Capítulo Único
Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, caindo na camiseta do rapaz já sem vida deitado em sua frente. Ela não podia acreditar no que via, não mesmo. Sua visão embaçada pelas lágrimas ainda lhe permitia, apesar de tudo, ver o corte no tronco dele, encharcado de sangue em volta. Pegou em seu pulso, com a pouca esperança que ainda lhe restava de que seu coração voltaria a bater repentinamente e seus olhos se abririam, olhando diretamente nos dela, como havia acontecido várias e várias vezes ao longo de todos esses anos. Poderia não ser no corpo do jovem moreno de vinte e três anos, que agora jazia sem vida próximo ao belíssimo lago escondido dos Clarke, mas ele tinha que voltar para ela, que poderia também não ser Clarke, a senhorita de cabelos claros também na casa dos vinte e três que era agora. Pouco importava quem eles seriam e sim que voltariam a estar juntos.
Porém, essa era a última vida dele. Alguns sábios dizem que até mesmo imortais morrem uma hora. Quer dizer, eles morrem e vivem outra vida, como outra pessoa normalmente, por séculos e milênios, porém se lembram de suas vidas passadas. Os seres humanos não são imortais, longe disso, e sim suas almas. As almas são eternas, sendo elas a causa da imortalidade, porém não permanecem na Terra para sempre, como que “morrendo pela última vez". E agora, em sua frente, estava McCavoy, que por milênios havia sido seu namorado, seu marido, seu amante, seu companheiro. Eram literalmente almas gêmeas e agora ela estava sozinha. Nat era um imortal morto.
mentalmente condenava o infeliz que o havia atacado, cuja alma ainda seria de várias pessoas. Era, afinal, muito jovem, diferentemente do casal. Jurou que o procuraria até o fim de sua imortalidade, seja lá como quem encarnasse, o mandando para o limbo eterno, onde não morreria, mas também não voltaria à Terra por milênios. De qualquer jeito, ainda era pouco. Era muito jovem, com certeza ainda estaria apta para sair por aí depois desse período. Para , merecia passar o resto da eternidade queimando no fogo que não se apagava, onde almas condenadas que tinham ou não acabado seu período na Terra ficavam ardendo em chamas até se resumirem a cinzas. Tinha feito a era dos casais lendários ser encerrada precocemente, então esse seria um ótimo castigo.
O senhor Clarke, um homem bem preservado para o cinquentão que era, não entendeu o porquê de a filha ter entrado cabisbaixa em casa, no meio do baile de máscaras que a família havia organizado, sendo que adorava esse tipo de festas. De qualquer jeito, deixou para lá. Jovens são jovens, como já dizia sua falecida mãe. correu para a biblioteca da casa, trancando a porta ao entrar. O cômodo de altas e largas paredes só teve o silêncio quebrado pelo choro da garota, que agora descia incessantemente por todo seu rosto, molhando o vestido de festa azulado que usava naquela noite. Cambaleando, ela foi em direção a uma das enormes estantes de madeira envelhecida que preenchiam o local. Se apoiou em uma poltrona de veludo, que felizmente estava fora do lugar e perto do móvel imponente, e pegou com dificuldade um livro cuja capa dava a aparência de ter sido escrito há centenas de anos, o que era uma impressionante verdade. A loira se esforçou para levá-lo até a grande mesa, onde vários livros estavam jogados, mas as mãos fracas e trêmulas não permitiram, a fazendo jogá-lo em cima de uma poltrona próxima a qual havia se apoiado. Passou as mãos pela face, enxugando as lágrimas, e as secou em seu vestido, sentando-se e colocando o livro em seu colo. Suas pernas doeram um pouco com o peso, mas ignorou a sensação e o abriu, com as mãos ainda trêmulas. Na página que abriu, havia uma história bem conhecida, um ícone da literatura. As lágrimas insistiram em cair ao colocar seus olhos nela, mas começou a ler. Porém, a verdade não estava ali, naquele velho objeto de capa envelhecida, e sim em suas memórias inapagáveis.
— Nós não podemos! — Dizia a jovem, sentindo seus olhos se encherem de lágrimas.
— Eu sei, eu sei... — O belo rapaz acariciava seus longos cabelos castanhos, enquanto olhava em suas íris claras. Ela era, definitivamente, uma princesa. Poderia não ter o título real, mas tinha a beleza de uma.
