Capítulo Único
Silveston, December
Senti as mãos enluvadas de uma senhora tocar meus ombros. Olhei para o lado, notando que a governanta estava ali, observando o epitáfio.
“Temos que ir” avisou.
Balancei a cabeça.
“Não.”
“Senhorita, seu pai está esperando.”
“Dane-se.”
Ela afagou meu cabelo e beijou-me na têmpora.
“Aguardarei lá fora. Cemitério nunca foi meu lugar favorito.”
Assenti e aproximei-me da sepultura.
***
Ao sair, avistei meu pai em pé perto do sportage, falando pelo celular. A governanta distraia minha irmã, que estava sentada no banco. Seu vestido cor de rosa, com flores, lembrava-me os dias em que nossa mãe a vestia. Escutei a risada do homem e caminhei para o lado oposto, sem chamar atenção.
“Traidor.”
Provavelmente conversava com sua secretária e amante. Sabia que mamãe morrera por decepção. Não por problemas de saúde, como haviam dito. Apressei os passos, dobrando a esquina, e comecei a correr. Meu vestido erguia-se com o vento, mas não me importei em mostrar a calcinha ou a bunda.
Caminhei devagar, as lágrimas escorrendo, e o rosto corado, pela calçada. Atravessei a rua e quase fui atropelada por um ônibus.
“Cuidado, maluca!” Uma passageira gritou.
Assustada, tomei fôlego e esperei-o passar. Escutei uma gritaria e vi um garoto correndo dentro do veículo para a última janela. Ele pôs o corpo para fora, e, então, um papel, guiado pelo vento, posou na pista.
“Motorista, para este ônibus!” Pediu. “Droga!”
O ônibus se foi, e ele continuou olhando pela janela.
Parada no meio da rua, escutei uma buzina e xingamentos. Logo, andei até o meio-fio e sentei-me.
“Senhorita?”
Olhei para cima.
“Vamos para casa.” A governanta disse.
[...]
“Está de castigo, .” Meu pai avisou, pondo a toalha sob o colo.
“Lucian, quero mais sorvete.” Maria, minha irmã, falou, sentada à mesa, para a governanta, que estava em pé.
“Sim, senhorita.”
“Por dois meses.” Ele completou. “Após o jantar, volte para o seu quarto.” Levantou, buscando o paletó.
“Vai sair, papai?” Maria perguntou.
“Vou” beijou-a na cabeça. “Quando eu chegar, passarei em seu quarto.”
“Estarei dormindo.”
“Gosto de vê-la dormir” Sorriu e retirou-se.
Joguei a toalha na mesa e corri atrás dele.
“Não pode prender-me aqui!”
Ele olhou para o lado, tocando a maçaneta.
“Não estou trancando as portas, e você não está presa, só não deve sair. É uma ordem. Não me desobedeça, .”
“Mas...” Tentei dizer.
“Não.”
Deitada em minha cama, com as luzes apagadas, encarava o teto, em silêncio. Virei à cabeça, e o papel estava sob o criado-mudo. Ergui o tronco, tirei a coberta e peguei-o.
“Guns N’ Roses concert”
Um show da banda lendária de rock. O último show da turnê. O garoto do ônibus deveria ser fã e estar arrasado por tê-lo perdido.
Deitei novamente, apagando o abajur.
***
“Lucian, acorde!” Maria chamou, sacudindo seu corpo sonolento. “Por favor, acorde!”
“O que foi, senhorita?” Apanhou o óculos.
“ fugiu.”
Minhas pernas doíam, a mochila em minhas costas pesava muito mais que a quantidade de utensílios que estavam dentro, e a bandana em minha testa ficara ensopada de suor. Abaixei os óculos por um minuto, tentando analisar o que vinha à minha frente, na estrada, depois de ter saído da cidade. Talvez fosse uma miragem devido a tanto tempo caminhando. Encontrei um posto de gasolina deserto e entrei na loja de conveniência. Comprei salgadinho, água, biscoito e doces. Comeria todos os doces que eu não poderia comer em casa. Bati a porta e retornei o caminho.
Após muitas milhas percorridas, outro carro tentou parar no acostamento para me oferecer carona. Recusei, sem dar ousadia ao motorista.
“Ei, garota!” Uma voz feminina me chamou. “Para onde está indo?”
