olhou-se no espelho mais uma vez e ajeitou a gravata. Pegou o relógio na cômoda, borrifou um pouco de perfume e estava pronto. Hoje seria a reunião de dez anos da sua turma do ensino médio. Ele não via seus antigos amigos há um bom tempo e seria ótimo gastar umas horas para colocar os assuntos em dia. Por mais que não tivesse uma esposa e filhos – ainda – ele sabia que tinha algumas coisas para contar. Talvez o excelente emprego que conseguiu e contar, detalhadamente, como conseguiu passar de um mero estagiário, para diretor regional. Tudo fruto do seu trabalho duro, de sua determinação e da grande quantidade de horas livres. Seus companheiros de trabalho tinham que se dividir entre a empresa, a família e os filhos. não, sua vida era o trabalho. Tá, algumas horas eram dedicadas a Emma, sua namorada. O relacionamento dos dois era recente, nada que pudesse tocar os sinos do casamento nos ouvidos dele, mas algo lhe dizia que Emma poderia ser aquela que seria para sempre. E ele não costumava se enganar ou errar em suas escolhas. Talvez uma ou duas vezes, ao longo de seus 32 anos, e todas no campo amoroso.
Ele pensou em convidar sua namorada para lhe acompanhar, mas desistiu no minuto seguinte. As pessoas tendem a perguntar sobre casamento quando percebem que os envolvidos estão passando dos trinta. E por mais que já estivesse dois anos além do prazo, não queria que colocassem ideias na cabeça de Emma. Por mais que gostasse de sua namorada, ele sabia que três meses não é tempo o bastante para falar em casamento. Afinal, ele mal havia percebido que estava se apaixonando. E ele lembrava perfeitamente como foi essa “descoberta”.
Emma estava sentada no sofá de seu apartamento, vestindo uma de suas blusas velhas e largas, com seus cabelos presos de qualquer forma no alto da cabeça, assistindo um jogo dos Giants nos play-offs da NFL e segurando uma lata de chá gelado. Ela estava tão envolvida no jogo, que não desgrudava os olhos da tela da televisão, mas ele não conseguia desgrudar os olhos dela. Era uma imagem tão simples e tão casual, que pareceria mentira se ele contasse a alguém. Não é qualquer mulher que se deixa ser vista vestida dessa forma, ainda mais pelo novo namorado. O começo do namoro é aquele momento onde os pequenos gestos não fazem tanta diferença e os grandes se tornam tudo o que importa. E esse era o gesto gigantesco. Ela se mostrava disposta a assistir o jogo com ele e não apenas isso, ela estava realmente interessada nele. Talvez mais do que o próprio . E naquele momento, enquanto os Giants perdiam a bola numa subida de 35 jardas, percebeu que estava apaixonado. Ele sentia um frio na barriga, suas mãos suavam e sua respiração estava acelerada. Emma o olhou por alguns segundos e sorriu de uma forma tão bonita, que não existia mais dúvidas: estava se apaixonando.
Lembrar da descoberta desse sentimento lhe trouxe outras lembranças. A ocasião estava perfeita para isso, ele tinha certeza que ela estaria naquele salão esta noite e não tinha muita noção de como reagiria. não via desde o dia que terminaram o breve relacionamento que tiveram. Foram apenas poucos meses, sendo alguns deles na mesma cidade e outros três onde cada um estava de um lado diferente do país.
ajeitou o cabelo uma última vez e retocou o batom vermelho. Olhou para o relógio, vendo que deveria sair de casa logo, caso não quisesse se atrasar. Pegou suas coisas e tratou de chamar um carro para levá-la à festa. Enquanto descia no elevador, se pegou pensando nas pessoas que, possivelmente, encontraria essa noite. E a imagem de uma pessoa específica se prendeu em sua mente, fazendo seu coração acelerar mais do que deveria. Já tinha que passado dez anos, não deveria mexer com ela dessa forma. Ela tentou tirar o rapaz de sua mente, não sabia se ele iria, se estava casado, com filhos... não sabia nada de sua vida. A última vez que se viram apenas serviu para que seu coração fosse partido e, de alguma forma, ele continuava partido até hoje.
A menina nunca mais se permitiu se envolver com alguém, se mostrar vulnerável e abrir o coração para qualquer sentimento, apenas pelo medo do sofrimento que poderia vir depois. Ela odiava essa sua capacidade de sofrer por antecedência, mas acreditava que essa “medida protetiva” do seu coração era para o seu próprio bem. Para evitar que ela se machucasse. Só que ao impedir que ela se machucasse, a impedia de viver também. Então focava sua cabeça no trabalho, sempre pensando em tudo o que poderia conquistar profissionalmente, em todos os sonhos que poderia realizar. Então se esforçou para ser a melhor publicitária que poderia. E sua carreira não tinha como estar melhor. Para ela era azar no amor e sorte na carreira. E não havia nada de errado ou ruim nisso, pelo menos não por agora.
entrou no ginásio de sua antiga escola e conseguiu lembrar de diversos momentos que passou ali, desde os beijos que trocou debaixo da arquibancada, até os pontos que marcou nos jogos de basquete. Avistou seu amigo Damian mais ao fundo, conversando animadamente com Jeff, outro amigo da época da escola que não via há muito tempo. Sua convivência com Damian era constante, eles se viam sempre que podiam, pois o amigo tinha acabado de se tornar pai pela primeira vez, então suas saídas se tornaram mais raras. Os três rapazes colocaram o papo em dia, dizendo tudo o que fosse ao menos interessante, outras pessoas se aproximaram e logo formavam uma grande roda. Damian segurava uma foto do filho e mostrava para todos, numa atitude clássica de pai coruja. observava cena com os lábios torcidos num pequeno sorriso, ele bebeu mais um gole de sua cerveja e observou o ambiente mais uma vez. Antes que seus olhos pudessem percorrer todo o lugar, eles se prenderam em algo, ou melhor, alguém. estava parada perto da porta, havia algumas pessoas ao seu redor, mas ela parecia olhar na direção de . Seus olhares se sustentaram por alguns segundos, tempo o bastante para diversas lembranças dominarem os dois.
apoiou as mãos na cintura da menina e a puxou para mais perto. Ela ria baixo, tentando controlar suas carícias. Eles estavam escondidos entre os corredores da escola, fugindo um pouco do baile que rolava no ginásio. O rapaz levou os lábios até o pescoço de , que tentava, inutilmente, não ceder a suas investidas. Eles tinham começado a sair nos últimos dias de aula, o que para muitos era uma total loucura. Com a formatura, o normal seria cada aluno seguir seu novo rumo, os antigos casais, já consolidados, encontrarem uma forma de ficarem juntos e os solteiros buscarem novos pretendentes, mas na faculdade que escolheram. Mas quando a atração fala mais alto que a razão não há jeito. Uma bolsa de estudos na Universidade da Califórnia, do outro lado do país, não foi o bastante para manter longe de , o rapaz parecia ser tudo aquilo que a menina sempre desejou. E por que abdicar dele, se ainda teria algumas semanas para aproveitar?
