Última atualização: 02/06/2018

Capítulo 1

All my friends always lie to me
I know they're thinking
You're too mean, I don't like you, fuck you anyway

Eu não gostava daquele vestido. Na verdade, ele era bem bonito, realçava o que eu tinha de mais bonito no meu corpo e era confortável, mas eu não gostava do motivo pelo qual eu estava o usando. Ou melhor, sendo obrigada a usar. Obrigada era uma palavra muito forte para a situação, jamais me obrigaria a nada, mas nossa união fez meu marido perder muitas coisas e eu detestava pensar nisso. A culpa não era minha, nem dele, mas sim inteiramente dos amigos com personalidades horríveis que ele tinha antes de me conhecer.
— Tem certeza de que quer ir? — a voz de tirou minha atenção do meu reflexo no espelho do banheiro — Você sabe que não precisamos. — ele se encostou no batente da porta, fechando os botões do paletó do seu smoking.
— Nós já conversamos sobre isso, . — sorri e apoiei minhas mãos em seus ombros — Está tudo bem, ok? Eu não vou morrer por causa disso. — ri, dando um selinho em meu marido — Já estou pronta.
não demorou muito para terminar de se arrumar, ele sempre gastava mais tempo na frente do espelho do que eu, mas naquele dia, ele estava sendo rápido. No caminho inteiro eu tentei reforçar para mim mesma que as coisas poderiam dar certo, que eu não precisava me estressar com aquilo, mas era impossível. Os amigos do meu marido se tornaram pessoas insuportáveis desde que anunciamos o casamento e então o abandonaram quando de fato nos casamos. Com sua família não foi diferente, tudo por causa de mim, das minhas origens. Eu não ligava para todo aquele dinheiro e luxo que eles estavam acostumados, eu não queria ser desse mundo, a única coisa que eu queria era , e eu consegui, mas isso custou muitas coisas para o meu marido, me perguntava constantemente se havíamos feito a coisa certa.
Assim que chegamos à mansão dos Wright comecei a me arrepender mais ainda, passamos por dois portões que só foram abertos depois de conferirem quem nós éramos e então pudemos estacionar o carro próximo da grande fonte que havia no centro do pátio, cercada por alguns arbustos perfeitamente aparados. entregou a chave do carro para o manobrista e então caminhamos em direção à entrada da casa. Como sempre, fomos recebidos por garçons com taças de champanhe, pegou uma, recusei por optar comer alguma coisa antes de começar a beber. Estava morrendo de fome.
! — aquela voz fina fazia minha cabeça doer assim que era ouvida — Vocês vieram. — ela sorriu, exibindo aqueles dentes brancos que ela fazia questão de dizer que pagou mais de dez mil dólares para deixá-los daquela forma através de lentes de contato dentais.
— Não perderíamos essa, querida. — respondi irônica, cumprimentando-a no estilo mulheres ricas, sem encostar meu rosto no seu.
— Obrigada pelo convite, Clair. — , com toda sua simpatia, abraçou a mulher que conhecia desde a infância.
— Eu não deixaria de convidar vocês. — ela sorriu, arrumando a gravata borboleta do meu marido. Respirei fundo, tentando não mandá-la sair de perto, eles eram amigos, mas era perceptível seu interesse em outras coisas — Eu tenho uma pessoa para te apresentar. — Clair se virou para mim, e eu franzi as sobrancelhas, confusa — Ele ficou sabendo do seu trabalho e adorou, vocês vão se dar muito bem. — ela gesticulava enquanto falava.
Aquela situação era estranha, mas por incrível que pareça, eu não estava sentindo desconfiança em Clair pela primeira vez. A única coisa que eu não podia negar era que Wright sabia como dar uma festa, elas eram sempre impecáveis e a riqueza de detalhes era de deixar qualquer um encantado, mesmo que a pessoa não ligasse para aquilo. Ela nos guiou até onde um lounge estava montado no centro da sala.
— Carter! — ela acenou e então o homem se levantou do sofá. Dr. Carter? — Essa é a .
— Por que você não me disse que era a mulher do ? — ele riu — Ela é minha paciente.
— Que bom que vocês já se conhecem. — Clair deu de ombros — Você me faz companhia, ? — ela questionou e meu marido me olhou como se pedisse permissão. Apenas acenei com a cabeça, mandando-o ir. Eu confiava o suficiente em para não precisar desconfiar do que poderia acontecer.
