Capítulo Único
Comodismo. De acordo com o dicionário é se acomodar com algo ou situação. Aceitar as coisas facilmente, nunca se opor ou revoltar-se contra algo. O comodismo está presente na vida da maioria das pessoas. Pode estar no simples ato de querer mudar um móvel da cozinha, mas não o fazer por ser mais cômodo deixá-lo onde está. Ou, deixar de se opor à alguma situação que não lhe agrade porque se opondo a ela você poderia desencadear uma reação que não seria cômoda para você. Somos cômodos com relacionamentos também. Relacionamentos tentem a nos deixar na zona de conforto. Fazendo com que, muitas vezes, aceitemos migalhas de quem temos ao lado por puro medo do desconhecido que encararíamos caso nos opuséssemos à essas migalhas. Eu estou vivendo um relacionamento assim. Não me orgulho, tampouco, do tempo que deixo isso se estender. É cômodo tê-lo ao meu lado. É costume. É diário. Mas também, é amor. Amor somente de minha parte, um amor não mais correspondido, um amor sofrido, porém, ainda assim amor. Quando foi que nos perdemos eu não sei. Não sei também quando foi que deixei de ser sua. Ou melhor, quando foi que você deixou de ser meu. Tento todos os dias me lembrar de qual foi o momento em que você deixou de me amar. No entanto, por mais que tente, não consigo visualizar ou sequer achar um motivo plausível que pode ter desencadeado essa reação. Eu sempre te amei. Sempre fui total e completamente somente sua. Sempre fiz de tudo por você. Abri mão de muitas coisas por você também. Mas você jogou tudo fora. É culpa minha? Essa pergunta, por mais que uma vozinha em minha cabeça me diga que não deveria pensar assim, é a pergunta que me faço todo santo dia. E todos os dias também, a lembrança do que éramos me invade fazendo-me viajar a tempos que nunca mais irão voltar.
- Eu não acredito nisso !
- Eu não sei definir se essa sua reação é boa ou ruim, . -
Nem eu sei o que estou sentindo agora, quer dizer, eu estou feliz mas....
- Então é só dizer sim! – O homem segurou as mãos da mulher à sua frente se sentindo o homem mais feliz do mundo. – Diz que aceita ser minha namorada , eu prometo te fazer a mulher mais feliz desse mundo todo!
- Eu aceito! – Ela praticamente gritou, tamanha era sua felicidade naquele momento. , seu melhor amigo e confidente durante os anos de colegial, havia lhe pedido em namoro. Sentia as famosas borboletas no estômago e queria sair gritando por toda a escola que era namorada de . No entanto, tudo o que fez foi selar os lábios do rapaz parado em sua frente e se permitir imaginar o que o futuro reservaria para os dois a partir daquele momento.
Por mais que eu quisesse afastar esses momentos de minha mente, e quanto mais eu tentava empurrá-los para os cantos obscuros de meus pensamentos, mais eles apareciam em momentos completamente inapropriados. E quando eles vinham, as lágrimas que rolavam por meus olhos vinham os acompanhando. Doía. Doía demais. Sentir que alguém que você ama e que já jurou lhe amar por toda uma vida está escorrendo por entre seus dedos e tomando um rumo que não é você, dói. Ainda mais quando você entende que nada do que você faça irá mudar essa situação.
- Você sabe que isso é loucura, não é?
- Somos jovens e essa é a desculpa perfeita para fazer coisas estúpidas que podem nos colocar em apuros, meu amor. Agora, vem. – O rapaz estava sentado em cima de um muro enorme, com metade de uma perna de um lado e metade de outro. Se curvava em direção a garota estendendo-lhe a mão.
- Tudo bem, mas se formos pegos vou colocar a culpa em você! – O rapaz riu, ajudando sua namorada a subir no muro também. Depois, pulou para o outro lado e a ajudou a descer.
- Nós não vamos ser presos. Os donos dessa casa estão viajando e também, não vamos nem chegar perto da casa. Quero te levar em outro lugar dessa propriedade, vem.
- Mas não deixa de ser invasão, . Eu sou muito nova para ser presa!
- Para de ser dramática, . – Não pode conter o sorriso ao ver a garota medrosa a quem chama de sua namorada exagerar no drama, mais uma vez. – Vem logo. – Lhe segurou uma das mãos e puxou-a para que ela o seguisse. Andaram alguns poucos minutos no breu da noite somente com a luz do celular do rapaz guiando-os. Quando estavam chegando onde o rapaz queria, ele parou de andar e se virou em direção de .
- Eu quero que feche os olhos.
- Por que? – Ela perguntou, desconfiada.
