02. Another One Bites the Dust

Finalizada em: 15/07/2018

Capítulo Único

14 de fevereiro de 1929 - Chicago, Illinois

Olhando para os lados, preocupado e com uma leve angústia em seu peito, estava tentando se preparar para a missão do dia dada pelo seu patrão. Todos os dias em que ele acordava para trabalhar, se perguntava se estava no trabalho certo, arriscando sua vida enquanto tinha uma esposa e sete filhos para cuidar em casa. Ele era novo, pensava, o que podia fazer para escapar da súbita morte, ele faria. Mas também não poderia ficar de mãos atadas. já não dependia mais de seus pais, agora eram seus filhos que dependiam dele.
Mas algo naquele dia não só mexeu com ele, mas também com sua esposa.
acordou estarrecida. Sonhou que alguém entrava em sua casa e fazia seus filhos de refém. Naquela semana inteira, um pressentimento estranho a estava percorrendo, algo que ia além de seu trabalho de cartomante.
- , - falou ao ver o marido escovando os dentes dentro do banheiro da suíte do quarto de casal deles, observando-o encostada no batente da porta - porque você não larga esse emprego? - engoliu em seco ao ver o olhar do marido a assombrar pelo espelho. - É sério, - ela continuou - você sabe o quanto é perigoso mexer com máfias. Esse tal de Moran só te chama para fazer trabalho sujo. Se contente com seu emprego de mecânico, por favor. Você sabe que meus pais podem nos ajudar. E caso precisemos de mais dinheiro, sabe que podemos contar com os seus também.
Nessa altura da conversa, já havia terminado de escovar o dente e agora passava em frente a sua mulher, ignorando o que ela havia acabado de falar, e indo diretamente para o armário, onde pegou seu uniforme.
Ele pensou muito antes de falar qualquer coisa, pois já havia não apenas conversado, mas também brigado, diversas vezes sobre isso com . Ela insistia em criticá-lo e ele fingia que não escutava. Aquele trabalho era seu ganha pão e ele não podia o largar apenas porque sua mulher queria. Aliás, como eles viveriam sem aquele dinheiro?
- , quantas vezes eu vou ter que falar que não podemos depender dos outros? Que, a partir do momento em que decidimos morar sozinhos com nossos filhos, a responsabilidade caiu em cima de nós e ela nunca mais irá embora? - ele arrumava sua meia e sua bota enquanto a olhava. roía as unhas, sempre no sabugo, e olhava para ele preocupada. - Vamos nos contentar com a vida que temos. Por favor.
Dessa vez o homem levantou e foi até a esposa. Selando seus lábios rapidamente e segurando seu rosto, olhou-a no fundo dos olhos e disse.
- Confia em mim. Eu não vou morrer.
engoliu em seco mais uma vez e abaixou os olhos. Sua preocupação com ele era gritante, mas ela também não podia fazê-lo desistir do trabalho se era o que fazia ele feliz - apesar de ser extremamente perigoso. Aquela decisão era apenas dele.

O resto da manhã teria sido calmo se não tivesse visto algo acontecer diante de seus olhos. Algo que ela esperou uma vida inteira para não ver. Todo dia que ela previa algo em suas previsões de futuro para família, ela rezava para não encontrar aquilo. Mas até suas previsões podiam errar. E agora ela percebia que havia errado.
- Me dá isso. Agora - falou séria enquanto deu um salto de susto. Ele havia ido até o lavabo para pôr sua arma por dentro de seu uniforme justamente para não ser visto. Sua expressão de desespero rapidamente mudou para uma séria, fingindo que nada estava acontecendo, mesmo ainda sentindo seu coração bater forte.
- Dar o quê? - terminou de se arrumar e ia passando, quando, de repente, o segurou pelo braço, passando a mão pela lateral do corpo dele e sentindo a arma.
- Isso - ela disse firmemente se referindo ao objeto.
engoliu em seco, dando-se por vencido e abaixou a cabeça tirando a arma de dentro do uniforme. Ele sabia o que estava por vir quando escutou o suspiro pesado da mulher.
- Eu não vou nem fingir que não estou puta com isso. Você poderia fazer qualquer coisa, qualquer coisa! Mas uma arma, ? Nós temos sete crianças em casa! Você perdeu a noção? - os olhos de quase pulavam de seus olhos e a vontade do homem era de falar alguma coisa para que aquela briga terminasse logo. Mas parecia que ela havia apenas começado. - Eu não sei nem o que eu faço com você. Sinceramente, minha vontade é de sumir. Porque parece que tudo que eu falo para você, entra por um ouvido e sai pelo outro.
- Amor, você tem que entender que…
- Não me venha com ‘amor’, ! Você perdeu a noção de qualquer coisa - ela falou enfurecida e, sem perceber, uma ideia passou pela sua cabeça. Uma ideia que seria a melhor coisa para aquele momento. Para aquele casamento que nenhum dos dois se entendiam, se escutavam. Aliás, do que vale o amor se não há compreensão? - Quer saber? Eu quero que você saia dessa casa. Pega suas trouxas e sai daqui. Eu não quero mais ver a sua cara!
No momento em que o homem escutou isso, um desespero bateu em seu peito. Seu coração parecia ter sido esmagado. Ele queria pedir desculpas, falar que ele levava uma arma com ele apenas por segurança, mas não conseguia. Sua percepção do que estava acontecendo ali, viu que ele não teria voz. Que sua única chance era se fazer de forte e colocar em sua cabeça que ele só queria o bem de sua família, coisa que não entendia.
Ao ver que realmente iria fazer o que ela mandou, a mulher encostou-se na parede do lavabo, jogando seu corpo contra o local, desistindo. Viu o homem desaparecer entre os outros cômodos. Apenas quinze minutos depois ele reapareceu, olhou para a direção dela como quem diz ‘perdão’ e saiu pela porta.
O que eles não esperavam é que aquela era realmente a última vez que iriam se ver.