“Stow Cross”
Ela riu.
“Caminhando? Antes de chegar lá, estará morta.”
“Obrigada pelo ânimo.” Ironizei.
“Entra no carro, te dou carona. Estou indo para o show do Guns. Você também, né?”
“Não.”
“O que a leva cometer essa loucura, viajando de uma cidade a outra a pé, então?”
“Provando a minha liberdade.”
“A quem?”
“Ao mundo.”
Ela sorriu, acelerando.
“Quantos anos você tem? 15?”
“18”
“Tá, bonitinha, entra aqui. A bolsa deve estar pesada.”
“Não, obrigada.”
A garota acelerou, deixando o rastro de areia subir, fazendo-me tossir. Depois, mais distante, acenou.
“Filha da puta!” Gritei.
***
Acabei aceitando a carona de um casal de idosos, rumo à Stow Cross, uma cidade pequena, pouco populosa, mas que estava lotada de turistas; garotas com chapéus, bandanas, shorts jeans, cardigãs, sutiãs à mostra; e homens sem camisa, com tatuagens, óculos de sol e bandeiras do país. Um deles abaixou a calça, ficando nu.
A senhora tapou seus olhos e os do marido.
“Essa juventude está perdida.”
Sorri.
“Você veio para o show de rock?”
“Não exatamente.”
“Não gosta de rock?”
“Só escutei música clássica durante a minha vida”
Ela olhou para trás.
“Quantos anos têm?”
“18”
“Ouviu isso, Theo? Dezoito anos e nunca escutou o rock and roll.”
“Elizabeth passou a gostar depois que o nosso neto colocou para ela escutar. Ele está em Stow Cross.” O senhor explicou.
“Onde você descerá?”
“Ali.” Apontei para uma barraca de comida. “Foi um prazer conhecê-los. Obrigada pela carona.”
“Não agradeça, querida. Viva o rock!”
Abri minha bolsa, retirando o ingresso.
Maria sentou-se no sofá, enquanto seu pai descia a escada, limpando a boca suja de batom. Ele pôs as mãos na cintura, suspirando em seguida.
“Então ela fugiu. A minha filha fugiu.”
“A culpa não é da Lucian, papai. Quando acordei e fui ao quarto de , ela não estava lá. Lucian abriu seu guarda-roupa e as roupas desapareceram, assim como minha irmã.”
O homem segurou o porta retrado com a foto de , Maria e a mãe delas.
“Minhas garotas.”
“O senhor vai buscá-la, papai?”
“ era como sua mãe, teimosa e determinada. E, mais do que isso, um espírito livre. Ela nunca gostou de morar aqui. Se tentarmos prendê-la nesta casa, fugirá novamente.” Colocou o porta retrato sob a cômoda. “Talvez prendê-la em um internato seja mais corrigível.”
“Senhor...”
“Chame a polícia.”
Andei entre os turistas, que estavam em grupos, até perto do palco. Duas garotas me detiveram para que eu tirasse fotos delas e me chamaram para uma selfie, a qual recusei.
“Ei, garota.”
Parecia tanto com o sotaque irritante da garota da estrada. Inconscientemente, fechei o punho, virando.
“O quê?”
“Sabia que era você, bonitinha.”
A risada debochada foi o pedido mudo para a minha mão soca-la. De repente, percebi que havia puxado o seu cabelo inutilmente e que meus braços estavam presos atrás de seu corpo.
“E agora? O que vai fazer?”
A sua amiga soltou uma risada, e a garota na minha frente lambeu os lábios, revelando o piercing na língua.
“Eu não sou gay.” Afastei-me bruscamente.
“Nem eu. Gosto de homens e mulheres. Mais de mulheres.”
Dei a volta, sumindo rapidamente. Retornei para a barraca de comida, pedi um hot-dog e sentei-me à mesa, sozinha. Meu celular vibrou no bolso da calça. Tateei até pegá-lo e ver o nome de Maria na tela.
Cuide da sua irmã, querida, minha mãe pedira.
“Alô?” Maria disse assim que eu atendi.
“O que é, pirralha?”
“Onde você está? O papai vai te matar”
“Ele não vai me encontrar.”
“Você não dormirá aqui?”
“Não.”
A linha ficou muda.
“Maria?”
“Papai planeja mandá-la para o internato.”