— Eu achei que Clair estivesse me sacaneando. — disse, me sentando ao lado de Carter. Ele riu.
— É bem típico dela, mas não. — balançou a cabeça negativamente — Eu não sabia que você trabalhava com as tribos indígenas e olha que já te atendi várias vezes.
— E eu não tinha nem noção que você teria interesse nisso. — ri, aproveitando que um dos garçons estava passando próximo a nós para esticar minha mão em direção a sua bandeja — Obrigada. — sorri para o homem que apenas acenou com cabeça positivamente, oferecendo também para Carter, que negou, e então se retirou — Isso não mata a fome de ninguém. — resmunguei, devorando tudo quase que uma única mordida.
— Só é "chique", — fez aspas com os dedos — nem é muito gostoso. — riu — Eu espero não estar tomando seu tempo com isso, , se você preferir, podemos marcar algum outro dia para conversarmos.
— Não, de jeito nenhum! — neguei prontamente — Na verdade, falar sobre meu trabalho é uma das coisas que eu mais gosto de fazer, — sorri — mas, aparentemente ninguém aqui além do e agora você, liga para isso.
— Tem certeza? — ele me olhou com uma das sobrancelhas arqueadas e eu assenti positivamente com a cabeça — Ótimo!
Falar sobre o meu trabalho e o trabalho da ONG estava sendo fantástico para mim naquela condição de que geralmente ninguém dava a mínima para aquilo. Carter estava maravilhado com minhas histórias sobre o trabalho realizado no Brasil e também na Papua Nova Guiné, onde trabalhávamos com tribos muito remotas.
Ele parecia verdadeiramente interessado no assunto, questionando sobre tópicos mais básicos até se a ONG precisava de voluntários e doações, estávamos combinando de levá-lo até nossa sede para poder apresentar o médico aos meus superiores, mas algo tirou completamente a minha atenção da conversa. É claro que ela não estava sendo legal comigo sem tentar ter nada em troca.
— Só um minutinho, Carter. — pedi, me levantando do sofá vermelho — Eu já volto. — sorri.
— Não perca seu tempo discutindo com ela. — piscou.
E eu não perderia. Fiquei um pouco mais tranquila em saber que Hill também havia notado o que estava acontecendo, às vezes eu sentia como se estivesse sendo exagerada em relação à Clair.
estava encostado na estrutura do bar no centro do local, tomando alguma bebida amarela. Clair, com um dos braços apoiado no ombro do meu marido, ficava mexendo em sua gravata a todo momento e levava sua mão até o rosto de , com certeza na intenção de acariciá-lo, eu já teria ido até lá antes se não afastasse sua mão toda hora.
— Oi, Clair! — sorri em uma falsa animação para a mulher assim que me aproximei dos dois — Oi, amor. — puxei meu marido para perto, beijando-o.
— Está se divertindo com o Carter? — ela questionou, me olhando com uma das sobrancelhas arqueadas. Eu sentia o nojo em sua voz.
— Ah, nós estamos nos entendendo, mas diversão mesmo eu só tenho com o . — soltei uma risada maliciosa e meu marido quase engasgou com a bebida.
— Você não deveria estar no Brasil ou em algum país da América do Sul? — perguntou, deixando toda raiva transparecer em sua voz. Ela fechou os olhos e respirou fundo.
— Não deveria, porque estou de férias, mas garanto que seria muito mais agradável. — sorri e observei expressão em seu rosto piorar, adotando uma coloração rosada, Clair deveria estar se corroendo de ódio por dentro — Como sempre, vim por causa do meu marido. — enfatizei o meu e peguei na mão de — Por mim, você e sua casa luxuosa poderiam explodir, não faria diferença alguma, como nunca fez. — pisquei.
Não pensei duas vezes em sair de perto daquela mulher tão desprezível. Clair sempre arrumava um jeito de colocar meu trabalho ou minha origem no foco dos seus ataques, como se eu me importasse com aquilo. Trabalhar com tribos indígenas era o que me deixava feliz, pensar que usar isso para me deixar irritada era um bom plano era muita burrice. Se bem que Clair Wright não precisava de muito para me estressar, somente sua presença era o suficiente.
Esqueci completamente que havia deixado Carter me esperando e quando me dei conta, já estava sozinha, no jardim dos fundos da mansão. Parei de andar de um lado para o outro e respirei fundo, procurando me acalmar.