Por alguns minutos, se arrastou pela rua. Seus pés, preguiçosos, acompanhavam seus pensamentos. Antes tristes, pensando no que havia acabado de acontecer, e no minuto seguinte, firmes. Não porque ele havia mudado de ideia. Mas sim porque vira uma movimentação estranha na rua. Seus pés agora batiam e soavam forte contra o chão e o guiavam até aquela pessoa que ele logo reconheceu.
- O que está acontecendo aqui, Albert? - falou perto do homem alto e o outro rapidamente olhou para sua direção, reconhecendo o companheiro da gangue.
- Por Deus, . Quer morrer também? - o mais velho falou mostrando que estava com uma arma na mão. engoliu em seco ao lembrar de e tudo que havia acontecido. Ele poderia ter visto sua vida passando por seus olhos, se não tivesse sido atrapalhado pela resposta que Albert deu para sua pergunta. - Moran nos chamou para uma reunião hoje, não lembra? Com Kachellek.
- Sim, eu lembro, mas… - tinha rugas na testa, ainda tentando entender o que a reunião tinha a ver com pessoas saindo de centro comerciais como se o mundo tivesse acabando e lojas sendo fechadas. - O que está acontecendo? - ele perguntou novamente, dessa vez com medo de saber a resposta.
- Nos descobriram - Albert falou calmamente como se fosse a coisa mais óbvia do mundo enquanto a feição de agora mudava para uma de desespero. - Eu diria para a gente fugir, porque seria o mais sensato, mas dá tempo de a gente ir até a garagem antes dos homens de Al Capone encontrarem a gente.
A voz de havia sumido e seus pensamentos, atordoados, agora eram uma mistura de tudo do que ele havia vivido naquele início de dia. Será que havia previsto aquilo? Ele preferiria não pensar naquilo, mas foi involuntário quando até um arrepio percorreu pelo seu corpo. Não era a primeira vez que ele ficava com medo de morrer, mas aquela sensação que lhe tomou era mil vezes pior. Era como se ela fosse iminente.
- Vamos! Rápido! - Albert o puxou pelo braço e eles começaram a andar ligeiros, quase correndo. Uma massa de pessoas agora parava próxima da rua onde eles sempre se encontravam, o que fez os dois homens pararem de correr e andar mais calmamente.
Albert ainda conseguiu agir normalmente, dando sorrisos como se nada estivesse acontecendo, enquanto ainda estava tonto com tantos acontecimentos no mesmo dia. Naquela hora do dia, ele até se arrependia de estar metido com aquilo.
Depois de conseguirem passar por todas aquelas pessoas e as despistarem, Albert e seguiram pelo beco que dava na entrada lateral da garagem e adentraram o local, onde foram recebidos pelos outros colegas de gangue.
- Eu pensei que vocês nunca fossem chegar! - Kachellek disse. - É melhor esperarmos o movimento acalmar e sairmos daqui. Ir para o topo do prédio de Adam. Talvez eles não nos achem.
- Eu não contaria com isso - Albert se pronunciou, mesmo sabendo da possibilidade de levar um fora do braço direito de seu patrão.
- E será que eu posso contar com você? - o mais velho retrucou.
O silêncio celestial pairou por ali e tudo que eles poderiam escutar agora era o zumbido da falação que vinha do exterior do ambiente. Demorou cerca de vinte minutos para tudo se acalmar. E mais trinta minutos para eles terem certeza que poderiam sair dali. Mal eles sabiam que haviam esperado demais.
- Certo, vamos cantar para sair - Kachellek disse pegando sua maleta e, infelizmente, teve o desprazer de ouvir o barulho de metal da porta da garagem se abrindo. O tempo de ele abrir a mala, puxar sua arma, confirmar que estava carregada e pronta para atirar, foi maior que o ideal. Antes mesmo dele levantar seu braço, o outro foi baleado. E então mais uma vez. E, por último, uma terceira vez.
Agonizando e tomando a atenção dos outros seis homens do local, Kachellek deteu-se a morte e com apenas uma lágrima sentiu o último batimento de seu coração. Foram segundos. Segundos. Para que começasse a verdadeira matança.
Primeiro foram os dois Gusenbergs. Os irmãos morreram lado a lado, com o último olhar pregado um no outro. Aquele que havia encontrado , Albert Weinshank, foi confundido com Moran e morreu no lugar de seu próprio patrão. Adam e Reinhart também sentiram as balas entrando em seus corpos e tendo a certeza que nunca mais veriam um pôr do sol.
E, por último, teve três partes do corpo também baleadas. Seu coração já não batia bem fazia horas, mas, no momento em que ele parou de vez, sabia que havia cometido um erro brutal. Que não tinha volta.

