por causa de Greg. Eu me beliscava toda hora, querendo acordar de um terrível pesadelo, incapaz de acreditar que algo assim pudesse ter acontecido para um casal tão bom, tão amoroso, que estava vivendo de um modo tão honesto e nunca fizera mal a ninguém. Nunca iria entender que coisa horrível fizeram para merecer tal destino. Eu sabia que a culpa não estava nas ações horríveis que eu tinha certeza que eles não haviam feito, mas eu precisava culpar alguém.
Eu não tinha ninguém em quem colocar a culpa, mas eu precisava de um culpado.
- Onde está Sophie? – Perguntei, com a voz meio chorosa. suspirou.
- Está ali, com sua mãe. – Respondeu, apontando para um canto na sala, onde ela estava, chorando. Meu pai estava abraçando minha mãe, que abraçava Sophie. Eles pareciam encontrar algum conforto ali, abraçando a neta que era tudo o que restara de seu filho mais velho. Porém, apesar de a pequena Sophie não fazer ideia de que estava presenciando o velório dos próprios pais, achei melhor tirá-la dali.
Virei-me de frente para .
- Acho que devemos...
- Sim. – Concordou com a cabeça, e eu nem ao menos precisei terminar a frase.
Caminhamos em conjunto até minha mãe, que tinha no olhar a sombra de perda mais triste que já vi. Duvidava de que ela seria capaz de sorrir de novo e fiquei preocupado com ela. Sophie esticou os bracinhos, assim que viu , que sorriu de um jeito acolhedor, enquanto pegava a garotinha.
- Vou ao banheiro. – Anunciou minha mãe. Meu pai permaneceu imóvel no sofá.
- Titia... – Manifestou-se a voz de Sophie.
- Sra. , quer que eu a acompanhe? – Ofereceu . Minha mãe deu um sorriso mínimo, dispensando a gentileza com um abano de mãos.
- Titiiiia!!! – Falou Sophie, um pouco mais alto, colocando as duas mãos na cara de , exigindo atenção.
- Oi, meu anjo. – Respondeu, com uma voz tão quebrada quanto a de minha mãe.
- Cadê mamãe e papai? Puquê num tá na feta? – Perguntou, com os olhinhos brilhando. olhou para mim, ao mesmo tempo em que meu mundo girava mais uma vez.
Sophie achava que era uma festa. Sua ingenuidade infantil me impressionava a cada dia. não conseguiu aguentar e uma enxurrada de lágrimas escapou pelos seus olhos.
- Num chóia, titia. – Falou Sophie, dando um abraço meio esquisito em .
Tentei segurar as minhas, depois dessa, mas elas escaparam também. Fiz um esforço e consegui enxugá-las, pegando Sophie no colo, para que pudesse se recompor.
- Oi, meu amor. – Sussurrei, beijando seus cabelos. Ela abriu um sorriso inteligente para mim.
- Oi, oi, tia ! – Eu ainda consegui sorri.
- Tio , pequena. – Corrigi. Ela piscou de novo.
- Cadê mamãe? – Repetiu, aguardando pacientemente por uma resposta. Suspirei. Não chora, , vamos lá.
- Mamãe e papai, Sophie, estão descansando.
- Posso dicansá com eles, tia ? – Perguntou, se espreguiçando em meu colo. Sorri para ela, mesmo desesperado do jeito que estava. - Pode descansar comigo, princesa. Pode dormir. – E com toda maestria de uma bebê de dois anos e pouco, ela colocou o dedo gordinho na boca e tombou no meu ombro.
Pronto. Foi o melhor que pude fazer, mas não foi o suficiente. O que diria a ela amanhã? E no mês seguinte? E quando ela começasse a ir para a escola e perguntar por que todos os seus coleguinhas possuíam pai e mãe e ela não? E, então, o que eu diria? Não fomos apenas e eu que perdemos algo. Percebi que tinha uma coisa muito mais grave acontecendo com esse pequeno ser humano no meu colo. De Emma e Greg havia sido roubado o direito de serem pais e aquele maldito idiota bêbado roubou de Sophie a oportunidade de crescer em família. Tinha sido tirada dela a chance de ter um pai para lhe contar histórias, antes de dormir, e uma mãe que lhe fizesse bolos de chocolate e, mais tarde, fosse seu porto seguro para falar sobre garotos, quem sabe.
Não tentei falar com ela, nem a passei para o colo de ninguém. Ter Sophie por perto me acalmava. Depois de um tempo, porém, decidi que ela podia ir para sua caminha, e foi lá que eu a coloquei.
Ao sair de seu quarto, ouvi um soluço e alguém sussurrando.
- Gerald, está doendo muito. – Era um soluço estrangulado, eu nunca havia ouvido chorar assim. E quem era esse Gerald? – Está faltando um pedaço aqui. Estou sentindo um buraco, e dói! – Falou. Senti-me mal por ela. Queria consolá-la, mas também não queria atrapalhar sua conversa.
Ao mesmo tempo em que meu lado amigo pedia para eu dar o fora dali, meu lado malvado me dizia outra coisa.
- Não, ainda não disse a ele. Eu ia dizer, mas o acidente... – E recomeçou a soluçar.
Decidi que não aguentava mais ouvir esse som. Decidi que não estava nem aí para esse tal de Gerald. Só queria consolar e se Gerald não estava ali, problema dele.
- ? – Chamei, entrando no quarto. Ela parou de falar o que quer que fosse e ouvi apenas um “Te ligo depois” abafado.
- Estou aqui.
À medida que me aproximava, foi possível ver tentando afastar as lágrimas do rosto e endireitar o vestido, tudo ao mesmo tempo. Percebi que ela estava sentada no chão e que tinha uma garrafa de vinho vazia ao lado dela. tentou escondê-la atrás de si, assim que entrei em seu campo de visão, mas eu já tinha visto. Suspirei, sentando-me ao seu lado. se enroscou em mim quando sentei ao lado dela e eu automaticamente a abracei o mais forte que conseguia.
- Estamos bem, . Vamos ficar bem. – Falei, mais para ela do que para mim. Ficamos um tempo em silêncio, enquanto eu encarava a enorme lareira da sala e tentava não lembrar de todas as vezes em que eu Greg nos escondíamos de tia Marylin ali mesmo, debaixo daquela lareira. Meio sem querer, sorri com a lembrança, porque era em uma hora como aquela que era bacana ter um irmão mais velho.
- E Sophie? O que vai ser de Sophie? – Sussurrou, de repente. Suspirei, mais uma vez.
- Sophie vai ser minha. Vai ficar comigo, quero dizer. – se afastou um pouco.
- Como? Ela vai para Seattle com você? Ou...
- Sim, vai. Mas eu juro que é só até terminar a faculdade. Assim que terminar, eu trago Sophie e minha bunda folgada de volta para Nova York. É uma promessa, . – se afastou completamente, se mandando para o outro lado da sala. Eu sabia que ela estava furiosa. Essa definitivamente não era uma boa hora para essa conversa, estava bêbada.
- Por que você? Por que não eu? – Perguntou, derrotada. – Emma não confiava em mim o suficiente? É SÉRIO, EMMA? – Gritou. Mordi os lábios e fui até onde ela estava, pegando sua mão e tentando acalmá-la.
- , se acalma. Eu tenho uma explicação, todos nós temos, mas vamos conversar quando você estiver sób...
- EU ESTOU SÓBRIA, SEU INFELIZ! ME DÊ UM BOM MOTIVO! – Berrou. – Anda, , me dê um bom motivo para tirar minha sobrinha de mim!
Agarrei seus braços, e isso fez com que ela ficasse quieta.
- Não estou tirando Sophie de ninguém! Nem de você, nem de minha mãe e muito menos dos pais dela!
- Os pais dela MORRERAM, caso você não tenha notado!
- Para de gritar! Você é muito nova, . Está começando a faculdade agora, tem muito em que pensar e nó...
- AH, CERTO, TUDO ISSO FOI RESOLVIDO PORQUE SOU NOVA DEMAIS? – Ela riu, uma risada falsa. – Claro, já devia ter imaginado. Você não acha que eu teria feito sacrifícios, ? Porque eu teria.
- Eu sei que você teria! Você teria se desdobrado em cinco para criar a Sophie, eu sei disso! Acha que eu quero isso, ? Não quero! Foi decidido em tribunal. A única coisa que não quero é separar vocês. Mas não posso trancar a faculdade, não quando faltam só três semestres. Ela precisa ir pra Seattle. –Achei que ia gritar de novo, mas ela não o fez. Apenas olhou para mim, como se eu tivesse acabado de matar a única esperança de felicidade que ela ainda tinha. E, julgando seu estado atual, eu tinha quase certeza de que realmente tinha matado. Me senti um merdinha egoísta, mas eu precisava desse sacrifício por parte dela.
- Tudo bem, . Tudo bem. – Sussurrou. Havia algo estranho em sua voz, algo quase quebrado, algo que me dizia que ela já se considerava perdida. – Tá tudo bem, tudo bem. – Repetiu.
- ... Não está tudo bem, olha, eu pos...
- SIM, ESTÁ TUDO BEM! – Gritou, para o meu espanto.
Só me lembro de ter recebido o mais assassino dos olhares, antes de ela se virar e ir em direção ao quarto de Sophie, que finalmente interrompera nossa briga com seu choro.
09 de junho de 1997
Amy não precisava ser tão má com ela o tempo todo. Isso me incomodava, principalmente se considerar o fato de que já era a sexta vez, só essa semana, que uma Sophie chorosa me acordava por causa de pesadelos. Pesadelos que tinham como principal fonte a cabeça repleta de maldades de Amy Harder. A namorada dela não era tão ruim, mas mesmo assim, gostaria que ela parasse com essa mania de contar histórias de terror para uma garotinha indefesa de cinco anos.
- E ai? O que aconteceu? – Perguntou, curiosa. Sorri.
- Bem, depois que ela percebeu como tinha sido malcriada, voltou pra casa e pediu desculpas para sua mamãe. E todos foram felizes para sempre. – Concluí o conto de fadas inventado, tentando remediar a história horrível que Amy contara a ela mais cedo. Sophie franziu as sobrancelhas.
- Mas e o Mark? Eles não ficaram juntos?
- E por que eles deveriam? – Questionei, curioso que ela ainda se lembrasse de uma personagem sobre a qual falei tão pouco.
- Ué, porque o Mark gostava dela! Eles eram apaixonadiiiiinhos! – Sorri, enquanto ela ria de sua brilhante conclusão. Fiz cócegas em sua barriga, torcendo para que nossa risada não acordasse John e Lucy.
- É só uma história, meu anjo. – Ela de repente ficou séria.
- Não pode ser só uma história. Exijo um final diferente!
- Hmmm, por que não pensa nisso enquanto dorme e amanhã à noite me conta sua própria versão? – Sugeri. Ela balançou a cabeça, negando.
-Você vai dormir e não vai ouvir o final. –Sussurrou, e eu sabia que era verdade. Porém eram duas e pouco da manhã e a editora estaria lotada mais tarde. A última coisa que eu queria era perder o foco por ter dormido mal.
- Sophiezinha, amor, estou tãaaaao cansado...posso ouvir amanhã, por favorzinho? – Ela fez uma cara muito séria de quem estava pensando no meu caso, mas depois suspirou e assentiu.
- Se você dormir eu vou morar com a tia Kriss! – Tentei forçar meu sorriso, mas acho que fracassei.
- Não vou dormir, promessa de dragão. – Ela riu.
- Tudo bem. – Sai de sua cama minúscula e a cobri, dando um beijo em sua testa ao sair.
- Boa noite, princesa.
E ela dormiu tão rápido que nem ouvi sua resposta. Satisfeito comigo mesmo, dirigi-me ao meu quarto. Nem cheguei a me cobrir e ouvi som da campainha. Quem diabos viria a minha casa em plena madrugada?
A resposta surgiu em carne e osso quando, entre resmungos e reclamações, abri a porta da frente e dei de cara com uma molhada e tremendo. Percebi que ela chorava e trazia consigo apenas uma bolsa de mão.
- ! – Exclamou baixinho assim que me viu, jogando todo seu corpo sobre mim. Senti-me confuso.
- ? Você não deveria estar em...
- Los Angeles. Sim. Eu deveria. – Interrompeu, entrando na sala e fechando a porta. – Tive sorte, tinha um avião que estava pra partir e foi nesse que eu subi. A melhor parte é que ele me trouxe exatamente até aqui. – Sorriu por um tempo, mas depois vi uma lágrima caindo.
- , se não quiser falar sobre isso... Olha, vamos dormir, está bem? Amanhã a gente conversa. – Propus, mas ela balançava a cabeça antes de eu terminar de falar.
- Ele vai vir pra cá, vai perceber que fugi.
Arregalei os olhos.
- Está fugindo? De quem?
Ela mordeu os lábios.
- Gerald. Ele... ele tentou.... Eu não sei, , ele me pede em casamento há um ano, mas ele não é o cara. Tivemos a maior briga no hotel, acabei terminando e fugi em seguida. Eu estou com medo dele. – Admitiu.
- Nossa, , não precisava ter fugido do estado. – Zombei. Ela fechou a cara.
- Eu estou com medo, está bem? – Falou, cruzando os braços. Aproximei-me dela.
- Você vai ficar aqui. E se ele vier até aqui, darei um jeito nele. Não vejo motivo nenhum para fugir de mim. – Disse, com ternura, e pude ver ela corando.
- Hm... Tudo bem, então. Eu, hm, vou tomar banho? – Pareceu mais uma pergunta. Sorri.
- Você deve fazer isso, com certeza. – Brinquei, tapando o nariz. Ela me deu um soco no braço e se dirigiu rumo ao banheiro. A presença de me acordara completamente. Sorri, feliz com a excelente visita inesperada e contagiado antecipadamente pela alegria de Sophie ao ver a tia pela manhã.
- !
Acho que acabei dormindo no sofá, pois pela maneira urgente que me chamava, parecia que não era a primeira vez.
- Oi. – Respondi, meio sonolento.
- Minhas roupas. Acho que ainda tem algumas no quarto de Kr... no quarto de hospedes. – Corrigiu. Senti que ela queria dar um soco na própria cara, mas na verdade não me importei. Kriss não era importante. Permaneci em silêncio e fui até o quarto de hospedes pegar algumas roupas para . Acontece que...tinham muitas roupas de Kriss ainda.
Kriss, minha ex. Foi a única mulher de quem Sophie gostou de conviver. Eu gostava de Kriss, achava que a gente até tinha um futuro e tudo o mais, porém quando eu disse que estávamos namorando, ela deve ter se “esquecido” que precisava parar de dormir com outros homens.
Fiquei tão revoltado com a lembrança que decidi que podia muito bem usar minhas roupas. Sabia que ela gostava de dormir confortável e não tinha quase nenhuma roupa confortável ali de qualquer forma, então peguei uma camiseta cinza e meio surrada dentro daquele guarda roupa e lhe emprestei uma de minhas calças de moletom.
- ? – Chamei, batendo na porta.
- A porta está aberta, coloca aí em cima do vaso. – Gritou ela do lado de dentro. Meio apreensivo, abri a porta. Meu plano era entrar de cabeça baixa, depositar a roupa ali e sair correndo, mas não consegui evitar. Ver o contorno de seu corpo pelo vidro embaçado do box era quase tão tentador quanto ver sem aquele vidro fosco e eu não conseguia desviar os olhos.
Esse clichê de amigo que se apaixona pela melhor amiga não poderia ser real, mas aconteceu. Ela não sabia, e eu provavelmente nunca iria lhe contar, mas o que eu sentia por ela era algo inexplicável e lindo.
Agora ela não namorava mais aquele babaca do Gerald, mas e daí? Isso não mudava nada, ela nunca poderia gostar de mim. Eu era o irmão mais velho que ela achava divertido e com quem dividia as histórias mais bizarras.
- Gostando da vista? – Provocou, se cobrindo com a toalha. Balancei a cabeça duas ou três vezes, tentando me lembrar para sempre de como eram as pernas dela, porque eu tinha certeza absoluta que aquela seria a última vez que olharia.
- Hm, arrumei o quarto de hóspedes para você. Vou dormir, boa noite. – Ela deu uma risadinha gostosa.
- Está corado. – Anunciou, ainda de toalha.
- Não estou.
Ela riu mais alto.
- É claro que está.
- Não estou, não. Boa noite, .
E fechei a porta, ouvindo sua risada abafada saindo de dentro do banheiro.
- Tio? Tio, ? TIO !!! – Acordei com uma Sophie de pijamas, segurando um Toddy inquieto, na minha frente, e a luz do sol brilhando através janela atrás dela. – Tia está aqui. – Anunciou, assim que abri meus olhos da melhor maneira possível.
- Ah... É?
- Sim! Ela vai me levar hoje. – Falou, batendo fraquinho na minha cara porque eu tinha voltado a fechar os olhos.
- Ok, pode ir. – Eu juro que ela revirou os olhos.
- Mas ela não sabe onde está minha roupa de escola. – A simples menção da palavra “escola” me fez levantar da cama em um átimo.
- ESCOLA? MEU DEUS, QUE HORAS SÃO? – Gritei. Toddy deu um latido, pulando do colo de Sophie, que sorriu.
- São só seis horas, tio .
- Que gritaria é essa? – Disse John, entrando no meu quarto, sem nem bater.
- Provavelmente ele perdeu a hora, de novo. – Gritou Lucy da cozinha.
Revirei os olhos para todos eles.
- Rá rá rá, muito engraçado. – Murmurei, levantando da cama e me espreguiçando.
- Onde está minha roupa, tio ? – Insistiu Sophie. Suspirei.
- Certo, a roupa. – Eu a acompanhei em direção ao seu próprio quarto, onde estava arrumando o guarda roupa de Sophie.
- Alô, bom dia. – Falou, sorridente, quando me viu.
- Bom dia, . – Murmurei, sonolento. Abri a última gaveta do guarda roupa e tirei de lá o uniforme de Sophie, uma calça azul e uma camiseta branca com o logo da escola.
- Que roupa bonitinha. – Comentou por cima do meu ombro.
- É, eu acho. – Meio que concordei, deixando as duas trocando ideias e indo me arrumar.
Quando terminei, me dirigi até a cozinha, onde Lucy terminava de preparar o café da manhã. John estava lendo o jornal em uma ponta da mesa e Sophie e cochichavam e riam na outra ponta.
- Bom dia, . – Falou Lucy, com um sorrisinho estranho, olhando diretamente para meus olhos e arqueando as sobrancelhas.
- Oi, Lucy. – Disse, simplesmente. Ela revirou os olhos, ainda rindo. Lucy era uma mulher baixinha, magrinha, tinha um cabelo liso e curto e olhos redondos e castanhos. Geralmente usava roupas sociais, mas hoje ela estava até que normal. Eu adorava ela.
- Que horas você sai, ? – Perguntou , curiosa.
- As oito e meia. – Respondi, de boca cheia. Ah, comentei que Lucy fazia os pães caseiros mais gostosos do mundo? John, eu acho que vou roubar sua noiva.
- Ótimo. Vamos levar Sophie no colégio e dar uma volta? – Propôs. Aquele seria um convite absolutamente normal há uns meses atrás, mas agora obviamente não era. John engasgou com o café e Lucy não aguentou e começou a rir em voz alta. pareceu confusa. – Hm, o que...?
- Qual é a graça? Qual é a graça, tia Lucy? – Perguntou Sophie, confusa como a tia.
- O , ele é um idiota. Só porq...
- Acho uma excelente ideia, . – Interrompi meu bom e velho amigo John antes que ele dissesse alguma asneira. – E não usa essa palavra que começa com “i” nesse ambiente. – Falei a John, que fez um sinal de positivo sarcástico com o polegar. Vi Lucy falando algo no ouvido de Sophie, que sorriu e não quis nem saber o que elas estavam aprontando.
Ela ainda parecia confusa, mas sorriu com a minha aprovação.
- Ótimo. Então pé na estrada. – Dei um sorriso.
Terminado o café, fomos os três, , Sophie e eu ao banheiro. Sophie conseguia escovar os dentes e pentear os cabelos sozinha, mas gostava quando faziam penteados em seus cabelos, que eram bem longos. E hoje, com a tia que fazia mais penteados que não sei o que, a coisa não seria diferente.
Acabamos o que se tinha para fazer no banheiro e Sophie saiu de lá com uma trança fofa enfeitando só um lado do cabelo. ainda passou um batom nela, ao que eu arqueei as sobrancelhas. Ela deu de ombros, rindo.
Saímos em direção a porta de entrada, e Sophie saiu correndo para dizer tchau a John e mostrar a Lucy o “lindo penteado que a tia fez”. Lucy sorriu e se despediu, beijando sua cabeleira ondulada. Quando chegamos na porta, Sophie soltou um grito assustado, dizendo que se esquecera de abraçar Toddy, que ao som de seu nome veio correndo com aquele seu rabinho peludo. Sophie quase chorou quando disse que Toddy não podia ir à escola com ela, mas eu prometi que quando ela saísse da escola iríamos buscar Toddy e ir a uma sorveteria. Sophie ficou satisfeita, acabou soltando Toddy e foi pulando feliz em direção ao carro.
- Ela está uma graça. – sorriu. Eu a acompanhei.
- Sim, está.
- Você tem feito um bom trabalho, .
Dei risada.
- Parece que alguém aqui andou duvidando de mim. – Zombei. Ela me mostrou a língua, enquanto colocava o cinto de segurança.
- Nunca achei que você não fosse capaz. – Garantiu-me, com um sorriso meigo que chegava até os olhos. Sorri, dei um longo suspiro e me pus a dirigir.