“Que tente.” Mordi o hot-dog. “Você está bem, não é?”
“Estou.”
“Sabia que estaria. Lucian ama você.”
Ela suspirou.
“E eu te amo, mesmo você tendo fugido daqui.”
Deixei a comida na mesa.
“Cuide-se, pirralha.”
“Maria?” O pai dela chamou, procurando-a na sala. Devagar, ela saiu da despensa.
“Estou aqui, papai.”
“De quem é esse celular?”
“É da Lucian.”
“E por que está com você?”
“A Lucian pediu para que eu segurasse enquanto guardava as panelas na cozinha.”
“Mas você estava na despensa.”
A menina mordeu o lábio.
“O que está escondendo?”
“Nada.”
“Maria Violetta, diga.”
“Estava conversando com .”
“Sabe onde ela se meteu?”
“Não. Mas escutei um barulho muito alto.”
“Dê-me o celular de Lucian. Se ela perguntar, avise que o entreguei à polícia. Rastrearemos sua irmã, e quando a acharmos, colocarei-na no primeiro voo para a Suíça.”
***
Um grupo gritava, animado.
Vi algumas garotas tirando a blusa e resolvi fazer o mesmo, permanecendo apenas com o sutiã preto. Queria me sentir parte de algum deles, de algo. Acomodei-me na grama, deitando, e estirei os braços.
“Ela deve estar bêbada.” Um garoto comentou, passando perto de mim.
E eu nem tinha engolido uma gota de álcool.
“Ou morta.”
“Prefiro que esteja em coma alcoólico, ao menos está viva.”
Balancei a cabeça.
[...]
“O seu ingresso?”
Não o encontrei, enquanto o segurança esperava pacientemente.
“Você não tem, não é? Retire-se da fila.”
Afastei-me, atônita, ainda procurando-o. O maldito ingresso estava na mochila. Teria que dar um jeito de invadir a arena quando todos entrassem.
“Se você fizer isso, cara, vai se dar mal.” Dois rapazes discutiam.
“Tenho que entrar na arena.”
“ .”
“O quê?”
“Não apanharei por causa disso.”
O mais baixo virou de costas, vestindo regata, coberto de tatuagens nos braços e uma calça cortada nos joelhos.
“O que eu faço, então?”
“Escuta o som aqui fora.”
Ele sentou no chão, e o outro, despedindo-se, entrou.
“Posso sentar aí?” Perguntei.
“Claro.”
“Hoje não é o nosso dia de sorte.”
“Perdeu o ingresso?”
“Sim, ao chegar aqui.”
Ele xingou baixo.
She's got a smile that it seems to me
Reminds me of childhood memories
Where everything
Was as fresh as the bright blue sky
“Não perdi o meu, só deixei-o voar”
“E ele nunca mais voltou ao ninho.”
“É.” Nasalou. “Pelo seu sotaque, você não é dessa região.”
“Sou de Silveston.”
Ele olhou para mim, analisando.
“Prazer em conhecê-la, sou .”
“ .”
“O que acha de saltarmos a segurança?”
“Seremos presos.”
“Não estou preocupado.”
“O destino prega-nos peças.”
“Por que diz isso?”
“Achei que aquele papel fosse a porta para o meu futuro, e era um ingresso. Ingresso esse que me trouxe aqui. Quando estou perto, nunca é o suficiente. Ele simplesmente desaparece.”
“Não acredito em destino, isso é ridículo. Você escreve a sua história a partir das decisões que toma. É ação-consequência.”
Eu retrucaria, mas a imagem de dois homens fortes vindo em nossa direção me impediu. Um deles me levantou, e o outro o ajudou, guiando-me até um carro.
havia levantado comigo, soltando palavrões.
“Quem são vocês? Soltem-na!” Tentou puxar um deles, pulando em cima, mas foi empurrado para o lado com força. “ , você os conhece?”
“Não!” Colocaram-me dentro do veículo. Antes que eu tentasse fugir, uma voz serena me assustou:
“Vamos embora.”
Tentei sair, mas o homem fechou a porta. Bati na janela, e , sem saber o que fazer, bagunçava o cabelo.
O carro se foi.
Now and then when I see her face
She takes me away to that special place
And if I stare too long
I'll probably break down and cry
“Merda, o que diabos ela fez?” Pensando por um instante, decidiu ir atrás dela. Subiu em sua seu moto e seguiu o outro.