- . – ela murmurou, chamando atenção do rapaz. Ele se afastou um pouco e olhou em seu rosto. – Acho que devemos voltar para a festa.
- Eu não concordo. – sorriu de um jeito meio safado, colando mais seus corpos. – Mas concordo que deveríamos sair daqui.
E assim eles correram pelos corredores vazios, em direção ao estacionamento. Por mais isso fosse o mais clichês, eles não se importaram. Amassos no carro, no estacionamento da escola no dia do baile deveria ser uma regra seguida por todos os alunos. Como se fosse mais um rito de passagem ou como mais uma “atividade extracurricular”. Mas soube que era momento de parar quando sentiu uma ação mais atrevida de , o rapaz já tinha aberto metade do zíper do vestido dela. Ela sentou-se e voltou a fechar o vestido. Se amassos no estacionamento era clichê, perder a virgindade ali seria quase uma cena de filme adolescente. E isso não estava no roteiro da vida dela.
Ela esperou pacientemente que se acalmasse e ficou rindo enquanto o menino fechava os olhos, se concentrando em qualquer outra coisa. E assim se passaram uns dois minutos, até que ele abriu os olhos e respirou fundo, antes de vestir seu paletó e ajeitar seu cabelo. Eles saíram do carro, entrelaçaram seus dedos e fizeram o caminho de volta ao ginásio.
sentiu seu coração falhar numa batida e suas mãos suarem. Não era justo que ele ainda tivesse esse poder sobre ela. E menos justo ainda que eles estivessem ali, naquele ginásio, onde lhe trazia tantas recordações que ela lutou para esquecer. A realidade é que ela nunca esqueceu . Era como se ele fosse uma página não resolvida do livro de sua vida. Uma página que ficou pela metade, uma história incompleta. Onde o “fim”, não foi realmente um final. Não pra ela.
Encarar aqueles olhos, mesmo à distância, fez algo se mexer dentro de . Era um pouco estranho pra ele olhar para depois de tanto. Porque por mais que o namoro deles tenha durado pouco, ele sempre guardou suas lembranças com muito carinho, como se ela tivesse um lugar especial guardado em sua memória. Afinal, todo garoto lembra com carinho de sua primeira vez. E com não seria diferente.
estava meio que escondida entre os arbustos que cobriam a lateral da casa de e observava a movimentação do lado de dentro. Ela ouvia uma voz feminina cantando uma música que tocava no rádio, o que denunciava a presença da sua sogra. Ela riu ao pensar na palavra, era difícil pensar no como seu namorado, ainda mais na véspera de sua partida. No dia seguinte ela estaria embarcando para a Califórnia e não sabia quando poderia voltar para vê-lo. Alguns minutos depois ela viu uma mulher morena saindo pela porta da frente e andando apressadamente até o carro. Esperou mais alguns segundo antes de sair de seu quase esconderijo, para que o caminho estivesse completamente livre. Deu a volta na casa e olhou para a janela dos fundos, a que ela sabia ser do quarto de . Ela estava aberta e um barulho podia ser ouvido saindo dela, ele estava acordado. Dias antes ele a levou até ali e, numa conversa casual, comentou que a porta dos fundos sempre ficava destrancada quando tinha alguém em casa. girou a maçaneta e viu que estava realmente aberta. Ela se esgueirou pelos corredores e subiu as escadas sem fazer barulho. tocava distraidamente sua guitarra, quando viu a porta de seu quarto abrir e entrar rapidamente. A menina fechou a porta e encostou suas costas na mesma e suspirou. Ele fez menção de se levantar, mas ela levantou a mão, fazendo um movimento para impedi-lo, então ele voltou a sentar. mordeu o lábio inferior e encarou o teto, como se buscasse coragem para fazer alguma coisa.
- , o que você tá fazendo aqui? – o menino perguntou, colocando o instrumento apoiado no colchão.
- Eu vi a sua mãe saindo quando estava lá fora. Sabe se ela vai demorar? – a menina falou, ignorando sua pergunta.
- Ela foi trabalhar, deve voltar só à noite. Por quê? – perguntou, vendo a menina respirar fundo antes de responder. Ela tinha tempo, seus próprios pais também estavam trabalhando e agora não precisava se preocupar com a volta repentina de sua sogra.
- Você sabe que eu vou embora amanhã, não sei quanto tempo nós vamos ficar sem nos ver. Então eu pensei muito e tem uma coisa que eu quero fazer antes de ir. Tá sendo difícil fazer isso, então, por favor, não fala nada. – dizendo isso, ela levou as mãos até a lateral do vestido florido que usava e puxou um zíper que ali tinha. Depois puxou as alças e deixou com que o vestido caísse aos seus pés. Com as mãos visivelmente trêmulas, ela olhou para e esperou por alguma reação. O rapaz continuou sentado na cama, encarando a menina um tanto que boquiaberto. Sua cabeça estava a mil, tentando processar o que estava realmente acontecendo. – Bem, se você não quer. – disse, se abaixando para pegar o vestido. Mas foi mais veloz e se aproximou da menina, fazendo com que ela voltasse a se encostar na porta.
- Não, não é isso. – ele disse apressadamente. – É claro que eu quero, você só me pegou de surpresa. – sorriu de lado, colocando as mãos na cintura da menina. Os dois estremeceram com o contato, mas tentaram manter a calma. – Não precisa fazer isso só porque você vai embora. – sussurrou, vendo erguer os olhos e encarar os seus.
- Não, , eu estou fazendo isso porque eu quero. Eu quero você. – dito isso, seus lábios se encontraram pela primeira das muitas vezes daquela manhã. Os encontros e desencontros de seus corpos foi tão intenso quanto a ocasião permitia. Houve dor, houve medo, mas houve muito desejo. Desejo esse que sobrepujou qualquer outro sentimento. Quando saiu novamente pela porta dos fundos, os dois, um de cada lado da porta, sabiam que aquelas poucas horas daquela manhã de quinta-feira ficariam na guardadas na memória dos dois, independente do que acontecesse.
A pequena felicidade que aquelas lembranças trouxeram aos dois foi logo substituída pelo desconforto dos acontecimentos posteriores. Ninguém fica feliz com o término de um namoro, ainda mais quando não se teve tempo o bastante para entender o quanto aquele relacionamento era importante ou quando se teve tempo bastante para isso, mas a resposta não era a desejada. A realidade é que todos que se dispõe a entrar num relacionamento desejam que ele dê certo, que os sentimentos se desenvolvam, aumentem e que eles sejam felizes para sempre. O grande problema é que, na maioria das vezes, isso não acontece. Problemas aparecem, situações complicadas surgem, pessoas se afastam. E fica mais complicado ainda contornar os problemas quando se adiciona a distância. Uma relação saudável necessita de convivência, de contato. E quando há um país os separando, não há casal que resista. Não foi diferente para e .