— Se sabe, para que insistes? — Uma solitária lágrima desceu por seu rosto, sendo seca de imediato pelo moreno a sua frente.
— Para que entenda que, por mais que não possamos, não precisamos seguir essas regras quando o amor fala mais alto. — Ele insistiu, rezando para que ela desistisse de toda essa agonia e eles pudessem fugir disso tudo juntos. Tudo bem, o jovem entendia que a senhorita a sua frente ficasse com um pé atrás, afinal eram as regras de suas famílias contra a vontade deles.
— Você sabe que eu te amo, não é? — Ela perguntou, sendo envolvida pelos braços dele.
— Sim... e eu também te amo, Julieta! — Ele tirou uma mecha do cabelo da garota, que caía em seu rosto, e a colocou atrás de sua orelha, lentamente se aproximando e acabando com a distância que existia entre os dois. Delicadamente colou seus lábios nos dela, em um beijo do amor mais puro que existia em toda Verona. Ninguém, nem mesmo os Capuleto e os Montecchio juntos, poderia separá-los.
Seu emocional nunca fora dos mais fortes, mas até mesmo estes desabariam se estivessem na situação de . Acabara encolhida na poltrona, entorpecida pelas lembranças que vinham a sua mente e a atingiam como um furacão, enquanto seu coração parecia ser rasgado ao meio, por várias e várias vezes, interminavelmente. As lágrimas molhavam seu rosto na mesma velocidade com que uma tempestade atingia o chão, rápida e pesada. Com apenas dois dedos, virou a página e consequentemente se deparou com outra história, essa mais recente.
Os óculos de sol redondos da garota de vinte e tantos anos no banco do passageiro refletiam a luz do majestoso astro que iluminava a tarde em seu apogeu. Seus cabelos cacheados rebeldes caíam sobre a blusa branca bem solta em seu corpo e cada detalhe dele era observado pelo rapaz de cabelos claros de tamanho médio ao seu lado, que dirigia calmamente a Kombi vermelha com destino a lugar nenhum.
— ... — Ele sussurrou no ouvido da namorada, quase parando o carro.
— Hum? O que foi? — Ela acordou de um de seus constantes devaneios e tirou os óculos, olhando diretamente nos olhos esverdeados do rapaz. O coração do jovem hippie pareceu bater vinte vezes mais forte, como o de um adolescente dançando com o seu amor ao som de uma música dos Beatles, pelo contato visual com ela. Verde no azul, azul no verde. O encontro das cores fazia tudo parecer o mar de uma bela praia em um dia de calmaria: Lindo, calmo, tranquilo.
— Se um dia tivermos filhos, pararemos com a vida que temos agora? — Ele perguntou, pensativo. Ela não estranhou a pergunta, afinal sabia que o rapaz queria ter crianças desde sempre.
— Você quer parar? — Ela devolveu a pergunta, com um doce sorriso de lado.
— Acho que não... — Ele tirou alguns fios de cabelo que atrapalhavam a visão e devolveu o sorriso a ela. sentiu o ar esvair-se de seus pulmões e os pés não sentirem mais o chão, como sempre acontecia quando imitava seu sorriso desajeitado. Ok, o sorriso dela era desajeitado, enquanto o dele era extremamente sexy. Ela tinha que lutar para não agarrá-lo no momento em que ele curvava o canto dos lábios para um só lado, com seu olhar penetrante ardendo em sua pele.
— Então não pararemos, simples assim! — Ela deu de ombros, colocando os cabelos para trás e deixando o colo a mostra. Passou as mãos pela saia com estampas psicodélicas que usava, a arrumando.
— Não podemos criar uma criança assim, amor. Você sabe disso, não é? — Ele olhou para ela, com uma expressão séria. não gostava de vê-lo daquela maneira, então tratou de distraí-lo.
— Sim, eu sei, mas não vamos nos preocupar com isso agora, certo? Deixa acontecer, ! — Ela sorriu, acompanhada pelo rapaz logo em seguida. Se aproximou dele e sussurrou, colando suas testas — Afinal, temos outras coisas para fazer... — A hippie acabou com o que restava do espaço entre eles em um beijo apaixonado, imediatamente retribuído com voracidade por .
É, hippies realmente sabem amar.