- Você confia em mim, não confia? – A garota rapidamente assentiu. – Então só feche os olhos. – Mesmo ainda sem muita certeza, fechou os olhos e se sentiu ser guiada pelo namorado no meio da escuridão. Quando pararam, sentiu o rapaz se por atrás dela e lhe segurar firmemente a cintura. Sentiu um arrepio bom lhe percorrer o corpo e esse só se intensificou quando afastou seu cabelo para um lado só do pescoço e com a boca muito próxima de sua orelha, sussurrou: - Pode abrir. – Seus olhos se abriram no mesmo instante e o ar lhe faltou tamanha beleza que vira em sua frente. San Diego. Sua linda e majestosa San Diego vista de uma altura surreal completamente iluminada pelas luzes dos postes nas ruas e das casas. Simplesmente linda.
- É lindo, não é? Eu precisava te trazer aqui. Sei o quanto ama essa cidade e a vista daqui é estonteante.
- É incrível, ! Simplesmente incrível! – A garota suspirava e olhava admirada a vista à qual fora apresentada.
- Viu? Vale a pena correr risco de prisão por uma vista dessa. – Os dois riram e se virou de frente para o namorado. Suspirando apaixonada quando olhou em seus olhos verdes que, graças à luz da lua brilhando no céu, estavam faiscando em sua direção.
- Eu te amo. – Falou simplesmente, sentindo a felicidade mais genuína dentro de si.
- Eu também te amo, garota. Pra sempre.
Para sempre. As pessoa deveriam medir os peso das palavras antes de proferirem-nas. Promessas quebradas doem demais. Você jurou que era para sempre. Em todas as declarações de amor, em todos os seus gestos e ações, você jurava. Para sempre. Fui tola de acreditar que éramos como os casais de contos de fadas que sempre tem um final feliz. A vida real não é assim. Mas você era tão convincente em todas as suas falas que, como a tola apaixonada que eu era, acreditava sem questionar. Eu nunca questionei. Nunca havia me perguntado, antes dos recentes acontecimentos descobertos, se tudo o que saia da sua boca era verdade. Será que um dia foram? É possível sentir amor eterno por alguém em um dia e, no outro, isso acabar?
- Uma data tão especial como o dia em que o amor da minha vida nasceu, merece uma comemoração de acordo. – dizia, alisando o terno em seu corpo.
- Eu ainda não acredito que você realmente está de terno!
- Eu já disse. É uma data especial. E nem é tão desconfortável assim. – deu de ombros. A garota arqueou as sobrancelhas em clara desconfiança da fala do garoto à sua frente. – Tá, é desconfortável para um caralho, mas eu queria ficar ‘lindão pra você hoje. Valeu o esforço só por ver seus olhos brilhando quando me viu. – piscou.
- Na fila da confiança e amor próprio você passou quantas vezes, meu amor? – caminhou os poucos passos que a levavam para perto do namorado e colocou suas mãos em seu peito, as espalmando ali. Ele, por sua vez, circulou a cintura da mulher com os braços selando sua testa em seguida. – Você ‘tá lindo, sim. Devia usar terno mais vezes. – negou com a cabeça, vendo um bico se formar nos lábios da namorada.
- Só vou usar terno de novo, depois de hoje, no dia em que eu estiver te esperando no altar. – , pega de surpresa pela fala do rapaz, não conteve o arregalar de seus olhos e o rubor de suas bochechas. Ele percebeu, abrindo um sorriso de lado, e levando uma de suas mãos até o rosto de , fazendo carinho ali. – O que foi?
- N-nada, é só que... eu fiquei surpresa com o que disse.
- Pois não deveria. Eu te amo. Amo demais. Não consigo mais imaginar minha vida sem você, . Eu quero viver do seu lado para o resto da minha vida.
- Vem, a noite ainda não acabou, .
- O que mais o senhor aprontou, ?
- Surpresa. – Piscou. Seguiram em direção à entrada do luxuoso hotel e podia sentir calafrios por todo o seu corpo devido a ansiedade que sentia. Seguiram diretamente em direção ao elevador e apertou o botão da cobertura. estava em silêncio ao seu lado, apertando a bolsa que levava com força, fazendo a ponta de seus dedos ficarem brancos devido a pressão que fazia ali. Estava ansiosa porque, vindo de , sabia que iria amar o que quer que ela havia aprontado. E estava louca de curiosidade para descobrir. Assim que as portas da caixa de metal se abriram, a atenção de logo foi atraída para o chão, onde pétalas de rosas vermelhas formavam um caminho longo por dentre o apartamento.