Nas primeiras semanas de na Califórnia, eles se falavam todos os dias, havia aquela dorzinha no peito de saudade, aquela vontade de ultrapassar a barreira virtual que a tela do computador se tornou, ou se enrolar pelos fios do telefone e se materializar do outro lado. Mas o tempo foi passando e a emoção acabando. Não havia mais, de ambas as partes, aquela espera desesperadora pelo momento em que se falariam. Eles arrumaram novos amigos, novas companhias e novas pessoas que os faziam sentir bem, como eles deveriam se sentir quando estavam juntos. Algumas noites a ligava e ela se mantinha em silêncio, pois aquilo que estava entalado em sua garganta poderia ser difícil demais para tratar pelo telefone. O ritmo da faculdade aumentou, a saudade diminuiu e só voltou a pensar realmente em quando recebeu a passagem de avião pelo correio. Depois de um pouco mais de três meses na Califórnia, seus pais não aguentavam mais de saudade e queriam ver sua filha. A menina viu isso como uma chance de tirar aquela sensação que tanto lhe incomodava. Ela pensava que só ela que se sentia assim, estranha, errada. Sempre imaginava como o rapaz se sentia perante essa situação. O que ela não sabia era que ele se sentia da mesma forma.
estava na casa dos pais há algumas horas e ela tinha certeza que sabia que ela estava na cidade, então não podia apenas fingir e ignorá-lo. Pediu licença para os pais e caminhou lentamente até a casa do namorado, repassando mentalmente tudo que havia ensaiado para lhe dizer, por mais que ela soubesse que nada sairia como no planejado quando chegasse lá e olhasse para ele. Só precisava de uma resposta, uma única palavra e tudo mudaria. Ela bateu na porta e a mãe de atendeu, lhe abraçou e disse como era bom tê-la de volta na cidade. O sorriso amarelo que deu em resposta a envergonhou, mas não deixou se abater. Sua quase ex-sogra disse que estava no quarto que ela poderia subir e assim fez. Parou em frente à porta e lá ficou por alguns instantes, tentando encher-se de coragem, coragem essa que nunca seria o bastante. Vendo que não tinha mais escapatória, ela bateu na porta e esperou uma resposta.
Quando ouviu as batidas, algo dentro dele se revirou, ele sabia que era . Não que ela tivesse uma batida característica ou algum tipo de código, ele apenas sabia. Como se aquele som fosse algo como uma marcha fúnebre para o relacionamento deles. Ele sabia que ela estava na cidade, soube no momento em que ela pôs os pés para fora do avião. Os amigos lhe contaram e estranharam o fato dele não saber que até então namorada estava de volta por dois dias e ele não sabia. só respondeu: “As coisas estão meio estranhas.” e ninguém perguntou mais nada.
- Entra. – ele disse baixo, vendo o rosto da menina surgir na porta.
- Oi. – ela murmurou, sorrindo de lado. Mais um de seus sorrisos forçados.
- Oi. – retribuiu da mesma forma. E assim ficaram se encarando por alguns segundos. Os dois tentando repassar o que tudo o que haviam pensado, mas era difícil demais tendo o outro bem a sua frente.
- Eu acho que tenho que explicar umas coisas. – começou a dizer, entrando no quarto. Ela fechou a porta e caminhou até uma poltrona, sentando-se de frente para . – Sei eu devia ter te avisando que eu estava vindo, mas acho que isso tornaria as coisas piores.
- E por quê? – ele perguntou, tentando entender o raciocínio da garota.
- Porque seriamos dois pensando no que falar, certo? – ela suspirou, passando a mão pelo cabelo. – Imagino que não tenha sido fácil pra você lidar com isso. – apontou para os dois, vendo-o afirmar com a cabeça. – Por isso eu não quis criar uma expectativa, uma ansiedade ruim.
- Então eu acho que você andou pensando na gente, certo? – comentou, fazendo olhar em seus olhos. – Pode falar.
- Eu só tenho uma pergunta e a resposta dela vai definir a continuidade disso tudo. – pela forma que a frase terminou, sabia que não estava falando apenas da conversa. Ele parecia preparado para qualquer coisa que ela pudesse perguntar, qualquer coisa. Menos para o que realmente veio.
- , você me ama?
O rapaz perdeu o fôlego por alguns segundos e não conseguiu responder nada de imediato. Ele sabia que uma resposta rápida era tudo o que queria, pois algo diferente disso já poderia ser entendido de outra forma. Mas como ele poderia agir de outro jeito, se a realidade estava bem clara pra ele: ele não a amava, não ainda. Ou, pelo menos, não sabia. Mas como ele conseguiria falar um belo e sonoro ‘não sei’ na frente de , olhando nos olhos dela? Era difícil demais. Era malvado demais. Pareceria que ele não sente nada por ela, poderia soar como se ela não tivesse sido nada pra ele e isso seria um erro. Ela era especial demais para isso.
- Eu acho que se a resposta fosse boa... – voltou a falar, tirando de seus próprios pensamentos. – Eu teria ouvido no exato momento da pergunta. – a voz da menina estava baixa. Ela só precisava de uma resposta, uma palavra para que ela tivesse a certeza de que eles poderiam consertar tudo, para que ela soubesse que eles não terminariam tudo ali, naquele momento. só queria ouvir uma única palavra, só que ela nunca veio.
- , não é isso. – se apressou em falar. – É que, eu não sei. Não posso dizer que te amo se não tenho certeza. Se eu nem sei que sentimento é esse. E com você tão longe, talvez eu nunca saiba.
- Então você não ama. – a menina deu de ombros, como se não importasse muito. – Porque se amasse, eu acho que você saberia.
- Não tire conclusões precipitadas. – ele pediu, pegando uma das mãos da garota e colocando entre as suas. – Eu queria muito, muito mesmo que nós tivéssemos dado certo. Você é muito importante pra mim, . Você é minha primeira namorada, foi minha primeira garota e terá um lugar na minha memória para sempre. Mas é que a distância acabou com tudo, às vezes eu queria você do meu lado, queria alguém perto de mim e, simplesmente, não tem como.
- . – ela disse, colocando a outra mão por cima da dele, fazendo-lhe um carinho. – Não se sinta mal.
- Deus sabe como eu queria te abraçar agora e falar que nós poderíamos lidar com isso, . Ele sabe como eu queria te amar...
- Mas você não ama. – disse, sorrindo de lado, segurando o choro que viria a qualquer momento. – Acho que as coisas nem sempre são como nós queremos, não é?