Chegamos a escolinha de Sophie. Ela mesma se soltou do cinto e esperou que um de nós dois fôssemos abrir a porta para ela. fez esse trabalho e Sophie saiu correndo até a porta do colégio. De repente, parou, olhou para trás, sorriu para nós e voltou correndo.
- Eu quase me esqueci. – Sussurrou ela, subindo nas pontas dos pés. Peguei ela no colo, cutucando sua barriguinha.
- Como se esquece de dar tchau para o tio ? – Perguntei. Ela fez uma careta fofa.
- Não esqueci, não. Eu voltei. – Fiz cócegas na sua cintura, fazendo ela rir alto. –Não, não, não faz isso.
deu uma risadinha também, pegando Sophie do meu colo.
- E eu, não ganho tchau? – Sophie deu aquele sorriso banguela de novo e fez um gesto para que eu me aproximasse.
- Tchau, mamãe e papai. – Sussurrou, dando um beijo em ambas bochechas e pulando para o chão em seguida. Quando ela se virou para ir embora, e eu nos encaramos, e sabíamos que nosso choque estava igualmente estampado nos dois rostos.
Estávamos prestes a sair para dar a tal voltinha, mas uma mulher gordinha se aproximou. Com seus passos pesados, presumi que fosse uma pessoa importante, e estava certo.
- Com licença, senhor ? São os pais de Sophie, certo? – Perguntou. De novo. Fiz minha melhor cara de que estava tudo certo. - Não, ela.... hm, ela é nossa sobrinha. – Murmurei. A mulher fez uma cara confusa.
- Ah, vocês dois são irmãos? – Apesar da circunstância, foi impossível não dar risada. A pobre mulher ficou sem entender e, apesar de ela não ter nada a ver com a história, fiquei com pena.
- Eu sou irmão do pai de Sophie e ela é irmã da mãe. – Falar de Greg doía, mas não tanto quanto antes. Eu passava o dia todo olhando Sophie, que foi a mistura de tudo que sobrara do meu irmão. Tratava ela da melhor maneira que podia, pois sabia que Greg a amava mais do que toda a água potável do mundo. Queria que ela soubesse que eu estava fazendo o que o pai dela faria, o que foi difícil no começo. Entretanto, nenhuma única vez na minha vida me arrependi de ter aceitado a guarda de alguém como Sophie. Ela definitivamente foi a âncora que me prendeu a Terra depois do acidente, foi a âncora que salvou a todos nós.
Percebi que estava seguindo uma linha de pensamento meio depressiva, por isso revolvi voltar ao que interessava. – Mas eu sou o responsável por Sophie de qualquer forma, tenho a guarda dela.
A mulher fez uma cara de quem finalmente entendeu o recado.
- Pois bem, Sr., sua sobrinha tem mostrado alguns talentos que vão além do normal para sua idade. – Exclamou a mulher, com um orgulho no olhar.
- Que tipo de talento? – Perguntou , interessada assim como eu.
- Desenho. Parece bobo agora, mas ela faz desenhos maravilhosos para alguém que só tem cinco anos. Ela é bem madura. Não quer desenhar o céu cheio de nuvens e um sol, como as outras garotas. Ela geralmente desenha a mesa, a cadeira ou o vaso de flores da sala de pintura. Ela tem talento. – E era verdade. Sophie amava desenhar, qualquer coisa. E conseguia pintar os desenhos dentro da linha, coisa que outras crianças da idade dela tinham dificuldades em aprender tão cedo.
- A gente meio que percebeu. – Exclamei. A mulher, que agora me lembrava muito a diretora da escola, sorriu mais largamente.
- Ótimo, estamos organizando uma oficina de talentos e seria muito legal se vocês pudessem incentivar Sophie a participar. – E me estendeu um papel. – Aqui tem todas as informações. Por favor, não deixem de participar, é muito importante.
E dando um grande sorriso branco, saiu da nossa presença. deu um muxoxo.
- Acho que nossa voltinha já era. – Consultei o relógio.
- Ainda temos vinte minutos.
- Melhor que nada. – Rimos, voltando para o carro.
- Sabe, eu queria te contar uma coisa.
Endireitei o ouvido, interessadíssimo, mas tentei não demonstrar.
- Pode dizer.
- Hm, tem mais de um motivo para eu não ter aceitado o pedido de casamento de Gerald. – Suspirei. Era agora. Ela tinha que dizer. Se ela dissesse, eu poderia me declarar também e então nós daríamos as mãos e caminharíamos juntos e felizes em direção ao pôr do sol.
- E qual é?
Vamos, , é só me dizer. Por favor, me diga.
- Hm, além de eu ser muito nova, não é bem por ele não ser o cara. É que já tem outro cara... ele é super simpático, meu amigo, gosta de tudo que eu gosto, tem uma...
Oh cacete, é agora! Ela vai dizer que é o e...
- O Logan, lembra dele? Lá da faculdade! Eu não sei, , acho que... Por que parou? – Perguntou, confusa, depois que parei o carro. Eu realmente parei o carro. Eu parei.
Droga.
- Acho que morreu. – Desconversei, ligando o carro de novo. Ela revirou os olhos.
- Não morreu, não, eu vi você desligando e...
- , o carro morreu e esse assunto também. Vou te deixar em casa e vou trabalhar. – Murmurei, de uma maneira tão autoritária que nem , sendo , ousou falar mais alguma coisa.
Deixei em casa, pronto para sair correndo de perto dela. Estava totalmente desiludido, o que é meio estranho para um homem graduado, com emprego fixo, uma casa legal e quase trinta anos nas costas.
- Sabe o que é o mais engraçado? – Começou. Eu não tinha forças para respondê-la, e nem para mandar ela ficar calada. – Eu tinha uma queda louca por você, mas você nunca ligou para mim provavelmente porque eu era muito nova. Tentava fazer você perceber de várias maneiras, mas, toda vez que eu falava disso, você começava a querer minha aprovação para as meninas com quem você saia. Eu sofri muito, , mas não falei nada com medo de estragar nossa amizade, porque ela era importante demais para mim e eu sabia que se eu abrisse a boca só para ser rejeitada no final, talvez a gente nunca mais convivesse da mesma forma. Eu ia colocar a amizade em risco, mas não queria isso. E eu corajosamente sacrifiquei tudo o que eu sentia por você pelo bem da nossa amizade. – Ela abriu a porta, e eu já sabia o que ela estava querendo me dizer. – Talvez você devesse fazer o mesmo agora.
Sussurrou antes de bater a porta do carro com uma força maior que a necessária, se virar e me deixar com cara de cachorro abandonado, na entrada de carros.
1 de janeiro de 2000
Primeiro dia desde a virada do milênio. Era uma situação legal, pelo menos para Sophie.
- Pai? Me ajuda aqui! – Gritou ela, do outro lado do quintal. Estava tentando virar a cabeça do que era pra ser um boneco de neve, mas não estava dando muito certo. Minha mãe assistia a cena de dentro da casa, não estava muito acostumada com o frio, mesmo tendo vivido a vida toda em Nova York.
Comecei a andar na direção de Sophie, mas uma loira estonteante entrou na minha frente, roubando meu trabalho.
- Amy, minha querida. Ela chamou por mim. – Falei, rindo.
- Chamei qualquer um, na verdade. Só queria terminar isso aqui. – Falou Sophie, fazendo pouco caso e tirando um punhado de neve do casaco.
- O que foi que você disse? – Gritei de brincadeira, chegando perto dela. Sophie se afastou um pouco.
- Eu não quis dizer... AAAH VOVÓ, SOCORRO! – Berrou quando comecei a correr atrás dela pela neve. Sophie não estava acostumada a passar os dias de neve do lado de fora, então os três tombos que ela levou contribuiram para retardá-la e eu a alcancei. Joguei-a sobre o ombro, fazendo o caminho de volta para o “boneco de neve”.
- Socorro, vovó, tia Amy, TIA LUCY, SOCORRO! – Gritava, em meio a risadas. Lucy e Amy, que estavam vendo a cena de longe, começaram a rir, deixando a pequena um tanto quanto revoltada.
- Não se pode mais confiar em ninguém! ELE VAI ME ENTERRAR VIVA NA NEVE, VOCÊS NÃO PERCEBEM?! – Falou a plenos pulmões, o que só colaborou para as mulheres rirem ainda mais. Continuei levando Sophie nos meus ombros (comentei que ela estava de ponta cabeça?), ocasionalmente fazendo cócegas.
- Que gritaria é essa? – Berrou Linds, que chegara junto com Byron no quintal. Avistou a cena que causava tanto alvoroço e riu.
- LINDS ME AJUDA! – Gritou Sophie, fazendo Linds e Byron rirem ainda mais. Não preciso nem comentar que Sophie estava me deixando surdo, porque ela estava.
- Eai, brô. – Falou John, perto de mim. Sophie aparentemente também ouviu a voz dele.
- Tio John? Tio John, por favor, por favor, me tira daqui! – Implorou, rindo. Parei de andar para cumprimentá-lo e depois ele deu a volta atrás de mim e meio que virou a cabeça para conseguir olhar Sophie, olho no olho.
- Então diga: Tio John é o maioral e é um idiota. – Sophie riu.
- Tio John é o maioral e é um idiota. – Repetiu. Tirei ela dos meus ombros e coloquei no chão a minha frente.
- Acabou de me chamar de idiota? – Repreendi, de brincadeira. Ela deu uma gargalhada.
- Eu só estava salvando minha vida. – Explicou, cruzando os braços no peito em sinal de desafio. Coloquei minha mão no queijo, como quem está pensando.
- Então, mocinha, fuja para as montanhas antes que fique presa debaixo da neve de verdade! – Ameacei, fazendo ela dar um gritinho e sair correndo para onde Linds, Lucy e Amy se agrupavam.
- Ela já experimentou o vestido? – Perguntou John, assim que Sophie saiu. Revirei os olhos.
- Sim, ontem. Você está pior que a Lucy, cara. Olha só pra ela, nem parece que vai se casar amanhã! – Era mentira. Lucy estava uma pilha de nervos desde quando pisara em Nova York.
- MÃE! – Gritou Sophie, me tirando dos meus devaneios sobre o noivo neurótico que era John.
Lá estava ela, linda como sempre, vindo acompanhada de seu querido companheiro Logan.
- Argh, isso vai ser um pesadelo. – Comentei. John arqueou as sobrancelhas. – Relaxa, cara. Não vou estragar seu casamento nem nada disso. Aliás, não acredito que finalmente vai casar. – Acrescentei, sem querer. Porque o caso dele era raro. Ele namorou com Lucy por treze anos e ia casar só agora. Mais por que Lucy era uma mulher que não acreditava em casamento do que por falta de pedido por parte dele. Ele revirou os olhos.
- Algum conselho final?
Ri.
- Pode ir pra minha casa sempre que quiser. – Ele me deu uma cotovelada.
- Ela está vindo pra cá. – Disse. “Eu sei, John, eu tenho olhos”.
- Eu vi. – E ela estava vindo mesmo.
- Hm, eu vou ver o que Lucy quer. Ela está me chamando. – Lucy não estava chamando ninguém, estava mais ocupada em ajudar Sophie a montar aquele boneco de neve que finalmente tomara forma.
- Hey. – Disse . Ela parecia meio tímida, e graças aos deuses, não trouxera Logan consigo.
- Hm, oi. – Cumprimentei com um sorriso. Ela balançou os longos cabelos, tentando tirar a neve, acho. Seus cabelos eram iguaizinhos os de Sophie.
- Teve um bom pouso? Seattle está ok? – Perguntou, colocando as mãos no bolso.
- Sim, tudo certo. Charlie mandou um beijo. – Ela sorriu.
- Ele é um amor. Mande outro quando o vir.
- Claro. Ele sempre pergunta de você. Queria saber quando vai pra lá de novo. – Ele realmente sempre perguntava dela, mas a outra parte fui eu que inventei. Ela hesitou e, pela sua expressão, eu sabia que não seria nada de bom.
- Queria falar sobre isso, mas no clima do casamento... não acho que seja uma boa ideia. – Sussurrou.
Suspirei.
- Olha, se quiser me contar, conte agora. Eu vou embora amanhã, Amy e Lucy precisam trabalhar.
, mordeu os lábios, insegura. Bem quando ela abriu a boca para contar alguma coisa, a forma de James entrou na nossa frente.
- Oi, . – Falou, beijando as bochechas dela. Ela sorriu para ele de um modo doce.
- Fiquei sabendo que vai para US! Parabéns! – Exclamou ela. James sorriu, orgulhoso. - Sim, eu e Byron. Vamos ficar com . – Falou olhando para mim, que revirei os olhos de brincadeira.
- Minha casa virou uma creche. – Resmunguei, e os dois riram.
Agora que John e Lucy iriam se mudar para o Oregon definitivamente, um quarto da casa estaria desocupado. Ofereci para James assim que soube de sua decisão, porém ele só aceitou quando eu concordei em receber o aluguel. Eu devolveria, mas se ele se sentia melhor pagando, tudo bem. Byron iria com ele, e eu me lembro de uma certa discussão entre tia Celine e Linds, onde tia Celine dizia que minha casa não era hotel coisa nenhuma e que já tinha muita gente morando nela, e a garota chorava dizendo que se não pudesse ir para Seattle com o namorado, então fugiria de casa. Byron deu um sorriso triste quando minha tia não aceitou que ela saísse de casa antes da hora, mas prometeu telefonar e mandar e-mails constantemente.
Uma coisa dessas é complicada. Eu sei disso porque já passei pela experiência de deixar namorada aqui ao ir para Seattle e sabia que namoros assim quase nunca davam certo. Estávamos em outro tempo agora, e as coisas poderiam ser diferentes. De certa forma eu queria que fosse, conhecia Byron e Linds desde crianças, desde quando Byron era um pivetinho e, junto com James, escondiam minhas roupas, mexiam no meu creme de barbear e coisas do tipo. James e Byron lembravam minha própria infância com John, e eu os apreciava muito. Aquela coisa de “minha irmã se apaixonou pelo meu melhor amigo” é uma das coisas que mais acontecem nessa vida e eu tinha certeza absoluta que Greg, se por um acaso fosse uma garota, com certeza se apaixonaria por John.
O que não é comum, é esse melhor amigo em questão corresponder o sentimento. Em um ano quando vim para Nova York, Linds e Byron mal se falavam, e, se me lembro bem, ele chegou a jogar refrigerante na blusa dela no natal. Dois anos depois, quando voltei, os dois estavam aos beijos e de mãos dadas. Fiquei surpreso, mas feliz por eles. E agora que finalmente tinham se acertado, Byron estava indo embora.
Linds ficou arrasada. Mais tarde, fui até o quarto dela, e a encontrei ouvindo música e acariciando Toddy, que estava em cima de sua cama. Ele latiu quando apareci na porta e então ela me convidou para entrar. Eu lhe disse que o problema não era falta de espaço, que por mim ela poderia morar lá para sempre, se quisesse, e que minha casa estaria sempre aberta para ela. O problema era que a mãe dela não podia perder os dois filhos para a distância de uma só vez. James estava indo, mas ele já tinha seus vinte e dois anos, e ela ainda nem tinha atingido a maioridade. Ela sussurrou um chateado, “Mas eu já sei até dirigir”, o que me fez rir. Depois disso ela me agradeceu, disse que eu tinha razão e foi conversar com sua mãe.
No café da manhã do dia seguinte, as duas estavam na maior paz de novo e eu me dei um tapinha nas costas.
- Bom te ver de novo, . – Murmurou James, uma última vez, virando-se de costas. Ela deu um meio sorriso para mim.
- Então, você estava me contando... – Fiz um gesto com a mão, indicando que era para ela continuar.
- Ah, sim. Bom, acho que você já é maduro o suficiente para não levar isso para o lado pessoal demais. – Ela riu, mas parecia nervosa. Algo dentro dela não sabia como dar a notícia. Eu a conhecia há dez longos anos, sabia dizer coisas como essas. Eu a conhecia bem até demais.
- Acho que eu aguento. – Sorri.
- Queria ser eu a te dizer isso. Estou me mudando para Espanha. – Minha boca caiu.
- O que você vai fazer na Espanha? Com quem? Seu espanhol é péssimo. – Ela fechou a cara.
- Vou com Logan. Ele aceitou um emprego por lá e... eu vou junto. – Explicou, meio sussurrando.
- Logan. Você vai com Logan. – Repeti, arqueando as sobrancelhas. Ela cruzou os braços, gesto que sempre fazia quando queria proteção contra algo ou alguém.
- Estou noiva. – Falou, olhando em meus olhos.
- Oh, cacete. – Foi a única coisa que passou pelos meus lábios antes de eu virar e entrar dentro da casa para que ela não me visse chorando. Ainda escutei seus gritos, mas ignorei a todos eles, sem nem ligar quando as outras pessoas do quintal olharam para a cena. Apenas entrei em meu quarto e fechei a porta, não ligando para nada nem ninguém. Só queria paz, e paz eu conseguiria apenas estando comigo mesmo.
Existem vários tipos de dor.
A dor de um ferimento, a dor física. Seu corpo dói o tempo todo, mas são dores suportáveis. As dores emocionais é que são as piores. Tem a dor que eu senti quando Sophie me chamou de pai pela segunda vez. Foi uma dor ruim, seguida de uma dor boa. Foi ruim porque, por mais que ela se forçasse a ver seu pai em mim, eu jamais seria um terço do que foi. Mas foi boa, porque isso significava que ela gostava de mim o suficiente para eu merecer tal título. Ser chamado de pai é uma das melhores sensações que eu já experimentei.
Tem a dor da perda. A dor de quando se perde alguém. Aquele buraco, aquele vazio e aquela intensa vontade de cometer justiça, de vingar a pessoa que você perdeu. Acordar com a voz de alguém que você sabe que não está lá e que nunca mais vai estar. Era uma dor horrível, o tipo de dor que eu achei que jamais sentiria igual. Mas me enganei.
Porque, além de todas essas, também tinha a dor do amor não correspondido. A dor que eu pensei que era besteira de músicas populares. A dor que eu estava sentindo naquele exato momento.
Eu realmente me imaginei ao lado dela. Eu imaginei uma vida ao lado dela. Imaginei nossos dois filhos gêmeos chegando da escola de futebol, suados, em casa, e ela brigava com eles por terem sujado a casa de lama. Imaginei se, ao contrário disso, tivéssemos duas meninas, uma mais velha que a outra. Então elas iriam brigar por tudo e ficaria louca. Eu a acalmaria antes de dormir, e as três mulheres da minha vida teriam bons sonhos. Também imaginei se não tivéssemos filho nenhum. Se fosse apenas eu e ela. Iria acordar e meu café estaria na mesa. Os dois sairíamos para trabalhar e eu a deixaria no escritório. Eu mandaria uma mensagem de texto meio boba na hora do almoço e ela estaria sorrindo no seu trabalho.
Toda essa imaginação era mera imaginação. Não passava disso: imagens que eu tinha antes de dormir. De alguma forma, eu já sabia que nunca iríamos ficar juntos de qualquer maneira, mas, mesmo assim, fiquei desolado quando recebi a notícia.
A mulher que eu amava iria se casar e tudo que eu imaginei nesses últimos três anos seria vivenciado por outra pessoa que não se chamava .
15 de abril de 2004
- Até que enfim você chegou! – Gritou Amy. Passei por James e Byron que estava na sala acertando alguma coisa para faculdade e fui até onde Amy me esperava, um pouco ansiosa.
- Olá, minha querida amiga. Que saudade. – Cumprimentei com sarcasmo. Ela revirou os olhos.
- Nossa querida amiga pré-adolescente revoltadinha se trancou no quarto de novo. – Anunciou. Sua voz parecia zangada, como se ela detestasse essas mudanças de humor de Sophie, mas também carregavam um quê de preocupação. Como se ela estivesse morrendo de vontade de solucionar qualquer problema que Sophie tivesse, mas não soubesse qual era o problema. Suspirei.
- Vou ver o que aconteceu.
Caminhei em silêncio até o quarto de Sophie, tirando o paletó e afrouxando o nó da gravata pelo caminho.
- Sophie?
-Está aberta. – Murmurou, sua voz anasalada e abafada. Supus que estava chorando e não estava preparado emocionalmente para o que encontraria. Abri a porta e encontrei Sophie aos soluços com um travesseiro na cara. Toddy já chegou me rodeando, acho que para “sentir o terreno”, ver se eu era um perigo ou não. Ele me olhou meio desconfiado, mas depois que fiz um carinho dele, deu um pulo em cima de mim e começou a sorrir. Sabe como é, aquela cara de cachorro feliz. Mas eu não estava ali por Toddy, estava por Sophie. Acho que ele também percebeu que desfocou de seu posto, porque voltou correndo para cama dela, colocando a grande cabeça em seu colo.
- Ei. – Sussurrei, me sentando ao lado dela e removendo o travesseiro de sua cara. – O que houve, princesa?
- Chuta. – Falou, limpando uma lágrima solitária da face.
- Matt de novo? – Chutei. Ela assentiu, e, pelo seu semblante, podia dizer que, com certeza, se esforçava para não chorar de novo. Sophie era uma garota meiga, mas muito orgulhosa. Acho que ninguém além de mim a viu chorando desde que completara oito anos de idade.
Passei a mão pelo cabelo de Sophie e ela se aproximou de mim, me dando um abraço. Toddy se aproximou também. – O que aconteceu dessa vez?
- Ele disse que sou feia. – Resmungou. – Eu amava ele, mas ele me odeia. Eu odeio ele para sempre, a partir de agora. – Confessou, escondida em meu tórax.
- Primeiro: Você não é feia. É a garota mais linda que eu conheço. Seg...
- Mais linda que mamãe? – Perguntou, inocente, brincando com os fiapinhos soltos da coberta. Pigarrei.