Aquela era uma das lembranças mais bonitinhas que tinha de suas vidas passadas com . Hippies eram pessoas extremamente amorosas e fora excelente viver um casal assim, despreocupado, apaixonado, animado, tranquilo... Era bem diferente de alguns casais dos dias atuais, que nem se preocupam muito em manter todo esse simples carinho. A loira havia parado de chorar depois de uma memória realmente boa, mas ainda tinha que ler mais uma.
Mais uma. A última.
Ela não estava fazendo nada mais que o que imortais deveriam fazer assim que sua alma gêmea deixava a Terra: lembrar-se de três momentos de suas vidas passadas para poder seguir o mesmo caminho que o companheiro, seja homem ou mulher. Caso não o fizesse, não arrumaria outro amor como aquele e se prenderia no planeta sem ter outras vidas. Apenas preso, como um fantasma que ninguém pode ver, um ser invisível que vaga por aí sem nada. Claro que todos procuram um livro de histórias para se lembrar das antigas vidas o mais rápido possível, para reencontrar sua paixão o quanto antes e voltar para seus braços e neles permanecer por toda a eternidade. E ela precisava deixar Clarke para ontem e rever sua alma gêmea, que também havia deixado de ser o jovem McCavoy.
Ela virou a página que seria a última que viraria em sua permanência na Terra. Pôde reconhecer quase que imediatamente a foto do casal adolescente estampado em tons de sépia na folha, apesar de ser o mais recente antes de viverem e .
— Segure em minha mão, . Vai ficar tudo bem! — O moreno de uns quinze, dezesseis anos olhava para a melhor amiga, que tremia cada vez mais a cada centímetro que a cabine da London Eye subia. A ruiva de olhos de mel arregalados vagarosamente aproximou a sua mão da de , que a apertou, fazendo o coração de entrar em estado de choque.
— N-n-nós va-va-vamo-vamos es-t-tar l-l-lá em ci-ci-cim-cima q-q-quan-d-d-do der me-i-i-a n-oi-oi-te? — Ela perguntou. A voz trêmula arrancou algumas risadas de , que recebeu um olhar feio dela.
— Respira, ! Respira... se acalma, menina! — Ele tentou segurar o riso enquanto a garota inspirava e soltava pela boca vagarosamente. Era uma situação engraçada, e a achava perfeita em situações como essa, quando seus cabelos caiam displicentemente por suas costas e ela fechava os olhos, enquanto ria animadamente. Ela era a garota mais linda que havia conhecido em toda a sua vida, talvez até a mais perfeita que já tivesse visto. Era como uma daquelas modelos de capa de revista, até mais bela que tais.
A tão esperada hora se aproximava conforme a cabine da roda gigante subia mais e mais. Ao pararem exatamente no topo, faltavam pouquíssimos minutos, e o nervosismo era visível nos olhos de . Ela se remexia desconfortável no banco de estofado gasto, apertando forte a mão de .
— Não olhe para baixo, . Você vai ficar mais tensa desse jeito... — Ele calmamente tentou ajudar, atraindo o olhar da garota, que soltou sua mão já vermelha. Seus olhos olhavam profundamente nas íris castanhas do amigo, que sentiu seu corpo gelar e o coração bater descompassadamente conforme aprofundavam o olhar.
Três...
A contagem regressiva para a virada de ano havia começado e eles apenas ouviam, concentrados demais um no outro para gritarem animadamente como as demais pessoas.
— ... — A ruiva sussurrou, se aproximando mais do garoto. Ele, por sua vez, acariciou o rosto da menina suavemente, fazendo seu coração quase saltar pela boca. Aquela sensação a deixava mais nervosa do que qualquer medo de altura que tivesse. Poderia estar a milhares de metros do chão que não sentiria seu coração bater daquela maneira.
Dois...
— ... — Ele devolveu, se aproximando ainda mais e colocando uma das mãos em sua cintura. Seus dedos estavam trêmulos como os da menina estiveram na subida e ela colocou sua própria mão em cima da dele, reconfortando e ao mesmo tempo o fazendo segurá-la mais firme.
— Depois eu que fico tensa fácil! — Ela sorriu timidamente, enquanto passava os braços em torno do pescoço do rapaz e praticamente grudava seus rostos.
Um!
Feliz Ano-Novo!!