- Você vai seguir por esse caminho lindo de rosas e me encontrar no final dele. Você vai encontrar algumas coisas pelo trajeto, quero que se atente a elas, tudo bem? – ouvia o que o namorado falava, mas, quando este terminou, as palavras não saiam de sua boca. Se limitou a acenar com a cabeça segurando as lágrimas que queriam de toda forma desatar a rolar por seu rosto. Ele lhe selou a testa, guiando-a para fora do elevador, e voltou para o mesmo, dando um sorriso em sua direção pouco antes das portas se fecharem. sentia suas pernas bambearem, mas seguiu firme pelo caminho de rosas se atentando a tudo o que poderia significar alguma coisa que necessitaria de sua atenção. Logo no começo do caminho, assim que virou uma pequena curva de um cômodo para outro, no meio das pétalas, estava um urso de pelúcia que ela conhecia muito bem. Era Andy, o ursinho que ganhou de presente de quanto completara 14 anos. Se abaixou e sentiu uma lágrima rolar teimosa por sua bochecha. Pegou o pequeno ursinho, notando só ali, o pequeno pedaço de papel cuidadosamente dobrado e preso com uma fita em uma das suas “mãos”. Retirou-o com cuidado e desdobrou, sentindo outra lágrima fujona rolar assim que terminou de lê-lo.
“Eu já te amava quando te dei o Andy. Não sabia ainda que tipo de amor era, mas sabia que era forte, bonito e verdadeiro.”
continuou seguindo pelo caminho, parando agora no começo das escadas que levavam ao segundo andar. Havia uma caixinha no chão, com uma chave já inserida na pequena tranca que continha nela. a virou e a abriu, encontrando dentro dela diversos bilhetes escritos pelas mãos de seu namorado.
“Pois é, , acho que eu gosto de ti. Já tem um tempo e não tenho coragem de externar esse sentimento pelo medo de te perder.” 2010.
“Então , hoje você veio me falar que está gostando do Nicholas. Tudo o que eu quis fazer foi quebrar a cara dele por estar beijando minha garota. Depois quis socar minha própria cara quando lembrei que você não era minha. Eu sou um imbecil.” 2011.
“Foda-se. Hoje eu decidi que vou te contar tudo o que eu sinto. Se quiser fugir de mim ou mesmo se nossa amizade acabar depois disso, pelo menos eu vou ter consciência de que tentei.” 2012
Todos os bilhetes estavam datados com os anos em que foram escritos. Pôde perceber que os trechos foram retirados de seu diário. Constatou isso ao se lembrar de quando o presentou com um, que continha as mesmas folhas, para que ele pudesse escrever tudo o que guardava dentro de si. Leu outros bilhetes, sorriu e chorou devido aos conteúdos neles constados. Como pôde não perceber?
Seguiu as pétalas encontrando no caminho, várias coisas que remetiam a tudo o que já haviam vivido juntos. E em cada uma sentia seu coração acelerar mais e mais. Céus, como amava esse homem.
No dia do meu aniversário de 20 anos, você me fez sentir a mulher mais especial do mundo. Naquela noite fui sua pela primeira vez. Naquela noite, enquanto nos amávamos na cama, eu senti que seria sua para sempre. Eu me senti indestrutível. Me senti inabalável. E segui me sentindo assim por muitos anos ao seu lado. Por que tudo acabou? Hoje, eu não me sinto bem perto de você. Hoje, você não me faz bem. Agradeço quando sai para o trabalho e agradeço também por não ter que olhar na sua cara quando o faz. Eu ainda o amo. Por isso, ao mesmo tempo em que estou feliz por você não estar em casa, me sinto destruída por saber que você pode estar transando com a sua secretária na mesa de seu escritório novamente. Ou, ameaçando demitir a funcionária nova se ela não abrir as pernas para você. Você se tornou o pior tipo de homem existente nessa terra. Mas eu ainda o amo. E ainda te amar, dói.
- Você é a ? – Ouviu uma voz doce lhe dirigir quando estava prestes a entrar no prédio onde morava. Se virou, encontrando ali uma linda garota com os cabelos ruivos ondulados e olhos claros.
Deu um sorriso gentil, confirmando com a cabeça.
- Sim, sou. Nos conhecemos?
- Na verdade, não. – A garota deu um sorriso sem graça. – Eu sou a nova funcionária do seu marido. Comecei a trabalhar na empresa há algumas semanas.
- Ah sim – seu sorriso aumentou, mas logo se transformou em uma careta preocupada. – Aconteceu alguma coisa com o ?
- Não, não – a ruiva se apressou em responder. Céus, estava nervosa. Não deveria ter vindo até . O que estava fazendo? – Me desculpe, eu não deveria estar aqui. Quer dizer, deveria sim, mas não desse jeito. – A garota estava desesperada. notou, e ficou preocupada.