“Você não me ofereceu outra alternativa, .” Meu pai falava enquanto dirigia. “Tinha certeza que não viria por livre e espontânea vontade.”
Permaneci calada.
“Apesar disso, saiba que não tenho raiva. Resolveremos todos os problemas de convivência quando você embarcar no avião.”
“Está tentando livrar-se de mim, igual livrou-se da minha mãe.”
“Não. Ela quem se livrou de mim e sozinha.”
“Onde Maria está?”
“Em casa.”
Ao descer do carro no aeroporto, meu pai fez meu check-in, entregou minha mala e aguardou.
Estacionei a moto em uma vaga e corri para dentro do aeroporto, sem saber do que se tratava aquela palhaçada fora da arena. Enviei uma mensagem para Tom antes de sair. Entre algumas pessoas, olhando ao redor, a vi entrando na a ala de embarque. Aproximei-me, atravessando as barras e passando por uma funcionária, de , que, como uma criança assustada, aquela de quem roubara o lado doce da vida, fitava o horizonte, de lado.
“Ei!” Chamei, interrompendo seus devaneios melancólicos. “Para onde está indo?”
Surpresa, respondeu:
“Suíça.”
“Tão distante.”
“É” enxugou a lágrima. “Você tá perdendo o show.”
“Não tenho ingresso.”
quase sorriu.
“Quem são aqueles caras?”
“Seguranças do meu pai.”
“Seu pai mandou te prender?”
Assentiu, em silêncio, e eu parei ao seu lado.
“Sabe, acho que estava errado.”
“Em que?”
“O destino deve mesmo existir. Caso contrário, não teríamos perdido nossos ingressos, nos conhecido e parado aqui, antes de você desaparecer para sempre.”
“Não é como se nos conhecêssemos a vida inteira.”
“Mas teremos a noite inteira para fazer isso se você ficar.”
Ela olhou para mim, e, sem conseguir me conter, enxuguei seu rosto.
“Não posso.”
“Por causa do seu pai?”
“Ele é... Aquilo que ele fez.”
Vendo dois passageiros passarem por nós, puxou a mala de rodinhas.
“É hora de ir”
“Acho que conseguirei pegar a metade do som do show”
“Já experimentou procurar nos bolsos outra vez?”
“Vim sem ingresso, na verdade. Estava tentando a sorte por lá.”
“E eu ainda senti pena de você.” Puxou a bolsa, caminhando para a porta.
Sorri.
“Eu o perdi em Silveston, quando voltava para casa. O vento o levou.”
De costas, parou.
“Dentro de um ônibus?”
“Como você sabe?”
“Então é você o cara que faltou chorar na janela.”
Encabulado, apenas assenti.
“Você estava lá?”
“No meio da rua e quase fui atropelada.” ficou atônita.”Peguei o papel e fui para Stow Cross.”
“Estou perdendo o show da minha vida por causa de você.”
“Calminha, você quem deixou-o escapar de seus dedos.”
“E você o guardou”
“Achado não é roubado.”
Ri baixo.
“Isso deve ser outra peça que o destino nos pregou.”
“Viramos amigos após um acaso?”
“Sim, e nos vemos no verão.”
“Você não pode me pedir para ser seu amigo e simplesmente me dar às costas e ir embora. Aliás, você deveria me pagar outro ingresso, e eu aceito uma passagem aérea.”
Oh, oh, oh
Sweet child o' mine
Oh, oh, oh, oh
Sweet love of mine
sorriu, fazendo-me parar de falar.
“Até logo, .”
“Até.”
Senti as mãos enluvadas de uma senhora tocar meus ombros. Olhei para o lado, notando que a governanta estava ali, observando o epitáfio.
“Temos que ir” avisou.
Balancei a cabeça.
“Não.”
“Senhorita, seu pai está esperando.”
“Dane-se.”
Ela afagou meu cabelo e beijou-me na têmpora.
“Aguardarei lá fora. Cemitério nunca foi meu lugar favorito.”
Assenti e aproximei-me da sepultura.
Ao sair, avistei meu pai em pé perto do sportage, falando pelo celular. A governanta distraia minha irmã, que estava sentada no banco. Seu vestido cor de rosa, com flores, lembrava-me os dias em que nossa mãe a vestia. Escutei a risada do homem e caminhei para o lado oposto, sem chamar atenção.