- Com certeza. Mais linda que mamãe.
Ela sorriu.
- Só diz isso porque é meu pai. É tipo, a obrigação dos pais dizer uma coisa dessas. Isso não muda o fato de que Matt disse que sou feia. E estou dizendo “feia” porque sou simpática, o que ele realmente disse foi “feia pra caramba”.
- Querida, qualquer rapaz, idiota ou não, que te chame de feia, não te merece. Esse babaca de primeira linha não te merece e eu não quero mais ver minha doce e forte Sophie chorando por causa dele. – Achei ter dito a coisa certa, mas eu obviamente fracassei. Acho que eu não era um bom aconselhador de “garotinhas pré-adolescentes que sofrem com o primeiro amor”.
- Argh, pai, você nunca me entende! – Falou mais alto, tornando a chorar. Toddy latiu para mim. Me senti ofendido. – Às vezes, seria bom ter uma mãe de verdade aqui. – Acrescentou, fazendo meu coração doer.
- Hey, não diz isso. Sua mãe está ocupada, você sabe.
Ela olhou bem no fundo dos meus olhos.
- Minha mãe morreu, pai. Era estranho ela não aceitar como sua mãe, mas nunca questionar nada quanto a Greg. Talvez por ser totalmente ausente, talvez por ter sido eu a criar Sophie, ela nunca questionou sobre mim. Aceitava que eu era seu tio, mas mesmo depois de eu ter contado a história, ela continuou me chamando de pai. a deixava confusa. O termo que ela mais usava era “Tia... mãe”. Ela sempre se confundia e eu podia ver o quão triste ficava pela tela do computador. Ela não perguntava muito sobre Greg. Disse que não queria soar “como uma bruxa sem coração”, mas não podia sentir falta de alguém que nunca conhecera. De acordo com ela, eu servia. Ela falou bem desse jeito, “Ah, mas tudo bem, você serve! ”. Já não fazia parte da vida dela, e não era a primeira vez que ela desejava ter uma mãe. Eu me sentia triste por ela, principalmente quando íamos aos parques e víamos várias mães com suas filhas.
Sophie desejava uma mãe mais que tudo no mundo, e isso era justamente a única coisa que eu jamais poderia dar a ela. Me sentia incapaz e inútil sempre quando pensava nisso.
- Como ela era? – Perguntou, de repente.
- Emma? –Ela sorriu.
- Sim.
Devolvi o sorriso para ela.
- Emma era incrível, Sophie. Você, por um acaso, é parecidíssima com ela. – Falei docilmente. Sophie sorriu ainda mais.
- É bom saber disso. Preciso tomar banho. – Acrescentou, depois de dar uma boa espreguiçada.
- Tudo bem. E esquece essa ideia de que você é feia. Você é maravilhosa. Sinto que não tenho te dito isso com frequência, desculpe.
Ela olhou para o chão.
- Não precisa se desculpar. – Garantiu, pegando a toalha no armário e andando até a porta. Quando chegou nela, virou-se e disse. – Obrigada por ser o melhor pai que eu poderia ter. Sinto que nunca te disse isso. – Dei um sorrisinho, que ela retribuiu e saiu porta a fora. Decidi ir até a sala me esticar um pouco na frente da TV.
-... eu sei, amiga, mas olha, não deu certo.
- Que pena, . Lamento mesmo. – Suspirou Amy, e tinha um leve tom de lamentação em sua voz. O que diabos está fazendo aqui? Ela estava na Espanha até ontem!
- . – Falou, se levantando assim que me viu aparecer na sala. Cocei a cabeça, espantado. Ela estava ainda mais bonita, se é que é possível. Seu cabelo estava bem mais curto e ela tinha adquirido algumas curvas. Estava mais linda que nunca.
- . Ela veio ao meu encontro e me abraçou. Mas me abraçou como nunca tinha feito antes e então, sem que eu me desse conta, ela estava me beijando.
Eu estava beijando .
Sem pensar em quem quer que estivesse assistindo a cena, tirei o espanto da minha reação e me dediquei somente a dar de volta aquilo que recebera. Tomei pela cintura e a apertei, fazendo com que ela soltasse uma exclamação de prazer. Isso acarretou sua mão na minha nuca, pressionando a outra nos meus cabelos e nos puxando para a mais livre poça de amor não correspondido.
Comecei a dar selinhos em sua face e fiquei feliz ao ver que ela sorria. O que fosse que tivesse acontecido com Logan na Espanha, fiquei contente que ela tivesse voltado. E ainda voltou para mim.
- , eu... – Começou. Beijei sua bochecha.
- Shiiii, não estraga o momento. – Dei mais um selinho suave antes de ela abrir os olhos e se afastar.
- Temos muito o que conversar. – Ela falou, séria, mas tinha um sorriso doce.
- Temos tempo até demais. – Comentei, puxando sua mão, até meu quarto, para que pudéssemos ter a nossa tal “conversa”.
19 de julho de 2006
“GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL DA ITÁAAAAALIA”
- Ganhou? A Itália ganhou?
- É CAMPEÃ, É CAMPEÃ!
- NÃO ACREDITO QUE A FRANÇA PERDEU, NÃO ACREDITO!
- Cinco a três nos pênaltis, CHUPA LINDS!
- CALEM A BOCA QUE O JORNALISTA ESTÁ FALANDO! – Gritou James. Foi tão alto e tão bravo que todo mundo se calou, até mesmo Toddy parou de latir, e logo em seguida começou a rir. – Desculpa pessoal, quero ouvir o jornalista e tal. - Ainda não entendi, a Itália ganhou? – Repetiu . Dei risada.
- Ganhou, querida, ganhou. – Ela revirou os olhos.
- Não me chama de querida. Soa tão falso. – Sorri.
- Desculpe, querida. – Ela me lançou um olhar assassino.
O pessoal se dispersou pela casa. Byron e James foram arrumar as malas e Linds, sempre uma lady, foi arrumar a bagunça de pipoca que fizeram no meu tapete. Por mim continuaria deitado com no sofá, mas a forma toda arrumadinha de Sophie passando pela gente fez meu “sensor de pai” apitar.
- Aonde vai vestida assim? – Perguntei. Ela me olhou descrente com o ciúme em minha voz. Não apenas ela, também exibia um olhar idêntico.
- Ela está perfeitamente decente, .
- Ela podia ter colocado uma calça.
Sophie revirou os olhos.
- Pai, qual é, está fazendo trinta e cinco graus lá fora.
concordou com a cabeça.
- Sem condições de colocar uma calça, querido. – Notei a ironia na voz dela e dei uma risadinha.
- Onde você vai, afinal? – Perguntei. Ela de repente ficou muito interessada em qualquer coisa que via naquele celular, por isso acho que não me ouviu. – Sophie?
- O que? – Murmurou, sem tirar os olhos do celular.
- Onde vai? – Ela colocou o celular no bolso do shorts e olhou para mim.
- Na casa de Matt. – Respondeu, baixinho.
- O quê? – Exclamamos eu e , ao mesmo tempo.
- Até ontem vocês se odiavam, isso não faz o menor sentido. – Argumentei.
-Estamos falando do mesmo Matt, querida?
-Isso não faz o menor sentido!
-Tem certeza que sabe o que está fazendo? Olha, eu pos...
- CHEGA! – Gritou Sophie. Assim que ficamos ambos quietos, Sophie corou. – Desculpe. Mas calma. É só um trabalho escolar. Não estou feliz com isso, na verdade. – Admitiu, e pelo seu semblante eu podia dizer que ela estava sendo sincera.
- Quer que eu vá ao colégio, eu...
- Não, não precisa. – Sophie me interrompeu. – Ele precisa de alguém que saiba desenhar e a Srta. Marinéz me juntou com ele. Mas acho que ela quer que a gente pare de brigar.
Deu de ombros, o que fez meu coração doer.
- Sophie...
Ela sorriu.
- Não importa, de verdade. Eu vou ficar bem.
Concordei com a cabeça.
- E onde ele mora?
- James vai me levar. Ah, olha ele aí, yupiiii! – Falou, fingindo o maior entusiasmo quando James desceu as escadas. e eu sorrimos para ela, apesar de eu ainda estar meio preocupado. Ela percebeu e veio me abraçar. – Vou ficar bem, pai. Tchau.
Deu um beijo na minha bochecha e na de , abraçou Toddy que estava de guarda na porta e, em seguida, acompanhou James até o carro.
- Ser pai de uma garota é tão estressante. – Resmunguei, quando Sophie saiu. deu risada.
- E o que acha então de ser pai de duas meninas? – Perguntou, como quem não quer nada. Fiz um carinho em sua mão, enquanto ela mexia em meus cabelos.
- Acho que ia ser legal. Não sei, não pensei nisso. – E nunca tinha pensado mesmo. sorriu de maneira agradável e colocou minha mão na sua barriga.
- Então pode começar a pensar agora.
Estaquei no lugar.
- Você está dizendo que...?
- Exatamente. – Respondeu, acariciando a barriga por enquanto reta. – O nome dela é Catherine. – Sussurrou pra mim.
Fiquei imaginando com aquela barriga, redonda com meu filho. Uma pessoa que tinha sido gerada através de mim. Não pude deixar de me sentir ansioso.
- Escolheu sem me consultar? – Arqueei as sobrancelhas. Ela sorriu.
- Bem, não somos casados. A guarda é minha. – Brincou.
- Então casa comigo. – Ela gargalhou.
- Pare com isso.
Fiquei confuso. Eu queria casar com ela. Deus, sim, eu realmente queria. Ela queria? Seria... demais se ela quisesse. O máximo que aconteceria seria ela dizer não. Fiquei sério e olhei no fundo dos olhos dela.
- Casa comigo. – Mas falei sério dessa vez. Ela percebeu que não era mais brincadeira. Seu olhar pareceu hesitar e confesso que isso me magoou.
- ... não precisa casar comigo só porque eu est...
- Não! Não, não, não é só por causa disso! Por que não pedi isso antes? – Perguntei a mim mesmo, fazendo ela rir. – , casa comigo. Prometo te fazer a mulher mais feliz dessa Terra. Por favor, me dê a honra de ser seu marido. – Pedi. levou a mão à boca, emocionada. Eu estava jurando que ela ia chorar.
- Não foi muito original. – Falou, rindo. Eu ri com ela. Peguei em sua mão e me ajoelhei. Ela não parava de sorrir e eu estava nervoso. Não era isso o que sempre quis? Casar-me com ? Oh, Deus, que isso não seja um sonho.
- . – Comecei.
- . – Completou, e ambos rimos.
- Claire , você quer se casar comigo?
Ela me estudou pelo que pareceu ser um longo tempo. Finalmente apertou minha mão e sorriu.
- , será uma honra me casar com você.
Levantei-me e a abracei, ficamos muito tempo abraçados, e só depois percebi que a família toda estava lá aplaudindo.
- A Itália ganhou, vai se casar com o amor da vida dele... A vida está demais para alguns. – Anunciou Byron, fazendo a gente rir.
Mais tarde, fomos a varanda, onde eu apontei para todas as estrelas do céu e lhe disse que o amor que eu sentia era maior do que a imensidão do universo. Eu a amava tanto que doía.
E naquela noite, quando ela respondeu que me amava na mesma intensidade, foi a primeira vez que duvidei de seus sentimentos.
23 de abril de 2009.
- Pai, você viu tia ? – Perguntou Sophie, enfiando a cabeça para dentro do quarto, onde eu estava com Cath, tentando fazê-la dormir.
- Hm... não. Talvez ela tenha ido no supermercado ou algo do tipo. – Murmurei, para não acordar Cath. Coloquei ela na cama e sai de fininho, com Sophie na minha cola.
- Argh, a prova de vestido dela é daqui meia hora! – Resmungou.
- Calma, Sophie. Daqui a pouco ela aparece. – Falou Linds, colocando a mão em seu ombro de uma maneira reconfortante.
- Parece que é você quem vai casar! Não devia ficar tão neurótica. – Brincou Matt, fazendo com que ela desse um soco na barriga dele. Linds revirou os olhos de brincadeira.
- Venha, prima. Vamos lá para sala. – Sophie olhou para ela com descrença.
- Mas... Byron está lá, tem certeza...?
Linds sorriu corajosamente.
- Claro, vamos lá.
E as duas foram, me deixando sozinho no hall. E preocupado também, era bem verdade que sumira desde as dez da manhã e já eram quase quatro horas.
Nem acreditava que finalmente iria me casar com a mulher por quem era loucamente apaixonado. Não estava acreditando na minha sorte. Todas as coisas que imaginei se tornaram realidade. Tínhamos duas filhas lindas, mas elas não brigavam. Cath adorava Sophie e o sentimento era recíproco.
Nós comíamos pizza de chocolate como se não houvesse amanhã, enquanto Sophie e Cath contavam como ia a escola. Sophie não falava muito, mas acho que era a adolescência. Talvez fosse. Ou talvez ainda tivesse vergonha do namorado. Matt vinha para casa quase toda semana, e apesar de, no começo, eu não ter ido muito com a cara dele, Matt era um bom rapaz. De verdade.
Enfim, eu presumia que éramos uma família feliz. E agora o meu maior sonho, coisas que eu achava que eram só fruto da minha imaginação, finalmente tomariam forma. Amanhã, tudo aquilo seria oficial.
Estava sorrindo comigo mesmo quando Sophie apareceu com meu maior pesadelo em suas mãos. Sua face estava petrificada em uma expressão de horror e eu detestei qualquer coisa que a tivesse deixado assim. Ela parecia prestes a chorar.
- Pai, eu... Eu... Olha, achei isso em cima da caixa de correios e... pai, sinto muito. – Sussurrou, me abraçando e saiu chorando do hall, deixando uma carta na minha mão. Estava endereçada a mim e era de . A carta estava aberta e pelo estado de Sophie, não podia ser uma coisa boa. Mas eu tinha que ler, era minha.
Seattle, 23 de abril de 2009
Querido ,
Sei que você me odeia agora. Eu não quero, nem vou, te impedir de me odiar porque não tenho o direito de fazer isso.
Ao receber isso eu já devo estar no avião e você já deve ter me procurado em toda parte ou então (o que é mais sua cara), acabou de perceber que desapareci. Bem, eu fugi. Eu tive meus motivos para não me casar e espero que você entenda. É a terceira vez que fico noiva, e a terceira vez que não me caso. Não era pra ser. Não era pra ser com ninguém. O problema não é você, , sou eu. Eu sou a problemática que não consegue colocar uma aliança dourada no dedo e ficar feliz, eu não consigo.
Não te fiz de bobo durante todos esses anos, isso nunca. Somos amigos desde os meus longínquos dezessete anos, e agora já tenho trinta e oito. Uma amizade assim, de vinte e poucos anos, não é de se achar em qualquer lugar. Uma amizade meio conturbada, mas ainda sim uma amizade.
Você foi a pessoa mais paciente do mundo em me esperar e eu aprecio isso. Sei que tirei todas as chances de você estar com outra mulher, a mulher que vai fazer por você o que eu não pude, e lamento muito por isso.
Nunca vou esquecer dos jantares surpresas, da nossa música, do fato de você cantar super mal, do seu incrível talento em malabarismos, do jeito simples e único com o qual você criou Sophie para ela ser o que é hoje e das historinhas que eu ouvia você contando para Catherine antes de dormir. Nunca esquecerei do homem bom e amável que você se tornou. E nunca na minha vida me arrependerei de ter dado meu e-mail para aquele garoto magricela e universitário que dançou comigo no casamento da minha irmã.
Catherine. Cuide dela. Sei que eu nem preciso pedir, mas eu estou pedindo mesmo assim. Não é um abandono, eu não estou abandonando ninguém. Vai ser melhor se eu encontrar um tempo para mim, por isso estou voltando para a Espanha. Eu tenho uma vida lá, .
Sinto que estou sendo muito egoísta, e, de certa forma, eu sou egoísta mesmo. E tudo que eu tenho a te dizer no fim dessa carta escrita entre lágrimas e com o peso de uma decisão tão difícil é: Eu amo você, . Eu amo a vocês dois. Eu amo demais, amo mais do que posso contar em palavras, amo mais do que posso medir.
Apesar de saber que me odeia, tenho a audácia de pedir perdão.
Perdão por ter te abandonado na época que você achou que fosse a mais feliz da sua vida, perdão por não ter dito isso tudo antes, perdão por arrancar essa centelha de felicidade que eu sei que acabou de sumir de seu rosto, perdão por deixar nossa filha, perdão por não ter botado mais fé em você no trabalho, perdão por ter sido tão desligada, só... perdão.
E perdão por não ter colaborado para que nós ficássemos todos juntos.
Eternamente sua,
.
01 de julho de 2014
O Brasil era muito diferente do que imaginei. Bem, Salvador era igualzinho ao que eu imaginei, mas estávamos na época da Copa, então era normal ter confeitos espalhados pela rua, crianças do lado de fora do estádio com aquelas “vuvuzelas”, bateristas das escolas de samba da Bahia batucando por ai e essas coisas.
- Não acredito que perdemos! – Exclamou Sophie, chateada. Matt a abraçou.
- Você sabe que nosso futebol não é um dos melhores... – Comentou, igualmente chateado.
- Ei, gente, que é isso. Não acaba aqui não, a gente ainda vai para São Paulo. Temos um segundo time para torcer. – Falei alegremente, e consegui fazer eles sorrirem um pouco.
- E ele é bem melhor que o nosso. – Acrescentou John, e todos rimos fazendo Sophie e Lucy revirarem os olhos.
- Pai, a gente vai pro hotel, estou exausta. Vem com a gente?
Neguei com a cabeça.
- Não, não. Eu vou comprar algo pra gente experimentar, vão na frente.
- Eu vou com eles. Lilly está com sono. – Falou John, apontando para a garotinha quase dormindo em pé. Ela já era grande demais para ser carregada, era um pouco mais velha que Cath, devia ter seus dez anos, então estava literalmente dormindo em pé. Assenti com a cabeça e Lucy sorriu para mim antes de se virar e seguir caminhada junto com o marido.
O pré-requisito para viagens ao exterior não era passagem de avião, nem aluguel de carro e nem hospedagem. Você deve pesquisar o clima para não terminar como eu. Achamos que em Julho era verão, como nos EUA, esquecemos completamente que era hemisfério sul. John, aquele meu maravilhoso amigo, “esqueceu” de me lembrar desse detalhe. Muito engraçadinho.
Chegamos em solos brasileiros todos equipados para o calor, mas estava fazendo um frio de matar. No primeiro dia, assim que a gente acordou, gastamos quase metade do dinheiro só com roupas. A coisa mais estressante de todas foi que nos dois dias seguidos fizera um calor de rachar, o que me deixou blaster irritado.
Apenas depois de eu comentar isso com John é que ele foi me dizer que “o clima do Brasil é um pouco complicado”. E era. Uma coisa de louco. Em um dia está fazendo quinze graus e no outro a temperatura subia para trinta, mas à noite, desse mesmo dia, caia para vinte. E ainda diziam que estávamos no inverno.
Eu não conhecia Salvador, preferi o pacote sem guia e me senti um burro por isso, já que eu não entendia nenhuma palavra em português, a não ser “Oi” e “Bom Dia”, porque o porteiro do hotel repetiu tanto, até que percebi que era uma saudação.
Cheguei em uma barriquinha de cachorros quentes, desistindo completamente da ideia de comer algo diferente. Fiquei na fila esperando minha vez e aí uma moça negra me atendeu.
Ela disse algumas coisas na língua que eu não conhecia e então percebeu que eu era de fora e puxou um cardápio meio primitivo de dentro do balcão.
Não adiantava tentar ler os ingredientes, então fui pela figura. Escolhi o que eu queria e fiz um número cinco para ela com a mão. Ela sorriu e mesmo que eu não soubesse falar a língua, o que ela disse tinha um certo tom de “aguarde um momento”.
Sentei em um banco de plástico que tinha na frente, para esperar os cinco hot dogs e aproveitei para conferir o texto de terça.
- .
Minha mente tinha que estar sonhando com essa voz absolutamente familiar. Tinha que estar. Lentamente, tão lentamente quanto possível, ergui minha cabeça.
Ela estava diferente. Mais viva, mais madura, mais bonita. Seu cabelo agora estava loiro, e, apesar de sempre ter gostado do cabelo dela, dessa forma deixava ela com um ar mais jovem, apesar da idade. A primeira coisa que notei foi que ela hesitava entre sorrir ou desejar que nunca tivesse me chamado. Por isso, para mostrar que estava tudo certo, sorri para ela, me levantando do banquinho.
- .
Ela veio até mim, lentamente, e nos abraçamos, a uma distância respeitável. Eu nunca passei tanto tempo sem falar com , a gente simplesmente sumiu do mapa um pro outro. Faziam cinco anos que a gente não se falava, era muito tempo.
- Como você está? – Perguntei, educadamente.
- Estou ótima, . E você? – Falou, levantando a mão para jogar o cabelo, que cresceu desde a última vez que eu vira, para trás.
E essa foi a segunda coisa que eu notei. A aliança dourada em sua mão esquerda. Engoli em seco.
- Estou bem também. – Ela percebeu para onde eu olhava e colocou a mão em meu ombro.
- Me perdoa, , eu n...
- Então você casou. – Comentei, mas não queria dar um sermão nela, então sorri. Isso pareceu funcionar.
- Sim, ano passado. – Respondeu, admirando a aliança.
- Posso tentar chutar ou...? – Ela riu.
- Logan. Ele está ali. – Disse, apontando para uma outra barraca. – Tínhamos decidido comprar tapioca, e aí, vimos você tentando se entender e... e ele me disse para vir aqui.
Arregalei os olhos.
- Ele disse?