- Tá, fica calma. Não precisa ficar nervosa, eu não sei o motivo de você estar assim, mas não precisa disso, de verdade. Eu sou legal. – O sorriso gentil voltou aos seus lábios. Chyntia, a ruiva, quis chorar. Se sentiu um monstro. Se sentiu suja. era uma mulher incrível, pelo pouco que pôde conhecer dela, já a admirava muito. Não era justo o que o marido fazia com ela. Precisava falar. Não sabia a reação que teria, tampouco conseguia imaginar de antemão, mas com certeza o sorriso em seus lábios iria sumir. Assim como o cabelo ruivo de sua própria cabeça, dependendo de como a mulher à sua frente reagiria a notícia de que dormiu com o seu marido. Uma lágrima rolou de seus próprios olhos, se arrependera tanto do que fez que a vontade de se jogar debaixo de um dos carros que passavam pela rua foi gigante. Mas não o fez, porque segurou seu braço delicadamente e lhe fitou novamente com a testa franzida, notando agora que o estado da ruiva havia piorado.
- Como é seu nome? – A doce voz da mulher permanecia ali.
- C-Cynthia.
- Tudo bem, Cynthia. Quer subir? Conversar? Você não está bem e eu estou realmente preocupada.
- Eu transei com o seu marido. – A ruiva soltou de uma vez, não aguentando ser alvo da preocupação da querida . A mão de que estava no braço da menina ficou ali ainda por vários segundos antes da mesma recolher a mão e volta-la para perto de seu corpo. Ela estava estática. Ainda fitando a garota à sua frente sem saber o que fazer. Abriu e fechou a boca várias vezes, mas nada conseguiu proferir. – Me desculpa eu sinto muito! Eu sei que nada justifica isso, mas eu não queria perder o emprego. Eu precisava do emprego! Ele ameaçou me demitir e.... – as lágrimas rolavam soltas pelo rosto da menina e agora não acreditava no que estava ouvindo. Ameaçada? Do que a garota estava falando?
- Para. – falou, firme. No mesmo instante a menina ficou quieta, já aguardando as várias formas da mulher ter um ataque e voar em seu pescoço. – O que você está falando é que meu marido, o meu – deu um risada irônica, desacreditada – Ameaçou te dar a conta se não trançasse com ele?
- É isso que eu estou dizendo. Eu sei que não isenta minha culpa, mas eu realmente estou arrependida. Eu mesma pedi demissão depois do que aconteceu. Mas eu não consegui ficar com a consciência tranquila, eu precisava falar com você. Você parece uma mulher incrível e não merece passar por isso. Então eu vim aqui, correndo risco de passar por mentirosa, correndo risco de apanhar de você... porque... você não merece o que ele faz com você. – Uma lágrima rolou pelo rosto de e ela rapidamente a secou. Engolindo em seco e afirmando com a cabeça. Não sabia o que estava sentindo agora. Só queria subir para o apartamento e gritar. Ou quebrar alguma coisa. Ou, somente chorar. Seu havia lhe traído. Pior, havia ameaçado o emprego de alguém por sexo. Nem se despediu da garota e lhe virou as costas. Sabia que ela não tinha culpa. Sabia que deveria ficar grata por ela ter lhe contado. Sabia que o único que lhe devia respeito era e a garota não lhe devia nada. Mas ela estava ali, lhe sendo honesta, no lugar daquele que ama. Mas não conseguia mais ficar ali. Não conseguia olhar para a garota sem imaginar a beijando... sem imaginar os dois juntos. Quando estava perto da porta de entrada, a garota novamente a chamou. Ela parou, sem se virar e ouviu a voz embarcada pelo choro proferir:
- Eu não fui a única.
Nesse dia, em que conheci Cynthia, eu conheci também quem era . Mas quando ele chegou, no fim de mais um dia de trabalho, eu não consegui fazer nada. Não consegui lhe colocar contra a parede e lhe questionar tudo o que me foi contado. Não consegui. Mas também não consegui agir normalmente. Ele me questionou, perguntou o porquê de minha estranheza, e nem com essa brecha consegui aproveitar e vomitar tudo em cima dele. Uma semana depois, eu ainda não conseguia falar a respeito. Não me julguem, quando você vive anos imaginando ter um casamento perfeito e do nada tudo isso acaba, você não consegue digerir tudo de imediato. Acredite. Eu precisava de provas para confrontá-lo. Mas eu queria confrontá-lo? Voltamos ao início deste texto onde citei o comodismo. O quanto minha vida mudaria depois que decidisse que queria terminar com 6 anos de casamento? Com mais de 15 anos de história? Pois é. Acho que tive direito desse tempo. Mas agora, depois de três meses, sinto-me sufocar em pensamentos. Descobri outras coisas durante esse tempo. Notei manchas de batom em sus roupas e, cheirando algumas de suas camisas, descobri o perfume que Linda, sua secretária, usa. Fiz questão de cumprimenta-la com beijo no rosto e abraço quando fui até sua empresa para comprovar esse fato. Será que ela transa com você sob ameaça também? Mas mesmo que não for, sabemos que quem me deve respeito não é ela. Sororidade deveria, mas, ainda não é algo que todas as mulheres do mundo pregam, ou tem acesso ao seu significado. Voltando ao nosso casamento, decidi que hoje, ele acaba. Minhas malas estão prontas. Tomei cuidado de colocar dentro delas somente o que não me lembraria você. Hoje, eu vou me alforriar de um relacionamento feliz que só existia na minha cabeça e no meu mundinho particular. Hoje, você vai conhecer a que passou em silêncio três meses sabendo que quando você não chegava no horário em casa, era porque estava com outra mulher. Hoje você vai me escutar falar. Hoje, se for preciso, eu vou gritar, e já esperar ser chamada de louca quando tomar as rédeas e me libertar.