“Traidor.”
Provavelmente conversava com sua secretária e amante. Sabia que mamãe morrera por decepção. Não por problemas de saúde, como haviam dito. Apressei os passos, dobrando a esquina, e comecei a correr. Meu vestido erguia-se com o vento, mas não me importei em mostrar a calcinha ou a bunda.
Caminhei devagar, as lágrimas escorrendo, e o rosto corado, pela calçada. Atravessei a rua e quase fui atropelada por um ônibus.
“Cuidado, maluca!” Uma passageira gritou.
Assustada, tomei fôlego e esperei-o passar. Escutei uma gritaria e vi um garoto correndo dentro do veículo para a última janela. Ele pôs o corpo para fora, e, então, um papel, guiado pelo vento, posou na pista.
“Motorista, para este ônibus!” Pediu. “Droga!”
O ônibus se foi, e ele continuou olhando pela janela.
Parada no meio da rua, escutei uma buzina e xingamentos. Logo, andei até o meio-fio e sentei-me.
“Senhorita?”
Olhei para cima.
“Vamos para casa.” A governanta disse.
“Está de castigo, .” Meu pai avisou, pondo a toalha sob o colo.
“Lucian, quero mais sorvete.” Maria, minha irmã, falou, sentada à mesa, para a governanta, que estava em pé.
“Sim, senhorita.”
“Por dois meses.” Ele completou. “Após o jantar, volte para o seu quarto.” Levantou, buscando o paletó.
“Vai sair, papai?” Maria perguntou.
“Vou” beijou-a na cabeça. “Quando eu chegar, passarei em seu quarto.”
“Estarei dormindo.”
“Gosto de vê-la dormir” Sorriu e retirou-se.
Joguei a toalha na mesa e corri atrás dele.
“Não pode prender-me aqui!”
Ele olhou para o lado, tocando a maçaneta.
“Não estou trancando as portas, e você não está presa, só não deve sair. É uma ordem. Não me desobedeça, .”
“Mas...” Tentei dizer.
“Não.”
Deitada em minha cama, com as luzes apagadas, encarava o teto, em silêncio. Virei à cabeça, e o papel estava sob o criado-mudo. Ergui o tronco, tirei a coberta e peguei-o.
“Guns N’ Roses concert”
Um show da banda lendária de rock. O último show da turnê. O garoto do ônibus deveria ser fã e estar arrasado por tê-lo perdido.
Deitei novamente, apagando o abajur.
“Lucian, acorde!” Maria chamou, sacudindo seu corpo sonolento. “Por favor, acorde!”
“O que foi, senhorita?” Apanhou o óculos.
“ fugiu.”
Minhas pernas doíam, a mochila em minhas costas pesava muito mais que a quantidade de utensílios que estavam dentro, e a bandana em minha testa ficara ensopada de suor. Abaixei os óculos por um minuto, tentando analisar o que vinha à minha frente, na estrada, depois de ter saído da cidade. Talvez fosse uma miragem devido a tanto tempo caminhando. Encontrei um posto de gasolina deserto e entrei na loja de conveniência. Comprei salgadinho, água, biscoito e doces. Comeria todos os doces que eu não poderia comer em casa. Bati a porta e retornei o caminho.
Após muitas milhas percorridas, outro carro tentou parar no acostamento para me oferecer carona. Recusei, sem dar ousadia ao motorista.
“Ei, garota!” Uma voz feminina me chamou. “Para onde está indo?”
“Stow Cross”
Ela riu.
“Caminhando? Antes de chegar lá, estará morta.”
“Obrigada pelo ânimo.” Ironizei.
“Entra no carro, te dou carona. Estou indo para o show do Guns. Você também, né?”
“Não.”
“O que a leva cometer essa loucura, viajando de uma cidade a outra a pé, então?”
“Provando a minha liberdade.”
“A quem?”
“Ao mundo.”
Ela sorriu, acelerando.
“Quantos anos você tem? 15?”
“18”
“Tá, bonitinha, entra aqui. A bolsa deve estar pesada.”
“Não, obrigada.”
A garota acelerou, deixando o rastro de areia subir, fazendo-me tossir. Depois, mais distante, acenou.