Aquela última frase de ficou na cabeça de durante muito tempo. Depois que ela foi embora naquele dia, eles devem ter se visto umas duas vezes, sempre de longe sem muito contato e nem ao menos um ‘oi’. Não que eles tenham desejado esse afastamento, mas foi mais como se a vida quisesse essa distância, como se eles não tivessem nascido para ficarem juntos. Apenas isso. Sem mágoas, sem tristeza. Somente as lembranças dos bons momentos e a eterna dúvida de como teria sido se tivessem ficado juntos. Eles eram jovens demais, confusos demais. Quem poderia saber ou garantir que teria dado certo no final? Ou que não teria dado certo...
Essas dúvidas permeavam a mente de e a faziam pensar nisso com mais frequência do que ela realmente desejava. A sensação de ter desistido rápido demais, fácil demais, fazia seu coração apertar e tudo estava pior agora, enquanto olhava para .
Aqueles poucos segundos tinham feito tudo voltar de uma forma muito rápida e muito forte: as lembranças, os sentimentos, os arrependimentos... Foi tudo tão inesperado, que o rapaz foi pego de surpresa. não estava pronto para sentir nada disso, aliás, ele nem imaginava ainda sentir qualquer uma dessas coisas.
- Ele está namorando, pelo o que eu soube. – Rachel, uma amiga antiga de comentou, entre um gole e outro de sua bebida, fazendo a menina desviar o olhar.
- O que? – perguntou rapidamente, se fazendo de confusa, como se não estivesse interessada no assunto.
- O . – a amiga apontou com a cabeça, vendo o rosto de ficar levemente vermelho, porque o rapaz ainda olhava na direção. – Sem esposa, filhos... Só uma namorada.
- O que isso importa, Rachel? – falou, rolando os olhos e virando o corpo, para que ficasse de costas para o rapaz.
- Bem, você parecia se importar. – ela comentou, olhando mais uma vez na direção do rapaz. – E ele também, porque continua olhando pra cá.
- Mas não importa. – quis dar um fim àquele assunto, porque a deixava mais nervosa e afetada do que ela queria. – Nem pra mim e muito menos pra ele.
- Ele está vindo pra cá, então eu acho que você poderá perguntar pra ele, se quiser... – Rachel deixou a frase morrer, antes de dar as costas e fazer com que as outras pessoas que estavam por perto, irem com ela até a mesa de comidas. mal teve tempo para se preparar, porque antes mesmo do que imaginou, sentiu a aproximação de alguém e, em seguida, aquela mesma voz preencher o ambiente.
- Oi. – estava parado, com uma expressão meio confusa, como se não estivesse certo se deveria ter ido até lá falar com ela ou não. – Quanto tempo... – completou, de forma casual, passando a mão pelos cabelos.
- Oi, . – a menina sentiu certa dificuldade em dizer seu nome em voz alta, ainda mais por não sentir confiança na sua própria voz. – Realmente, tem muito tempo. – Tinham se passado quase quinze anos, mas ali, naquele momento, se sentia uma adolescente de novo. Era como se eles estivessem no primeiro encontro, ou quando o rapaz a convidou para ir ao baile com ele. Ela levantou os olhos, o encarando pela primeira vez. Notou como o rosto dele tinha perdido os traços juvenis e que agora ele estava com uma aparência adulta, com uma barba bem aparada, o cabelo num corte um pouco maior do que costumava ser, uma postura mais imponente, mas uma coisa não tinha mudado: o seu sorriso. Estava encantador como sempre. E percebeu que aquele momento seria terrível pra ela no futuro, porque se já surgia em sua mente sem que ela quisesse antes, quando não se viam há anos, imagine agora.
- Você tá... Muito bonita. – disse, sem perceber. Mordeu o lábio inferior, vendo abaixar a cabeça, como se estivesse envergonhada. – Me desculpa se fui indelicado.
- Não tem problema, você tá muito bonito também. – ela foi sincera, tentando deixar a sua apreensão de lado.
- O que você... – o rapaz ia falar alguma coisa, mas foi interrompido pelo seu celular que tocava. Ele se desculpou rapidamente, pegando o aparelho e vendo que era Emma que ligava. olhou de relance para o celular, vendo a foto da namorada no visor. Desviou o olhar o mesmo momento, como se fosse um claro sinal do universo para que ela caísse na real.
- É melhor você atender. – a menina falou, antes de sorrir de lado e dar as costas ao rapaz e caminhar até onde os seus antigos amigos estavam. Naquele momento, ela sentiu que não estava dando as costas apenas para ele ali, agora, era como se fosse uma chance de dar as costas para o passado de uma vez por todas. Se ver livre daquele sentimento a que a prendia a algo que nunca foi real. E que não tinha a menor chance ser um dia.
viu se afastando e algo no olhar dela o levou quinze anos de volta no passado. Ela tinha a mesma tristeza no olhar, transmitia o mesmo sentimento do dia em que terminaram. Sentiu um aperto em seu peito e uma sensação estranha, de que tinha assuntos pendentes entre eles. A verdade é que nunca se permitiu pensar em , porque não queria descobrir qualquer sentimento por ela, depois que tinham terminado. Ele não queria ser uma daquelas pessoas que percebe que ama alguém, só depois que perde. Ela estava do outro lado do país, ele tinha que aceitar que algumas vezes as coisas que davam certo. se forçou a aceitar isso. Mas talvez não devesse. O telefone em sua mão continuava tocando, e Emma parecia o encarar através da foto em seu celular. Era como se ela tivesse adivinhado. Será que se tivesse tido a chance, ele sentiria por a mesma coisa que sente por Emma? Será que esse questionamento que surgiu em sua mente já coloca em dúvida todas as certezas que ele pensava ter? Será que a resposta para a pergunta que o fez anos atrás era “sim” e ele só tinha percebido agora? Será que é por isso que sentiu seu coração acelerar tanto quando colocou os olhos na menina? Ou por ter pensado constantemente que a encontraria nessa festa e isso ter se tornado um dos principais motivos de ter vindo.
estava confuso. Mais que confuso, era a própria confusão. Era como se o seu eu de dezoito anos tivesse tomado conta do seu corpo e todas aquelas sensações e sentimentos tivessem voltado. Agora suas duas vezes, passado e presente, estavam travando uma batalha interna, para decidirem o que ele deveria fazer: ligar para Emma, seguir sua vida com sua namorada, para um dia se casar e construírem uma família; ou obedecer suas pernas e caminhar até , para ouvir para palavra do que ela tenha para lhe dizer, só porque ele sentia saudades de sua voz. Sentia saudades e nem sabia. Aparentemente, havia muitas coisas dentro dele que ele não sabia que estavam lá.
Emma desistiu depois da terceira ligação, enquanto continuava parado no mesmo lugar, com seus olhos presos em e sua mente perdida em pensamentos. Ele não sabia o que fazer, estava divido entre o que deveria e o que queria. Ele deveria ligar para Emma, saber o que ela queria, talvez tivesse acontecido alguma coisa. O que ele queria era sentar numa daquelas mesas e ouvir falar a noite toda, contar cada coisa que aconteceu em sua vida, para que ele não sentisse mais aquela sensação incomoda de ter algo que ele deveria saber, mas não sabe.
