Última atualização: 21/12/2018

Capítulo Único

era uma daquelas pessoas que tinha verdadeira adoração pelos pequenos detalhes do cotidiano. Eram as pequenas coisas que causavam grandes sensações que chamavam verdadeiramente sua atenção.
Ela adorava o jeito que os pequenos grãos de areia entravam em atrito contra a pele na sola de seus pés quando decidia se refugiar em frente ao mar nos fins de tarde em que queria se esquecer da existência do resto do mundo. Amava a textura de diferentes tipos de queijo derretidos e como frutas como as uvas simplesmente explodiam entre seus dentes. Sempre corria pelas manhãs só para apreciar o choque que o toque do vento contra seu rosto lhe proporcionava. Gostava de purê de batatas, tomar banho ouvindo músicas dos anos 80 no volume máximo, ter flores espalhadas pela casa e observar o céu noturno. Dava qualquer coisa para poder interromper um dia de correria só para aproveitar um tempo com seu gato - que às vezes decidia não agir como se a odiasse.
Eram as coisas mais singelas que importavam de verdade. pensava que provavelmente aquilo tudo era um reflexo de sua vida cheia demais. Com os negócios da família, havia muito dinheiro, muitos eventos e muitos relacionamentos em jogo. Tinha sempre tanto a perder que só queria aproveitar cada minuto daquilo que tinha ganhado recentemente.
O corpo desnudo de repousava ao seu lado, como vinha acontecendo com alguma frequência nas últimas semanas. O prazer carnal somado ao apego sentimental pareciam estar preenchendo um vazio que ela tinha se negado por muito tempo a admitir que existia.
Com os olhos ainda fechados, sua mente repassava os últimos momentos vividos, lembrando-se perfeitamente de cada som e cada movimento que a tinham guiado ao mais puro êxtase. Sorriu sozinha, enquanto inalava o aroma do perfume masculino que já impregnava o tecido fino de suas fronhas.
não se sentia daquela forma há mais tempo do que era verdadeiramente capaz de se lembrar. Nunca seria capaz de definir a encantadora surpresa que fora encontrar aquele homem engravatado em uma das reuniões de negócios mais entediantes de toda a sua vida. Enquanto fingia prestar atenção em um monólogo qualquer de uma mulher cujo nome ela mal se recordava, bebericava seu vinho branco, olhando de soslaio para aquele ilar bem definido e pensando em como aquela gravata poderia ser útil em um local mais reservado do que aquele.
Em meio àqueles olhares furtivos e sorrisos completamente abarrotados de segundas intenções, tinha parado em sua cama e, desde então, não dava sinais concretos de que pretendia sair.
Toda essa avalanche de lembranças agradáveis acabou de uma vez só, quando a mulher percebeu uma movimentação anormal e inesperada sobre as molas do colchão king size. Franziu o cenho, tentando se acostumar com o nível da iluminação ambiente e compreender o que realmente estava acontecendo ali.
? O que houve? Que horas são?
O homem já trajava novamente suas calças pretas, encontrando-se no processo de afivelar o próprio cinto à cintura. Praticamente não a olhou quando decidiu responder à sua pergunta, parecendo interessado demais em se vestir rapidamente.
— Preciso ir, . Tenho uma reunião bem cedo e o trânsito até lá é infernal. Se eu levar mais vinte minutos aqui, já é capaz de me atrasar.
A mulher estreitou os olhos novamente, em um misto de desentendimento e sonolência. Quem disse que sonhar acordada não dava sono?
— Mas ainda são quatro e meia da manhã. Quem marca uma reunião tão cedo?
— Negociantes importantes de países com um fuso horário completamente diferente do nosso. Eles acham que podem ter o mundo a seus pés na hora que bem entenderem. E eles podem mesmo.
A mulher esboçou um biquinho, não querendo permitir que o rapaz fosse embora. Não queria ficar naquela cama vazia - e grande demais para um só - até o raiar do sol. Sabia que não conseguiria dormir depois daquilo.
depositou um beijo rápido em seus lábios e se retirou com um sorriso e um aceno. A mulher fez uma careta incomodada ao ouvir o som da porta se fechando atrás dele.
Ao olhar novamente para o horário no relógio, não conseguiu conter um suspiro da mais completa frustração. O que ela não sabia era que aquela não seria a última vez na qual aquela sensação ruim, que passeava entre a garganta e o estômago, causaria aquele desconforto.
Provavelmente era esse o motivo de ela ainda conseguir retomar o sono com tanta facilidade. E isso era algo que ela aprenderia a valorizar com o tempo.