“Filha da puta!” Gritei.
Acabei aceitando a carona de um casal de idosos, rumo à Stow Cross, uma cidade pequena, pouco populosa, mas que estava lotada de turistas; garotas com chapéus, bandanas, shorts jeans, cardigãs, sutiãs à mostra; e homens sem camisa, com tatuagens, óculos de sol e bandeiras do país. Um deles abaixou a calça, ficando nu.
A senhora tapou seus olhos e os do marido.
“Essa juventude está perdida.”
Sorri.
“Você veio para o show de rock?”
“Não exatamente.”
“Não gosta de rock?”
“Só escutei música clássica durante a minha vida”
Ela olhou para trás.
“Quantos anos têm?”
“18”
“Ouviu isso, Theo? Dezoito anos e nunca escutou o rock and roll.”
“Elizabeth passou a gostar depois que o nosso neto colocou para ela escutar. Ele está em Stow Cross.” O senhor explicou.
“Onde você descerá?”
“Ali.” Apontei para uma barraca de comida. “Foi um prazer conhecê-los. Obrigada pela carona.”
“Não agradeça, querida. Viva o rock!”
Abri minha bolsa, retirando o ingresso.
Maria sentou-se no sofá, enquanto seu pai descia a escada, limpando a boca suja de batom. Ele pôs as mãos na cintura, suspirando em seguida.
“Então ela fugiu. A minha filha fugiu.”
“A culpa não é da Lucian, papai. Quando acordei e fui ao quarto de , ela não estava lá. Lucian abriu seu guarda-roupa e as roupas desapareceram, assim como minha irmã.”
O homem segurou o porta retrado com a foto de , Maria e a mãe delas.
“Minhas garotas.”
“O senhor vai buscá-la, papai?”
“ era como sua mãe, teimosa e determinada. E, mais do que isso, um espírito livre. Ela nunca gostou de morar aqui. Se tentarmos prendê-la nesta casa, fugirá novamente.” Colocou o porta retrato sob a cômoda. “Talvez prendê-la em um internato seja mais corrigível.”
“Senhor...”
“Chame a polícia.”
Andei entre os turistas, que estavam em grupos, até perto do palco. Duas garotas me detiveram para que eu tirasse fotos delas e me chamaram para uma selfie, a qual recusei.
“Ei, garota.”
Parecia tanto com o sotaque irritante da garota da estrada. Inconscientemente, fechei o punho, virando.
“O quê?”
“Sabia que era você, bonitinha.”
A risada debochada foi o pedido mudo para a minha mão soca-la. De repente, percebi que havia puxado o seu cabelo inutilmente e que meus braços estavam presos atrás de seu corpo.
“E agora? O que vai fazer?”
A sua amiga soltou uma risada, e a garota na minha frente lambeu os lábios, revelando o piercing na língua.
“Eu não sou gay.” Afastei-me bruscamente.
“Nem eu. Gosto de homens e mulheres. Mais de mulheres.”
Dei a volta, sumindo rapidamente. Retornei para a barraca de comida, pedi um hot-dog e sentei-me à mesa, sozinha. Meu celular vibrou no bolso da calça. Tateei até pegá-lo e ver o nome de Maria na tela.
Cuide da sua irmã, querida, minha mãe pedira.
“Alô?” Maria disse assim que eu atendi.
“O que é, pirralha?”
“Onde você está? O papai vai te matar”
“Ele não vai me encontrar.”
“Você não dormirá aqui?”
“Não.”
A linha ficou muda.
“Maria?”
“Papai planeja mandá-la para o internato.”
“Que tente.” Mordi o hot-dog. “Você está bem, não é?”
“Estou.”
“Sabia que estaria. Lucian ama você.”
Ela suspirou.
“E eu te amo, mesmo você tendo fugido daqui.”
Deixei a comida na mesa.
“Cuide-se, pirralha.”
“Maria?” O pai dela chamou, procurando-a na sala. Devagar, ela saiu da despensa.
“Estou aqui, papai.”
“De quem é esse celular?”
“É da Lucian.”
“E por que está com você?”
“A Lucian pediu para que eu segurasse enquanto guardava as panelas na cozinha.”
“Mas você estava na despensa.”
A menina mordeu o lábio.
“O que está escondendo?”
“Nada.”
“Maria Violetta, diga.”