Mas o que ele, realmente, queria era caminhar até e responder aquela pergunta que ela fez muitos anos atrás. Já que agora ele, finalmente, parecia ter uma resposta. Se ainda se sentia dessa forma, ele a amou. Amou mais do que sequer imaginou ou cogitou. Mais do que ele pensava que poderia ou deveria. Só que a grande questão era: ele ainda a amava?
Ele teria que descobrir.
Como? Não sabia, mas iria.
Mesmo depois de todo esse tempo.
Ele pensou em convidar sua namorada para lhe acompanhar, mas desistiu no minuto seguinte. As pessoas tendem a perguntar sobre casamento quando percebem que os envolvidos estão passando dos trinta. E por mais que já estivesse dois anos além do prazo, não queria que colocassem ideias na cabeça de Emma. Por mais que gostasse de sua namorada, ele sabia que três meses não é tempo o bastante para falar em casamento. Afinal, ele mal havia percebido que estava se apaixonando. E ele lembrava perfeitamente como foi essa “descoberta”.
Emma estava sentada no sofá de seu apartamento, vestindo uma de suas blusas velhas e largas, com seus cabelos presos de qualquer forma no alto da cabeça, assistindo um jogo dos Giants nos play-offs da NFL e segurando uma lata de chá gelado. Ela estava tão envolvida no jogo, que não desgrudava os olhos da tela da televisão, mas ele não conseguia desgrudar os olhos dela. Era uma imagem tão simples e tão casual, que pareceria mentira se ele contasse a alguém. Não é qualquer mulher que se deixa ser vista vestida dessa forma, ainda mais pelo novo namorado. O começo do namoro é aquele momento onde os pequenos gestos não fazem tanta diferença e os grandes se tornam tudo o que importa. E esse era o gesto gigantesco. Ela se mostrava disposta a assistir o jogo com ele e não apenas isso, ela estava realmente interessada nele. Talvez mais do que o próprio . E naquele momento, enquanto os Giants perdiam a bola numa subida de 35 jardas, percebeu que estava apaixonado. Ele sentia um frio na barriga, suas mãos suavam e sua respiração estava acelerada. Emma o olhou por alguns segundos e sorriu de uma forma tão bonita, que não existia mais dúvidas: estava se apaixonando.
Lembrar da descoberta desse sentimento lhe trouxe outras lembranças. A ocasião estava perfeita para isso, ele tinha certeza que ela estaria naquele salão esta noite e não tinha muita noção de como reagiria. não via desde o dia que terminaram o breve relacionamento que tiveram. Foram apenas poucos meses, sendo alguns deles na mesma cidade e outros três onde cada um estava de um lado diferente do país.
ajeitou o cabelo uma última vez e retocou o batom vermelho. Olhou para o relógio, vendo que deveria sair de casa logo, caso não quisesse se atrasar. Pegou suas coisas e tratou de chamar um carro para levá-la à festa. Enquanto descia no elevador, se pegou pensando nas pessoas que, possivelmente, encontraria essa noite. E a imagem de uma pessoa específica se prendeu em sua mente, fazendo seu coração acelerar mais do que deveria. Já tinha que passado dez anos, não deveria mexer com ela dessa forma. Ela tentou tirar o rapaz de sua mente, não sabia se ele iria, se estava casado, com filhos... não sabia nada de sua vida. A última vez que se viram apenas serviu para que seu coração fosse partido e, de alguma forma, ele continuava partido até hoje.
A menina nunca mais se permitiu se envolver com alguém, se mostrar vulnerável e abrir o coração para qualquer sentimento, apenas pelo medo do sofrimento que poderia vir depois. Ela odiava essa sua capacidade de sofrer por antecedência, mas acreditava que essa “medida protetiva” do seu coração era para o seu próprio bem. Para evitar que ela se machucasse. Só que ao impedir que ela se machucasse, a impedia de viver também. Então focava sua cabeça no trabalho, sempre pensando em tudo o que poderia conquistar profissionalmente, em todos os sonhos que poderia realizar. Então se esforçou para ser a melhor publicitária que poderia. E sua carreira não tinha como estar melhor. Para ela era azar no amor e sorte na carreira. E não havia nada de errado ou ruim nisso, pelo menos não por agora.
entrou no ginásio de sua antiga escola e conseguiu lembrar de diversos momentos que passou ali, desde os beijos que trocou debaixo da arquibancada, até os pontos que marcou nos jogos de basquete. Avistou seu amigo Damian mais ao fundo, conversando animadamente com Jeff, outro amigo da época da escola que não via há muito tempo. Sua convivência com Damian era constante, eles se viam sempre que podiam, pois o amigo tinha acabado de se tornar pai pela primeira vez, então suas saídas se tornaram mais raras. Os três rapazes colocaram o papo em dia, dizendo tudo o que fosse ao menos interessante, outras pessoas se aproximaram e logo formavam uma grande roda. Damian segurava uma foto do filho e mostrava para todos, numa atitude clássica de pai coruja. observava cena com os lábios torcidos num pequeno sorriso, ele bebeu mais um gole de sua cerveja e observou o ambiente mais uma vez. Antes que seus olhos pudessem percorrer todo o lugar, eles se prenderam em algo, ou melhor, alguém. estava parada perto da porta, havia algumas pessoas ao seu redor, mas ela parecia olhar na direção de . Seus olhares se sustentaram por alguns segundos, tempo o bastante para diversas lembranças dominarem os dois.
apoiou as mãos na cintura da menina e a puxou para mais perto. Ela ria baixo, tentando controlar suas carícias. Eles estavam escondidos entre os corredores da escola, fugindo um pouco do baile que rolava no ginásio. O rapaz levou os lábios até o pescoço de , que tentava, inutilmente, não ceder a suas investidas. Eles tinham começado a sair nos últimos dias de aula, o que para muitos era uma total loucura. Com a formatura, o normal seria cada aluno seguir seu novo rumo, os antigos casais, já consolidados, encontrarem uma forma de ficarem juntos e os solteiros buscarem novos pretendentes, mas na faculdade que escolheram. Mas quando a atração fala mais alto que a razão não há jeito. Uma bolsa de estudos na Universidade da Califórnia, do outro lado do país, não foi o bastante para manter longe de , o rapaz parecia ser tudo aquilo que a menina sempre desejou. E por que abdicar dele, se ainda teria algumas semanas para aproveitar?
- . – ela murmurou, chamando atenção do rapaz. Ele se afastou um pouco e olhou em seu rosto. – Acho que devemos voltar para a festa.
- Eu não concordo. – sorriu de um jeito meio safado, colando mais seus corpos. – Mas concordo que deveríamos sair daqui.