. — quase dei um pulo em reação à voz de naquele silêncio total, logo em seguida sua mão segurou meu braço — Vamos embora.
, você não precisa fazer isso. — sorri — Eu vou ficar um pouco do lado de fora, aproveite a festa.
… — ele suspirou — Nós podemos ir direto para o North End comer pizza, o que acha? — arqueou uma das sobrancelhas, sugestivamente.
— Eu estou falando sério , — segurei suas mãos, tentando lhe passar confiança — são seus amigos, você deve ficar.
— Está querendo ficar aqui por causa do Carter, não é? — ele sugeriu algo completamente errado, me irritando com aquilo.
— O que disse? — franzi as sobrancelhas — Eu estou te fazendo um favor, , não é por causa de Carter ou qualquer outra pessoa que não seja você. — mudei meu tom de voz, inconformada com o quão chato meu marido estava sendo naquele momento — Você quis vir e deixou claro que só viria se eu o acompanhasse, aqui estou e não vou embora até o final dessa festa. — me sentei no baixo muro do canteiro do jardim e cruzei os braços.
— Eu te espero no carro. — disse, dando as costas para mim.
Era realmente inacreditável como conseguia ficar amargo e com pensamentos que ele jamais teve após passar poucos minutos com aquelas pessoas. Levei um certo tempo para me levantar e ir até o carro, ele não estava agindo da maneira certa, só que não pareceu querer ceder. Esperava que ele fosse voltar ao não me ver ir atrás dele, mas não aconteceu.
— Sério, qual é o seu problema? — disse assim que abri a porta do carro — Por que você não pode simplesmente voltar para lá? — afundei meu corpo no banco do passageiro e bati a porta.
— Eu que deveria estar perguntando qual é o seu problema. — ele rebateu, pisando fundo no acelerador.
Me acomodei ainda mais no banco do passageiro e permaneci em silêncio enquanto dirigia. Eu não queria brigar, mas algumas coisas estavam me sufocando.
— Aposto que ela vai ficar feliz em saber que nós brigamos. — disse mesmo sabendo que talvez fosse melhor ficar calada, mas se não me pronunciasse sobre aquilo morreria engasgada com minhas palavras — É o jogo dela, , e você ainda acha que eu queria ficar mais tempo com Carter Hill, — suspirei, lembrando do que havia acontecido poucos minutos atrás — me poupe.
— O cara é o único clínico geral com quem você se consulta e até hoje não sabia do seu trabalho? Maravilha! — perguntou com a voz carregada de ironia — Além disso, Clair já tinha dito que ele com certeza adorou você e que tinha te achado muito bonita — concluiu, soltando uma risada anasalada.
, você está sendo ridículo. — rolei os olhos — Olha só o que aquela mulher é capaz de fazer com você! — aumentei meu tom de voz, esfregando minhas mãos no rosto.
— Você sempre coloca a culpa na Clair. — ele travou o maxilar — Nem sempre as coisas acontecem por culpa dela! — bufou — Você pode, por favor, colocar o cinto de segurança? — disse após me olhar de relance.
— Você está sempre me dizendo o que fazer. — rebati — E você sabe muito bem que eu odeio que faça isso.
— Que merda, , você sabe que esse seu costume de andar sem o cinto é horrível, é pra sua segurança. — ele respirou fundo — Não sei porque inventei de vir nessa droga de festa.
— Por causa de quem fez o convite, oras. — debochei, estava irritada o suficiente para não ligar mais para as coisas.
— Você está conseguindo me tirar do sério. — respondeu nervoso, pisando mais no acelerador.
— Quem me tira do sério é você, fingindo que não percebe nada acontecendo ao seu redor. — o acusei.
— Eu já te disse para parar de sempre procurar alguém para culpar! — ele gritou, batendo a mão no volante do carro.
continuou acelerando, agradeci mentalmente por ele não estar dirigindo com calma e nem parando em semáforos, isso não combinava com ele, mas certamente chegaríamos mais cedo em casa.
!
Gritei com meu marido, levando minhas mãos até o volante do carro. As luzes que quase me deixaram cega, vindas do farol de algo grande como um caminhão, vieram acompanhadas de uma buzina extremamente alta. Falhei em tentar ajudá-lo com alguma coisa, sentindo o choque poucos segundos depois.