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tinha acabado de sair de uma reunião que tinha ocupado longas horas de sua preciosa manhã. Estava simplesmente exausta. Ainda podia ouvir o zumbido residual das discussões acaloradas e das canetas que não paravam de clicar em vários pontos daquela longa mesa retangular. Usava as pontas de seus dedos para esfregar avidamente as pálpebras, deixando de se importar, naquele momento, com a maquiagem que deveria ter se tornado um fiasco. Não precisava se preocupar, afinal. Estava em casa; o lugar em que ela poderia chutar os sapatos de salto logo na entrada sem pensar se alguém a julgaria por isso.
Enquanto se livrava das peças de roupa consideradas desnecessárias, a mulher inalou o aroma que disparava múltiplas lembranças doces da infância.
— Marli, eu conheço esse cheirinho delicioso - disse enquanto se dirigia até a ampla cozinha. — Só de pensar no seu frango ensopado, meu estômago e meu coração já se alegram imensamente.
adentrou o cômodo no momento exato de ver a cozinheira sorrir ternamente com o elogio. Marli tinha cozinhado praticamente todas as coisas que a mulher tinha comido no ambiente doméstico desde que se entendia como gente. As raras refeições que não tinham sido criadas por aquelas mãos mágicas costumavam partir de restaurantes renomados e finos que, em sua sincera opinião, não chegavam aos pés do tempero de Marli.
Dentre a longa lista de pratos incríveis, tinha como preferido o frango ensopado desde a infância. Lembrava-se de passar a manhã toda correndo nos amplos jardins da casa dos pais, suando sob o Sol. Buscava pequenas flores que estivessem nascendo e borboletas que vinham visitá-las. Sua mãe, então, gritava que era hora do almoço e lhe dava um puxão de orelha por estar suja como nenhuma menina jamais deveria estar. Após a chateação rotineira do sermão maternal sobre bons modos, o que fazia a garotinha abrir o mais amplo sorriso banguela era o cheiro da comida. Quando reconhecia o prato do dia, corria para se lavar o mais rápido possível e se sentava à mesa com o estômago já roncando. Aqueles tinham sido bons dias que jamais voltariam. Pelo menos, o frango ainda estava lá para lhe conferir algum prazer nostálgico.
— O que seria da minha vida sem você? - Perguntou à cozinheira, que ria com gosto. Marli tinha sido a figura mais próxima de si ao longo de toda a sua vida. Não fora à toa que, quando enfim decidira deixar a casa dos pais, fez questão de que a mulher fosse junto para o seu novo lar.
Ambas almoçavam em um silêncio de completa apreciação culinária. Ninguém ousava falar algo porque parecia desrespeitoso em um momento tão importante quanto aquele. No entanto, um som irrompeu pelo ambiente, destruindo aquele instante. Aparentemente, a tecnologia ainda não tinha se desenvolvido o suficiente para compreender que alguns momentos não deveriam ser interrompidos por algo tão insignificante como a notificação de uma mensagem de texto que acabava de chegar ao aparelho celular.
pegou o celular e observou a prévia da mensagem na tela. Era um número completamente desconhecido por ela e pelo aparelho. Usou sua digital para rapidamente desbloquear a tela e ter acesso ao corpo completo da mensagem.

não é o bom moço que aparenta ser. Tome cuidado.”