E assim eles correram pelos corredores vazios, em direção ao estacionamento. Por mais isso fosse o mais clichês, eles não se importaram. Amassos no carro, no estacionamento da escola no dia do baile deveria ser uma regra seguida por todos os alunos. Como se fosse mais um rito de passagem ou como mais uma “atividade extracurricular”. Mas soube que era momento de parar quando sentiu uma ação mais atrevida de , o rapaz já tinha aberto metade do zíper do vestido dela. Ela sentou-se e voltou a fechar o vestido. Se amassos no estacionamento era clichê, perder a virgindade ali seria quase uma cena de filme adolescente. E isso não estava no roteiro da vida dela.
Ela esperou pacientemente que se acalmasse e ficou rindo enquanto o menino fechava os olhos, se concentrando em qualquer outra coisa. E assim se passaram uns dois minutos, até que ele abriu os olhos e respirou fundo, antes de vestir seu paletó e ajeitar seu cabelo. Eles saíram do carro, entrelaçaram seus dedos e fizeram o caminho de volta ao ginásio.
sentiu seu coração falhar numa batida e suas mãos suarem. Não era justo que ele ainda tivesse esse poder sobre ela. E menos justo ainda que eles estivessem ali, naquele ginásio, onde lhe trazia tantas recordações que ela lutou para esquecer. A realidade é que ela nunca esqueceu . Era como se ele fosse uma página não resolvida do livro de sua vida. Uma página que ficou pela metade, uma história incompleta. Onde o “fim”, não foi realmente um final. Não pra ela.
Encarar aqueles olhos, mesmo à distância, fez algo se mexer dentro de . Era um pouco estranho pra ele olhar para depois de tanto. Porque por mais que o namoro deles tenha durado pouco, ele sempre guardou suas lembranças com muito carinho, como se ela tivesse um lugar especial guardado em sua memória. Afinal, todo garoto lembra com carinho de sua primeira vez. E com não seria diferente.
estava meio que escondida entre os arbustos que cobriam a lateral da casa de e observava a movimentação do lado de dentro. Ela ouvia uma voz feminina cantando uma música que tocava no rádio, o que denunciava a presença da sua sogra. Ela riu ao pensar na palavra, era difícil pensar no como seu namorado, ainda mais na véspera de sua partida. No dia seguinte ela estaria embarcando para a Califórnia e não sabia quando poderia voltar para vê-lo. Alguns minutos depois ela viu uma mulher morena saindo pela porta da frente e andando apressadamente até o carro. Esperou mais alguns segundo antes de sair de seu quase esconderijo, para que o caminho estivesse completamente livre. Deu a volta na casa e olhou para a janela dos fundos, a que ela sabia ser do quarto de . Ela estava aberta e um barulho podia ser ouvido saindo dela, ele estava acordado. Dias antes ele a levou até ali e, numa conversa casual, comentou que a porta dos fundos sempre ficava destrancada quando tinha alguém em casa. girou a maçaneta e viu que estava realmente aberta. Ela se esgueirou pelos corredores e subiu as escadas sem fazer barulho. tocava distraidamente sua guitarra, quando viu a porta de seu quarto abrir e entrar rapidamente. A menina fechou a porta e encostou suas costas na mesma e suspirou. Ele fez menção de se levantar, mas ela levantou a mão, fazendo um movimento para impedi-lo, então ele voltou a sentar. mordeu o lábio inferior e encarou o teto, como se buscasse coragem para fazer alguma coisa.
- , o que você tá fazendo aqui? – o menino perguntou, colocando o instrumento apoiado no colchão.
- Eu vi a sua mãe saindo quando estava lá fora. Sabe se ela vai demorar? – a menina falou, ignorando sua pergunta.
- Ela foi trabalhar, deve voltar só à noite. Por quê? – perguntou, vendo a menina respirar fundo antes de responder. Ela tinha tempo, seus próprios pais também estavam trabalhando e agora não precisava se preocupar com a volta repentina de sua sogra.
- Você sabe que eu vou embora amanhã, não sei quanto tempo nós vamos ficar sem nos ver. Então eu pensei muito e tem uma coisa que eu quero fazer antes de ir. Tá sendo difícil fazer isso, então, por favor, não fala nada. – dizendo isso, ela levou as mãos até a lateral do vestido florido que usava e puxou um zíper que ali tinha. Depois puxou as alças e deixou com que o vestido caísse aos seus pés. Com as mãos visivelmente trêmulas, ela olhou para e esperou por alguma reação. O rapaz continuou sentado na cama, encarando a menina um tanto que boquiaberto. Sua cabeça estava a mil, tentando processar o que estava realmente acontecendo. – Bem, se você não quer. – disse, se abaixando para pegar o vestido. Mas foi mais veloz e se aproximou da menina, fazendo com que ela voltasse a se encostar na porta.
- Não, não é isso. – ele disse apressadamente. – É claro que eu quero, você só me pegou de surpresa. – sorriu de lado, colocando as mãos na cintura da menina. Os dois estremeceram com o contato, mas tentaram manter a calma. – Não precisa fazer isso só porque você vai embora. – sussurrou, vendo erguer os olhos e encarar os seus.
- Não, , eu estou fazendo isso porque eu quero. Eu quero você. – dito isso, seus lábios se encontraram pela primeira das muitas vezes daquela manhã. Os encontros e desencontros de seus corpos foi tão intenso quanto a ocasião permitia. Houve dor, houve medo, mas houve muito desejo. Desejo esse que sobrepujou qualquer outro sentimento. Quando saiu novamente pela porta dos fundos, os dois, um de cada lado da porta, sabiam que aquelas poucas horas daquela manhã de quinta-feira ficariam na guardadas na memória dos dois, independente do que acontecesse.
A pequena felicidade que aquelas lembranças trouxeram aos dois foi logo substituída pelo desconforto dos acontecimentos posteriores. Ninguém fica feliz com o término de um namoro, ainda mais quando não se teve tempo o bastante para entender o quanto aquele relacionamento era importante ou quando se teve tempo bastante para isso, mas a resposta não era a desejada. A realidade é que todos que se dispõe a entrar num relacionamento desejam que ele dê certo, que os sentimentos se desenvolvam, aumentem e que eles sejam felizes para sempre. O grande problema é que, na maioria das vezes, isso não acontece. Problemas aparecem, situações complicadas surgem, pessoas se afastam. E fica mais complicado ainda contornar os problemas quando se adiciona a distância. Uma relação saudável necessita de convivência, de contato. E quando há um país os separando, não há casal que resista. Não foi diferente para e .