Assim que os fogos explodiram, colorindo o céu de Londres, não perdeu tempo e a beijou timidamente. Pelo contrário do que havia esperado, ela retribuiu o beijo, permitindo a passagem da língua do moreno e puxando seus cabelos. Parecia que haviam se passado dias e dias e eles poderiam ficar ali para sempre. Porém, o ar logo faltou e eles tiveram que se afastar, finalmente olhando um nos olhos do outro.
— , eu... — começou a tentar se explicar, ainda ofegante, em meio a algazarra de pessoas festejando a virada de ano.
— Não fale nada, só me beija de novo. — Ela cortou e ele arregalou os olhos, surpreso, mas logo obedeceu e colou seus lábios no dela, como sempre quisera fazer.
fechou o livro vagarosamente, respirando fundo e se levantando. Sentiu seus dedos do pé formigarem sob o salto azul marinho e deixou o objeto de capa envelhecida sobre a poltrona, olhando para seus membros inferiores. Seus pés de pouca a pouco deixavam de existir. Eles estavam ali, no corpo da jovem, mas os membros inferiores de sua alma não. A falta deles não existia, pois era como se ainda estivesse ali. Clarke permanecia ali, mas sua alma imortal se esvaía aos poucos para outro lugar.
Por fim, deu uma última olhada no planeta Terra. Como ele ficaria depois de seu último “adeus”? Isso agora pouco importava. Ela estava indo embora, porém daria um jeito para voltar e se vingar de seja lá quem tivesse tirado a vida de seu amor. E então, deu seu último suspiro como Clarke, e o corpo da loira atingiu o chão, já sem vida alguma.
A alma olhava melancolicamente para sua última hospedeira, desacordada e empalidecida. Não tinha tempo para lamentar-se disso agora, precisava encontrar aquele que havia sido . Ela fechou os olhos e sentiu-se fora do chão por alguns segundos, os abrindo assim que teve a sensação de atrito dos pés em algo macio. Ela estava em uma sala gigantesca de paredes brancas, com janelas enormes que mostravam paisagens diferentes, cortinas de veludo vermelho e um grande arco de passagem que dava para algum lugar qualquer. O chão era coberto por um carpete meio acolchoado, o que explicava o macio que havia sentido. Então, por fim, notou algo que a incomodara: o silêncio. O lugar era extremamente quieto, nada comum para uma alma que estava acostumada com o caos da civilização humana. O silêncio poderia significar algo muito bom e algo muito ruim, e ela rezava para que fosse algo positivo.
— Amor? — Uma voz quebrou qualquer silêncio que ali permanecia. A voz. A voz que ela queria tanto ouvir, que havia vindo só para isso. Virou-se instantaneamente para trás e o encontrou encostado no arco, sorrindo. Ela sorriu de volta e correu para seus braços, o envolvendo em um abraço apertado, como que de saudade. — Está tudo bem, querida. Eu estou com você! — Ele passou a mão pelos cabelos agora quase brancos como a neve dela, depositando um beijo no ombro descoberto.
— Finalmente... — Ela sussurrou, aliviada. Tinha conseguido: deixou a Terra para ficar com ele. — Mas... e agora?
— Eu não sei o que faremos... Mas sei que os humanos não nos esquecerão. Nós fizemos história, amor. Nós fomos lendários e seremos para toda a eternidade, sendo imortais ou não! — Ele sorriu, satisfeito. Eles haviam conseguido juntos algo quase que inimaginável, inspirado gênios de todas as áreas, sido realmente lendários. Nossas histórias de amor serão passadas por gerações e gerações. Seremos amantes lendários. Legendary Lovers. — Ele se afastou, olhando em seus olhos de um azul tão puro quanto os mares de uma ilha paradisíaca. Ela era perfeita e sempre seria.
*******
Os olhos arregalados da jovem loira de vinte e poucos anos permaneceria por muito tempo. Se aproximou vagarosamente e trêmula do corpo da irmã, que jazia no chão, com uma marca avermelhada no braço esticado. Ela abaixou-se, tentando olhar o que era e procurando forças para gritar por ajuda, mas sua voz não saía. Então, virou lentamente o braço pálido da garota, vendo que haviam escritos. Escritos em sua pele, cravados como uma tatuagem. Legendary Lovers. O que é que isso significava? Ela então levantou-se, chocada, e saiu da biblioteca dos Clarke, correndo, finalmente conseguindo usar sua voz e berrando pelo pai.