franziu o cenho instantaneamente, sem saber dizer se estava mais confusa ou assustada com aquela mensagem. Sua mente tentou trabalhar rapidamente, buscando nos pensamentos mais remotos alguém que pudesse encontrar seu número apenas para mandar algo do tipo. Talvez alguém com inveja de sua recém-adquirida felicidade? Talvez uma daquelas antigas amizades que nunca souberam apreciar o bem-estar alheio? Já tinha trocado de número tantas vezes que nem sabia mais quem ainda poderia ter o seu nome salvo na lista de contatos.
— O que foi? - Marli perguntou. — Você ficou com a cara de quem viu um fantasma.
assentiu, meneando a cabeça levemente. Ainda tentava digerir o ocorrido e, principalmente, a estranha sensação de ter sua vida sendo observada por alguém que achava saber demais era no mínimo desconfortável o suficiente para tentar tomar o seu apetite.
— Antes fosse um fantasma. - A mulher permitiu que a outra lesse o conteúdo que brilhava na tela, praticamente queimando sua retina com aquelas palavras em tom acusatório.
— Por isso eu tenho medo dessas telinhas ambulantes que vocês carregam. Essas tecnologias só servem para nos deixar feito gente em filme de terror.
A jovem riu do comentário, tão típico de Marli que era impossível não relaxar um pouco a musculatura para, de repente, ver graça naquilo.
— Morre de medo, mas adora aqueles joguinhos coloridos, não? Sei bem o quão longe você está no mapa do Candy Crush.
Marli deu de ombros, sabendo bem que não havia como negar aquilo.
— Pelo menos meu joguinho tem balinhas e brigadeiros. A única mensagem sinistra que eu recebo é a de que as vidas acabaram.
— Você não tem jeito mesmo, dona Marli - comentou enquanto deslizava o dedo pela tela e se livrava daquele “fantasma” com um simples toque no ícone de “Apagar”.


+++++



já estava completamente impaciente. A arte de saber esperar tranquilamente era uma virtude que ela nunca tivera; isso era fato. No entanto, qualquer boa alma haveria de concordar com ela que uma hora de atraso para um evento de horário estritamente marcado para começar. Sua vontade era de encontrar e trazê-lo até ali pelos cabelos. Uma pena que seu vestido caro e os saltos altos demais não pareciam exatamente o modelito mais apropriado para tanto.
Ela sabia bem como muitos de seus familiares achariam aquela reação toda exagerada. Eles diriam que qualquer pessoa pode se atrasar e que é o tipo de coisa que pode acontecer. Eles também diriam que, com certeza, teria um bom motivo para isso. O que eles não sabiam é que aquela não era a primeira vez. Sequer era a primeira vez na semana. Sem contar que o homem havia tido tempo o suficiente para se organizar para comparecer ao casamento. Não havia uma desculpa boa o suficiente a menos que ele tivesse sofrido um acidente no caminho. Sinceramente, uma parte dela até mesmo desejava que isso fosse verdade.
estava cansada. Não do tipo que precisava de uma longa e pacífica noite de sono, mas do tipo que não aguentava mais o rumo que as coisas vinham tomando. Sua mente urgia por uma mudança extrema. Toda vez que ela tentava desabafar com alguém sobre isso, só ouvia como deveria ter calma e cuidado e ser grata por finalmente ter alguém ao seu lado. Aparentemente, deveria engolir alguns sapos para poder manter alguém ao seu lado.
— O que foi que eu perdi? - Aquela voz grossa que costumava lhe causar arrepios só foi capaz de fazer seu sangue subir até a base do mais alto fio de cabelo em sua cabeça.
— Nada - ela respondeu simplesmente, tendo que respirar fundo para não perder o controle sobre o seu tom de voz. — Para a sua sorte, não existe ninguém no mundo mais fã de atrasos do que a minha prima. Quando disseram que a noiva tem direito a atrasar, ela deve ter levado a sério demais.
esboçou um sorriso, enquanto se ajeitava de uma forma mais confortável na cadeira branca decorada com complicados arabescos. Aproximou-se do rosto da mulher, com a intenção de deixar ali um beijo carinhoso, mas foi impedido pelo afastamento dela.
A cerimônia ocorreu sem quaisquer surpresas. abraçou sua prima e desejou as devidas felicidades. A noiva só sabia chorar a cada abraço que recebia dos convidados, dizendo que se sentia a pessoa mais amada do mundo todo. Aquilo soava tão estranho que não sabia se deveria levar a sério ou apenas assumir que tinham permitido que a outra tomasse mimosas demais durante a preparação. De qualquer forma, sentiu-se mal por alguns instantes, percebendo uma pontada de algo que quase parecia… Inveja?
De repente, era capaz de sentir a bile ferindo seu trato digestório. Aquele sentimento não poderia ser mais auto-destrutivo e auto-depreciativo.
Ofereceu aos convidados sorrisos murchos e falsos, acompanhados de algumas frases prontas que facilmente seriam percebidas como uma total falta de atenção e de empenho em sequer manter aquela cordialidade social. Ela definitivamente só queria ir embora.
Inventou uma desculpa qualquer para impedir que a acompanhasse até sua casa. Precisava ficar sozinha para tentar entender o que era aquela sensação cortante e como fazer com que ela sumisse.
Tomou um banho quente, deixando que a água corrente levasse a negatividade superficial e todas as máscaras que não suportava mais carregar com aquele ar de naturalidade.
Enrolou-se em seu roupão, permitindo que o tecido felpudo terminasse de secar as gotículas que ainda se espalhavam por seu torso. Começou a rolar o feed do instagram sem ligar muito para as imagens. O fato era que sua curiosidade estava implorando para que ela entrasse na aba de mensagens de texto.
Seus dedos rápidos digitaram o que ela tinha se segurado a dias para não perguntar.