Capítulo 2

You make me wanna scream at the top of my lungs

.


— Eu sinto muito, . — Carter disse e suspirou pesadamente, parecendo exausto. Senti minhas pernas vacilarem naquele momento — Fizemos o que foi possível, mas infelizmente ela não resistiu.
Talvez se meu pai não estivesse ao meu lado, pronto para me segurar em seus braços, eu teria desabado. estava morta, por minha culpa. Eu que insisti para irmos àquela festa idiota. Discutimos porque eu sou cercado de pessoas más e deixei com que isso chegasse até ela. Eu estava dirigindo no momento do acidente. Eu havia sido imprudente.
Minha cabeça poderia explodir a qualquer momento. Doía. Doía mais do que qualquer coisa. estava morta, nada poderia trazer minha mulher de volta, era como se um grande buraco tivesse se aberto em meu peito. Dor, culpa, desespero, arrependimento e vazio eram as únicas coisas que eu conseguia sentir naquele momento.
— Senhor Mitchell, podemos conversar um minuto? — Carter olhou para o meu pai que se virou para mim, como se pedisse permissão.
Me sentei em uma das cadeiras próximas a nós e o deixei ir. Respirei fundo. Eu não podia acreditar naquilo. Só queria que tudo fosse uma maldita brincadeira para que eu não dirigisse com os nervos à flor da pele e deixasse que isso interferisse, mas não era. Eu não conseguia acreditar, não queria acreditar. Cada pedaço do meu corpo estava preenchido por tristeza e raiva. Em um choro silencioso, onde tentava conter meus soluços quando alguém se aproximava, fiquei afundado naquela cadeira, desejando estar no lugar dela.
— Por que, por que com ela? — murmurei, batendo minha cabeça repetitivamente na parede atrás de mim.
Esfreguei as mãos em meu rosto, secando as lágrimas. Estava tentando manter a calma, mas minha única vontade era de quebrar qualquer objeto na minha frente para me livrar da raiva que estava sentindo. Raiva de mim mesmo. Voltei a chorar contra minha vontade, não era como se pudesse controlar minhas emoções, queria gritar, queria desaparecer dali, para sempre.
Já havia esperado tempo demais para saber o que estava acontecendo entre Carter e meu pai, mal tinha forças para parar em pé, mas me levantei e resolvi procurá-los, encontrando os dois em um corredor paralelo ao que estávamos.
— Em outras condições ela teria sobrevivido, não quis falar para o , porque ele está arrasado demais, seria bom se você pudesse explicar resumidamente o que eu te falei, — suspirou — de preferência após o funeral.
— Eu não tenho a menor condição de contar isso para o meu filho, Carter. — meu pai fez uma pausa, somente me torturando ainda mais — Eu não posso simplesmente chegar e dizer que o corpo da esposa dele atravessou o vidro do carro e caiu para fora, batendo a cabeça no chão.
— Você não precisa dizer exatamente isso, Mitchell. Só diga que faleceu minutos depois de terem chegado aqui, porque teve uma hemorragia dentro do crânio, é mais comum do que vocês pensam nesse tipo de acidente.

O cinto de segurança. Eu sempre insistia para que o usasse, ela, na maioria das vezes, não me escutava. Agora, havia sido fatal. Deixei o grito preso em minha garganta escapar, me escorando na parede enquanto meu corpo escorregava até o chão. Eu não sabia como processar tudo aquilo que havia acabado de ouvir. Não demorou para que meu pai estivesse ali, tentando me levantar. estava morta e nada poderia trazê-la de volta.

Eles permanecem envolvidos pelo magnetismo terrestre, presos ao nível da crosta planetária, e não conseguem se desprender do apego à existência que já se encerrou. Geralmente eles acreditam ainda estar vivos, e não entendem por que as pessoas não falam mais com eles.