“Estava conversando com .”
“Sabe onde ela se meteu?”
“Não. Mas escutei um barulho muito alto.”
“Dê-me o celular de Lucian. Se ela perguntar, avise que o entreguei à polícia. Rastrearemos sua irmã, e quando a acharmos, colocarei-na no primeiro voo para a Suíça.”
Um grupo gritava, animado.
Vi algumas garotas tirando a blusa e resolvi fazer o mesmo, permanecendo apenas com o sutiã preto. Queria me sentir parte de algum deles, de algo. Acomodei-me na grama, deitando, e estirei os braços.
“Ela deve estar bêbada.” Um garoto comentou, passando perto de mim.
E eu nem tinha engolido uma gota de álcool.
“Ou morta.”
“Prefiro que esteja em coma alcoólico, ao menos está viva.”
Balancei a cabeça.
“O seu ingresso?”
Não o encontrei, enquanto o segurança esperava pacientemente.
“Você não tem, não é? Retire-se da fila.”
Afastei-me, atônita, ainda procurando-o. O maldito ingresso estava na mochila. Teria que dar um jeito de invadir a arena quando todos entrassem.
“Se você fizer isso, cara, vai se dar mal.” Dois rapazes discutiam.
“Tenho que entrar na arena.”
“ .”
“O quê?”
“Não apanharei por causa disso.”
O mais baixo virou de costas, vestindo regata, coberto de tatuagens nos braços e uma calça cortada nos joelhos.
“O que eu faço, então?”
“Escuta o som aqui fora.”
Ele sentou no chão, e o outro, despedindo-se, entrou.
“Posso sentar aí?” Perguntei.
“Claro.”
“Hoje não é o nosso dia de sorte.”
“Perdeu o ingresso?”
“Sim, ao chegar aqui.”
Ele xingou baixo.
Reminds me of childhood memories
Where everything
Was as fresh as the bright blue sky
“Não perdi o meu, só deixei-o voar”
“E ele nunca mais voltou ao ninho.”
“É.” Nasalou. “Pelo seu sotaque, você não é dessa região.”
“Sou de Silveston.”
Ele olhou para mim, analisando.
“Prazer em conhecê-la, sou .”
“ .”
“O que acha de saltarmos a segurança?”
“Seremos presos.”
“Não estou preocupado.”
“O destino prega-nos peças.”
“Por que diz isso?”
“Achei que aquele papel fosse a porta para o meu futuro, e era um ingresso. Ingresso esse que me trouxe aqui. Quando estou perto, nunca é o suficiente. Ele simplesmente desaparece.”
“Não acredito em destino, isso é ridículo. Você escreve a sua história a partir das decisões que toma. É ação-consequência.”
Eu retrucaria, mas a imagem de dois homens fortes vindo em nossa direção me impediu. Um deles me levantou, e o outro o ajudou, guiando-me até um carro.
havia levantado comigo, soltando palavrões.
“Quem são vocês? Soltem-na!” Tentou puxar um deles, pulando em cima, mas foi empurrado para o lado com força. “ , você os conhece?”
“Não!” Colocaram-me dentro do veículo. Antes que eu tentasse fugir, uma voz serena me assustou:
“Vamos embora.”
Tentei sair, mas o homem fechou a porta. Bati na janela, e , sem saber o que fazer, bagunçava o cabelo.
O carro se foi.
She takes me away to that special place
And if I stare too long
I'll probably break down and cry
“Merda, o que diabos ela fez?” Pensando por um instante, decidiu ir atrás dela. Subiu em sua seu moto e seguiu o outro.
“Você não me ofereceu outra alternativa, .” Meu pai falava enquanto dirigia. “Tinha certeza que não viria por livre e espontânea vontade.”
Permaneci calada.
“Apesar disso, saiba que não tenho raiva. Resolveremos todos os problemas de convivência quando você embarcar no avião.”
“Está tentando livrar-se de mim, igual livrou-se da minha mãe.”
“Não. Ela quem se livrou de mim e sozinha.”
“Onde Maria está?”
“Em casa.”
Ao descer do carro no aeroporto, meu pai fez meu check-in, entregou minha mala e aguardou.