Nas primeiras semanas de na Califórnia, eles se falavam todos os dias, havia aquela dorzinha no peito de saudade, aquela vontade de ultrapassar a barreira virtual que a tela do computador se tornou, ou se enrolar pelos fios do telefone e se materializar do outro lado. Mas o tempo foi passando e a emoção acabando. Não havia mais, de ambas as partes, aquela espera desesperadora pelo momento em que se falariam. Eles arrumaram novos amigos, novas companhias e novas pessoas que os faziam sentir bem, como eles deveriam se sentir quando estavam juntos. Algumas noites a ligava e ela se mantinha em silêncio, pois aquilo que estava entalado em sua garganta poderia ser difícil demais para tratar pelo telefone. O ritmo da faculdade aumentou, a saudade diminuiu e só voltou a pensar realmente em quando recebeu a passagem de avião pelo correio. Depois de um pouco mais de três meses na Califórnia, seus pais não aguentavam mais de saudade e queriam ver sua filha. A menina viu isso como uma chance de tirar aquela sensação que tanto lhe incomodava. Ela pensava que só ela que se sentia assim, estranha, errada. Sempre imaginava como o rapaz se sentia perante essa situação. O que ela não sabia era que ele se sentia da mesma forma.
estava na casa dos pais há algumas horas e ela tinha certeza que sabia que ela estava na cidade, então não podia apenas fingir e ignorá-lo. Pediu licença para os pais e caminhou lentamente até a casa do namorado, repassando mentalmente tudo que havia ensaiado para lhe dizer, por mais que ela soubesse que nada sairia como no planejado quando chegasse lá e olhasse para ele. Só precisava de uma resposta, uma única palavra e tudo mudaria. Ela bateu na porta e a mãe de atendeu, lhe abraçou e disse como era bom tê-la de volta na cidade. O sorriso amarelo que deu em resposta a envergonhou, mas não deixou se abater. Sua quase ex-sogra disse que estava no quarto que ela poderia subir e assim fez. Parou em frente à porta e lá ficou por alguns instantes, tentando encher-se de coragem, coragem essa que nunca seria o bastante. Vendo que não tinha mais escapatória, ela bateu na porta e esperou uma resposta.
Quando ouviu as batidas, algo dentro dele se revirou, ele sabia que era . Não que ela tivesse uma batida característica ou algum tipo de código, ele apenas sabia. Como se aquele som fosse algo como uma marcha fúnebre para o relacionamento deles. Ele sabia que ela estava na cidade, soube no momento em que ela pôs os pés para fora do avião. Os amigos lhe contaram e estranharam o fato dele não saber que até então namorada estava de volta por dois dias e ele não sabia. só respondeu: “As coisas estão meio estranhas.” e ninguém perguntou mais nada.
- Entra. – ele disse baixo, vendo o rosto da menina surgir na porta.
- Oi. – ela murmurou, sorrindo de lado. Mais um de seus sorrisos forçados.
- Oi. – retribuiu da mesma forma. E assim ficaram se encarando por alguns segundos. Os dois tentando repassar o que tudo o que haviam pensado, mas era difícil demais tendo o outro bem a sua frente.
- Eu acho que tenho que explicar umas coisas. – começou a dizer, entrando no quarto. Ela fechou a porta e caminhou até uma poltrona, sentando-se de frente para . – Sei eu devia ter te avisando que eu estava vindo, mas acho que isso tornaria as coisas piores.
- E por quê? – ele perguntou, tentando entender o raciocínio da garota.
- Porque seriamos dois pensando no que falar, certo? – ela suspirou, passando a mão pelo cabelo. – Imagino que não tenha sido fácil pra você lidar com isso. – apontou para os dois, vendo-o afirmar com a cabeça. – Por isso eu não quis criar uma expectativa, uma ansiedade ruim.
- Então eu acho que você andou pensando na gente, certo? – comentou, fazendo olhar em seus olhos. – Pode falar.
- Eu só tenho uma pergunta e a resposta dela vai definir a continuidade disso tudo. – pela forma que a frase terminou, sabia que não estava falando apenas da conversa. Ele parecia preparado para qualquer coisa que ela pudesse perguntar, qualquer coisa. Menos para o que realmente veio.
- , você me ama?
O rapaz perdeu o fôlego por alguns segundos e não conseguiu responder nada de imediato. Ele sabia que uma resposta rápida era tudo o que queria, pois algo diferente disso já poderia ser entendido de outra forma. Mas como ele poderia agir de outro jeito, se a realidade estava bem clara pra ele: ele não a amava, não ainda. Ou, pelo menos, não sabia. Mas como ele conseguiria falar um belo e sonoro ‘não sei’ na frente de , olhando nos olhos dela? Era difícil demais. Era malvado demais. Pareceria que ele não sente nada por ela, poderia soar como se ela não tivesse sido nada pra ele e isso seria um erro. Ela era especial demais para isso.
- Eu acho que se a resposta fosse boa... – voltou a falar, tirando de seus próprios pensamentos. – Eu teria ouvido no exato momento da pergunta. – a voz da menina estava baixa. Ela só precisava de uma resposta, uma palavra para que ela tivesse a certeza de que eles poderiam consertar tudo, para que ela soubesse que eles não terminariam tudo ali, naquele momento. só queria ouvir uma única palavra, só que ela nunca veio.
- , não é isso. – se apressou em falar. – É que, eu não sei. Não posso dizer que te amo se não tenho certeza. Se eu nem sei que sentimento é esse. E com você tão longe, talvez eu nunca saiba.
- Então você não ama. – a menina deu de ombros, como se não importasse muito. – Porque se amasse, eu acho que você saberia.
- Não tire conclusões precipitadas. – ele pediu, pegando uma das mãos da garota e colocando entre as suas. – Eu queria muito, muito mesmo que nós tivéssemos dado certo. Você é muito importante pra mim, . Você é minha primeira namorada, foi minha primeira garota e terá um lugar na minha memória para sempre. Mas é que a distância acabou com tudo, às vezes eu queria você do meu lado, queria alguém perto de mim e, simplesmente, não tem como.
- . – ela disse, colocando a outra mão por cima da dele, fazendo-lhe um carinho. – Não se sinta mal.
- Deus sabe como eu queria te abraçar agora e falar que nós poderíamos lidar com isso, . Ele sabe como eu queria te amar...
- Mas você não ama. – disse, sorrindo de lado, segurando o choro que viria a qualquer momento. – Acho que as coisas nem sempre são como nós queremos, não é?
Aquela última frase de ficou na cabeça de durante muito tempo. Depois que ela foi embora naquele dia, eles devem ter se visto umas duas vezes, sempre de longe sem muito contato e nem ao menos um ‘oi’. Não que eles tenham desejado esse afastamento, mas foi mais como se a vida quisesse essa distância, como se eles não tivessem nascido para ficarem juntos. Apenas isso. Sem mágoas, sem tristeza. Somente as lembranças dos bons momentos e a eterna dúvida de como teria sido se tivessem ficado juntos. Eles eram jovens demais, confusos demais. Quem poderia saber ou garantir que teria dado certo no final? Ou que não teria dado certo...
Essas dúvidas permeavam a mente de e a faziam pensar nisso com mais frequência do que ela realmente desejava. A sensação de ter desistido rápido demais, fácil demais, fazia seu coração apertar e tudo estava pior agora, enquanto olhava para .