“O que você sabe? Ou acha que sabe.”

Bateu os pés ritmadamente no colchão, tão nervosa que queria esconder o celular no fundo da gaveta de calcinhas e torcer para que ele fizesse parte daquela remessa que os telejornais disseram que estava explodindo.
O som da notificação, no entanto, veio mais rápido do que ela esperava.

“Tudo. É uma das poucas vantagens de ter que conviver com ele.”

“Então, quero saber. Você não pode simplesmente jogar a bomba e depois sumir. Eu sequer sei quem você é.”

“Me encontre no Lyon’s Café amanhã por volta das nove horas da manhã. Prometo te dizer tudo o que deseja saber. E talvez o que você preferiria não ter de ouvir.”

“E como eu sei que esse não é um truque para você me sequestrar e vender todos os meus órgãos para o mercado negro?”

“Primeiramente, porque, se eu quisesse lhe fazer algum mal, teria ido atrás de você e não esperado até que você estivesse pronta para me procurar por conta própria.”
“Segundo, você acha mesmo que eu marcaria um encontro em um lugar tão movimentado quanto o Lyon’s Café em pleno dia útil?”


ainda tamborilava seus pés incessantemente. Aquele maldito estranho tinha alguma razão afinal. A única que já não contava com um pingo sequer de sua racionalidade era ela própria. Se dissesse em voz alta o que estava aparentemente planejando, teria se sentido a pessoa mais idiota do universo todo. Mas era uma idiota que precisava de respostas. Urgentemente.

“Ok. Então, às nove.”

Com a tela do aparelho bloqueada e um turbilhão de pensamentos rondando sua mente de forma vívida e agressiva, ela se virou nos travesseiros, e fechou os olhos, esquecendo-se por algum tempo de que sequer tinha se lembrado de vestir sua roupa de baixo após o banho.