Enquanto isso, um casal de imortais olhava do paraíso para a cena. Não haviam feito nada, mas era o que acontecia quando almas do tipo das deles deixavam a Terra: marcas eram cravadas nos braços dos últimos hospedeiros, caso tivessem feito algo importante. E eles haviam sido lendários.
Porém, essa era a última vida dele. Alguns sábios dizem que até mesmo imortais morrem uma hora. Quer dizer, eles morrem e vivem outra vida, como outra pessoa normalmente, por séculos e milênios, porém se lembram de suas vidas passadas. Os seres humanos não são imortais, longe disso, e sim suas almas. As almas são eternas, sendo elas a causa da imortalidade, porém não permanecem na Terra para sempre, como que “morrendo pela última vez". E agora, em sua frente, estava McCavoy, que por milênios havia sido seu namorado, seu marido, seu amante, seu companheiro. Eram literalmente almas gêmeas e agora ela estava sozinha. Nat era um imortal morto.
mentalmente condenava o infeliz que o havia atacado, cuja alma ainda seria de várias pessoas. Era, afinal, muito jovem, diferentemente do casal. Jurou que o procuraria até o fim de sua imortalidade, seja lá como quem encarnasse, o mandando para o limbo eterno, onde não morreria, mas também não voltaria à Terra por milênios. De qualquer jeito, ainda era pouco. Era muito jovem, com certeza ainda estaria apta para sair por aí depois desse período. Para , merecia passar o resto da eternidade queimando no fogo que não se apagava, onde almas condenadas que tinham ou não acabado seu período na Terra ficavam ardendo em chamas até se resumirem a cinzas. Tinha feito a era dos casais lendários ser encerrada precocemente, então esse seria um ótimo castigo.
O senhor Clarke, um homem bem preservado para o cinquentão que era, não entendeu o porquê de a filha ter entrado cabisbaixa em casa, no meio do baile de máscaras que a família havia organizado, sendo que adorava esse tipo de festas. De qualquer jeito, deixou para lá. Jovens são jovens, como já dizia sua falecida mãe. correu para a biblioteca da casa, trancando a porta ao entrar. O cômodo de altas e largas paredes só teve o silêncio quebrado pelo choro da garota, que agora descia incessantemente por todo seu rosto, molhando o vestido de festa azulado que usava naquela noite. Cambaleando, ela foi em direção a uma das enormes estantes de madeira envelhecida que preenchiam o local. Se apoiou em uma poltrona de veludo, que felizmente estava fora do lugar e perto do móvel imponente, e pegou com dificuldade um livro cuja capa dava a aparência de ter sido escrito há centenas de anos, o que era uma impressionante verdade. A loira se esforçou para levá-lo até a grande mesa, onde vários livros estavam jogados, mas as mãos fracas e trêmulas não permitiram, a fazendo jogá-lo em cima de uma poltrona próxima a qual havia se apoiado. Passou as mãos pela face, enxugando as lágrimas, e as secou em seu vestido, sentando-se e colocando o livro em seu colo. Suas pernas doeram um pouco com o peso, mas ignorou a sensação e o abriu, com as mãos ainda trêmulas. Na página que abriu, havia uma história bem conhecida, um ícone da literatura. As lágrimas insistiram em cair ao colocar seus olhos nela, mas começou a ler. Porém, a verdade não estava ali, naquele velho objeto de capa envelhecida, e sim em suas memórias inapagáveis.
— Nós não podemos! — Dizia a jovem, sentindo seus olhos se encherem de lágrimas.
— Eu sei, eu sei... — O belo rapaz acariciava seus longos cabelos castanhos, enquanto olhava em suas íris claras. Ela era, definitivamente, uma princesa. Poderia não ter o título real, mas tinha a beleza de uma.
— Se sabe, para que insistes? — Uma solitária lágrima desceu por seu rosto, sendo seca de imediato pelo moreno a sua frente.
— Para que entenda que, por mais que não possamos, não precisamos seguir essas regras quando o amor fala mais alto. — Ele insistiu, rezando para que ela desistisse de toda essa agonia e eles pudessem fugir disso tudo juntos. Tudo bem, o jovem entendia que a senhorita a sua frente ficasse com um pé atrás, afinal eram as regras de suas famílias contra a vontade deles.