Aqueles poucos segundos tinham feito tudo voltar de uma forma muito rápida e muito forte: as lembranças, os sentimentos, os arrependimentos... Foi tudo tão inesperado, que o rapaz foi pego de surpresa. não estava pronto para sentir nada disso, aliás, ele nem imaginava ainda sentir qualquer uma dessas coisas.
- Ele está namorando, pelo o que eu soube. – Rachel, uma amiga antiga de comentou, entre um gole e outro de sua bebida, fazendo a menina desviar o olhar.
- O que? – perguntou rapidamente, se fazendo de confusa, como se não estivesse interessada no assunto.
- O . – a amiga apontou com a cabeça, vendo o rosto de ficar levemente vermelho, porque o rapaz ainda olhava na direção. – Sem esposa, filhos... Só uma namorada.
- O que isso importa, Rachel? – falou, rolando os olhos e virando o corpo, para que ficasse de costas para o rapaz.
- Bem, você parecia se importar. – ela comentou, olhando mais uma vez na direção do rapaz. – E ele também, porque continua olhando pra cá.
- Mas não importa. – quis dar um fim àquele assunto, porque a deixava mais nervosa e afetada do que ela queria. – Nem pra mim e muito menos pra ele.
- Ele está vindo pra cá, então eu acho que você poderá perguntar pra ele, se quiser... – Rachel deixou a frase morrer, antes de dar as costas e fazer com que as outras pessoas que estavam por perto, irem com ela até a mesa de comidas. mal teve tempo para se preparar, porque antes mesmo do que imaginou, sentiu a aproximação de alguém e, em seguida, aquela mesma voz preencher o ambiente.
- Oi. – estava parado, com uma expressão meio confusa, como se não estivesse certo se deveria ter ido até lá falar com ela ou não. – Quanto tempo... – completou, de forma casual, passando a mão pelos cabelos.
- Oi, . – a menina sentiu certa dificuldade em dizer seu nome em voz alta, ainda mais por não sentir confiança na sua própria voz. – Realmente, tem muito tempo. – Tinham se passado quase quinze anos, mas ali, naquele momento, se sentia uma adolescente de novo. Era como se eles estivessem no primeiro encontro, ou quando o rapaz a convidou para ir ao baile com ele. Ela levantou os olhos, o encarando pela primeira vez. Notou como o rosto dele tinha perdido os traços juvenis e que agora ele estava com uma aparência adulta, com uma barba bem aparada, o cabelo num corte um pouco maior do que costumava ser, uma postura mais imponente, mas uma coisa não tinha mudado: o seu sorriso. Estava encantador como sempre. E percebeu que aquele momento seria terrível pra ela no futuro, porque se já surgia em sua mente sem que ela quisesse antes, quando não se viam há anos, imagine agora.
- Você tá... Muito bonita. – disse, sem perceber. Mordeu o lábio inferior, vendo abaixar a cabeça, como se estivesse envergonhada. – Me desculpa se fui indelicado.
- Não tem problema, você tá muito bonito também. – ela foi sincera, tentando deixar a sua apreensão de lado.
- O que você... – o rapaz ia falar alguma coisa, mas foi interrompido pelo seu celular que tocava. Ele se desculpou rapidamente, pegando o aparelho e vendo que era Emma que ligava. olhou de relance para o celular, vendo a foto da namorada no visor. Desviou o olhar o mesmo momento, como se fosse um claro sinal do universo para que ela caísse na real.
- É melhor você atender. – a menina falou, antes de sorrir de lado e dar as costas ao rapaz e caminhar até onde os seus antigos amigos estavam. Naquele momento, ela sentiu que não estava dando as costas apenas para ele ali, agora, era como se fosse uma chance de dar as costas para o passado de uma vez por todas. Se ver livre daquele sentimento a que a prendia a algo que nunca foi real. E que não tinha a menor chance ser um dia.
viu se afastando e algo no olhar dela o levou quinze anos de volta no passado. Ela tinha a mesma tristeza no olhar, transmitia o mesmo sentimento do dia em que terminaram. Sentiu um aperto em seu peito e uma sensação estranha, de que tinha assuntos pendentes entre eles. A verdade é que nunca se permitiu pensar em , porque não queria descobrir qualquer sentimento por ela, depois que tinham terminado. Ele não queria ser uma daquelas pessoas que percebe que ama alguém, só depois que perde. Ela estava do outro lado do país, ele tinha que aceitar que algumas vezes as coisas que davam certo. se forçou a aceitar isso. Mas talvez não devesse. O telefone em sua mão continuava tocando, e Emma parecia o encarar através da foto em seu celular. Era como se ela tivesse adivinhado. Será que se tivesse tido a chance, ele sentiria por a mesma coisa que sente por Emma? Será que esse questionamento que surgiu em sua mente já coloca em dúvida todas as certezas que ele pensava ter? Será que a resposta para a pergunta que o fez anos atrás era “sim” e ele só tinha percebido agora? Será que é por isso que sentiu seu coração acelerar tanto quando colocou os olhos na menina? Ou por ter pensado constantemente que a encontraria nessa festa e isso ter se tornado um dos principais motivos de ter vindo.
estava confuso. Mais que confuso, era a própria confusão. Era como se o seu eu de dezoito anos tivesse tomado conta do seu corpo e todas aquelas sensações e sentimentos tivessem voltado. Agora suas duas vezes, passado e presente, estavam travando uma batalha interna, para decidirem o que ele deveria fazer: ligar para Emma, seguir sua vida com sua namorada, para um dia se casar e construírem uma família; ou obedecer suas pernas e caminhar até , para ouvir para palavra do que ela tenha para lhe dizer, só porque ele sentia saudades de sua voz. Sentia saudades e nem sabia. Aparentemente, havia muitas coisas dentro dele que ele não sabia que estavam lá.
Emma desistiu depois da terceira ligação, enquanto continuava parado no mesmo lugar, com seus olhos presos em e sua mente perdida em pensamentos. Ele não sabia o que fazer, estava divido entre o que deveria e o que queria. Ele deveria ligar para Emma, saber o que ela queria, talvez tivesse acontecido alguma coisa. O que ele queria era sentar numa daquelas mesas e ouvir falar a noite toda, contar cada coisa que aconteceu em sua vida, para que ele não sentisse mais aquela sensação incomoda de ter algo que ele deveria saber, mas não sabe.
Mas o que ele, realmente, queria era caminhar até e responder aquela pergunta que ela fez muitos anos atrás. Já que agora ele, finalmente, parecia ter uma resposta. Se ainda se sentia dessa forma, ele a amou. Amou mais do que sequer imaginou ou cogitou. Mais do que ele pensava que poderia ou deveria. Só que a grande questão era: ele ainda a amava?
Ele teria que descobrir.
Como? Não sabia, mas iria.
Mesmo depois de todo esse tempo.
Fim.
Nota da autora: Eu amei demais essa música, Camila tá de parabéns!
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