- Eu não acredito nisso !
- Eu não sei definir se essa sua reação é boa ou ruim, . -
Nem eu sei o que estou sentindo agora, quer dizer, eu estou feliz mas....
- Então é só dizer sim! – O homem segurou as mãos da mulher à sua frente se sentindo o homem mais feliz do mundo. – Diz que aceita ser minha namorada , eu prometo te fazer a mulher mais feliz desse mundo todo!
- Eu aceito! – Ela praticamente gritou, tamanha era sua felicidade naquele momento. , seu melhor amigo e confidente durante os anos de colegial, havia lhe pedido em namoro. Sentia as famosas borboletas no estômago e queria sair gritando por toda a escola que era namorada de . No entanto, tudo o que fez foi selar os lábios do rapaz parado em sua frente e se permitir imaginar o que o futuro reservaria para os dois a partir daquele momento.
Por mais que eu quisesse afastar esses momentos de minha mente, e quanto mais eu tentava empurrá-los para os cantos obscuros de meus pensamentos, mais eles apareciam em momentos completamente inapropriados. E quando eles vinham, as lágrimas que rolavam por meus olhos vinham os acompanhando. Doía. Doía demais. Sentir que alguém que você ama e que já jurou lhe amar por toda uma vida está escorrendo por entre seus dedos e tomando um rumo que não é você, dói. Ainda mais quando você entende que nada do que você faça irá mudar essa situação.
- Você sabe que isso é loucura, não é?
- Somos jovens e essa é a desculpa perfeita para fazer coisas estúpidas que podem nos colocar em apuros, meu amor. Agora, vem. – O rapaz estava sentado em cima de um muro enorme, com metade de uma perna de um lado e metade de outro. Se curvava em direção a garota estendendo-lhe a mão.
- Tudo bem, mas se formos pegos vou colocar a culpa em você! – O rapaz riu, ajudando sua namorada a subir no muro também. Depois, pulou para o outro lado e a ajudou a descer.
- Nós não vamos ser presos. Os donos dessa casa estão viajando e também, não vamos nem chegar perto da casa. Quero te levar em outro lugar dessa propriedade, vem.
- Mas não deixa de ser invasão, . Eu sou muito nova para ser presa!
- Para de ser dramática, . – Não pode conter o sorriso ao ver a garota medrosa a quem chama de sua namorada exagerar no drama, mais uma vez. – Vem logo. – Lhe segurou uma das mãos e puxou-a para que ela o seguisse. Andaram alguns poucos minutos no breu da noite somente com a luz do celular do rapaz guiando-os. Quando estavam chegando onde o rapaz queria, ele parou de andar e se virou em direção de .
- Eu quero que feche os olhos.
- Por que? – Ela perguntou, desconfiada.
- Você confia em mim, não confia? – A garota rapidamente assentiu. – Então só feche os olhos. – Mesmo ainda sem muita certeza, fechou os olhos e se sentiu ser guiada pelo namorado no meio da escuridão. Quando pararam, sentiu o rapaz se por atrás dela e lhe segurar firmemente a cintura. Sentiu um arrepio bom lhe percorrer o corpo e esse só se intensificou quando afastou seu cabelo para um lado só do pescoço e com a boca muito próxima de sua orelha, sussurrou: - Pode abrir. – Seus olhos se abriram no mesmo instante e o ar lhe faltou tamanha beleza que vira em sua frente. San Diego. Sua linda e majestosa San Diego vista de uma altura surreal completamente iluminada pelas luzes dos postes nas ruas e das casas. Simplesmente linda.
- É lindo, não é? Eu precisava te trazer aqui. Sei o quanto ama essa cidade e a vista daqui é estonteante.
- É incrível, ! Simplesmente incrível! – A garota suspirava e olhava admirada a vista à qual fora apresentada.