- Temos uma filha juntos, , não é como se ele pudesse contra isso. – Seus olhos brilharam de repente. – Ela está aqui? Cath?
Neguei com a cabeça.
- Não, quis ficar com Linds e James em Seattle.
- Oh, eles se mudaram pra lá? – Exclamou, surpresa.
- Sim, estou fazendo a cabeça da família aos poucos. Daqui a pouco John se muda também. – Dei risada, sabendo que as chances eram mínimas. Nada nesse mundo ia afastar John do Oregon, nunca mais.
- , me perdoa, sim? Não precisa ser agora, ou esse ano, ou daqui dez anos, mas eu só quero saber que um dia, quando você for velhinho, vai pensar em mim como a que você conheceu. – Ela se aproximou mais um pouco. – Eu amava você, , mas o Logan me curou. Ele preencheu o que faltava desde quando Emma se fora e eu não percebia isso. Você era meu melhor amigo, mas era cunhado dela. Era próximo demais, eu me lembrava toda hora. Sophie me lembrava toda hora, até mesmo Cath me lembrava. Eu não as odeio, e nem a você. Mas o tempo que passei na Espanha me ajudou a não endoidar. Eu não fiz isso só por mim, eu fiz por vocês todos e espero que perceba isso. Já disse isso e direi de novo: eu não os abandonei, . Jamais os abandonaria.
- , eu...
- Não, não, . Não diz nada. Eu ia morrer se não te pedisse desculpas, mas não precisa dizer nada. Por favor.
Dei um meio sorriso.
- Eu não te odeio, . Nunca odiei. – Esclareci, verdadeiramente. A mulher no balcão chamou minha atenção, dizendo outras palavras que eu não conhecia. riu.
- Ela está dizendo para você pagar ali. – Traduziu, apontando para uma caixa registradora onde uma garota de no máximo doze anos estava operando. me seguiu até lá, onde eu paguei e retirei meus hot dogs, que estavam bem quentes, o que inesperadamente me deixou com fome.
- Desde quando você fala português? – Perguntei. Ela gargalhou.
- Não falo português, falo espanhol. É meio parecido, dá pra entender. – Explicou, dando de ombros. Senti meu celular vibrando e vi que era Sophie, uma foto dela apareceu. Recusei a chamada, mas sabia que precisava ir.
- Ela está linda. A cara da mãe dela. – Murmurou . Dei um grande sorriso.
- Ela é maravilhosa. Matt beija o chão que ela pisa.
- Se ele já era assim, agora deve estar pior. – Comentou, rindo. Ri com ela, olhando para o chão.
- Hm... eu tenho que ir, Sophie deve estar preocupada. – Falei. deu um sorriso sem mostrar os dentes.
- Tudo bem. Espero que dê tudo certo na sua vida, . – Sussurrou, me abraçando e depois se afastando.
Queria não dizer nada, queria convidar ela para ver Sophie, nem que Logan precisasse ir junto. Mas depois do desabafo dela, eu entendi. Ela queria distância. Eu não estava defendendo, de maneira nenhuma, não sei mesmo que tipo de mulher vira as costas para a própria filha e temi que, no dia que ela se tocasse, fosse tarde demais. Eu a protegeria, eu protegeria Cath. Ela era minha semente, ela era a pura semente do nosso amor e sempre que eu olhasse Cath, eu lembraria de .
Porque sua última frase, foi em um tom de adeus. Do jeito que ela falou, eu soube, naquele momento, que nunca mais a veria novamente. Nem Cath, nem Sophie e nem ninguém.
Então de um modo tão suave quanto foi possível, coloquei a mão direita no bolso, segurei a caixinha com os lanches no outro braço, e me afastando, disse da maneira mais terna que consegui:
- E eu te desejo tudo em dobro, .
Antes de eu me virar, eu vi seu sorriso. Era o meu sorriso, o sorriso que ela dava quando eu fazia algo que a agradava.
Se tudo que eu tinha direito era ver de novo o meu sorriso depois de cinco anos, então eu era um homem de sorte.
E sorrindo, forçando essa última memória de em minha memória para sempre, fui caminhando em direção ao hotel.
20 de maio de 2015
- Foi a última vez que a vi, mas isso você já sabe. – Finalizei, olhando para baixo. Quando olhei em seus olhos, vi lágrimas e me assustei. – Cath?
- Meu Deus, pai, isso é tão triste. – Comentou, secando as lágrimas. Concordei com a cabeça. – Você acha que ela vai voltar? – Olhei para ela atentamente. Não queria magoá-la, mas também não queria que ela ficasse alimentando esperanças. Acho que ela já era grandinha para entender isso.
- Não. – Respondi. Mesmo nova, eu pude perceber que ela notou a tristeza em minha voz. E obviamente, Cath ficou chateada com a minha resposta.
- Por quê? – Questionou, em um tom choroso.
Por que eu tinha tanta certeza? Como eu sabia?
Ela era o tipo de mulher que não me amou um dia na vida. Ela me amava de um modo fraternal, pode até ser, mas nunca me amou de fato. Nunca sequer visitou Catherine. Ela simplesmente abandonou sua própria filha, apesar de ter dito que não o fez.
Por que eu tinha tanta certeza que ela jamais voltaria?
Eu sentia. Sentia que ela estava feliz com seu marido na Espanha, e que sua vida nos Estados Unidos já era passado. Todos que passaram pela sua vida, eu, Sophie, John, Lucy, Amy, Linds, James, Byron, e agora Cath, ninguém significava mais nada para ela.
Eu sabia. Sabia que ela se sentia mais ela mesma, que ela estava em seu ambiente, ela tinha outra vida, com outras pessoas e outros roteiros. Apesar de estar chateado, tive que reconhecer que tudo que aconteceu entre nós serviu para alguma coisa. Eu não teria essas duas mulheres maravilhosas que eram Sophie e Cath e isso seria no mínimo frustrante.
Ela não voltaria. Essa era uma certeza gritante, como se eu estivesse lendo a mente dela, e me dizia telepaticamente que nunca mais, jamais pisaria em Washington ou em qualquer outro estado americano outra vez.
Mas esse não era o ponto. Eu estaria mentindo se dissesse que fui infeliz, porque não fui. Só tivemos nove anos juntos de verdade, mas foram nove anos que eu jamais trocaria por nada. Foram nove anos de amor, de amizade, de parceria, de comunhão. Foram nove anos de coisas boas, de puras coisas boas.
Depois que nos encontramos no Brasil, ela ligou três vezes, mas não atendi nenhuma. Não suportei atender, ouvir sua voz e como estava tudo as mil maravilhas na vida dela. Eu era um homem quebrado, e preferia continuar daquele jeito, sem alimentar esperanças. já me quebrara em muitos pedaços, se ela quebrasse um pouco mais, eu me destruiria. Essa foi a parte que eu escondi de Cath. Ela não precisava saber disso.
Então foi só isso que aconteceu. Anos e anos de coisas boas.
Catherine ainda me encarava, querendo saber a resposta. Eu poderia dizer tudo a ela. Poderia contar todas as minhas teorias, porém não fiz isso.
“Porque ela não vai voltar?“, Cath perguntara.
Eu apenas respondi com a maior verdade que já haviam me contado.
- Porque uma coisa boa não dura muito tempo.
Essa é uma história que começou há, mais ou menos, vinte e cinco anos.
Quando volto mentalmente no tempo, percebo que não devia ter feito o que fiz, que ela não devia ter feito o que fez e que tudo, nesses últimos vinte e cinco anos, foi um erro.
Mas, ao mesmo tempo, quando volto mentalmente no tempo, descubro que sem esses erros, nós não teríamos crescido.
Sem essas falhas, ela não seria a mesma mulher que é hoje.
E sem essa garota, eu não seria o homem que me tornei.
20 de maio de 1990
Trim trim trim trim trim
Senti um sapato bater na minha testa. Com toda certeza, ele tinha sido arremessado por John, meu amável colega de quarto. Tateei o despertador na cômoda e, sem nem olhar, soquei o pino para fazê-lo parar de tocar. Em seguida, virei-me para o lado e voltei a dormir.
Trim trim trim trim trim
Dessa vez John acertou meu estômago e eu acordei uivando de dor. Mas esse maldito despertador não ia parar de tocar? Levantei, grogue, e fui desligar a porcaria do meu despertador de novo. Acontece que não era o despertador, o que tocava era o maldito telefone de merda. Apostava toda a droga do meu apartamento no campus que era a minha mãe.
- Querido! Quanto tempo! – Berrou minha mãe no telefone, assim que atendi.
Bingo. Precisei afastar o celular da minha orelha, ela falou realmente alto.
- É... Oi, mãe. – Respondi, com a melhor voz de sono in the world.
- Está tudo bem aí? Faz tempo que não me telefona...
Dei um suspiro.
- Sim, mãe, tudo óti...
- Ah, querido, você faz tanta falta! Seu pai está doido sem um companheiro de pesca por aqui, precisamos de você de volta!
- Hm... Legal, mãe.... – Murmurei. Ainda estava com sono, ela não ia conseguir arrancar muitas palavras de mim.
- Liguei pra lembrar você do casamento do Greg. – Falou.
- Claro, mãe, como se eu fosse me esquecer da droga do casamento do meu irmão. –Resmunguei, sentando na cama novamente.
- , você é o padrinho. É importante que chegue no horário e estou falando sério dessa vez. Devia falar com Greg e Em. – Repreendeu, provavelmente porque eu sempre chegava atrasado mesmo.
Minha casa era muito longe da faculdade. Eram, mais ou menos, quatro ou cinco horas de voo, contando com o fuso horário, o que era uma ótima desculpa para não os visitar com frequência. Fazia apenas um ano e oito meses desde que eu me mudara, mas eu já os tinha visto há dois meses, no meu próprio aniversário.
Estudava na Universidade de Seattle, mas nasci na boa e velha Nova York. Meio que cansei das regras, da família grande e rica, e resolvi, junto com meu grande amigo John, mudar de ambiente. Indo para o outro lado dos Estados Unidos, no caso. A bem da verdade, eu praticamente obriguei John a vir comigo, mas ele acabou gostando de Seattle. No final, todo mundo gostava.
- Greg me ligou esses dias e eu já falei com Emma também. Pelo... hm, Skype. – Menti. Me senti meio mal por ter que mentir, mas o mal-estar foi embora tão rápido quanto surgira.
- Por favor, , eu estou falando sério – Praticamente implorou, notando a mentira em minha voz.
- Tá bem, mas quero lembrar que John vai comigo.
Minha mãe deu um suspiro feliz do outro lado da linha.
- Tudo bem, querido, pode trazer quem quiser. Menos aquela garota de cabelo rosa, eu não gosto muito dela. – Murmurou.
Amy. Minha mãe achava que ela seria uma má influência para mim se eu começasse a namorá-la, mas não tinha chance nenhuma de eu namorar com ela algum dia. Por motivos de: Amy era lésbica. Claro que, apesar da opção sexual de Amy ser totalmente reconhecida por todo mundo (inclusive pelos pais dela), eu nunca disse isso a minha mãe.
- Ok.
- , seu voo parte ao meio dia! Tenha um bom voo, querido, até mais tarde!
- Ei, mãe, você não podia, sei lá, me ligar depois das seis da próxima vez? – Perguntei, mas ela já tinha desligado. Legal. Eram exatamente 5:30 da manhã. Esqueceu do fuso horário de novo. Dei um bocejo e decidi voltar a dormir antes de começar o dia me preparando para a longa viagem.
- John, ei, John. Acorda. – Fiquei balançando o garoto de um lado para o outro e, um pouco antes de eu pegar meu tênis para revidar sua perícia de hoje mais cedo, ele abriu aqueles olhos azuis elétricos que me deixavam louco. Brincadeira.
- O que é? – Perguntou, coçando os olhos e se sentando.
- Primeiro, já são dez e trinta e oito e nosso voo sai ao meio dia. Segundo, temos que sair do campus agora e ir para Nova York. – John revirou os olhos.
- Eu não vou a Nova York agora. Nem fudendo. Não vou. – Pegou as cobertas, se cobriu e (quase) voltou a dormir. Tirei o cobertor dele e joguei no chão.
- Vai sim. Mês passado eu fui até a porra do Oregon com você, só pra ver aquela sua namoradinha Lucy. Retribua o favor e vamos a Nova York, agora. É casamento de Greg. – Lembrei-lhe.
Ele resmungou mais um pouco, mas acabou se levantando e pegou uma roupa no armário que a gente dividia. Depois foi até o banheiro e fechou a porta com uma força um pouco maior do que a necessária. Sentei na minha cama para esperar John, já que eu estava pronto.
John demorou mais ou menos meia hora lá dentro, ou mais, porque quando ele saiu eu estava ferrado no sono. Acordei com uma outra sapatada na cara.
-Vamos, . – Falou, e eu notei seu mau humor. Peguei uma blusa de frio em cima da cadeira e uma mochila. – Vai dormir lá?
Arregalei os olhos, perplexo com sua pergunta idiota.
- Você não espera que eu vá e volte no mesmo dia, certo? – John soltou mais uma avalanche de palavrões antes de jogar qualquer roupa que achasse na frente dentro da própria mochila.
- Esse feriado vai ser um desastre. – Comentou, socando uma calça jeans que se recusava a caber ali. – Vai chamar Amy?
- Melhor não. Greg não a conhece. – Falei, o ajudando a colocar a calça dentro da bolsa.
Com ambos os zíperes prestes a estourarem, deixamos o quarto e fomos em direção ao ponto de táxi.
Felizmente nós não perdemos o voo, mas foi por um triz. John dormiu a viagem toda e não restou nada para eu fazer a não ser adiantar um relatório que era para ser entregue na quinta-feira seguinte.
Obviamente, não tinha nenhum ser humano infeliz para nos receber quando pousamos em Nova York. Claro que não tinha. Revirei os olhos, enquanto colocava a alça da minha mochila nas costas. John parecia melhor, pelo menos estava conversando comigo, o que era um bom sinal.
- E ela nem era assim, tãaao gostosa. Sério, acho que Connor se deu mal. – Falou, me explicando sobre o fim do relacionamento de alguns de nossos amigos, Connor e Naty. Pelo que John me dizia, Connor, aquele filho da puta, tinha traído Naty com uma garota da fraternidade vizinha. Faculdade, álcool, festas, traições e dramas. Vida de universitário em geral.
- Tomara que ela esteja bem. – Desejei, porque Naty era realmente muito doce e não merecia aquilo.
Estávamos parados na frente do aeroporto, nos acostumando com o ar, acho. Bom, era a única explicação para não termos ido até um ponto de táxi ou a uma droga qualquer.
- Acho... acho que a gente precisa ir. – Sugeriu John, olhando para um táxi amarelo quando eu não disse mais nada. Concordei com ele, assentindo com a cabeça, mas assim que dei um passo, escutei uma voz feminina e desconhecida gritar meu nome.
- !? – Foi mais uma pergunta. Virei-me para a pessoa que me chamava e a garota sorriu e chegou mais perto. – Oi... ? –Perguntou, meio que para confirmar. Eu poderia ser um idiota com ela, dizendo um “Não, sou Johnny Depp, prazer”, mas resolvi não ser. Estava de mau humor, mas não precisava descontar nela.
- Sim... sou eu. – Falei, enquanto John olhava para a garota com os olhos esbugalhados.
Sim, garota. Apostava que ela ainda estava no colegial, não parecia ter mais de dezoito anos. O olhar de John era explicado por: a garota ser linda. Sério, ela era linda. Nova demais, talvez, mas ainda era realmente a garota mais bonita que eu já havia visto na vida. Não que eu fosse admitir. Ao contrário de John, eu sabia como disfarçar.
Ela deu um sorrisinho e colocou uma mecha de seu longo cabelo castanho atrás da orelha.
- Ufa, fiquei preocupada com a possibilidade de não te reconhecer de primeira. A foto era meio antiga. – Ela riu. A risada dela era tão gostosa que só pude ficar parado olhando como um idiota. John deu um sorriso amarelo e eu senti o clima meio constrangido por ali. Ela olhou para mim de novo. – Hm, sua mãe me enviou. Para te buscar. Buscar vocês dois. – Acrescentou, olhando para John pela primeira vez.
- Ah, claro, senhorita...? – Fiz uma pergunta nas entrelinhas. Ela se deu um tapão na testa.
- Perdão, me esqueci. , meu nome é . –Respondeu, corada. Dei um largo sorriso pela primeira vez.
-Então vamos, .
- Pode me chamar de . – Ela falou, virando-se de costas para mim, e andando a nossa frente.
- Cara, ela é gata. – Sussurrou John para mim. Dei um tapa em suas costas.
- Você tem namorada, John. – Sussurrei de volta. Ele riu.
-Isso não a faz ser menos gata. – Apenas revirei os olhos e apertei o passo para chegar até .
Reconheci o veículo assim que o vi, era meu. Recusei-me a levar aquele carro enorme para Seattle, então ele ficava ali, até que alguém resolvesse usá-lo. Exatamente como nossa querida estava fazendo agora.
Eram quase cinco horas da tarde e o casamento só começaria às nove, por isso era super incompreensível que estivesse maquiada e com um penteado esquisito no cabelo longo. Mulheres e suas frescuras. Provavelmente, Em deveria estar em qualquer salão idiota, mas o que me importava era ir atrás de Greg.
Estava silencioso demais dentro do carro. John, aquele tremendo tapado, percebeu o mesmo que eu, mas decidiu começar uma conversa.
- E então, você vai? Digo, para o casamento? –“Isso é obvio, John”, quis dizer, mas foi mais rápida.
- Sim, claro. – Riu. – Sou a madrinha da noiva.
- Madrinha? – Perguntei, curioso. Ela desviou os olhos do volante e olhou para mim, por um segundo, antes de rir de novo.
- Sou irmã da Em, na verdade. Mas moro na Austrália desde os onze anos, com meu pai. Voltei para cá há pouco tempo. – Esclareceu. Hm, irmã de Em. Emma nunca me disse que tinha uma irmã, mas provavelmente eu não devo ter conversado muito com ela para obter esse tipo de informação. Além disso, os pais de Em eram separados, então suponho que cada um ficou com uma filha. Ou então eram filhas só por parte de um dos pais, já que elas sequer eram parecidas. Não perguntei nada disso, preferi me afogar com minhas próprias teorias.
O tráfego de Nova York estava igual como eu me lembrava. Lento. A gente não morava exatamente na cidade, era uma casa grande parecida com uma casa de campo, portanto virou uma rua que levava à estrada de terra e, a partir daí, não havia mais nenhum outro carro além do nosso. Aos poucos, a estrada de terra foi sumindo e uma rua pavimentada e restrita, também conhecida como a rua da minha casa, se estendeu a nossa frente. Jack abriu os pesados portões assim que nos viu e adentramos no resplendor magnifico que era aquela belíssima construção. A casa gigante, o pátio gigante, uma piscina gigante, vários empregados trabalhando (provavelmente tinha o triplo por conta do casamento) e blá blá blá.
Não é de se admirar que eu tenha tido vontade de ir embora.
- , querido! –Gritou minha mãe, saindo pela porta de entrada assim que me viu. Forcei um sorriso.
- Oi, mãe. – Sussurrei de um jeito meio anasalado, porque ela tinha tapado meu nariz ao me abraçar.
- Ah, deixe eu olhar pra você! – Falou, se afastando alguns centímetros e me olhando como se eu fosse o último copo de água do deserto. – Ele não é lindo, ?
demorou um pouco para perceber do que minha mãe falava e corou um pouco quando foi obrigada a dar uma resposta. Acho que meu sorrisinho cínico a atrapalhou um pouco.
- Ah... sim, sim, ele é lindo. – Falou, corando ainda mais quando John não conseguiu segurar a gargalhada e deu uma risada em alto e bom som. Sua risada chamou a atenção de minha mãe, que abriu um grande sorriso para ele.
- Johnny! Como você está crescido, querido. – Exclamou, quando o abraçou.
John e eu fomos praticamente criados juntos. Não é algo legal de ficar comentando por aí, mas a verdade nua e crua é: seus pais trabalhavam para os meus. Eles morreram. Minha mãe ficou com John. Fim. Éramos quase irmãos. Eu entrei na universidade por causa da boa quantidade de dinheiro que meu pai investia em mim. Mas John conseguiu uma bolsa. Era provavelmente a pessoa mais inteligente que eu conhecia. Não sei mesmo se um dia iria encontrar alguém que era nerd e idiota ao mesmo tempo, por isso eu gostava de ter John por perto.
Deixei John com minha mãe e entrei em casa, pela primeira vez em meses. Não tinha mudado nada, exceto que estava bem cheia de coisa por causa do casamento. Fui direto até o terceiro quarto do segundo andar, onde sabia que meu querido irmão mais velho estaria. Como queria mostrar que ia me comportar, dei um soquinho na porta, mas não esperei um consentimento para entrar.
- Maninho. – Sussurrou, desviando o olho do videogame assim que me viu.
- Fala sério, Greg, você vai se casar daqui a quatro horas. – Ri, enquanto ele dava de ombros.
- Como chegou?
- Hm... bem, eu acho.
Greg riu.
- Perguntei como chegou aqui em casa. – Estava desviando de sua pergunta de propósito. Sabia que ele ia me dizer alguma coisa sobre .
- Ah. Sua adorável cunhada adolescente foi me buscar. – Respondi, rindo de um jeito meio esquisito. Greg rolou os olhos para mim.
- Ela é mais legal do que parece.
- Oook, hoje o casamento é seu, vamos falar da sua noiva, não da minha. – Precisei de cinco segundos inteiros para perceber a asneira que tinha falado. Mas já era tarde demais, Greg estava rindo feito louco.