Olhei bem para o quadro com nome de pacientes fixado na entrada da UTI. K. Mitchell. Me afastei, procurando por mais informações sobre aquilo. A recepção do local estava vazia, assim como o andar, talvez não estivessem em hora de visitação. As coisas estavam confusas na minha cabeça, mas queria saber se poderia ir para casa. Quando voltei do meu tour à procura de alguém que pudesse me ajudar, meu nome não estava mais ali, alguém havia o apagado e isso possivelmente significava que eu poderia ir, mas sem meus pertences era difícil.
Fui até o elevador, aproveitando suas portas ainda abertas para entrar, agradeci com um sorriso mesmo que a pessoa não tivesse a segurado para mim, mas não obtive resposta. Não considerei falta de educação, você nunca pode julgar o humor de uma pessoa que está no hospital. O botão do térreo já estava apertado, apenas aguardei que ele chegasse até lá, sendo a primeira a sair. Caminhei pelos corredores até encontrar primeiramente meu sogro, e depois notar que ao seu lado, abaixado com o rosto sustentado pelas mãos, era .
, — chamei, preocupada com o porquê meu marido chorava tanto — amor, o que aconteceu?
Toquei em seu ombro e mesmo assim não obtive resposta. Aquele era o corredor do hospital em que Carter Hill trabalhava, ele já havia me atendido por diversas vezes, mas eu não entendia o porquê ainda estávamos lá e porquê ele chorava tanto.
— Senhor Mitchell, o que aconteceu? — questionei meu sogro que estava sentado ao lado do filho, em silêncio. Ele nem ao menos olhou para mim.
, aconteceu alguma coisa com alguém que conhecemos? — tentei novamente — Por quanto tempo nós ficamos aqui?
Algo estava errado. Muito errado. Por que ninguém tinha coragem de me encarar ou de pelo menos me mandar embora?
— Filho, eu tenho que providenciar as coisas para o funeral. — ele disse, me fazendo franzir as sobrancelhas — Vamos para casa, você vai ficar melhor lá, eu já assinei todos os papéis.
Funeral? Quem havia morrido?
— Eu não quero ir para a minha casa. — disse — Não vou ficar bem com as coisas dela lá.
— Tudo bem, filho.
— As coisas de quem estão em casa? — questionei enquanto os dois me deixavam para trás.
— A culpa não foi sua. — ele disse ao filho, abraçando-o — não gostaria de ver você assim.
! — gritei, mas de nada adiantou.
Por que diabos eles estavam agindo como se não me vissem ali? Eu não tinha culpa de nada. Fazer aquilo comigo estava me deixando possessa. Segui os dois até o estacionamento do hospital que estava extremamente movimentado, passava com cuidado entre as pessoas para não esbarrar em alguém que andava com tanta pressa quanto eu ou nas macas com pessoas que precisavam ser atendidas com urgência.
e seu pai simplesmente entraram no carro, sem nem ao menos olharem para trás.
Sem meu celular para tentar fazer contato, ou minha carteira para pagar um táxi, voltei para o hospital, em busca de informações na recepção. Quando me aproximei, era possível ouvir murmúrios que envolviam meu sogro. Parei, atenta a o que estavam falando.
— Ele acabou de sair daqui, finalmente levou o filho embora. — uma delas disse — Eu fiquei com dó de ver ele naquele estado.
— Mas a mulher dele não morreu faz uns anos? — a loira ao seu lado questionou — Ele casou de novo?
— Eu estou falando do filho dele, Melissa, presta atenção. — ela bufou — Mitchell, o filho, não o pai. Acho que a esposa dele se chamava .
Aquilo só podia ser piada. Deixei minha gargalhada preencher o ambiente, não recebendo nenhuma reação das duas. Me dirigi até o balcão, em um desespero claro, ambas permaneceram conversando sem nem ao menos olharem em minha direção.
— Vocês todos estão brincando de deixar a louca? — questionei irritada, mas elas continuaram com total atenção no tópico que discutiam — Não pode ser… — deslizei minha mão pelo balcão lentamente e sai dali.
Eu deveria estar em um sonho daqueles onde você tem completa consciência de que estava sonhando, essa era a única explicação. Afinal, por que eu estaria morta e vagando pelo hospital? Era engraçado demais para ter qualquer tipo de explicação plausível para aquilo.
Senti meu corpo enfraquecer de uma forma inexplicável e uma visão horrível tomou conta de mim naquele momento. Fortes luzes, um barulho alto e uma batida, logo em seguida uma dor semelhante a de pequenos cortes e tudo passou. Respirei fundo, tentando me recompor.
A festa. Minha discussão com . O caminhão.
Eu me recusava a acreditar naquilo. Diziam que quando as pessoas entravam em estado de coma, algumas contavam ter tido experiências até mesmo com Deus, por que comigo teria que ser diferente? Eu não estava ali, com o lado religioso, mas quando eu acordasse poderia contar como todos ficaram com a minha morte e que eu aprenderia a usar o cinto de segurança para sempre, mesmo em distâncias curtas. Era isso. Tinha que ser. Era ridículo pensar que eu estava morta de verdade e que nem ao menos havia conseguido fazer a passagem em paz. Nada além disso faria sentido.