- Viu? Vale a pena correr risco de prisão por uma vista dessa. – Os dois riram e se virou de frente para o namorado. Suspirando apaixonada quando olhou em seus olhos verdes que, graças à luz da lua brilhando no céu, estavam faiscando em sua direção.
- Eu te amo. – Falou simplesmente, sentindo a felicidade mais genuína dentro de si.
- Eu também te amo, garota. Pra sempre.
Para sempre. As pessoa deveriam medir os peso das palavras antes de proferirem-nas. Promessas quebradas doem demais. Você jurou que era para sempre. Em todas as declarações de amor, em todos os seus gestos e ações, você jurava. Para sempre. Fui tola de acreditar que éramos como os casais de contos de fadas que sempre tem um final feliz. A vida real não é assim. Mas você era tão convincente em todas as suas falas que, como a tola apaixonada que eu era, acreditava sem questionar. Eu nunca questionei. Nunca havia me perguntado, antes dos recentes acontecimentos descobertos, se tudo o que saia da sua boca era verdade. Será que um dia foram? É possível sentir amor eterno por alguém em um dia e, no outro, isso acabar?
- Uma data tão especial como o dia em que o amor da minha vida nasceu, merece uma comemoração de acordo. – dizia, alisando o terno em seu corpo.
- Eu ainda não acredito que você realmente está de terno!
- Eu já disse. É uma data especial. E nem é tão desconfortável assim. – deu de ombros. A garota arqueou as sobrancelhas em clara desconfiança da fala do garoto à sua frente. – Tá, é desconfortável para um caralho, mas eu queria ficar ‘lindão pra você hoje. Valeu o esforço só por ver seus olhos brilhando quando me viu. – piscou.
- Na fila da confiança e amor próprio você passou quantas vezes, meu amor? – caminhou os poucos passos que a levavam para perto do namorado e colocou suas mãos em seu peito, as espalmando ali. Ele, por sua vez, circulou a cintura da mulher com os braços selando sua testa em seguida. – Você ‘tá lindo, sim. Devia usar terno mais vezes. – negou com a cabeça, vendo um bico se formar nos lábios da namorada.
- Só vou usar terno de novo, depois de hoje, no dia em que eu estiver te esperando no altar. – , pega de surpresa pela fala do rapaz, não conteve o arregalar de seus olhos e o rubor de suas bochechas. Ele percebeu, abrindo um sorriso de lado, e levando uma de suas mãos até o rosto de , fazendo carinho ali. – O que foi?
- N-nada, é só que... eu fiquei surpresa com o que disse.
- Pois não deveria. Eu te amo. Amo demais. Não consigo mais imaginar minha vida sem você, . Eu quero viver do seu lado para o resto da minha vida.
- Vem, a noite ainda não acabou, .
- O que mais o senhor aprontou, ?
- Surpresa. – Piscou. Seguiram em direção à entrada do luxuoso hotel e podia sentir calafrios por todo o seu corpo devido a ansiedade que sentia. Seguiram diretamente em direção ao elevador e apertou o botão da cobertura. estava em silêncio ao seu lado, apertando a bolsa que levava com força, fazendo a ponta de seus dedos ficarem brancos devido a pressão que fazia ali. Estava ansiosa porque, vindo de , sabia que iria amar o que quer que ela havia aprontado. E estava louca de curiosidade para descobrir. Assim que as portas da caixa de metal se abriram, a atenção de logo foi atraída para o chão, onde pétalas de rosas vermelhas formavam um caminho longo por dentre o apartamento.
- Você vai seguir por esse caminho lindo de rosas e me encontrar no final dele. Você vai encontrar algumas coisas pelo trajeto, quero que se atente a elas, tudo bem? – ouvia o que o namorado falava, mas, quando este terminou, as palavras não saiam de sua boca. Se limitou a acenar com a cabeça segurando as lágrimas que queriam de toda forma desatar a rolar por seu rosto. Ele lhe selou a testa, guiando-a para fora do elevador, e voltou para o mesmo, dando um sorriso em sua direção pouco antes das portas se fecharem. sentia suas pernas bambearem, mas seguiu firme pelo caminho de rosas se atentando a tudo o que poderia significar alguma coisa que necessitaria de sua atenção. Logo no começo do caminho, assim que virou uma pequena curva de um cômodo para outro, no meio das pétalas, estava um urso de pelúcia que ela conhecia muito bem. Era Andy, o ursinho que ganhou de presente de quanto completara 14 anos. Se abaixou e sentiu uma lágrima rolar teimosa por sua bochecha. Pegou o pequeno ursinho, notando só ali, o pequeno pedaço de papel cuidadosamente dobrado e preso com uma fita em uma das suas “mãos”. Retirou-o com cuidado e desdobrou, sentindo outra lágrima fujona rolar assim que terminou de lê-lo.