- Ok, certo, então vamos deixar sua noiva fora dessa conversa por enquanto, já que seu casamento com a sua noiva, que você por um acaso conheceu hoje, vai n...
- Ah, cale a boca, Greg. – Falei, dando um soco mental na minha própria cara por ter dito algo tão idiota. – Não acredito que vai se casar. Isso é insano. – Murmurei.
Ele finalmente desligou o vídeogame e veio se sentar na cama ao meu lado. Deu um longo suspiro antes de falar:
- Um dia, você vai conhecer alguém. E esse alguém vai ser a gravidade que te prende na Terra. Vai ser mais importante que o oxigênio que você respira e você vai fazer todas as vontades dela, porque ela é tudo para você. Um dia, , você vai amar e finalmente entender o real valor de um casamento.
Continuamos a conversa pré casamento numa boa depois desse pequeno desabafo. Coloquei na minha cabeça que Greg era um babaca romântico e não dei a menor atenção para o que ele tinha falado. Mas quando deixei seu quarto, não pude deixar de imaginar que universo estranho seria aquele se as palavras de Greg estivessem corretas. E algo em meu íntimo me dizia que elas estavam.
- Olá, . – Murmurei, sentando-me ao lado dela. A garota sorriu.
- Olá, . – Respondeu, no mesmo tom. Rimos em seguida. John estava entretido tendo uma séria conversa com James e Linds (era uma cena engraçada de se assistir), meus pais tinham sumido e estava sozinha. Resolvi que não queria atrapalhar todo o lindo amor de Greg e Em e presumi que fosse uma boa ideia tentar conversar com , já que a gente não se falara desde aquele incidente constrangedor com minha mãe mais cedo.
- E então? – Perguntei, não sabendo exatamente como começar uma conversa. Eu era péssimo nisso, realmente.
Ela riu.
- Estuda na US, né? – Fiquei aliviado com sua facilidade de comunicação. Devia ser um talento para as mulheres em geral.
- Sim... lá é legal. – Murmurei, odiando a mim mesmo e a minha estúpida, porém inevitável, falta de jeito.
- Tem quantos anos?
- Hm... vinte e um. E você, deve ter o que... uns quinze? – Chutei, de brincadeira, me deparando com a cara risonha dela.
- Tenho dezessete, . – Falou, rindo de minha expressão em seguida. – Pareço uma menininha, mas só pareço mesmo. – Riu, mostrando a língua e bebendo um gole de seu vinho.
Depois dessa constrangida tentativa de conversa, me soltei bastante e tivemos o que pareceu uma conversa de verdade. Chamei-a para dançar algum tempo depois e nos juntamos a John na pista de dança.
Foi uma noite divertida. Eu sinceramente pensei em beijá-la em uma determinada hora da festa, mas decidi que era melhor não. Não queria nem imaginar como seria o resto do feriado, com todos nós na mesma casa. Se não fosse por esses fatores, ainda tinha a parte de que fazíamos parte de uma mesma família agora, querendo ou não. E eu iria para Seattle dali a dois dias, então não valia a pena.
Na minha última manhã em Nova York, trocamos e-mails, no entanto. era uma garota legal, sua amizade, com certeza, valeria a pena. John quase chorou quando foi se despedir de meus pais e James riu tanto da cena que ficou roxo. Ele era um garotinho e tanto.
Fui embora da minha cidade natal muito mais leve do que quando chegara, e eu nem fazia ideia do motivo.
30 de julho de 1992
- ! – Primeiro eu senti meu corpo batendo no chão, depois ouvi alguém me chamando e apenas segundos depois percebi de quem era a voz e o corpo da pessoa que estava em cima de mim.
- ! – Saudei, rindo de seu entusiasmo, e a abracei de volta ainda no chão. Ela resolveu sair de cima da minha pessoa e me ajudou a levantar, em seguida. Ela estava diferente. Parecia mais alta e seus cabelos estavam ainda maiores que da última vez.
- John não pôde vir mesmo? – Ela parecia um pouco decepcionada quando fez a pergunta.
- Hm, não... não teve a mesma sorte que eu. – Ela assentiu, compreensiva.
Começamos a andar em direção ao estacionamento, mas, alguns passos depois de termos começado a andar, ela me parou e abriu um grande sorriso.
- Fecha os olhos. – Praticamente gritou. Eu ri da empolgação dela, mas fechei os olhos. Senti sua pequena mão segurando na minha, me guiando até onde quer que fosse. Ela parou de andar. – Pronto, pode abrir.
Abri os olhos lentamente e uma luz berrante e amarela invadiu minha visão.
- Ah, não, , você não fez isso. –Ri, andando na direção daquele canário amarelo que ela chamava de carro.
- Bem, eu disse que faria. – E ela disse mesmo.
Tivemos uma breve discussão sobre isso há alguns meses, onde eu dizia que um carro amarelo chamaria muita atenção e ela me apoiava dizendo que chamar atenção era justamente o que ela queria. Se ela fosse assaltada não adiantaria recorrer a uma pessoa que morava do outro lado dos Estados Unidos, no caso, eu. Ela me ofendeu quando disse que não precisava de mim para absolutamente nada.
- Ai, , ela é tão linda! Você vai adorar a Sophie! – Comentou, enquanto fazia o trajeto conhecido até a casa de meus pais.
- Tomara que ela seja parecida com a mãe. – deu uma risadinha metida.
- Modéstia à parte, ela é a minha cara. – Falou.
- Acho que ela não é muito bonita, então. – Brinquei. tirou as mãos do volante por um momento para estapear meu braço, e então fomos brincando pelo resto do caminho como se eu não tivesse vinte e três anos nas costas e sim uns treze.
- ! – Gritou James, assim que me viu, quando apareci no portão de entrada. Estava conversando com Linds no portão da frente.
Senti-me importante, mas depois me disse que eles só estavam esperando Byron chegar.
- Oi, Jay, oi, Linds. – Falei, dando um tapinha nas costas de James e bagunçando um pouco o cabelo de Linds. Ela me olhou com cara feia e eu ri. Suspeitei que estivesse de olho no Byron, por isso não me envergonhei de repreender de um jeito sarcástico:
- Ele é só cinco anos mais velho que você, prima. – Pisquei. E ela ficou mais brava ainda, revirando os olhos de um jeito que achei impertinente demais para uma garotinha de nove anos.
- Ela está impossível mesmo. – Sussurrei para quando fomos para casa. Ela deu de ombros.
- Eu disse.
A casa estava cheia, como sempre. Ela, na verdade, pertencia à família de minha mãe. Fora construída para abrigar várias pessoas e, de certa forma, estaria mentindo se dissesse que tinha tido uma infância horrível. Sempre fora muito apegado com minha família. Ela era tradicional demais talvez, mas eu me revoltei apenas quando cheguei ao auge da adolescência.
A casa pertencia aos três irmãos. Minha mãe, a mais velha, tia Marylin, a do meio, e tio Brian, o mais novo. Tia Marylin não tinha marido nem filhos, se preocupava demais com sua aparência e era meia rabugenta. Quando eu e Greg éramos crianças, vivíamos fazendo apostas sobre a probabilidade de ela ser uma bruxa ou não. Mamãe ficou furiosa quando descobriu e percebi que tia Marylin ficou meia chateada, por isso eu sabia que no fundo ela tinha um coração. Tio Brian casou-se com tia Celine e tiveram James e Linds. Minha mãe teve apenas eu e Greg, e Greg por sua vez casou-se com Emma e tiveram a minha sobrinha Sophie, que eu ainda não conhecia. obteve ordem judicial por parte de minha mãe, que a obrigava a morar lá com todo mundo. Era uma família grande, sem contar os empregados gentis como Jack, o porteiro, e Madlen, a cozinheira mais fantástica que já conheci.
- ? Venha aqui! – Ouvi Em dizer. Ela tinha uma voz meio cansada, por causa da garotinha, imagino. Dirigi-me em direção a sua voz e entrei em um quarto de criancinha, com uma parede rosa claro e vários bichinhos enfeitando a parede. Eu sabia que a decoração tinha sido projeto de , e fiquei dez vezes mais embasbacado com o talento da garota.
Sophie havia nascido há cinco meses, mas só agora consegui tempo para vir visita-la. A faculdade me tomava muito tempo e eu acabei deixando minha família de lado. Senti-me culpado por isso, mas e eu conversávamos todos os dias e assim eu recebia notícias deles com mais frequência do que eu receberia se eu nunca tivesse conhecido na minha vida.
- Emma! – Falei, lhe dando um abraço e me afastando logo em seguida, intimidado com o pequeno ser em seus braços.
- Vem, Sophie! Venha conhecer o tio ! – Sussurrou , pegando a bebê dos braços de Em. Até aquele momento nada tinha feito sentido para mim.
Emma e Greg tinham se casado, legal. Emma e Greg tinham tido uma filha, maneiro. Emma e Greg conseguiram uma casa linda em Manhattan, arrasou. Parecia que tudo na vida de Emma e Greg estava se ajustando e eu estava feliz por eles, mas não me encaixava. Era a família dele.
Mas quando colocou as coisas dessa forma, quando disse “tio ”, e quando eu segurei Sophie nos braços pela primeira vez, estava encantado com aquela criatura minúscula que, por algum motivo biológico esquisito, tinha aqueles olhos iguaizinhos aos meus. Quando segurei aquela pequena e delicada Sophie, tudo que eu imaginava sobre a vida separada de Emma e Greg ruiu, porque, por causa de uma bebezinha de cinco meses, eu comecei a me sentir aceito novamente.
Eu segurei Sophie por vinte minutos inteiros, parecendo um titio bobão (foi quem me disse isso depois), quando Emma muito educadamente pediu a pequena de volta para amamentá-la. Era muito difícil não cair de amores por aquela menininha.
Depois de horas, quando Sophie tinha mamado, dormido, acordado e mamado de novo, estávamos os quatro; eu, , Emma e minha mãe, observando a menininha entretida com a TV, rindo a cada coisinha boba que ela fazia.
- E então, como é que você está, tio do ano? – Falou , que, cansada de paparicar Sophie, veio tirar meu sossego.
- Eu estou legal, tia do ano. – Respondi. Ela gargalhou.
- Sophie é, de fato, a melhor coisa que já aconteceu com a gente. Quer dizer, olha só pra ela! – Exclamou, com um genuíno sorriso no rosto e uma admiração imensa no olhar.
- Ela é mesmo incrível. – Aprovei, fazendo o olhar de se iluminar mais ainda.
- ! Me ajude aqui. – Gritou Em, presa entre atender o telefone e acudir Sophie que de repente começara a chorar. se levantou, pronta.
- Quem é a bebezinha mais cuti cuti da tia ? –Gritou para Sophie, tomando-a dos braços de Emma. A bebê não parecia ter achado a tia muito normal, mas aos poucos seu choro foi se transformando em uma gargalhada tão gostosa que até eu não pude deixar de rir com ela.
- Eu adoro ela. – Sussurrou a voz de Greg em meus ouvidos. Assustei-me por uma fração de segundos, mas logo me recompus. Dei uma tossidinha para disfarçar qualquer coisa antes de abrir o maior sorriso do mundo para meu irmão preferido. - Hey, Greg!
Ele sorriu, me abraçando de lado.
- Eu estava errado, sabe. – Começou. Nos afastamos um pouco do grupo, nos sentando cada um em uma ponta do sofá.
- Geralmente você está mesmo, mas sobre o que dessa vez? – Perguntei, recebendo um soquinho no braço em troca.
- Não é Emma a única pessoa que me prende à Terra. – Confessou. Me lembrei dessas palavras, aquelas que ele disse antes de se casar. – Então, me sinto na obrigação de reformular minha frase.
Eu realmente não queria aula de sentimentalismos.
- Ah, não, não precisa, não. – Resmunguei, dando um sorrisinho debochado. Ele não me ouviu, claro.
- A garota, aquela garota, não vai ser a única coisa que te prende à Terra. – Repetiu. – Mas ela vai te dar algo que prenda. Ela vai te dar o maior presente que você vai receber na vida. Ela vai te dar uma família, . – Sussurrou, sorrindo, orgulhoso, para a esposa e para a linda filha que estava em seu colo. Sorri com ele e, dessa vez, acreditei que o que ele dizia era verdade. Mais do que isso, me peguei desejando ter tudo o que ele tinha.
- Então, eu preciso encontrar essa garota, Greg. – Sussurrei. Greg me lançou um sorriso culpado.
- Receio que sim.
Não sei o motivo, mas, sem combinar e de um jeito totalmente automático, ambos olhamos para brincando com a sobrinha no tapete.
16 de maio de 1994
A aglomeração de pessoas vestidas de preto infestava minha casa. Eu não sabia o que era pior, as pessoas que estavam chorando, as pessoas que tentavam me consolar ou, o que era ainda o pior do pior, as pessoas que tentavam me consolar, chorando. Havia por lá vários rostos conhecidos, mas também vi algumas caras jamais vistas antes. Eu mesmo já tinha parado de chorar, porém não conseguia falar com ninguém, e também não queria que ninguém viesse falar comigo.
- . – Escutei a voz chorosa de alguém que eu automaticamente fui abraçar.
era a única exceção. Sentia que ela me entendia, que ninguém naquele salão perdeu mais do que nós dois. Greg era meu irmão, e Emma, a irmã dela, mas aquele casal, o meu irmão, foram responsáveis pelo começo da nossa amizade e eu sentia que estávamos atados apenas por causa de Greg. Eu me beliscava toda hora, querendo acordar de um terrível pesadelo, incapaz de acreditar que algo assim pudesse ter acontecido para um casal tão bom, tão amoroso, que estava vivendo de um modo tão honesto e nunca fizera mal a ninguém. Nunca iria entender que coisa horrível fizeram para merecer tal destino. Eu sabia que a culpa não estava nas ações horríveis que eu tinha certeza que eles não haviam feito, mas eu precisava culpar alguém.
Eu não tinha ninguém em quem colocar a culpa, mas eu precisava de um culpado.
- Onde está Sophie? – Perguntei, com a voz meio chorosa. suspirou.
- Está ali, com sua mãe. – Respondeu, apontando para um canto na sala, onde ela estava, chorando. Meu pai estava abraçando minha mãe, que abraçava Sophie. Eles pareciam encontrar algum conforto ali, abraçando a neta que era tudo o que restara de seu filho mais velho. Porém, apesar de a pequena Sophie não fazer ideia de que estava presenciando o velório dos próprios pais, achei melhor tirá-la dali.
Virei-me de frente para .
- Acho que devemos...
- Sim. – Concordou com a cabeça, e eu nem ao menos precisei terminar a frase.
Caminhamos em conjunto até minha mãe, que tinha no olhar a sombra de perda mais triste que já vi. Duvidava de que ela seria capaz de sorrir de novo e fiquei preocupado com ela. Sophie esticou os bracinhos, assim que viu , que sorriu de um jeito acolhedor, enquanto pegava a garotinha.
- Vou ao banheiro. – Anunciou minha mãe. Meu pai permaneceu imóvel no sofá.
- Titia... – Manifestou-se a voz de Sophie.
- Sra. , quer que eu a acompanhe? – Ofereceu . Minha mãe deu um sorriso mínimo, dispensando a gentileza com um abano de mãos.
- Titiiiia!!! – Falou Sophie, um pouco mais alto, colocando as duas mãos na cara de , exigindo atenção.
- Oi, meu anjo. – Respondeu, com uma voz tão quebrada quanto a de minha mãe.
- Cadê mamãe e papai? Puquê num tá na feta? – Perguntou, com os olhinhos brilhando. olhou para mim, ao mesmo tempo em que meu mundo girava mais uma vez.
Sophie achava que era uma festa. Sua ingenuidade infantil me impressionava a cada dia. não conseguiu aguentar e uma enxurrada de lágrimas escapou pelos seus olhos.
- Num chóia, titia. – Falou Sophie, dando um abraço meio esquisito em .
Tentei segurar as minhas, depois dessa, mas elas escaparam também. Fiz um esforço e consegui enxugá-las, pegando Sophie no colo, para que pudesse se recompor.
- Oi, meu amor. – Sussurrei, beijando seus cabelos. Ela abriu um sorriso inteligente para mim.
- Oi, oi, tia ! – Eu ainda consegui sorri.
- Tio , pequena. – Corrigi. Ela piscou de novo.
- Cadê mamãe? – Repetiu, aguardando pacientemente por uma resposta. Suspirei. Não chora, , vamos lá.
- Mamãe e papai, Sophie, estão descansando.
- Posso dicansá com eles, tia ? – Perguntou, se espreguiçando em meu colo. Sorri para ela, mesmo desesperado do jeito que estava. - Pode descansar comigo, princesa. Pode dormir. – E com toda maestria de uma bebê de dois anos e pouco, ela colocou o dedo gordinho na boca e tombou no meu ombro.
Pronto. Foi o melhor que pude fazer, mas não foi o suficiente. O que diria a ela amanhã? E no mês seguinte? E quando ela começasse a ir para a escola e perguntar por que todos os seus coleguinhas possuíam pai e mãe e ela não? E, então, o que eu diria? Não fomos apenas e eu que perdemos algo. Percebi que tinha uma coisa muito mais grave acontecendo com esse pequeno ser humano no meu colo. De Emma e Greg havia sido roubado o direito de serem pais e aquele maldito idiota bêbado roubou de Sophie a oportunidade de crescer em família. Tinha sido tirada dela a chance de ter um pai para lhe contar histórias, antes de dormir, e uma mãe que lhe fizesse bolos de chocolate e, mais tarde, fosse seu porto seguro para falar sobre garotos, quem sabe.
Não tentei falar com ela, nem a passei para o colo de ninguém. Ter Sophie por perto me acalmava. Depois de um tempo, porém, decidi que ela podia ir para sua caminha, e foi lá que eu a coloquei.
Ao sair de seu quarto, ouvi um soluço e alguém sussurrando.
- Gerald, está doendo muito. – Era um soluço estrangulado, eu nunca havia ouvido chorar assim. E quem era esse Gerald? – Está faltando um pedaço aqui. Estou sentindo um buraco, e dói! – Falou. Senti-me mal por ela. Queria consolá-la, mas também não queria atrapalhar sua conversa.
Ao mesmo tempo em que meu lado amigo pedia para eu dar o fora dali, meu lado malvado me dizia outra coisa.
- Não, ainda não disse a ele. Eu ia dizer, mas o acidente... – E recomeçou a soluçar.
Decidi que não aguentava mais ouvir esse som. Decidi que não estava nem aí para esse tal de Gerald. Só queria consolar e se Gerald não estava ali, problema dele.
- ? – Chamei, entrando no quarto. Ela parou de falar o que quer que fosse e ouvi apenas um “Te ligo depois” abafado.
- Estou aqui.
À medida que me aproximava, foi possível ver tentando afastar as lágrimas do rosto e endireitar o vestido, tudo ao mesmo tempo. Percebi que ela estava sentada no chão e que tinha uma garrafa de vinho vazia ao lado dela. tentou escondê-la atrás de si, assim que entrei em seu campo de visão, mas eu já tinha visto. Suspirei, sentando-me ao seu lado. se enroscou em mim quando sentei ao lado dela e eu automaticamente a abracei o mais forte que conseguia.
- Estamos bem, . Vamos ficar bem. – Falei, mais para ela do que para mim. Ficamos um tempo em silêncio, enquanto eu encarava a enorme lareira da sala e tentava não lembrar de todas as vezes em que eu Greg nos escondíamos de tia Marylin ali mesmo, debaixo daquela lareira. Meio sem querer, sorri com a lembrança, porque era em uma hora como aquela que era bacana ter um irmão mais velho.
- E Sophie? O que vai ser de Sophie? – Sussurrou, de repente. Suspirei, mais uma vez.
- Sophie vai ser minha. Vai ficar comigo, quero dizer. – se afastou um pouco.
- Como? Ela vai para Seattle com você? Ou...
- Sim, vai. Mas eu juro que é só até terminar a faculdade. Assim que terminar, eu trago Sophie e minha bunda folgada de volta para Nova York. É uma promessa, . – se afastou completamente, se mandando para o outro lado da sala. Eu sabia que ela estava furiosa. Essa definitivamente não era uma boa hora para essa conversa, estava bêbada.
- Por que você? Por que não eu? – Perguntou, derrotada. – Emma não confiava em mim o suficiente? É SÉRIO, EMMA? – Gritou. Mordi os lábios e fui até onde ela estava, pegando sua mão e tentando acalmá-la.
- , se acalma. Eu tenho uma explicação, todos nós temos, mas vamos conversar quando você estiver sób...
- EU ESTOU SÓBRIA, SEU INFELIZ! ME DÊ UM BOM MOTIVO! – Berrou. – Anda, , me dê um bom motivo para tirar minha sobrinha de mim!
Agarrei seus braços, e isso fez com que ela ficasse quieta.
- Não estou tirando Sophie de ninguém! Nem de você, nem de minha mãe e muito menos dos pais dela!
- Os pais dela MORRERAM, caso você não tenha notado!
- Para de gritar! Você é muito nova, . Está começando a faculdade agora, tem muito em que pensar e nó...
- AH, CERTO, TUDO ISSO FOI RESOLVIDO PORQUE SOU NOVA DEMAIS? – Ela riu, uma risada falsa. – Claro, já devia ter imaginado. Você não acha que eu teria feito sacrifícios, ? Porque eu teria.
- Eu sei que você teria! Você teria se desdobrado em cinco para criar a Sophie, eu sei disso! Acha que eu quero isso, ? Não quero! Foi decidido em tribunal. A única coisa que não quero é separar vocês. Mas não posso trancar a faculdade, não quando faltam só três semestres. Ela precisa ir pra Seattle. –Achei que ia gritar de novo, mas ela não o fez. Apenas olhou para mim, como se eu tivesse acabado de matar a única esperança de felicidade que ela ainda tinha. E, julgando seu estado atual, eu tinha quase certeza de que realmente tinha matado. Me senti um merdinha egoísta, mas eu precisava desse sacrifício por parte dela.