Capítulo 3

When I wake up, I'm afraid Somebody else might take my place


, um dia depois, viu sua família a enterrar. Ainda crente de que aquilo era apenas uma experiência relacionada ao coma, buscou ensinamentos que sua morte poderia trazer a ela, mas ver o estado em que as pessoas se encontravam em seu funeral a fez sofrer. Seu pai, sua mãe e eram os mais afetados e também dos que estavam presentes, eram os que a mulher mais amou em vida. Talvez começou a crer em sua morte após aquilo. Quando o enterro foi feito e nada além de lágrimas e abraços desajeitados que tentavam confortar ao próximo aconteceu, a mulher começou a se perguntar que tipo de experiência era aquela. Não existia experiência alguma, havia falecido dois dias atrás quando seu corpo varou a janela do carro em que estava com seu marido, mas ela não queria aceitar.
vagou até a casa dos seus pais, observando com cuidado tudo que acontecia e como estavam após o acontecido.
— Eu amo vocês e sempre estarei aqui. — disse, sentada ao lado da mãe.
Ela queria poder abraçá-los e dizer que tudo ficaria bem, mas naquele momento sabia que não poderia fazer nenhum dos dois. não poderia abraçar alguém novamente e falar que ficaria bem também estava fora do seu alcance. As coisas ficaram complicadas à partir dali, e nem ao menos ainda havia ido até o local que morava com seu marido, verificar sua situação. Não muito distante de onde os pais da sua mulher estavam, se encontrava deitado no sofá, mexendo na aliança em seu dedo. Se lembrava de tudo que aconteceu desde o primeiro dia que haviam se conhecido, não gostou de logo de cara, mas o tempo deu uma chance a eles.
— Você não precisa chorar, eu estou aqui. — ela suspirou, tentando acariciar o rosto do marido. Não conseguia sentir a pele do homem em seus dedos — Eu não aguento mais isso, não aguento. — reclamou. estava carregada de estress, ela não compreendia nem 1% do que estava realmente acontecendo — Fala comigo, , por favor.
Ela estava implorando para que alguém a visse e escutasse, precisava de uma resposta, mas não a teria. Depois daquilo, notou que tudo o que escutou no hospital e que viu acontecer momentos atrás no cemitério eram coisas reais. Mas, nunca foi o tipo de pessoa que aceitava algo mesmo que não quisesse, era por isso que ela continuava presa ao nosso plano.
Dois meses vagando, buscando conexões com quem ela era mais próxima e às vezes tentando assustar quem havia feito mal a ela ou a quem ela amava, não se cansava e se tornava cada vez mais fixa na ideia de que ela havia morrido, porém continuava viva de alguma forma. Ela, definitivamente, não aceitava a morte e isso atrasava cada vez mais sua partida.
A família de fez um bazar com suas coisas para doarem o dinheiro à ONG onde a mulher trabalhava, não é preciso explicar muito o que ela havia achado da ideia. Se ela ainda estava ali, suas coisas também deveriam estar. Não era necessário se livrarem delas.
Qualquer um que havia conhecido , jamais poderia imaginar que ela se tornaria uma alma tão amarga após sua morte e que não aceitaria o fim. A verdade era que, nunca demonstrou nem sequer medo de morrer, mas ela tinha. O maior medo de era se separar de e de sua família, ela foi uma mulher forte o suficiente para jamais deixar isso transparecer, mas essa preocupação sempre existiu em sua vida. O apego a entes queridos e a Terra eram os motivos pelos quais continuava onde não deveria estar.
teve tempo para se recuperar, mas não havia um dia sequer que ele não sentisse falta da esposa, porém, estava tentando seguir em frente. estava com ele quase todos os dias, tentando fazer qualquer tipo de ligação com o ex-marido, principalmente quando ele decidiu parar de usar sua aliança, feito que a deixou possessa. Um bom tempo depois, começou a conhecer novas pessoas, assim como todos que haviam algum tipo de ligação forte com fizeram. Ela foi uma boa amiga, uma boa filha, uma boa esposa, uma boa pessoa e as pessoas sentiam sua falta, mas não podiam sofrer com isso para sempre.