“Eu já te amava quando te dei o Andy. Não sabia ainda que tipo de amor era, mas sabia que era forte, bonito e verdadeiro.”
continuou seguindo pelo caminho, parando agora no começo das escadas que levavam ao segundo andar. Havia uma caixinha no chão, com uma chave já inserida na pequena tranca que continha nela. a virou e a abriu, encontrando dentro dela diversos bilhetes escritos pelas mãos de seu namorado.
“Pois é, , acho que eu gosto de ti. Já tem um tempo e não tenho coragem de externar esse sentimento pelo medo de te perder.” 2010.
“Então , hoje você veio me falar que está gostando do Nicholas. Tudo o que eu quis fazer foi quebrar a cara dele por estar beijando minha garota. Depois quis socar minha própria cara quando lembrei que você não era minha. Eu sou um imbecil.” 2011.
“Foda-se. Hoje eu decidi que vou te contar tudo o que eu sinto. Se quiser fugir de mim ou mesmo se nossa amizade acabar depois disso, pelo menos eu vou ter consciência de que tentei.” 2012
Todos os bilhetes estavam datados com os anos em que foram escritos. Pôde perceber que os trechos foram retirados de seu diário. Constatou isso ao se lembrar de quando o presentou com um, que continha as mesmas folhas, para que ele pudesse escrever tudo o que guardava dentro de si. Leu outros bilhetes, sorriu e chorou devido aos conteúdos neles constados. Como pôde não perceber?
Seguiu as pétalas encontrando no caminho, várias coisas que remetiam a tudo o que já haviam vivido juntos. E em cada uma sentia seu coração acelerar mais e mais. Céus, como amava esse homem.
No dia do meu aniversário de 20 anos, você me fez sentir a mulher mais especial do mundo. Naquela noite fui sua pela primeira vez. Naquela noite, enquanto nos amávamos na cama, eu senti que seria sua para sempre. Eu me senti indestrutível. Me senti inabalável. E segui me sentindo assim por muitos anos ao seu lado. Por que tudo acabou? Hoje, eu não me sinto bem perto de você. Hoje, você não me faz bem. Agradeço quando sai para o trabalho e agradeço também por não ter que olhar na sua cara quando o faz. Eu ainda o amo. Por isso, ao mesmo tempo em que estou feliz por você não estar em casa, me sinto destruída por saber que você pode estar transando com a sua secretária na mesa de seu escritório novamente. Ou, ameaçando demitir a funcionária nova se ela não abrir as pernas para você. Você se tornou o pior tipo de homem existente nessa terra. Mas eu ainda o amo. E ainda te amar, dói.
- Você é a ? – Ouviu uma voz doce lhe dirigir quando estava prestes a entrar no prédio onde morava. Se virou, encontrando ali uma linda garota com os cabelos ruivos ondulados e olhos claros.
Deu um sorriso gentil, confirmando com a cabeça.
- Sim, sou. Nos conhecemos?
- Na verdade, não. – A garota deu um sorriso sem graça. – Eu sou a nova funcionária do seu marido. Comecei a trabalhar na empresa há algumas semanas.
- Ah sim – seu sorriso aumentou, mas logo se transformou em uma careta preocupada. – Aconteceu alguma coisa com o ?
- Não, não – a ruiva se apressou em responder. Céus, estava nervosa. Não deveria ter vindo até . O que estava fazendo? – Me desculpe, eu não deveria estar aqui. Quer dizer, deveria sim, mas não desse jeito. – A garota estava desesperada. notou, e ficou preocupada.
- Tá, fica calma. Não precisa ficar nervosa, eu não sei o motivo de você estar assim, mas não precisa disso, de verdade. Eu sou legal. – O sorriso gentil voltou aos seus lábios. Chyntia, a ruiva, quis chorar. Se sentiu um monstro. Se sentiu suja. era uma mulher incrível, pelo pouco que pôde conhecer dela, já a admirava muito. Não era justo o que o marido fazia com ela. Precisava falar. Não sabia a reação que teria, tampouco conseguia imaginar de antemão, mas com certeza o sorriso em seus lábios iria sumir. Assim como o cabelo ruivo de sua própria cabeça, dependendo de como a mulher à sua frente reagiria a notícia de que dormiu com o seu marido. Uma lágrima rolou de seus próprios olhos, se arrependera tanto do que fez que a vontade de se jogar debaixo de um dos carros que passavam pela rua foi gigante. Mas não o fez, porque segurou seu braço delicadamente e lhe fitou novamente com a testa franzida, notando agora que o estado da ruiva havia piorado.
- Como é seu nome? – A doce voz da mulher permanecia ali.