- Tudo bem, . Tudo bem. – Sussurrou. Havia algo estranho em sua voz, algo quase quebrado, algo que me dizia que ela já se considerava perdida. – Tá tudo bem, tudo bem. – Repetiu.
- ... Não está tudo bem, olha, eu pos...
- SIM, ESTÁ TUDO BEM! – Gritou, para o meu espanto.
Só me lembro de ter recebido o mais assassino dos olhares, antes de ela se virar e ir em direção ao quarto de Sophie, que finalmente interrompera nossa briga com seu choro.
09 de junho de 1997
Amy não precisava ser tão má com ela o tempo todo. Isso me incomodava, principalmente se considerar o fato de que já era a sexta vez, só essa semana, que uma Sophie chorosa me acordava por causa de pesadelos. Pesadelos que tinham como principal fonte a cabeça repleta de maldades de Amy Harder. A namorada dela não era tão ruim, mas mesmo assim, gostaria que ela parasse com essa mania de contar histórias de terror para uma garotinha indefesa de cinco anos.
- E ai? O que aconteceu? – Perguntou, curiosa. Sorri.
- Bem, depois que ela percebeu como tinha sido malcriada, voltou pra casa e pediu desculpas para sua mamãe. E todos foram felizes para sempre. – Concluí o conto de fadas inventado, tentando remediar a história horrível que Amy contara a ela mais cedo. Sophie franziu as sobrancelhas.
- Mas e o Mark? Eles não ficaram juntos?
- E por que eles deveriam? – Questionei, curioso que ela ainda se lembrasse de uma personagem sobre a qual falei tão pouco.
- Ué, porque o Mark gostava dela! Eles eram apaixonadiiiiinhos! – Sorri, enquanto ela ria de sua brilhante conclusão. Fiz cócegas em sua barriga, torcendo para que nossa risada não acordasse John e Lucy.
- É só uma história, meu anjo. – Ela de repente ficou séria.
- Não pode ser só uma história. Exijo um final diferente!
- Hmmm, por que não pensa nisso enquanto dorme e amanhã à noite me conta sua própria versão? – Sugeri. Ela balançou a cabeça, negando.
-Você vai dormir e não vai ouvir o final. –Sussurrou, e eu sabia que era verdade. Porém eram duas e pouco da manhã e a editora estaria lotada mais tarde. A última coisa que eu queria era perder o foco por ter dormido mal.
- Sophiezinha, amor, estou tãaaaao cansado...posso ouvir amanhã, por favorzinho? – Ela fez uma cara muito séria de quem estava pensando no meu caso, mas depois suspirou e assentiu.
- Se você dormir eu vou morar com a tia Kriss! – Tentei forçar meu sorriso, mas acho que fracassei.
- Não vou dormir, promessa de dragão. – Ela riu.
- Tudo bem. – Sai de sua cama minúscula e a cobri, dando um beijo em sua testa ao sair.
- Boa noite, princesa.
E ela dormiu tão rápido que nem ouvi sua resposta. Satisfeito comigo mesmo, dirigi-me ao meu quarto. Nem cheguei a me cobrir e ouvi som da campainha. Quem diabos viria a minha casa em plena madrugada?
A resposta surgiu em carne e osso quando, entre resmungos e reclamações, abri a porta da frente e dei de cara com uma molhada e tremendo. Percebi que ela chorava e trazia consigo apenas uma bolsa de mão.
- ! – Exclamou baixinho assim que me viu, jogando todo seu corpo sobre mim. Senti-me confuso.
- ? Você não deveria estar em...
- Los Angeles. Sim. Eu deveria. – Interrompeu, entrando na sala e fechando a porta. – Tive sorte, tinha um avião que estava pra partir e foi nesse que eu subi. A melhor parte é que ele me trouxe exatamente até aqui. – Sorriu por um tempo, mas depois vi uma lágrima caindo.
- , se não quiser falar sobre isso... Olha, vamos dormir, está bem? Amanhã a gente conversa. – Propus, mas ela balançava a cabeça antes de eu terminar de falar.
- Ele vai vir pra cá, vai perceber que fugi.
Arregalei os olhos.
- Está fugindo? De quem?
Ela mordeu os lábios.
- Gerald. Ele... ele tentou.... Eu não sei, , ele me pede em casamento há um ano, mas ele não é o cara. Tivemos a maior briga no hotel, acabei terminando e fugi em seguida. Eu estou com medo dele. – Admitiu.
- Nossa, , não precisava ter fugido do estado. – Zombei. Ela fechou a cara.
- Eu estou com medo, está bem? – Falou, cruzando os braços. Aproximei-me dela.
- Você vai ficar aqui. E se ele vier até aqui, darei um jeito nele. Não vejo motivo nenhum para fugir de mim. – Disse, com ternura, e pude ver ela corando.
- Hm... Tudo bem, então. Eu, hm, vou tomar banho? – Pareceu mais uma pergunta. Sorri.
- Você deve fazer isso, com certeza. – Brinquei, tapando o nariz. Ela me deu um soco no braço e se dirigiu rumo ao banheiro. A presença de me acordara completamente. Sorri, feliz com a excelente visita inesperada e contagiado antecipadamente pela alegria de Sophie ao ver a tia pela manhã.
- !
Acho que acabei dormindo no sofá, pois pela maneira urgente que me chamava, parecia que não era a primeira vez.
- Oi. – Respondi, meio sonolento.
- Minhas roupas. Acho que ainda tem algumas no quarto de Kr... no quarto de hospedes. – Corrigiu. Senti que ela queria dar um soco na própria cara, mas na verdade não me importei. Kriss não era importante. Permaneci em silêncio e fui até o quarto de hospedes pegar algumas roupas para . Acontece que...tinham muitas roupas de Kriss ainda.
Kriss, minha ex. Foi a única mulher de quem Sophie gostou de conviver. Eu gostava de Kriss, achava que a gente até tinha um futuro e tudo o mais, porém quando eu disse que estávamos namorando, ela deve ter se “esquecido” que precisava parar de dormir com outros homens.
Fiquei tão revoltado com a lembrança que decidi que podia muito bem usar minhas roupas. Sabia que ela gostava de dormir confortável e não tinha quase nenhuma roupa confortável ali de qualquer forma, então peguei uma camiseta cinza e meio surrada dentro daquele guarda roupa e lhe emprestei uma de minhas calças de moletom.
- ? – Chamei, batendo na porta.
- A porta está aberta, coloca aí em cima do vaso. – Gritou ela do lado de dentro. Meio apreensivo, abri a porta. Meu plano era entrar de cabeça baixa, depositar a roupa ali e sair correndo, mas não consegui evitar. Ver o contorno de seu corpo pelo vidro embaçado do box era quase tão tentador quanto ver sem aquele vidro fosco e eu não conseguia desviar os olhos.
Esse clichê de amigo que se apaixona pela melhor amiga não poderia ser real, mas aconteceu. Ela não sabia, e eu provavelmente nunca iria lhe contar, mas o que eu sentia por ela era algo inexplicável e lindo.
Agora ela não namorava mais aquele babaca do Gerald, mas e daí? Isso não mudava nada, ela nunca poderia gostar de mim. Eu era o irmão mais velho que ela achava divertido e com quem dividia as histórias mais bizarras.
- Gostando da vista? – Provocou, se cobrindo com a toalha. Balancei a cabeça duas ou três vezes, tentando me lembrar para sempre de como eram as pernas dela, porque eu tinha certeza absoluta que aquela seria a última vez que olharia.
- Hm, arrumei o quarto de hóspedes para você. Vou dormir, boa noite. – Ela deu uma risadinha gostosa.
- Está corado. – Anunciou, ainda de toalha.
- Não estou.
Ela riu mais alto.
- É claro que está.
- Não estou, não. Boa noite, .
E fechei a porta, ouvindo sua risada abafada saindo de dentro do banheiro.
- Tio? Tio, ? TIO !!! – Acordei com uma Sophie de pijamas, segurando um Toddy inquieto, na minha frente, e a luz do sol brilhando através janela atrás dela. – Tia está aqui. – Anunciou, assim que abri meus olhos da melhor maneira possível.
- Ah... É?
- Sim! Ela vai me levar hoje. – Falou, batendo fraquinho na minha cara porque eu tinha voltado a fechar os olhos.
- Ok, pode ir. – Eu juro que ela revirou os olhos.
- Mas ela não sabe onde está minha roupa de escola. – A simples menção da palavra “escola” me fez levantar da cama em um átimo.
- ESCOLA? MEU DEUS, QUE HORAS SÃO? – Gritei. Toddy deu um latido, pulando do colo de Sophie, que sorriu.
- São só seis horas, tio .
- Que gritaria é essa? – Disse John, entrando no meu quarto, sem nem bater.
- Provavelmente ele perdeu a hora, de novo. – Gritou Lucy da cozinha.
Revirei os olhos para todos eles.
- Rá rá rá, muito engraçado. – Murmurei, levantando da cama e me espreguiçando.
- Onde está minha roupa, tio ? – Insistiu Sophie. Suspirei.
- Certo, a roupa. – Eu a acompanhei em direção ao seu próprio quarto, onde estava arrumando o guarda roupa de Sophie.
- Alô, bom dia. – Falou, sorridente, quando me viu.
- Bom dia, . – Murmurei, sonolento. Abri a última gaveta do guarda roupa e tirei de lá o uniforme de Sophie, uma calça azul e uma camiseta branca com o logo da escola.
- Que roupa bonitinha. – Comentou por cima do meu ombro.
- É, eu acho. – Meio que concordei, deixando as duas trocando ideias e indo me arrumar.
Quando terminei, me dirigi até a cozinha, onde Lucy terminava de preparar o café da manhã. John estava lendo o jornal em uma ponta da mesa e Sophie e cochichavam e riam na outra ponta.
- Bom dia, . – Falou Lucy, com um sorrisinho estranho, olhando diretamente para meus olhos e arqueando as sobrancelhas.
- Oi, Lucy. – Disse, simplesmente. Ela revirou os olhos, ainda rindo. Lucy era uma mulher baixinha, magrinha, tinha um cabelo liso e curto e olhos redondos e castanhos. Geralmente usava roupas sociais, mas hoje ela estava até que normal. Eu adorava ela.
- Que horas você sai, ? – Perguntou , curiosa.
- As oito e meia. – Respondi, de boca cheia. Ah, comentei que Lucy fazia os pães caseiros mais gostosos do mundo? John, eu acho que vou roubar sua noiva.
- Ótimo. Vamos levar Sophie no colégio e dar uma volta? – Propôs. Aquele seria um convite absolutamente normal há uns meses atrás, mas agora obviamente não era. John engasgou com o café e Lucy não aguentou e começou a rir em voz alta. pareceu confusa. – Hm, o que...?
- Qual é a graça? Qual é a graça, tia Lucy? – Perguntou Sophie, confusa como a tia.
- O , ele é um idiota. Só porq...
- Acho uma excelente ideia, . – Interrompi meu bom e velho amigo John antes que ele dissesse alguma asneira. – E não usa essa palavra que começa com “i” nesse ambiente. – Falei a John, que fez um sinal de positivo sarcástico com o polegar. Vi Lucy falando algo no ouvido de Sophie, que sorriu e não quis nem saber o que elas estavam aprontando.
Ela ainda parecia confusa, mas sorriu com a minha aprovação.
- Ótimo. Então pé na estrada. – Dei um sorriso.
Terminado o café, fomos os três, , Sophie e eu ao banheiro. Sophie conseguia escovar os dentes e pentear os cabelos sozinha, mas gostava quando faziam penteados em seus cabelos, que eram bem longos. E hoje, com a tia que fazia mais penteados que não sei o que, a coisa não seria diferente.
Acabamos o que se tinha para fazer no banheiro e Sophie saiu de lá com uma trança fofa enfeitando só um lado do cabelo. ainda passou um batom nela, ao que eu arqueei as sobrancelhas. Ela deu de ombros, rindo.
Saímos em direção a porta de entrada, e Sophie saiu correndo para dizer tchau a John e mostrar a Lucy o “lindo penteado que a tia fez”. Lucy sorriu e se despediu, beijando sua cabeleira ondulada. Quando chegamos na porta, Sophie soltou um grito assustado, dizendo que se esquecera de abraçar Toddy, que ao som de seu nome veio correndo com aquele seu rabinho peludo. Sophie quase chorou quando disse que Toddy não podia ir à escola com ela, mas eu prometi que quando ela saísse da escola iríamos buscar Toddy e ir a uma sorveteria. Sophie ficou satisfeita, acabou soltando Toddy e foi pulando feliz em direção ao carro.
- Ela está uma graça. – sorriu. Eu a acompanhei.
- Sim, está.
- Você tem feito um bom trabalho, .
Dei risada.
- Parece que alguém aqui andou duvidando de mim. – Zombei. Ela me mostrou a língua, enquanto colocava o cinto de segurança.
- Nunca achei que você não fosse capaz. – Garantiu-me, com um sorriso meigo que chegava até os olhos. Sorri, dei um longo suspiro e me pus a dirigir.
Chegamos a escolinha de Sophie. Ela mesma se soltou do cinto e esperou que um de nós dois fôssemos abrir a porta para ela. fez esse trabalho e Sophie saiu correndo até a porta do colégio. De repente, parou, olhou para trás, sorriu para nós e voltou correndo.
- Eu quase me esqueci. – Sussurrou ela, subindo nas pontas dos pés. Peguei ela no colo, cutucando sua barriguinha.
- Como se esquece de dar tchau para o tio ? – Perguntei. Ela fez uma careta fofa.
- Não esqueci, não. Eu voltei. – Fiz cócegas na sua cintura, fazendo ela rir alto. –Não, não, não faz isso.
deu uma risadinha também, pegando Sophie do meu colo.
- E eu, não ganho tchau? – Sophie deu aquele sorriso banguela de novo e fez um gesto para que eu me aproximasse.
- Tchau, mamãe e papai. – Sussurrou, dando um beijo em ambas bochechas e pulando para o chão em seguida. Quando ela se virou para ir embora, e eu nos encaramos, e sabíamos que nosso choque estava igualmente estampado nos dois rostos.
Estávamos prestes a sair para dar a tal voltinha, mas uma mulher gordinha se aproximou. Com seus passos pesados, presumi que fosse uma pessoa importante, e estava certo.
- Com licença, senhor ? São os pais de Sophie, certo? – Perguntou. De novo. Fiz minha melhor cara de que estava tudo certo. - Não, ela.... hm, ela é nossa sobrinha. – Murmurei. A mulher fez uma cara confusa.
- Ah, vocês dois são irmãos? – Apesar da circunstância, foi impossível não dar risada. A pobre mulher ficou sem entender e, apesar de ela não ter nada a ver com a história, fiquei com pena.
- Eu sou irmão do pai de Sophie e ela é irmã da mãe. – Falar de Greg doía, mas não tanto quanto antes. Eu passava o dia todo olhando Sophie, que foi a mistura de tudo que sobrara do meu irmão. Tratava ela da melhor maneira que podia, pois sabia que Greg a amava mais do que toda a água potável do mundo. Queria que ela soubesse que eu estava fazendo o que o pai dela faria, o que foi difícil no começo. Entretanto, nenhuma única vez na minha vida me arrependi de ter aceitado a guarda de alguém como Sophie. Ela definitivamente foi a âncora que me prendeu a Terra depois do acidente, foi a âncora que salvou a todos nós.
Percebi que estava seguindo uma linha de pensamento meio depressiva, por isso revolvi voltar ao que interessava. – Mas eu sou o responsável por Sophie de qualquer forma, tenho a guarda dela.
A mulher fez uma cara de quem finalmente entendeu o recado.
- Pois bem, Sr., sua sobrinha tem mostrado alguns talentos que vão além do normal para sua idade. – Exclamou a mulher, com um orgulho no olhar.
- Que tipo de talento? – Perguntou , interessada assim como eu.
- Desenho. Parece bobo agora, mas ela faz desenhos maravilhosos para alguém que só tem cinco anos. Ela é bem madura. Não quer desenhar o céu cheio de nuvens e um sol, como as outras garotas. Ela geralmente desenha a mesa, a cadeira ou o vaso de flores da sala de pintura. Ela tem talento. – E era verdade. Sophie amava desenhar, qualquer coisa. E conseguia pintar os desenhos dentro da linha, coisa que outras crianças da idade dela tinham dificuldades em aprender tão cedo.
- A gente meio que percebeu. – Exclamei. A mulher, que agora me lembrava muito a diretora da escola, sorriu mais largamente.
- Ótimo, estamos organizando uma oficina de talentos e seria muito legal se vocês pudessem incentivar Sophie a participar. – E me estendeu um papel. – Aqui tem todas as informações. Por favor, não deixem de participar, é muito importante.
E dando um grande sorriso branco, saiu da nossa presença. deu um muxoxo.
- Acho que nossa voltinha já era. – Consultei o relógio.
- Ainda temos vinte minutos.
- Melhor que nada. – Rimos, voltando para o carro.
- Sabe, eu queria te contar uma coisa.
Endireitei o ouvido, interessadíssimo, mas tentei não demonstrar.
- Pode dizer.
- Hm, tem mais de um motivo para eu não ter aceitado o pedido de casamento de Gerald. – Suspirei. Era agora. Ela tinha que dizer. Se ela dissesse, eu poderia me declarar também e então nós daríamos as mãos e caminharíamos juntos e felizes em direção ao pôr do sol.
- E qual é?
Vamos, , é só me dizer. Por favor, me diga.
- Hm, além de eu ser muito nova, não é bem por ele não ser o cara. É que já tem outro cara... ele é super simpático, meu amigo, gosta de tudo que eu gosto, tem uma...
Oh cacete, é agora! Ela vai dizer que é o e...
- O Logan, lembra dele? Lá da faculdade! Eu não sei, , acho que... Por que parou? – Perguntou, confusa, depois que parei o carro. Eu realmente parei o carro. Eu parei.
Droga.
- Acho que morreu. – Desconversei, ligando o carro de novo. Ela revirou os olhos.
- Não morreu, não, eu vi você desligando e...
- , o carro morreu e esse assunto também. Vou te deixar em casa e vou trabalhar. – Murmurei, de uma maneira tão autoritária que nem , sendo , ousou falar mais alguma coisa.
Deixei em casa, pronto para sair correndo de perto dela. Estava totalmente desiludido, o que é meio estranho para um homem graduado, com emprego fixo, uma casa legal e quase trinta anos nas costas.
- Sabe o que é o mais engraçado? – Começou. Eu não tinha forças para respondê-la, e nem para mandar ela ficar calada. – Eu tinha uma queda louca por você, mas você nunca ligou para mim provavelmente porque eu era muito nova. Tentava fazer você perceber de várias maneiras, mas, toda vez que eu falava disso, você começava a querer minha aprovação para as meninas com quem você saia. Eu sofri muito, , mas não falei nada com medo de estragar nossa amizade, porque ela era importante demais para mim e eu sabia que se eu abrisse a boca só para ser rejeitada no final, talvez a gente nunca mais convivesse da mesma forma. Eu ia colocar a amizade em risco, mas não queria isso. E eu corajosamente sacrifiquei tudo o que eu sentia por você pelo bem da nossa amizade. – Ela abriu a porta, e eu já sabia o que ela estava querendo me dizer. – Talvez você devesse fazer o mesmo agora.
Sussurrou antes de bater a porta do carro com uma força maior que a necessária, se virar e me deixar com cara de cachorro abandonado, na entrada de carros.
1 de janeiro de 2000
Primeiro dia desde a virada do milênio. Era uma situação legal, pelo menos para Sophie.
- Pai? Me ajuda aqui! – Gritou ela, do outro lado do quintal. Estava tentando virar a cabeça do que era pra ser um boneco de neve, mas não estava dando muito certo. Minha mãe assistia a cena de dentro da casa, não estava muito acostumada com o frio, mesmo tendo vivido a vida toda em Nova York.
Comecei a andar na direção de Sophie, mas uma loira estonteante entrou na minha frente, roubando meu trabalho.
- Amy, minha querida. Ela chamou por mim. – Falei, rindo.
- Chamei qualquer um, na verdade. Só queria terminar isso aqui. – Falou Sophie, fazendo pouco caso e tirando um punhado de neve do casaco.
- O que foi que você disse? – Gritei de brincadeira, chegando perto dela. Sophie se afastou um pouco.
- Eu não quis dizer... AAAH VOVÓ, SOCORRO! – Berrou quando comecei a correr atrás dela pela neve. Sophie não estava acostumada a passar os dias de neve do lado de fora, então os três tombos que ela levou contribuiram para retardá-la e eu a alcancei. Joguei-a sobre o ombro, fazendo o caminho de volta para o “boneco de neve”.
- Socorro, vovó, tia Amy, TIA LUCY, SOCORRO! – Gritava, em meio a risadas. Lucy e Amy, que estavam vendo a cena de longe, começaram a rir, deixando a pequena um tanto quanto revoltada.
- Não se pode mais confiar em ninguém! ELE VAI ME ENTERRAR VIVA NA NEVE, VOCÊS NÃO PERCEBEM?! – Falou a plenos pulmões, o que só colaborou para as mulheres rirem ainda mais. Continuei levando Sophie nos meus ombros (comentei que ela estava de ponta cabeça?), ocasionalmente fazendo cócegas.
- Que gritaria é essa? – Berrou Linds, que chegara junto com Byron no quintal. Avistou a cena que causava tanto alvoroço e riu.