Ver sair com outras pessoas era perturbador para já em estado de sofrimento. Não compreender sua morte e o apego ao ex-marido fez com que a mulher ficasse presa ao nosso plano. não conseguiu fazer a passagem e não conseguiria tão cedo se continuasse da forma que estava. Tirando os membros de sua família, era a única pessoa que amava com todas as suas forças, o único em que ela pode depositar completamente sua confiança e quem nunca virou as costas para ela. era completamente, perdidamente apaixonada por . Ela o amava com toda certeza que existia nela. estava tentando se recuperar. Apesar de demonstrar ter conseguido, quando estava só, sabia que aquilo não passava de uma farsa.
As coisas estavam indo de mal a pior em seus últimos encontros, mesmo que não fossem amorosos. não entendia, ele que sempre teve facilidade de se relacionar e sua personalidade o ajudava na conquista de amores e amigos, mas ultimamente ele sentia como se estivesse perdendo todos.
, tentando realizar ligações psíquicas com o ex-marido, acabou se tornando uma espécie de vampiro. Não que ela quisesse isso, ela jamais buscaria o prazer no sofrimento de alguém, mas isso era algo que comumente acontecia quando um espírito preso ao nosso plano tentava desesperadamente estar com alguém que estava vivo. A relação vampiresca ocorre como consequência, era por isso que as coisas passaram a ser piores ainda para . sugava suas energias, o deixando muito propício a cair em coisas ruins, e ele nem ao menos desconfiava.
Aliás, ninguém desconfiava. focou somente em , esquecendo todas as outras coisas que a incomodavam e que ela tentava desesperadamente mudar. Ela tinha medo de alguém tomar seu lugar na vida de , algo que seria inevitável, ele tinha direito de encontrar alguém bom como era.
Algo acontecia nos últimos dias. se sentia mais fraca que o normal, não conseguia vagar por tantos lugares como fazia habitualmente e não conseguia mais ver o ex-marido nem ninguém que importasse de verdade. Ela estava mal com aquilo, a dependência em relação àquelas pessoas era gigante, e precisava da relação vampiresca para se manter. sentiu como se estivesse indo embora, sem poder tentar protestar contra aquilo. Uma claridade total invadiu seu campo de visão que nos últimos três dias se limitava apenas ao apartamento do casal, local em que não estava, e então uma voz ao fundo.
? — a voz a encheu de energia, mas não como acontecia sempre — É a hora de ir.
? — ela ainda não acreditava. Voltou a sua ideia antiga de que ela estava em coma e que conseguiria acordar.
— Eu estou aqui. — ele respondeu, sorrindo docemente para a mulher — Você não precisa mais ter medo, nós iremos juntos.
havia retornado às atividades da empresa do pai que havia grande importância em Boston, as pessoas o conheceram através de eventos que a empresa participava, seu rosto estava estampado em algumas notícias. Na quarta-feira daquela semana, foi vítima de um assalto. Os ladrões já sabiam quem ele era e tinha muito a oferecer, mas não foi o suficiente. teve que pagar com sua vida, levou três tiros e passou dois dias internados, lutando para se manter vivo, mas não aconteceu. era a principal coisa que prendia naquele plano, juntos, ela poderia fazer sua evolução e então, partir.



FIM.



Nota da autora:Olá, coleguinhas! Se você está aqui, agradeço por ter lido e espero que tenha gostado <3 queria pedir desculpas se escrevi algo errado relacionado ao tema, a base foi da Clary Avelino (que antes ia escrever, mas que não teve como continuar), eu peguei para desenvolver e tive que fazer algumas pesquisas, certas coisas eu não achei, mas improvisei e se você entende do assunto e viu coisa errada, pode falar, viu?! Vou agradecer hahahah muito obrigada por terem lido a história, nesse ficstape tenho mais uma short, 06. Alleyways e outras que vocês vão ver aí embaixo, além do grupo do Facebook, se alguém quiser participar será muito bem vindo! <3
ps: quero agradecer minha xará, Má, pelas opiniões ao longo da escrita, você é linda <3





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