— Você sabe que eu te amo, não é? — Ela perguntou, sendo envolvida pelos braços dele.
— Sim... e eu também te amo, Julieta! — Ele tirou uma mecha do cabelo da garota, que caía em seu rosto, e a colocou atrás de sua orelha, lentamente se aproximando e acabando com a distância que existia entre os dois. Delicadamente colou seus lábios nos dela, em um beijo do amor mais puro que existia em toda Verona. Ninguém, nem mesmo os Capuleto e os Montecchio juntos, poderia separá-los.
Seu emocional nunca fora dos mais fortes, mas até mesmo estes desabariam se estivessem na situação de . Acabara encolhida na poltrona, entorpecida pelas lembranças que vinham a sua mente e a atingiam como um furacão, enquanto seu coração parecia ser rasgado ao meio, por várias e várias vezes, interminavelmente. As lágrimas molhavam seu rosto na mesma velocidade com que uma tempestade atingia o chão, rápida e pesada. Com apenas dois dedos, virou a página e consequentemente se deparou com outra história, essa mais recente.
Os óculos de sol redondos da garota de vinte e tantos anos no banco do passageiro refletiam a luz do majestoso astro que iluminava a tarde em seu apogeu. Seus cabelos cacheados rebeldes caíam sobre a blusa branca bem solta em seu corpo e cada detalhe dele era observado pelo rapaz de cabelos claros de tamanho médio ao seu lado, que dirigia calmamente a Kombi vermelha com destino a lugar nenhum.
— ... — Ele sussurrou no ouvido da namorada, quase parando o carro.
— Hum? O que foi? — Ela acordou de um de seus constantes devaneios e tirou os óculos, olhando diretamente nos olhos esverdeados do rapaz. O coração do jovem hippie pareceu bater vinte vezes mais forte, como o de um adolescente dançando com o seu amor ao som de uma música dos Beatles, pelo contato visual com ela. Verde no azul, azul no verde. O encontro das cores fazia tudo parecer o mar de uma bela praia em um dia de calmaria: Lindo, calmo, tranquilo.
— Se um dia tivermos filhos, pararemos com a vida que temos agora? — Ele perguntou, pensativo. Ela não estranhou a pergunta, afinal sabia que o rapaz queria ter crianças desde sempre.
— Você quer parar? — Ela devolveu a pergunta, com um doce sorriso de lado.
— Acho que não... — Ele tirou alguns fios de cabelo que atrapalhavam a visão e devolveu o sorriso a ela. sentiu o ar esvair-se de seus pulmões e os pés não sentirem mais o chão, como sempre acontecia quando imitava seu sorriso desajeitado. Ok, o sorriso dela era desajeitado, enquanto o dele era extremamente sexy. Ela tinha que lutar para não agarrá-lo no momento em que ele curvava o canto dos lábios para um só lado, com seu olhar penetrante ardendo em sua pele.
— Então não pararemos, simples assim! — Ela deu de ombros, colocando os cabelos para trás e deixando o colo a mostra. Passou as mãos pela saia com estampas psicodélicas que usava, a arrumando.
— Não podemos criar uma criança assim, amor. Você sabe disso, não é? — Ele olhou para ela, com uma expressão séria. não gostava de vê-lo daquela maneira, então tratou de distraí-lo.
— Sim, eu sei, mas não vamos nos preocupar com isso agora, certo? Deixa acontecer, ! — Ela sorriu, acompanhada pelo rapaz logo em seguida. Se aproximou dele e sussurrou, colando suas testas — Afinal, temos outras coisas para fazer... — A hippie acabou com o que restava do espaço entre eles em um beijo apaixonado, imediatamente retribuído com voracidade por .
É, hippies realmente sabem amar.
Aquela era uma das lembranças mais bonitinhas que tinha de suas vidas passadas com . Hippies eram pessoas extremamente amorosas e fora excelente viver um casal assim, despreocupado, apaixonado, animado, tranquilo... Era bem diferente de alguns casais dos dias atuais, que nem se preocupam muito em manter todo esse simples carinho. A loira havia parado de chorar depois de uma memória realmente boa, mas ainda tinha que ler mais uma.
Mais uma. A última.