- LINDS ME AJUDA! – Gritou Sophie, fazendo Linds e Byron rirem ainda mais. Não preciso nem comentar que Sophie estava me deixando surdo, porque ela estava.
- Eai, brô. – Falou John, perto de mim. Sophie aparentemente também ouviu a voz dele.
- Tio John? Tio John, por favor, por favor, me tira daqui! – Implorou, rindo. Parei de andar para cumprimentá-lo e depois ele deu a volta atrás de mim e meio que virou a cabeça para conseguir olhar Sophie, olho no olho.
- Então diga: Tio John é o maioral e é um idiota. – Sophie riu.
- Tio John é o maioral e é um idiota. – Repetiu. Tirei ela dos meus ombros e coloquei no chão a minha frente.
- Acabou de me chamar de idiota? – Repreendi, de brincadeira. Ela deu uma gargalhada.
- Eu só estava salvando minha vida. – Explicou, cruzando os braços no peito em sinal de desafio. Coloquei minha mão no queijo, como quem está pensando.
- Então, mocinha, fuja para as montanhas antes que fique presa debaixo da neve de verdade! – Ameacei, fazendo ela dar um gritinho e sair correndo para onde Linds, Lucy e Amy se agrupavam.
- Ela já experimentou o vestido? – Perguntou John, assim que Sophie saiu. Revirei os olhos.
- Sim, ontem. Você está pior que a Lucy, cara. Olha só pra ela, nem parece que vai se casar amanhã! – Era mentira. Lucy estava uma pilha de nervos desde quando pisara em Nova York.
- MÃE! – Gritou Sophie, me tirando dos meus devaneios sobre o noivo neurótico que era John.
Lá estava ela, linda como sempre, vindo acompanhada de seu querido companheiro Logan.
- Argh, isso vai ser um pesadelo. – Comentei. John arqueou as sobrancelhas. – Relaxa, cara. Não vou estragar seu casamento nem nada disso. Aliás, não acredito que finalmente vai casar. – Acrescentei, sem querer. Porque o caso dele era raro. Ele namorou com Lucy por treze anos e ia casar só agora. Mais por que Lucy era uma mulher que não acreditava em casamento do que por falta de pedido por parte dele. Ele revirou os olhos.
- Algum conselho final?
Ri.
- Pode ir pra minha casa sempre que quiser. – Ele me deu uma cotovelada.
- Ela está vindo pra cá. – Disse. “Eu sei, John, eu tenho olhos”.
- Eu vi. – E ela estava vindo mesmo.
- Hm, eu vou ver o que Lucy quer. Ela está me chamando. – Lucy não estava chamando ninguém, estava mais ocupada em ajudar Sophie a montar aquele boneco de neve que finalmente tomara forma.
- Hey. – Disse . Ela parecia meio tímida, e graças aos deuses, não trouxera Logan consigo.
- Hm, oi. – Cumprimentei com um sorriso. Ela balançou os longos cabelos, tentando tirar a neve, acho. Seus cabelos eram iguaizinhos os de Sophie.
- Teve um bom pouso? Seattle está ok? – Perguntou, colocando as mãos no bolso.
- Sim, tudo certo. Charlie mandou um beijo. – Ela sorriu.
- Ele é um amor. Mande outro quando o vir.
- Claro. Ele sempre pergunta de você. Queria saber quando vai pra lá de novo. – Ele realmente sempre perguntava dela, mas a outra parte fui eu que inventei. Ela hesitou e, pela sua expressão, eu sabia que não seria nada de bom.
- Queria falar sobre isso, mas no clima do casamento... não acho que seja uma boa ideia. – Sussurrou.
Suspirei.
- Olha, se quiser me contar, conte agora. Eu vou embora amanhã, Amy e Lucy precisam trabalhar.
, mordeu os lábios, insegura. Bem quando ela abriu a boca para contar alguma coisa, a forma de James entrou na nossa frente.
- Oi, . – Falou, beijando as bochechas dela. Ela sorriu para ele de um modo doce.
- Fiquei sabendo que vai para US! Parabéns! – Exclamou ela. James sorriu, orgulhoso. - Sim, eu e Byron. Vamos ficar com . – Falou olhando para mim, que revirei os olhos de brincadeira.
- Minha casa virou uma creche. – Resmunguei, e os dois riram.
Agora que John e Lucy iriam se mudar para o Oregon definitivamente, um quarto da casa estaria desocupado. Ofereci para James assim que soube de sua decisão, porém ele só aceitou quando eu concordei em receber o aluguel. Eu devolveria, mas se ele se sentia melhor pagando, tudo bem. Byron iria com ele, e eu me lembro de uma certa discussão entre tia Celine e Linds, onde tia Celine dizia que minha casa não era hotel coisa nenhuma e que já tinha muita gente morando nela, e a garota chorava dizendo que se não pudesse ir para Seattle com o namorado, então fugiria de casa. Byron deu um sorriso triste quando minha tia não aceitou que ela saísse de casa antes da hora, mas prometeu telefonar e mandar e-mails constantemente.
Uma coisa dessas é complicada. Eu sei disso porque já passei pela experiência de deixar namorada aqui ao ir para Seattle e sabia que namoros assim quase nunca davam certo. Estávamos em outro tempo agora, e as coisas poderiam ser diferentes. De certa forma eu queria que fosse, conhecia Byron e Linds desde crianças, desde quando Byron era um pivetinho e, junto com James, escondiam minhas roupas, mexiam no meu creme de barbear e coisas do tipo. James e Byron lembravam minha própria infância com John, e eu os apreciava muito. Aquela coisa de “minha irmã se apaixonou pelo meu melhor amigo” é uma das coisas que mais acontecem nessa vida e eu tinha certeza absoluta que Greg, se por um acaso fosse uma garota, com certeza se apaixonaria por John.
O que não é comum, é esse melhor amigo em questão corresponder o sentimento. Em um ano quando vim para Nova York, Linds e Byron mal se falavam, e, se me lembro bem, ele chegou a jogar refrigerante na blusa dela no natal. Dois anos depois, quando voltei, os dois estavam aos beijos e de mãos dadas. Fiquei surpreso, mas feliz por eles. E agora que finalmente tinham se acertado, Byron estava indo embora.
Linds ficou arrasada. Mais tarde, fui até o quarto dela, e a encontrei ouvindo música e acariciando Toddy, que estava em cima de sua cama. Ele latiu quando apareci na porta e então ela me convidou para entrar. Eu lhe disse que o problema não era falta de espaço, que por mim ela poderia morar lá para sempre, se quisesse, e que minha casa estaria sempre aberta para ela. O problema era que a mãe dela não podia perder os dois filhos para a distância de uma só vez. James estava indo, mas ele já tinha seus vinte e dois anos, e ela ainda nem tinha atingido a maioridade. Ela sussurrou um chateado, “Mas eu já sei até dirigir”, o que me fez rir. Depois disso ela me agradeceu, disse que eu tinha razão e foi conversar com sua mãe.
No café da manhã do dia seguinte, as duas estavam na maior paz de novo e eu me dei um tapinha nas costas.
- Bom te ver de novo, . – Murmurou James, uma última vez, virando-se de costas. Ela deu um meio sorriso para mim.
- Então, você estava me contando... – Fiz um gesto com a mão, indicando que era para ela continuar.
- Ah, sim. Bom, acho que você já é maduro o suficiente para não levar isso para o lado pessoal demais. – Ela riu, mas parecia nervosa. Algo dentro dela não sabia como dar a notícia. Eu a conhecia há dez longos anos, sabia dizer coisas como essas. Eu a conhecia bem até demais.
- Acho que eu aguento. – Sorri.
- Queria ser eu a te dizer isso. Estou me mudando para Espanha. – Minha boca caiu.
- O que você vai fazer na Espanha? Com quem? Seu espanhol é péssimo. – Ela fechou a cara.
- Vou com Logan. Ele aceitou um emprego por lá e... eu vou junto. – Explicou, meio sussurrando.
- Logan. Você vai com Logan. – Repeti, arqueando as sobrancelhas. Ela cruzou os braços, gesto que sempre fazia quando queria proteção contra algo ou alguém.
- Estou noiva. – Falou, olhando em meus olhos.
- Oh, cacete. – Foi a única coisa que passou pelos meus lábios antes de eu virar e entrar dentro da casa para que ela não me visse chorando. Ainda escutei seus gritos, mas ignorei a todos eles, sem nem ligar quando as outras pessoas do quintal olharam para a cena. Apenas entrei em meu quarto e fechei a porta, não ligando para nada nem ninguém. Só queria paz, e paz eu conseguiria apenas estando comigo mesmo.
Existem vários tipos de dor.
A dor de um ferimento, a dor física. Seu corpo dói o tempo todo, mas são dores suportáveis. As dores emocionais é que são as piores. Tem a dor que eu senti quando Sophie me chamou de pai pela segunda vez. Foi uma dor ruim, seguida de uma dor boa. Foi ruim porque, por mais que ela se forçasse a ver seu pai em mim, eu jamais seria um terço do que foi. Mas foi boa, porque isso significava que ela gostava de mim o suficiente para eu merecer tal título. Ser chamado de pai é uma das melhores sensações que eu já experimentei.
Tem a dor da perda. A dor de quando se perde alguém. Aquele buraco, aquele vazio e aquela intensa vontade de cometer justiça, de vingar a pessoa que você perdeu. Acordar com a voz de alguém que você sabe que não está lá e que nunca mais vai estar. Era uma dor horrível, o tipo de dor que eu achei que jamais sentiria igual. Mas me enganei.
Porque, além de todas essas, também tinha a dor do amor não correspondido. A dor que eu pensei que era besteira de músicas populares. A dor que eu estava sentindo naquele exato momento.
Eu realmente me imaginei ao lado dela. Eu imaginei uma vida ao lado dela. Imaginei nossos dois filhos gêmeos chegando da escola de futebol, suados, em casa, e ela brigava com eles por terem sujado a casa de lama. Imaginei se, ao contrário disso, tivéssemos duas meninas, uma mais velha que a outra. Então elas iriam brigar por tudo e ficaria louca. Eu a acalmaria antes de dormir, e as três mulheres da minha vida teriam bons sonhos. Também imaginei se não tivéssemos filho nenhum. Se fosse apenas eu e ela. Iria acordar e meu café estaria na mesa. Os dois sairíamos para trabalhar e eu a deixaria no escritório. Eu mandaria uma mensagem de texto meio boba na hora do almoço e ela estaria sorrindo no seu trabalho.
Toda essa imaginação era mera imaginação. Não passava disso: imagens que eu tinha antes de dormir. De alguma forma, eu já sabia que nunca iríamos ficar juntos de qualquer maneira, mas, mesmo assim, fiquei desolado quando recebi a notícia.
A mulher que eu amava iria se casar e tudo que eu imaginei nesses últimos três anos seria vivenciado por outra pessoa que não se chamava .
15 de abril de 2004
- Até que enfim você chegou! – Gritou Amy. Passei por James e Byron que estava na sala acertando alguma coisa para faculdade e fui até onde Amy me esperava, um pouco ansiosa.
- Olá, minha querida amiga. Que saudade. – Cumprimentei com sarcasmo. Ela revirou os olhos.
- Nossa querida amiga pré-adolescente revoltadinha se trancou no quarto de novo. – Anunciou. Sua voz parecia zangada, como se ela detestasse essas mudanças de humor de Sophie, mas também carregavam um quê de preocupação. Como se ela estivesse morrendo de vontade de solucionar qualquer problema que Sophie tivesse, mas não soubesse qual era o problema. Suspirei.
- Vou ver o que aconteceu.
Caminhei em silêncio até o quarto de Sophie, tirando o paletó e afrouxando o nó da gravata pelo caminho.
- Sophie?
-Está aberta. – Murmurou, sua voz anasalada e abafada. Supus que estava chorando e não estava preparado emocionalmente para o que encontraria. Abri a porta e encontrei Sophie aos soluços com um travesseiro na cara. Toddy já chegou me rodeando, acho que para “sentir o terreno”, ver se eu era um perigo ou não. Ele me olhou meio desconfiado, mas depois que fiz um carinho dele, deu um pulo em cima de mim e começou a sorrir. Sabe como é, aquela cara de cachorro feliz. Mas eu não estava ali por Toddy, estava por Sophie. Acho que ele também percebeu que desfocou de seu posto, porque voltou correndo para cama dela, colocando a grande cabeça em seu colo.
- Ei. – Sussurrei, me sentando ao lado dela e removendo o travesseiro de sua cara. – O que houve, princesa?
- Chuta. – Falou, limpando uma lágrima solitária da face.
- Matt de novo? – Chutei. Ela assentiu, e, pelo seu semblante, podia dizer que, com certeza, se esforçava para não chorar de novo. Sophie era uma garota meiga, mas muito orgulhosa. Acho que ninguém além de mim a viu chorando desde que completara oito anos de idade.
Passei a mão pelo cabelo de Sophie e ela se aproximou de mim, me dando um abraço. Toddy se aproximou também. – O que aconteceu dessa vez?
- Ele disse que sou feia. – Resmungou. – Eu amava ele, mas ele me odeia. Eu odeio ele para sempre, a partir de agora. – Confessou, escondida em meu tórax.
- Primeiro: Você não é feia. É a garota mais linda que eu conheço. Seg...
- Mais linda que mamãe? – Perguntou, inocente, brincando com os fiapinhos soltos da coberta. Pigarrei.
- Com certeza. Mais linda que mamãe.
Ela sorriu.
- Só diz isso porque é meu pai. É tipo, a obrigação dos pais dizer uma coisa dessas. Isso não muda o fato de que Matt disse que sou feia. E estou dizendo “feia” porque sou simpática, o que ele realmente disse foi “feia pra caramba”.
- Querida, qualquer rapaz, idiota ou não, que te chame de feia, não te merece. Esse babaca de primeira linha não te merece e eu não quero mais ver minha doce e forte Sophie chorando por causa dele. – Achei ter dito a coisa certa, mas eu obviamente fracassei. Acho que eu não era um bom aconselhador de “garotinhas pré-adolescentes que sofrem com o primeiro amor”.
- Argh, pai, você nunca me entende! – Falou mais alto, tornando a chorar. Toddy latiu para mim. Me senti ofendido. – Às vezes, seria bom ter uma mãe de verdade aqui. – Acrescentou, fazendo meu coração doer.
- Hey, não diz isso. Sua mãe está ocupada, você sabe.
Ela olhou bem no fundo dos meus olhos.
- Minha mãe morreu, pai. Era estranho ela não aceitar como sua mãe, mas nunca questionar nada quanto a Greg. Talvez por ser totalmente ausente, talvez por ter sido eu a criar Sophie, ela nunca questionou sobre mim. Aceitava que eu era seu tio, mas mesmo depois de eu ter contado a história, ela continuou me chamando de pai. a deixava confusa. O termo que ela mais usava era “Tia... mãe”. Ela sempre se confundia e eu podia ver o quão triste ficava pela tela do computador. Ela não perguntava muito sobre Greg. Disse que não queria soar “como uma bruxa sem coração”, mas não podia sentir falta de alguém que nunca conhecera. De acordo com ela, eu servia. Ela falou bem desse jeito, “Ah, mas tudo bem, você serve! ”. Já não fazia parte da vida dela, e não era a primeira vez que ela desejava ter uma mãe. Eu me sentia triste por ela, principalmente quando íamos aos parques e víamos várias mães com suas filhas.
Sophie desejava uma mãe mais que tudo no mundo, e isso era justamente a única coisa que eu jamais poderia dar a ela. Me sentia incapaz e inútil sempre quando pensava nisso.
- Como ela era? – Perguntou, de repente.
- Emma? –Ela sorriu.
- Sim.
Devolvi o sorriso para ela.
- Emma era incrível, Sophie. Você, por um acaso, é parecidíssima com ela. – Falei docilmente. Sophie sorriu ainda mais.
- É bom saber disso. Preciso tomar banho. – Acrescentou, depois de dar uma boa espreguiçada.
- Tudo bem. E esquece essa ideia de que você é feia. Você é maravilhosa. Sinto que não tenho te dito isso com frequência, desculpe.
Ela olhou para o chão.
- Não precisa se desculpar. – Garantiu, pegando a toalha no armário e andando até a porta. Quando chegou nela, virou-se e disse. – Obrigada por ser o melhor pai que eu poderia ter. Sinto que nunca te disse isso. – Dei um sorrisinho, que ela retribuiu e saiu porta a fora. Decidi ir até a sala me esticar um pouco na frente da TV.
-... eu sei, amiga, mas olha, não deu certo.
- Que pena, . Lamento mesmo. – Suspirou Amy, e tinha um leve tom de lamentação em sua voz. O que diabos está fazendo aqui? Ela estava na Espanha até ontem!
- . – Falou, se levantando assim que me viu aparecer na sala. Cocei a cabeça, espantado. Ela estava ainda mais bonita, se é que é possível. Seu cabelo estava bem mais curto e ela tinha adquirido algumas curvas. Estava mais linda que nunca.
- . Ela veio ao meu encontro e me abraçou. Mas me abraçou como nunca tinha feito antes e então, sem que eu me desse conta, ela estava me beijando.
Eu estava beijando .
Sem pensar em quem quer que estivesse assistindo a cena, tirei o espanto da minha reação e me dediquei somente a dar de volta aquilo que recebera. Tomei pela cintura e a apertei, fazendo com que ela soltasse uma exclamação de prazer. Isso acarretou sua mão na minha nuca, pressionando a outra nos meus cabelos e nos puxando para a mais livre poça de amor não correspondido.
Comecei a dar selinhos em sua face e fiquei feliz ao ver que ela sorria. O que fosse que tivesse acontecido com Logan na Espanha, fiquei contente que ela tivesse voltado. E ainda voltou para mim.
- , eu... – Começou. Beijei sua bochecha.
- Shiiii, não estraga o momento. – Dei mais um selinho suave antes de ela abrir os olhos e se afastar.
- Temos muito o que conversar. – Ela falou, séria, mas tinha um sorriso doce.
- Temos tempo até demais. – Comentei, puxando sua mão, até meu quarto, para que pudéssemos ter a nossa tal “conversa”.
19 de julho de 2006
“GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOL DA ITÁAAAAALIA”
- Ganhou? A Itália ganhou?
- É CAMPEÃ, É CAMPEÃ!
- NÃO ACREDITO QUE A FRANÇA PERDEU, NÃO ACREDITO!
- Cinco a três nos pênaltis, CHUPA LINDS!
- CALEM A BOCA QUE O JORNALISTA ESTÁ FALANDO! – Gritou James. Foi tão alto e tão bravo que todo mundo se calou, até mesmo Toddy parou de latir, e logo em seguida começou a rir. – Desculpa pessoal, quero ouvir o jornalista e tal. - Ainda não entendi, a Itália ganhou? – Repetiu . Dei risada.
- Ganhou, querida, ganhou. – Ela revirou os olhos.
- Não me chama de querida. Soa tão falso. – Sorri.
- Desculpe, querida. – Ela me lançou um olhar assassino.
O pessoal se dispersou pela casa. Byron e James foram arrumar as malas e Linds, sempre uma lady, foi arrumar a bagunça de pipoca que fizeram no meu tapete. Por mim continuaria deitado com no sofá, mas a forma toda arrumadinha de Sophie passando pela gente fez meu “sensor de pai” apitar.
- Aonde vai vestida assim? – Perguntei. Ela me olhou descrente com o ciúme em minha voz. Não apenas ela, também exibia um olhar idêntico.
- Ela está perfeitamente decente, .
- Ela podia ter colocado uma calça.
Sophie revirou os olhos.
- Pai, qual é, está fazendo trinta e cinco graus lá fora.
concordou com a cabeça.
- Sem condições de colocar uma calça, querido. – Notei a ironia na voz dela e dei uma risadinha.
- Onde você vai, afinal? – Perguntei. Ela de repente ficou muito interessada em qualquer coisa que via naquele celular, por isso acho que não me ouviu. – Sophie?
- O que? – Murmurou, sem tirar os olhos do celular.
- Onde vai? – Ela colocou o celular no bolso do shorts e olhou para mim.
- Na casa de Matt. – Respondeu, baixinho.
- O quê? – Exclamamos eu e , ao mesmo tempo.
- Até ontem vocês se odiavam, isso não faz o menor sentido. – Argumentei.
-Estamos falando do mesmo Matt, querida?
-Isso não faz o menor sentido!
-Tem certeza que sabe o que está fazendo? Olha, eu pos...
- CHEGA! – Gritou Sophie. Assim que ficamos ambos quietos, Sophie corou. – Desculpe. Mas calma. É só um trabalho escolar. Não estou feliz com isso, na verdade. – Admitiu, e pelo seu semblante eu podia dizer que ela estava sendo sincera.
- Quer que eu vá ao colégio, eu...
- Não, não precisa. – Sophie me interrompeu. – Ele precisa de alguém que saiba desenhar e a Srta. Marinéz me juntou com ele. Mas acho que ela quer que a gente pare de brigar.
Deu de ombros, o que fez meu coração doer.
- Sophie...
Ela sorriu.
- Não importa, de verdade. Eu vou ficar bem.
Concordei com a cabeça.
- E onde ele mora?
- James vai me levar. Ah, olha ele aí, yupiiii! – Falou, fingindo o maior entusiasmo quando James desceu as escadas. e eu sorrimos para ela, apesar de eu ainda estar meio preocupado. Ela percebeu e veio me abraçar. – Vou ficar bem, pai. Tchau.
Deu um beijo na minha bochecha e na de , abraçou Toddy que estava de guarda na porta e, em seguida, acompanhou James até o carro.
- Ser pai de uma garota é tão estressante. – Resmunguei, quando Sophie saiu. deu risada.