tinha as mãos ocupadas fazendo o jantar para sua família quando ouviu o locutor da rádio dar mais uma notícia de última hora. Aquele dia, que devia ser apenas mais um 14 de fevereiro na América do Norte, com vários casais saindo para fazer suas coisas, havia se tornado numa catástrofe. Já tinha perdido as contas de todas as barbaridades que havia escutado e agora estava prestes a escutar mais uma.

“E tudo que a gente precisava era de mais uma notícia de tragédia para fechar o dia. Nesse dia de São Valentim, infelizmente ocorreu uma luta de gangues no Lincoln Park, em Chicago. Aparentemente morreram sete pessoas e um cachorro foi salvo. Os identificados pela família até agora foram os irmãos Peter e Frank Gusenberg e Reinhart Schwimmer. Se algum de nossos ouvintes souberem de informações sobre Bugs Moran, por favor, telefone para nossa rádio ou para polícia. Meus pêsames para os parentes dos falecidos.”

A faca que antes estava em sua mão, agora estava caída na pia. Seu rosto, antes preocupado, agora era de espanto. realmente queria acreditar que não estava nesse meio. Mas seu coração, infelizmente, lhe dizia que sim. Ele tinha sido teimoso o suficiente para fazer a maior burrada de sua vida.
As primeiras lágrimas caíram de seu rosto quando ela pegou o telefone e discou o número da polícia. Ela queria saber se tinham achado algum documento de no meio e rezava para que não. Algum pedaço dela ainda tinha fé. Mas quando ouviu do policial William que ela tinha de comparecer para a confirmação de que o corpo era de seu marido, ela tinha certeza que ele estava morto.
Depois daquilo, ela não conseguiu conter mais nenhuma lágrima. nem sabia como iria para o tal endereço que o policial havia lhe dado, mas sabia que tinha de ser logo. Portanto, rapidamente ligou para sua mãe e pediu para deixar as crianças com ela. Era difícil lidar com sete, mas ela conseguia. Mas com a morte do pai delas já eram outros quinhentos.
A sorte era que a casa de sua mãe era perto, pois assim que as deixou lá, correu para pegar um ônibus e seguiu para o local de encontro.

Não foi difícil reconhecer o corpo de . Seu rosto estava intacto, apesar de seu corpo ter sido baleado vezes até demais que não queria contar. Vê-lo daquela forma era como se fosse um pesadelo. Um pesadelo real demais.
Ela nem lágrimas tinha mais. Tudo que conseguia fazer era tremer. Era pensar como ela viveria dali para a frente. O que ela faria para colocar comida em casa. E, principalmente, o que ela diria para seus filhos quando chegasse em casa.
A dor a consumia e seus pensamentos a deixavam zonza. Ela precisava sair dali.
A volta foi pior que a ida pois ela não via a hora de dormir, acordar e perceber que era tudo mentira. Que nada daquilo estava acontecendo. Ela queria tirar aquele dia de sua vida.
Assim que chegou a casa de sua mãe, todos seus irmãos já sabiam do que havia acontecido. Logo mais começariam os telefonemas dos parentes de e a coisa ia, finalmente, virar um escarcéu.
- Mãe, - ela chamou a atenção da mulher que agora via os netos comerem - será que você deixaria a gente dormir aqui hoje? Eu não sei se tenho estômago para voltar para aquela casa. Não agora.
Dona Margareth deu um sorrisinho triste e passou a mão no cabelo da filha antes de falar.
- Claro que deixo, . Você está muito cansada. Precisa dormir mesmo. Quer que eu faça sua cama no seu antigo quarto?
- Obrigada, mãe - ela tentou sorrir, mas acabou fazendo uma careta. - E não precisa. Eu me viro. Só te peço para cuidar dos sete. Eles ainda não sabem de nada, né? - perguntou enquanto os olhava comer. Mais uma vez o desespero a tomou.
- Não, sabem não. Pode deixar que não irei contar.
- Obrigada. Mais uma vez - falou antes de dar um beijo na testa da mais velha e se enfiar em seu antigo quarto.
Ela precisava dormir. E não acordar nunca mais.