Estacionei a moto em uma vaga e corri para dentro do aeroporto, sem saber do que se tratava aquela palhaçada fora da arena. Enviei uma mensagem para Tom antes de sair. Entre algumas pessoas, olhando ao redor, a vi entrando na a ala de embarque. Aproximei-me, atravessando as barras e passando por uma funcionária, de , que, como uma criança assustada, aquela de quem roubara o lado doce da vida, fitava o horizonte, de lado.
“Ei!” Chamei, interrompendo seus devaneios melancólicos. “Para onde está indo?”
Surpresa, respondeu:
“Suíça.”
“Tão distante.”
“É” enxugou a lágrima. “Você tá perdendo o show.”
“Não tenho ingresso.”
quase sorriu.
“Quem são aqueles caras?”
“Seguranças do meu pai.”
“Seu pai mandou te prender?”
Assentiu, em silêncio, e eu parei ao seu lado.
“Sabe, acho que estava errado.”
“Em que?”
“O destino deve mesmo existir. Caso contrário, não teríamos perdido nossos ingressos, nos conhecido e parado aqui, antes de você desaparecer para sempre.”
“Não é como se nos conhecêssemos a vida inteira.”
“Mas teremos a noite inteira para fazer isso se você ficar.”
Ela olhou para mim, e, sem conseguir me conter, enxuguei seu rosto.
“Não posso.”
“Por causa do seu pai?”
“Ele é... Aquilo que ele fez.”
Vendo dois passageiros passarem por nós, puxou a mala de rodinhas.
“É hora de ir”
“Acho que conseguirei pegar a metade do som do show”
“Já experimentou procurar nos bolsos outra vez?”
“Vim sem ingresso, na verdade. Estava tentando a sorte por lá.”
“E eu ainda senti pena de você.” Puxou a bolsa, caminhando para a porta.
Sorri.
“Eu o perdi em Silveston, quando voltava para casa. O vento o levou.”
De costas, parou.
“Dentro de um ônibus?”
“Como você sabe?”
“Então é você o cara que faltou chorar na janela.”
Encabulado, apenas assenti.
“Você estava lá?”
“No meio da rua e quase fui atropelada.” ficou atônita.”Peguei o papel e fui para Stow Cross.”
“Estou perdendo o show da minha vida por causa de você.”
“Calminha, você quem deixou-o escapar de seus dedos.”
“E você o guardou”
“Achado não é roubado.”
Ri baixo.
“Isso deve ser outra peça que o destino nos pregou.”
“Viramos amigos após um acaso?”
“Sim, e nos vemos no verão.”
“Você não pode me pedir para ser seu amigo e simplesmente me dar às costas e ir embora. Aliás, você deveria me pagar outro ingresso, e eu aceito uma passagem aérea.”
Sweet child o' mine
Oh, oh, oh, oh
Sweet love of mine
sorriu, fazendo-me parar de falar.
“Até logo, .”
“Até.”
FIM
Nota da autora: Tem cara de continuação, mas é só a cara (pelo menos a minha) porque não tá nos planos. Deixei pra última hora, e já é tarde, então não sei o que dizer, só sentir. Deixo a outra parte com vocês, queridas.
Ah, é o meu último ficstape de 2015, por isso, aí estão os que escrevi durante este ano que, como o ingresso, voou:
13. Can I Have This Dance? - HSM
Bônus. Breathe Me - 1000 Forms of Fear
04. Pour it up - Unapologetic
14. Long Live - Speak Now
7. Novocaine - Fall Out Boy (American Beauty/American Psycho)
17. All of the stars - X
(e tiveram os que não deu pra escrever)
Falta a do mixtape, que está sendo escrita, e já deixo o nome da música: White Arms Wide Open, do Creed <3
Ano que vem tem mais, já me rendi.
Beijos,
Ray.
Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
Ah, é o meu último ficstape de 2015, por isso, aí estão os que escrevi durante este ano que, como o ingresso, voou:
13. Can I Have This Dance? - HSM
Bônus. Breathe Me - 1000 Forms of Fear
04. Pour it up - Unapologetic
14. Long Live - Speak Now
7. Novocaine - Fall Out Boy (American Beauty/American Psycho)
17. All of the stars - X
(e tiveram os que não deu pra escrever)
Falta a do mixtape, que está sendo escrita, e já deixo o nome da música: White Arms Wide Open, do Creed <3
Ano que vem tem mais, já me rendi.
Beijos,
Ray.
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