Ela não estava fazendo nada mais que o que imortais deveriam fazer assim que sua alma gêmea deixava a Terra: lembrar-se de três momentos de suas vidas passadas para poder seguir o mesmo caminho que o companheiro, seja homem ou mulher. Caso não o fizesse, não arrumaria outro amor como aquele e se prenderia no planeta sem ter outras vidas. Apenas preso, como um fantasma que ninguém pode ver, um ser invisível que vaga por aí sem nada. Claro que todos procuram um livro de histórias para se lembrar das antigas vidas o mais rápido possível, para reencontrar sua paixão o quanto antes e voltar para seus braços e neles permanecer por toda a eternidade. E ela precisava deixar Clarke para ontem e rever sua alma gêmea, que também havia deixado de ser o jovem McCavoy.
Ela virou a página que seria a última que viraria em sua permanência na Terra. Pôde reconhecer quase que imediatamente a foto do casal adolescente estampado em tons de sépia na folha, apesar de ser o mais recente antes de viverem e .
— Segure em minha mão, . Vai ficar tudo bem! — O moreno de uns quinze, dezesseis anos olhava para a melhor amiga, que tremia cada vez mais a cada centímetro que a cabine da London Eye subia. A ruiva de olhos de mel arregalados vagarosamente aproximou a sua mão da de , que a apertou, fazendo o coração de entrar em estado de choque.
— N-n-nós va-va-vamo-vamos es-t-tar l-l-lá em ci-ci-cim-cima q-q-quan-d-d-do der me-i-i-a n-oi-oi-te? — Ela perguntou. A voz trêmula arrancou algumas risadas de , que recebeu um olhar feio dela.
— Respira, ! Respira... se acalma, menina! — Ele tentou segurar o riso enquanto a garota inspirava e soltava pela boca vagarosamente. Era uma situação engraçada, e a achava perfeita em situações como essa, quando seus cabelos caiam displicentemente por suas costas e ela fechava os olhos, enquanto ria animadamente. Ela era a garota mais linda que havia conhecido em toda a sua vida, talvez até a mais perfeita que já tivesse visto. Era como uma daquelas modelos de capa de revista, até mais bela que tais.
A tão esperada hora se aproximava conforme a cabine da roda gigante subia mais e mais. Ao pararem exatamente no topo, faltavam pouquíssimos minutos, e o nervosismo era visível nos olhos de . Ela se remexia desconfortável no banco de estofado gasto, apertando forte a mão de .
— Não olhe para baixo, . Você vai ficar mais tensa desse jeito... — Ele calmamente tentou ajudar, atraindo o olhar da garota, que soltou sua mão já vermelha. Seus olhos olhavam profundamente nas íris castanhas do amigo, que sentiu seu corpo gelar e o coração bater descompassadamente conforme aprofundavam o olhar.
Três...
A contagem regressiva para a virada de ano havia começado e eles apenas ouviam, concentrados demais um no outro para gritarem animadamente como as demais pessoas.
— ... — A ruiva sussurrou, se aproximando mais do garoto. Ele, por sua vez, acariciou o rosto da menina suavemente, fazendo seu coração quase saltar pela boca. Aquela sensação a deixava mais nervosa do que qualquer medo de altura que tivesse. Poderia estar a milhares de metros do chão que não sentiria seu coração bater daquela maneira.
Dois...
— ... — Ele devolveu, se aproximando ainda mais e colocando uma das mãos em sua cintura. Seus dedos estavam trêmulos como os da menina estiveram na subida e ela colocou sua própria mão em cima da dele, reconfortando e ao mesmo tempo o fazendo segurá-la mais firme.
— Depois eu que fico tensa fácil! — Ela sorriu timidamente, enquanto passava os braços em torno do pescoço do rapaz e praticamente grudava seus rostos.
Um!
Feliz Ano-Novo!!
Assim que os fogos explodiram, colorindo o céu de Londres, não perdeu tempo e a beijou timidamente. Pelo contrário do que havia esperado, ela retribuiu o beijo, permitindo a passagem da língua do moreno e puxando seus cabelos. Parecia que haviam se passado dias e dias e eles poderiam ficar ali para sempre. Porém, o ar logo faltou e eles tiveram que se afastar, finalmente olhando um nos olhos do outro.
— , eu... — começou a tentar se explicar, ainda ofegante, em meio a algazarra de pessoas festejando a virada de ano.