Para , acordar foi um inferno. Sair daquela cama era sinônimo de continuar a vida, coisa que ela não queria fazer.
Ela sabia que agora teria que não apenas ir, mas também organizar um velório. Do seu próprio marido.
Depois de deixar seus filhos na escola, seguiu para casa dos para dar o consolo que eles também precisavam. Aliás, ela não tinha sido a única que havia perdido alguém.
passou a manhã toda lá, respondendo às perguntas dos pais dele, falando que infelizmente ela sabia que estava metido com gangues, mas que não adiantava pedir para que ele saísse pois ele nunca havia a escutado.
Ela não sabia se mencionava a briga que tiveram no início do dia que ele havia morrido, aliás, nem sabia se faria diferença. Mas no final ela achou sensato contar tudo.
O resto do dia foi de preparativos para o velório e também de muita tristeza. Tudo que tocava na casa dos pais de seu falecido marido, era uma lembrança. Uma dor.
Foi apenas no final do dia, cansada e comendo um pouco, que ela percebeu que o processo do luto seria mais difícil do que ela imaginava. Pois ela precisaria ser forte não apenas por ela, mas pelos seus filhos e pelos seus sogros. Era uma dor que ela sempre levaria com ela, aonde quer que ela fosse.
- Durmam bem - falou depois do jantar, saindo pela porta e acenando.
Agora ela teria de esperar pelo dia seguinte. Pela verdadeira despedida.

Em nenhum momento, conseguiu pensar no lado bom da morte. Das coisas boas que ela viveu com ao seu lado. Ela estava amargurada, ainda tinha ressentimento do dia da briga. E ver todas aquelas pessoas com seus ‘pêsames’ e abraços e beijos e tudo mais, a faziam… doente. Ela não lembrava que era assim um velório.
Por isso decidiu se retirar, andar um pouco pelo cemitério e espairecer. Por ser cartomante e sempre ter tido um dom ligado à sua intuição, se dava muito bem com as energias que o ambiente emanava. Ela assumia que era doloroso perceber que tinha almas que pareciam querer ficar na terra para sempre. Mas, de alguma forma, ela sabia que tinha uma alma pura demais para querer ficar no lugar onde ele morreu.
Com aquele pensamento, o primeiro sorriso de depois do desastre aconteceu. Já fazia dois dias e ela precisava esquecer. Por mais terrível que fosse esquecer a pessoa que mais havia lhe acrescentado na vida. Aquele era o certo.
Quando ela voltou para a capela, o corpo de já estava sendo levado dentro do caixão para o local onde seria enterrado. No mais, aquele seria o fim.
Como de costume, as pessoas que restaram seguiram os homens que levavam a grande caixa, e jogavam sorrisos tristes para , que agora sorria de verdade para eles.
Uma vez que chegaram no terreno já escavado, engoliu em seco e começou a rezar. Não só pela morte, por , ou pela alma dele. Mas por ela. Para ela conseguir sobreviver o que viria pela frente. Para ela ser forte. E conseguir ser chamada de “viúva de ” para o resto de sua vida.
Quando o momento acabou, ela pôde virar as costas pensando apenas nela mesma. Sem preocupações e sem pensar no passado. O que ela havia passado nos últimos dias, ela não queria passar pelo resto da vida.
E no momento em que ela saiu daquele ambiente pesado com tantas energias misturadas, ela já tinha certeza de muitas coisas que ela não queria. Então ela precisava juntar os nãos e transformá-los num sim. E o sim da sua vida era viver.


FIM



Nota da autora: Oi oi, pessoas! Mais um ficstape entregue e mais uma história que não passa de dez páginas, hahahaha. Mas juro que um dia chego lá! Única coisa que vim aqui acrescentar são os dados de que temos aqui uma fic quase baseada em fatos reais. Como a música foi inspirada no Massacre de São Valentim, eu resolvi também me inspirar nisso e transformar algo real em algo irreal. É minha primeira fic que eu mato meu personagem principal também e espero que ninguém queira me matar também! :P
Beijos e até a próxima!



Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.


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