- C-Cynthia.
- Tudo bem, Cynthia. Quer subir? Conversar? Você não está bem e eu estou realmente preocupada.
- Eu transei com o seu marido. – A ruiva soltou de uma vez, não aguentando ser alvo da preocupação da querida . A mão de que estava no braço da menina ficou ali ainda por vários segundos antes da mesma recolher a mão e volta-la para perto de seu corpo. Ela estava estática. Ainda fitando a garota à sua frente sem saber o que fazer. Abriu e fechou a boca várias vezes, mas nada conseguiu proferir. – Me desculpa eu sinto muito! Eu sei que nada justifica isso, mas eu não queria perder o emprego. Eu precisava do emprego! Ele ameaçou me demitir e.... – as lágrimas rolavam soltas pelo rosto da menina e agora não acreditava no que estava ouvindo. Ameaçada? Do que a garota estava falando?
- Para. – falou, firme. No mesmo instante a menina ficou quieta, já aguardando as várias formas da mulher ter um ataque e voar em seu pescoço. – O que você está falando é que meu marido, o meu – deu um risada irônica, desacreditada – Ameaçou te dar a conta se não trançasse com ele?
- É isso que eu estou dizendo. Eu sei que não isenta minha culpa, mas eu realmente estou arrependida. Eu mesma pedi demissão depois do que aconteceu. Mas eu não consegui ficar com a consciência tranquila, eu precisava falar com você. Você parece uma mulher incrível e não merece passar por isso. Então eu vim aqui, correndo risco de passar por mentirosa, correndo risco de apanhar de você... porque... você não merece o que ele faz com você. – Uma lágrima rolou pelo rosto de e ela rapidamente a secou. Engolindo em seco e afirmando com a cabeça. Não sabia o que estava sentindo agora. Só queria subir para o apartamento e gritar. Ou quebrar alguma coisa. Ou, somente chorar. Seu havia lhe traído. Pior, havia ameaçado o emprego de alguém por sexo. Nem se despediu da garota e lhe virou as costas. Sabia que ela não tinha culpa. Sabia que deveria ficar grata por ela ter lhe contado. Sabia que o único que lhe devia respeito era e a garota não lhe devia nada. Mas ela estava ali, lhe sendo honesta, no lugar daquele que ama. Mas não conseguia mais ficar ali. Não conseguia olhar para a garota sem imaginar a beijando... sem imaginar os dois juntos. Quando estava perto da porta de entrada, a garota novamente a chamou. Ela parou, sem se virar e ouviu a voz embarcada pelo choro proferir:
- Eu não fui a única.
Nesse dia, em que conheci Cynthia, eu conheci também quem era . Mas quando ele chegou, no fim de mais um dia de trabalho, eu não consegui fazer nada. Não consegui lhe colocar contra a parede e lhe questionar tudo o que me foi contado. Não consegui. Mas também não consegui agir normalmente. Ele me questionou, perguntou o porquê de minha estranheza, e nem com essa brecha consegui aproveitar e vomitar tudo em cima dele. Uma semana depois, eu ainda não conseguia falar a respeito. Não me julguem, quando você vive anos imaginando ter um casamento perfeito e do nada tudo isso acaba, você não consegue digerir tudo de imediato. Acredite. Eu precisava de provas para confrontá-lo. Mas eu queria confrontá-lo? Voltamos ao início deste texto onde citei o comodismo. O quanto minha vida mudaria depois que decidisse que queria terminar com 6 anos de casamento? Com mais de 15 anos de história? Pois é. Acho que tive direito desse tempo. Mas agora, depois de três meses, sinto-me sufocar em pensamentos. Descobri outras coisas durante esse tempo. Notei manchas de batom em sus roupas e, cheirando algumas de suas camisas, descobri o perfume que Linda, sua secretária, usa. Fiz questão de cumprimenta-la com beijo no rosto e abraço quando fui até sua empresa para comprovar esse fato. Será que ela transa com você sob ameaça também? Mas mesmo que não for, sabemos que quem me deve respeito não é ela. Sororidade deveria, mas, ainda não é algo que todas as mulheres do mundo pregam, ou tem acesso ao seu significado. Voltando ao nosso casamento, decidi que hoje, ele acaba. Minhas malas estão prontas. Tomei cuidado de colocar dentro delas somente o que não me lembraria você. Hoje, eu vou me alforriar de um relacionamento feliz que só existia na minha cabeça e no meu mundinho particular. Hoje, você vai conhecer a que passou em silêncio três meses sabendo que quando você não chegava no horário em casa, era porque estava com outra mulher. Hoje você vai me escutar falar. Hoje, se for preciso, eu vou gritar, e já esperar ser chamada de louca quando tomar as rédeas e me libertar.