— Não fale nada, só me beija de novo. — Ela cortou e ele arregalou os olhos, surpreso, mas logo obedeceu e colou seus lábios no dela, como sempre quisera fazer.
fechou o livro vagarosamente, respirando fundo e se levantando. Sentiu seus dedos do pé formigarem sob o salto azul marinho e deixou o objeto de capa envelhecida sobre a poltrona, olhando para seus membros inferiores. Seus pés de pouca a pouco deixavam de existir. Eles estavam ali, no corpo da jovem, mas os membros inferiores de sua alma não. A falta deles não existia, pois era como se ainda estivesse ali. Clarke permanecia ali, mas sua alma imortal se esvaía aos poucos para outro lugar.
Por fim, deu uma última olhada no planeta Terra. Como ele ficaria depois de seu último “adeus”? Isso agora pouco importava. Ela estava indo embora, porém daria um jeito para voltar e se vingar de seja lá quem tivesse tirado a vida de seu amor. E então, deu seu último suspiro como Clarke, e o corpo da loira atingiu o chão, já sem vida alguma.
A alma olhava melancolicamente para sua última hospedeira, desacordada e empalidecida. Não tinha tempo para lamentar-se disso agora, precisava encontrar aquele que havia sido . Ela fechou os olhos e sentiu-se fora do chão por alguns segundos, os abrindo assim que teve a sensação de atrito dos pés em algo macio. Ela estava em uma sala gigantesca de paredes brancas, com janelas enormes que mostravam paisagens diferentes, cortinas de veludo vermelho e um grande arco de passagem que dava para algum lugar qualquer. O chão era coberto por um carpete meio acolchoado, o que explicava o macio que havia sentido. Então, por fim, notou algo que a incomodara: o silêncio. O lugar era extremamente quieto, nada comum para uma alma que estava acostumada com o caos da civilização humana. O silêncio poderia significar algo muito bom e algo muito ruim, e ela rezava para que fosse algo positivo.
— Amor? — Uma voz quebrou qualquer silêncio que ali permanecia. A voz. A voz que ela queria tanto ouvir, que havia vindo só para isso. Virou-se instantaneamente para trás e o encontrou encostado no arco, sorrindo. Ela sorriu de volta e correu para seus braços, o envolvendo em um abraço apertado, como que de saudade. — Está tudo bem, querida. Eu estou com você! — Ele passou a mão pelos cabelos agora quase brancos como a neve dela, depositando um beijo no ombro descoberto.
— Finalmente... — Ela sussurrou, aliviada. Tinha conseguido: deixou a Terra para ficar com ele. — Mas... e agora?
— Eu não sei o que faremos... Mas sei que os humanos não nos esquecerão. Nós fizemos história, amor. Nós fomos lendários e seremos para toda a eternidade, sendo imortais ou não! — Ele sorriu, satisfeito. Eles haviam conseguido juntos algo quase que inimaginável, inspirado gênios de todas as áreas, sido realmente lendários. Nossas histórias de amor serão passadas por gerações e gerações. Seremos amantes lendários. Legendary Lovers. — Ele se afastou, olhando em seus olhos de um azul tão puro quanto os mares de uma ilha paradisíaca. Ela era perfeita e sempre seria.
Os olhos arregalados da jovem loira de vinte e poucos anos permaneceria por muito tempo. Se aproximou vagarosamente e trêmula do corpo da irmã, que jazia no chão, com uma marca avermelhada no braço esticado. Ela abaixou-se, tentando olhar o que era e procurando forças para gritar por ajuda, mas sua voz não saía. Então, virou lentamente o braço pálido da garota, vendo que haviam escritos. Escritos em sua pele, cravados como uma tatuagem. Legendary Lovers. O que é que isso significava? Ela então levantou-se, chocada, e saiu da biblioteca dos Clarke, correndo, finalmente conseguindo usar sua voz e berrando pelo pai.
Enquanto isso, um casal de imortais olhava do paraíso para a cena. Não haviam feito nada, mas era o que acontecia quando almas do tipo das deles deixavam a Terra: marcas eram cravadas nos braços dos últimos hospedeiros, caso tivessem feito algo importante. E eles haviam sido lendários.
Fim
Nota da autora: Você não têm noção do quanto foi difícil escrever isso. Sério, eu fiquei um tempão pensando e planejando e só acabei faltando três dias para acabar o prazo. Espero ter pelo menos um comentário, pois realmente queria que gostassem <3
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