- E o que acha então de ser pai de duas meninas? – Perguntou, como quem não quer nada. Fiz um carinho em sua mão, enquanto ela mexia em meus cabelos.
- Acho que ia ser legal. Não sei, não pensei nisso. – E nunca tinha pensado mesmo. sorriu de maneira agradável e colocou minha mão na sua barriga.
- Então pode começar a pensar agora.
Estaquei no lugar.
- Você está dizendo que...?
- Exatamente. – Respondeu, acariciando a barriga por enquanto reta. – O nome dela é Catherine. – Sussurrou pra mim.
Fiquei imaginando com aquela barriga, redonda com meu filho. Uma pessoa que tinha sido gerada através de mim. Não pude deixar de me sentir ansioso.
- Escolheu sem me consultar? – Arqueei as sobrancelhas. Ela sorriu.
- Bem, não somos casados. A guarda é minha. – Brincou.
- Então casa comigo. – Ela gargalhou.
- Pare com isso.
Fiquei confuso. Eu queria casar com ela. Deus, sim, eu realmente queria. Ela queria? Seria... demais se ela quisesse. O máximo que aconteceria seria ela dizer não. Fiquei sério e olhei no fundo dos olhos dela.
- Casa comigo. – Mas falei sério dessa vez. Ela percebeu que não era mais brincadeira. Seu olhar pareceu hesitar e confesso que isso me magoou.
- ... não precisa casar comigo só porque eu est...
- Não! Não, não, não é só por causa disso! Por que não pedi isso antes? – Perguntei a mim mesmo, fazendo ela rir. – , casa comigo. Prometo te fazer a mulher mais feliz dessa Terra. Por favor, me dê a honra de ser seu marido. – Pedi. levou a mão à boca, emocionada. Eu estava jurando que ela ia chorar.
- Não foi muito original. – Falou, rindo. Eu ri com ela. Peguei em sua mão e me ajoelhei. Ela não parava de sorrir e eu estava nervoso. Não era isso o que sempre quis? Casar-me com ? Oh, Deus, que isso não seja um sonho.
- . – Comecei.
- . – Completou, e ambos rimos.
- Claire , você quer se casar comigo?
Ela me estudou pelo que pareceu ser um longo tempo. Finalmente apertou minha mão e sorriu.
- , será uma honra me casar com você.
Levantei-me e a abracei, ficamos muito tempo abraçados, e só depois percebi que a família toda estava lá aplaudindo.
- A Itália ganhou, vai se casar com o amor da vida dele... A vida está demais para alguns. – Anunciou Byron, fazendo a gente rir.
Mais tarde, fomos a varanda, onde eu apontei para todas as estrelas do céu e lhe disse que o amor que eu sentia era maior do que a imensidão do universo. Eu a amava tanto que doía.
E naquela noite, quando ela respondeu que me amava na mesma intensidade, foi a primeira vez que duvidei de seus sentimentos.
23 de abril de 2009.
- Pai, você viu tia ? – Perguntou Sophie, enfiando a cabeça para dentro do quarto, onde eu estava com Cath, tentando fazê-la dormir.
- Hm... não. Talvez ela tenha ido no supermercado ou algo do tipo. – Murmurei, para não acordar Cath. Coloquei ela na cama e sai de fininho, com Sophie na minha cola.
- Argh, a prova de vestido dela é daqui meia hora! – Resmungou.
- Calma, Sophie. Daqui a pouco ela aparece. – Falou Linds, colocando a mão em seu ombro de uma maneira reconfortante.
- Parece que é você quem vai casar! Não devia ficar tão neurótica. – Brincou Matt, fazendo com que ela desse um soco na barriga dele. Linds revirou os olhos de brincadeira.
- Venha, prima. Vamos lá para sala. – Sophie olhou para ela com descrença.
- Mas... Byron está lá, tem certeza...?
Linds sorriu corajosamente.
- Claro, vamos lá.
E as duas foram, me deixando sozinho no hall. E preocupado também, era bem verdade que sumira desde as dez da manhã e já eram quase quatro horas.
Nem acreditava que finalmente iria me casar com a mulher por quem era loucamente apaixonado. Não estava acreditando na minha sorte. Todas as coisas que imaginei se tornaram realidade. Tínhamos duas filhas lindas, mas elas não brigavam. Cath adorava Sophie e o sentimento era recíproco.
Nós comíamos pizza de chocolate como se não houvesse amanhã, enquanto Sophie e Cath contavam como ia a escola. Sophie não falava muito, mas acho que era a adolescência. Talvez fosse. Ou talvez ainda tivesse vergonha do namorado. Matt vinha para casa quase toda semana, e apesar de, no começo, eu não ter ido muito com a cara dele, Matt era um bom rapaz. De verdade.
Enfim, eu presumia que éramos uma família feliz. E agora o meu maior sonho, coisas que eu achava que eram só fruto da minha imaginação, finalmente tomariam forma. Amanhã, tudo aquilo seria oficial.
Estava sorrindo comigo mesmo quando Sophie apareceu com meu maior pesadelo em suas mãos. Sua face estava petrificada em uma expressão de horror e eu detestei qualquer coisa que a tivesse deixado assim. Ela parecia prestes a chorar.
- Pai, eu... Eu... Olha, achei isso em cima da caixa de correios e... pai, sinto muito. – Sussurrou, me abraçando e saiu chorando do hall, deixando uma carta na minha mão. Estava endereçada a mim e era de . A carta estava aberta e pelo estado de Sophie, não podia ser uma coisa boa. Mas eu tinha que ler, era minha.
Seattle, 23 de abril de 2009
Querido ,
Sei que você me odeia agora. Eu não quero, nem vou, te impedir de me odiar porque não tenho o direito de fazer isso.
Ao receber isso eu já devo estar no avião e você já deve ter me procurado em toda parte ou então (o que é mais sua cara), acabou de perceber que desapareci. Bem, eu fugi. Eu tive meus motivos para não me casar e espero que você entenda. É a terceira vez que fico noiva, e a terceira vez que não me caso. Não era pra ser. Não era pra ser com ninguém. O problema não é você, , sou eu. Eu sou a problemática que não consegue colocar uma aliança dourada no dedo e ficar feliz, eu não consigo.
Não te fiz de bobo durante todos esses anos, isso nunca. Somos amigos desde os meus longínquos dezessete anos, e agora já tenho trinta e oito. Uma amizade assim, de vinte e poucos anos, não é de se achar em qualquer lugar. Uma amizade meio conturbada, mas ainda sim uma amizade.
Você foi a pessoa mais paciente do mundo em me esperar e eu aprecio isso. Sei que tirei todas as chances de você estar com outra mulher, a mulher que vai fazer por você o que eu não pude, e lamento muito por isso.
Nunca vou esquecer dos jantares surpresas, da nossa música, do fato de você cantar super mal, do seu incrível talento em malabarismos, do jeito simples e único com o qual você criou Sophie para ela ser o que é hoje e das historinhas que eu ouvia você contando para Catherine antes de dormir. Nunca esquecerei do homem bom e amável que você se tornou. E nunca na minha vida me arrependerei de ter dado meu e-mail para aquele garoto magricela e universitário que dançou comigo no casamento da minha irmã.
Catherine. Cuide dela. Sei que eu nem preciso pedir, mas eu estou pedindo mesmo assim. Não é um abandono, eu não estou abandonando ninguém. Vai ser melhor se eu encontrar um tempo para mim, por isso estou voltando para a Espanha. Eu tenho uma vida lá, .
Sinto que estou sendo muito egoísta, e, de certa forma, eu sou egoísta mesmo. E tudo que eu tenho a te dizer no fim dessa carta escrita entre lágrimas e com o peso de uma decisão tão difícil é: Eu amo você, . Eu amo a vocês dois. Eu amo demais, amo mais do que posso contar em palavras, amo mais do que posso medir.
Apesar de saber que me odeia, tenho a audácia de pedir perdão.
Perdão por ter te abandonado na época que você achou que fosse a mais feliz da sua vida, perdão por não ter dito isso tudo antes, perdão por arrancar essa centelha de felicidade que eu sei que acabou de sumir de seu rosto, perdão por deixar nossa filha, perdão por não ter botado mais fé em você no trabalho, perdão por ter sido tão desligada, só... perdão.
E perdão por não ter colaborado para que nós ficássemos todos juntos.
Eternamente sua,
.
01 de julho de 2014
O Brasil era muito diferente do que imaginei. Bem, Salvador era igualzinho ao que eu imaginei, mas estávamos na época da Copa, então era normal ter confeitos espalhados pela rua, crianças do lado de fora do estádio com aquelas “vuvuzelas”, bateristas das escolas de samba da Bahia batucando por ai e essas coisas.
- Não acredito que perdemos! – Exclamou Sophie, chateada. Matt a abraçou.
- Você sabe que nosso futebol não é um dos melhores... – Comentou, igualmente chateado.
- Ei, gente, que é isso. Não acaba aqui não, a gente ainda vai para São Paulo. Temos um segundo time para torcer. – Falei alegremente, e consegui fazer eles sorrirem um pouco.
- E ele é bem melhor que o nosso. – Acrescentou John, e todos rimos fazendo Sophie e Lucy revirarem os olhos.
- Pai, a gente vai pro hotel, estou exausta. Vem com a gente?
Neguei com a cabeça.
- Não, não. Eu vou comprar algo pra gente experimentar, vão na frente.
- Eu vou com eles. Lilly está com sono. – Falou John, apontando para a garotinha quase dormindo em pé. Ela já era grande demais para ser carregada, era um pouco mais velha que Cath, devia ter seus dez anos, então estava literalmente dormindo em pé. Assenti com a cabeça e Lucy sorriu para mim antes de se virar e seguir caminhada junto com o marido.
O pré-requisito para viagens ao exterior não era passagem de avião, nem aluguel de carro e nem hospedagem. Você deve pesquisar o clima para não terminar como eu. Achamos que em Julho era verão, como nos EUA, esquecemos completamente que era hemisfério sul. John, aquele meu maravilhoso amigo, “esqueceu” de me lembrar desse detalhe. Muito engraçadinho.
Chegamos em solos brasileiros todos equipados para o calor, mas estava fazendo um frio de matar. No primeiro dia, assim que a gente acordou, gastamos quase metade do dinheiro só com roupas. A coisa mais estressante de todas foi que nos dois dias seguidos fizera um calor de rachar, o que me deixou blaster irritado.
Apenas depois de eu comentar isso com John é que ele foi me dizer que “o clima do Brasil é um pouco complicado”. E era. Uma coisa de louco. Em um dia está fazendo quinze graus e no outro a temperatura subia para trinta, mas à noite, desse mesmo dia, caia para vinte. E ainda diziam que estávamos no inverno.
Eu não conhecia Salvador, preferi o pacote sem guia e me senti um burro por isso, já que eu não entendia nenhuma palavra em português, a não ser “Oi” e “Bom Dia”, porque o porteiro do hotel repetiu tanto, até que percebi que era uma saudação.
Cheguei em uma barriquinha de cachorros quentes, desistindo completamente da ideia de comer algo diferente. Fiquei na fila esperando minha vez e aí uma moça negra me atendeu.
Ela disse algumas coisas na língua que eu não conhecia e então percebeu que eu era de fora e puxou um cardápio meio primitivo de dentro do balcão.
Não adiantava tentar ler os ingredientes, então fui pela figura. Escolhi o que eu queria e fiz um número cinco para ela com a mão. Ela sorriu e mesmo que eu não soubesse falar a língua, o que ela disse tinha um certo tom de “aguarde um momento”.
Sentei em um banco de plástico que tinha na frente, para esperar os cinco hot dogs e aproveitei para conferir o texto de terça.
- .
Minha mente tinha que estar sonhando com essa voz absolutamente familiar. Tinha que estar. Lentamente, tão lentamente quanto possível, ergui minha cabeça.
Ela estava diferente. Mais viva, mais madura, mais bonita. Seu cabelo agora estava loiro, e, apesar de sempre ter gostado do cabelo dela, dessa forma deixava ela com um ar mais jovem, apesar da idade. A primeira coisa que notei foi que ela hesitava entre sorrir ou desejar que nunca tivesse me chamado. Por isso, para mostrar que estava tudo certo, sorri para ela, me levantando do banquinho.
- .
Ela veio até mim, lentamente, e nos abraçamos, a uma distância respeitável. Eu nunca passei tanto tempo sem falar com , a gente simplesmente sumiu do mapa um pro outro. Faziam cinco anos que a gente não se falava, era muito tempo.
- Como você está? – Perguntei, educadamente.
- Estou ótima, . E você? – Falou, levantando a mão para jogar o cabelo, que cresceu desde a última vez que eu vira, para trás.
E essa foi a segunda coisa que eu notei. A aliança dourada em sua mão esquerda. Engoli em seco.
- Estou bem também. – Ela percebeu para onde eu olhava e colocou a mão em meu ombro.
- Me perdoa, , eu n...
- Então você casou. – Comentei, mas não queria dar um sermão nela, então sorri. Isso pareceu funcionar.
- Sim, ano passado. – Respondeu, admirando a aliança.
- Posso tentar chutar ou...? – Ela riu.
- Logan. Ele está ali. – Disse, apontando para uma outra barraca. – Tínhamos decidido comprar tapioca, e aí, vimos você tentando se entender e... e ele me disse para vir aqui.
Arregalei os olhos.
- Ele disse?
- Temos uma filha juntos, , não é como se ele pudesse contra isso. – Seus olhos brilharam de repente. – Ela está aqui? Cath?
Neguei com a cabeça.
- Não, quis ficar com Linds e James em Seattle.
- Oh, eles se mudaram pra lá? – Exclamou, surpresa.
- Sim, estou fazendo a cabeça da família aos poucos. Daqui a pouco John se muda também. – Dei risada, sabendo que as chances eram mínimas. Nada nesse mundo ia afastar John do Oregon, nunca mais.
- , me perdoa, sim? Não precisa ser agora, ou esse ano, ou daqui dez anos, mas eu só quero saber que um dia, quando você for velhinho, vai pensar em mim como a que você conheceu. – Ela se aproximou mais um pouco. – Eu amava você, , mas o Logan me curou. Ele preencheu o que faltava desde quando Emma se fora e eu não percebia isso. Você era meu melhor amigo, mas era cunhado dela. Era próximo demais, eu me lembrava toda hora. Sophie me lembrava toda hora, até mesmo Cath me lembrava. Eu não as odeio, e nem a você. Mas o tempo que passei na Espanha me ajudou a não endoidar. Eu não fiz isso só por mim, eu fiz por vocês todos e espero que perceba isso. Já disse isso e direi de novo: eu não os abandonei, . Jamais os abandonaria.
- , eu...
- Não, não, . Não diz nada. Eu ia morrer se não te pedisse desculpas, mas não precisa dizer nada. Por favor.
Dei um meio sorriso.
- Eu não te odeio, . Nunca odiei. – Esclareci, verdadeiramente. A mulher no balcão chamou minha atenção, dizendo outras palavras que eu não conhecia. riu.
- Ela está dizendo para você pagar ali. – Traduziu, apontando para uma caixa registradora onde uma garota de no máximo doze anos estava operando. me seguiu até lá, onde eu paguei e retirei meus hot dogs, que estavam bem quentes, o que inesperadamente me deixou com fome.
- Desde quando você fala português? – Perguntei. Ela gargalhou.
- Não falo português, falo espanhol. É meio parecido, dá pra entender. – Explicou, dando de ombros. Senti meu celular vibrando e vi que era Sophie, uma foto dela apareceu. Recusei a chamada, mas sabia que precisava ir.
- Ela está linda. A cara da mãe dela. – Murmurou . Dei um grande sorriso.
- Ela é maravilhosa. Matt beija o chão que ela pisa.
- Se ele já era assim, agora deve estar pior. – Comentou, rindo. Ri com ela, olhando para o chão.
- Hm... eu tenho que ir, Sophie deve estar preocupada. – Falei. deu um sorriso sem mostrar os dentes.
- Tudo bem. Espero que dê tudo certo na sua vida, . – Sussurrou, me abraçando e depois se afastando.
Queria não dizer nada, queria convidar ela para ver Sophie, nem que Logan precisasse ir junto. Mas depois do desabafo dela, eu entendi. Ela queria distância. Eu não estava defendendo, de maneira nenhuma, não sei mesmo que tipo de mulher vira as costas para a própria filha e temi que, no dia que ela se tocasse, fosse tarde demais. Eu a protegeria, eu protegeria Cath. Ela era minha semente, ela era a pura semente do nosso amor e sempre que eu olhasse Cath, eu lembraria de .
Porque sua última frase, foi em um tom de adeus. Do jeito que ela falou, eu soube, naquele momento, que nunca mais a veria novamente. Nem Cath, nem Sophie e nem ninguém.
Então de um modo tão suave quanto foi possível, coloquei a mão direita no bolso, segurei a caixinha com os lanches no outro braço, e me afastando, disse da maneira mais terna que consegui:
- E eu te desejo tudo em dobro, .
Antes de eu me virar, eu vi seu sorriso. Era o meu sorriso, o sorriso que ela dava quando eu fazia algo que a agradava.
Se tudo que eu tinha direito era ver de novo o meu sorriso depois de cinco anos, então eu era um homem de sorte.
E sorrindo, forçando essa última memória de em minha memória para sempre, fui caminhando em direção ao hotel.
20 de maio de 2015
- Foi a última vez que a vi, mas isso você já sabe. – Finalizei, olhando para baixo. Quando olhei em seus olhos, vi lágrimas e me assustei. – Cath?
- Meu Deus, pai, isso é tão triste. – Comentou, secando as lágrimas. Concordei com a cabeça. – Você acha que ela vai voltar? – Olhei para ela atentamente. Não queria magoá-la, mas também não queria que ela ficasse alimentando esperanças. Acho que ela já era grandinha para entender isso.
- Não. – Respondi. Mesmo nova, eu pude perceber que ela notou a tristeza em minha voz. E obviamente, Cath ficou chateada com a minha resposta.
- Por quê? – Questionou, em um tom choroso.
Por que eu tinha tanta certeza? Como eu sabia?
Ela era o tipo de mulher que não me amou um dia na vida. Ela me amava de um modo fraternal, pode até ser, mas nunca me amou de fato. Nunca sequer visitou Catherine. Ela simplesmente abandonou sua própria filha, apesar de ter dito que não o fez.
Por que eu tinha tanta certeza que ela jamais voltaria?
Eu sentia. Sentia que ela estava feliz com seu marido na Espanha, e que sua vida nos Estados Unidos já era passado. Todos que passaram pela sua vida, eu, Sophie, John, Lucy, Amy, Linds, James, Byron, e agora Cath, ninguém significava mais nada para ela.
Eu sabia. Sabia que ela se sentia mais ela mesma, que ela estava em seu ambiente, ela tinha outra vida, com outras pessoas e outros roteiros. Apesar de estar chateado, tive que reconhecer que tudo que aconteceu entre nós serviu para alguma coisa. Eu não teria essas duas mulheres maravilhosas que eram Sophie e Cath e isso seria no mínimo frustrante.
Ela não voltaria. Essa era uma certeza gritante, como se eu estivesse lendo a mente dela, e me dizia telepaticamente que nunca mais, jamais pisaria em Washington ou em qualquer outro estado americano outra vez.
Mas esse não era o ponto. Eu estaria mentindo se dissesse que fui infeliz, porque não fui. Só tivemos nove anos juntos de verdade, mas foram nove anos que eu jamais trocaria por nada. Foram nove anos de amor, de amizade, de parceria, de comunhão. Foram nove anos de coisas boas, de puras coisas boas.
Depois que nos encontramos no Brasil, ela ligou três vezes, mas não atendi nenhuma. Não suportei atender, ouvir sua voz e como estava tudo as mil maravilhas na vida dela. Eu era um homem quebrado, e preferia continuar daquele jeito, sem alimentar esperanças. já me quebrara em muitos pedaços, se ela quebrasse um pouco mais, eu me destruiria. Essa foi a parte que eu escondi de Cath. Ela não precisava saber disso.
Então foi só isso que aconteceu. Anos e anos de coisas boas.
Catherine ainda me encarava, querendo saber a resposta. Eu poderia dizer tudo a ela. Poderia contar todas as minhas teorias, porém não fiz isso.
“Porque ela não vai voltar?“, Cath perguntara.
Eu apenas respondi com a maior verdade que já haviam me contado.
- Porque uma coisa boa não dura muito tempo.
Fim
Nota da autora: Depois de exaustivas 27 páginas, FIM. Olha, eu sinceramente nem sei o que dizer. Começar dizendo que eu adorei de verdade escrever essa short é um bom começo, acho. Acreditam que eu escrevi em apenas uma mísera semana? Pois é, daí eu quase perdi o prazo (na verdade eu perdi o prazo mesmo), entrei em desespero, arranquei meus cabelos, implorei ao deus do tempo mais tempo (no caso, esse deus se chama Mari e ela é uma linda, aplausos para ela), fiquei acordada várias horas, mas no final deu tudo certo. Quase vale a pena ter ficado com olheira e careca para ler o resultado fofo que ficou essa short (Bem, fofo para mim).
Sem mais delongas, espero que tenham gostado e, se possível, me escrevam alguma coisinha aqui em baixo. Eu adoro ler a opinião alheia sobre minhas obras que revolucionaram a literatura brasileira e merecem um Nobel de Literatura, mas ninguém percebe SIAJSIJAJSIAJSAIJ Brincadeira. Ah, e entrem lá no grupo, vai ser legal, eu juro! Bjos e muito obrigada por lerem! <3
Outras Fanfics:
Just A Girl (One Direction/Em andamento)
Welcome To New York (Ficstape #004 Taylor Swift/Finalizada)
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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