+++++



Seu relógio incrustado de cristais marcava exatamente 8 horas e 54 minutos. Seus óculos de sol refletiam a iluminação que a grande estrela projetava sobre o Lyon’s Café. Estava tão nervosa que sequer tinha conseguido cogitar tomar o café-da-manhã, o que fazia com que o cheiro de grãos torrados e pães recém-assados embrulhasse seu estômago em uma mistura dolorosa de fome e enjoo.
Sentou-se em uma das delicadas mesas para dois, aproveitando a vista da janela para tentar se distrair com a movimentação externa. De fato, percebera que só estava observando as pessoas, analisando a feição de cada um, tentando reconhecer alguém que ela, provavelmente, sequer conhecia. Chegava a ser patético.
Já tinha negado pelo menos três tentativas das garçonetes de lhe servirem qualquer coisa. Os ponteiros finos de seu relógio continuavam a correr e sua ansiedade parecia aumentar a cada tiquetaquear quase impossível de se ouvir. Não aguentava mais esperar.
Quando, por fim, decidiu deixar uma gorjeta considerável - quase como um silencioso pedido de desculpas por não ter consumido e uma forma de atenuar sua vergonha - e deixar o café, uma silhueta se projetou à sua frente, desviando sua atenção antes posta nas divisórias de sua carteira.
Sentiu seu coração acelerar no peito e um misto de curiosidade e medo tomarem conta do simples movimento que lhe permitia erguer os olhos para visualizar aquele rosto desconhecido, mas que, ao mesmo tempo, parecia estranhamente familiar.
sentiu o ar lhe faltando, como se tivesse sido bruscamente sugado de seus pulmões. O desenho daquelas sobrancelhas e aquele ilar eram tão familiares que nem aquela barba por fazer poderiam escolher.
— Por Deus, você é a cara do .
O homem sorriu de lado, erguendo o olhar até ela.
— Gosto de pensar que sou uma versão melhorada dele. O primo bonito da família, sabe?
Primo. Então era isso.
— Pode me chamar de - ele ofereceu um sorriso simpático que, a ela, pareceu um pouco galanteador demais. Exatamente do jeito que fazia um homem se tornar atraente para os seus olhos. E seus hormônios.
— Certo, . Preciso saber a que exatamente aquela mensagem se referia.
— Direto ao ponto? Corte rápido?
— Por favor. Eu aguento. - Eu acho , seu cérebro completava.
é um oportunista de primeira, , e seu sobrenome não faz parte de um rol de nomes desconhecidos.
— O que você está insinuando?
— Insinuando? Vai me dizer que ele nunca te largou no meio da noite ou se atrasou para eventos importantes?
— Ele dizia que era pelas reuniões.
— Bom, tenho certeza absoluta de que ele disse o mesmo para a Natasha enquanto estava contigo.
sentiu o coração parar de uma só vez, sem dar qualquer tipo de aviso prévio.
— Natasha? - Sua voz fraquejava, rachando como uma película fina de vidro.
— Eu sinto muito por ser o mensageiro do caos. Mas não conseguia mais conviver comigo mesmo sabendo de uma barbaridade dessas. Vocês duas têm um presente rico e uma futura herança suntuosa. Eram os alvos perfeitos para o jogo de escalada social dele. É tudo pelo dinheiro, pelo status.
Não existiam palavras capazes de expressar como ouvir aquilo doía. Era como uma centena de facas espetando-a e fazendo com que ela sangrasse por dentro. Tinha crescido sob a sombra do receio de construir qualquer tipo de relacionamento exatamente por conta dessa possibilidade. E, agora, que finalmente se permitia fornecer um pouco de afeto a alguém, era exatamente isso que acontecia.
— Isso não é verdade. Não pode ser - murmurava, tentando convencer a si própria.
— Eu sinto muito de verdade. E também sinto muito por ter que ir agora. Você tem meu número. Pode me procurar quando quiser. Eu realmente espero que você fique bem.
Mas sabia que não conseguiria ficar bem. Não enquanto não colocasse as cartas na mesa e descobrisse a verdade.


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Marli tinha deixado o jantar pronto. tinha escolhido o vinho e o despejado nas taças enquanto usava o banheiro.
Estava tensa. Suas palmas da mão nunca tinham ficado tão frias. Existia algo que travava a sua garganta e a esmagava dolorosamente, causando um incômodo inconcebível. Provavelmente era a droga da expectativa. A pior expectativa de todas.
sorriu gentilmente enquanto se sentava e ela se forçou a retribuir o sorriso, tendo certeza de que estava falhando miseravelmente em agir como se nada estivesse acontecendo.
— Então - ele começou -, qual é a grande notícia que você queria compartilhar comigo?
tomou um longo gole do vinho tinto, sentindo o álcool descer por sua garganta em uma forma de consolo silencioso.
— Eu tomei a maior decisão de toda a minha vida e queria compartilhar esse momento tão importante contigo, já que, a cada dia que passa, você vem se tornando mais e mais parte dela.
— Pois, fale! O que é tão grandioso assim?
A palpitação no coração dela não parecia querer diminuir o ritmo. Engoliu em seco, tentando calcular como aquelas palavras sairiam.
— Você sabe como eu sempre te disse que não suportava toda a pressão que vinha com o legado da família. Todas as pessoas esperando algo de você. Algo que você sequer escolheu.
— Acho que não estou entendendo aonde você quer chegar - ele disse, tornando-se estranhamente sério de repente.
tornou a inspirar, antes de disparar o que tinha a dizer.
— Eu tenho meu diploma de administração. Posso conseguir um emprego logo e viver como qualquer pessoa normal.

— Eu decidi me desvincular do nome da família, bem como das contas e poupanças. Começar do zero, sabe? Uma vida que seja minha. Uma que eu tenha trabalhado para conquistar cada centavo.
arregalou os olhos e soltou um suspiro de natureza impossível de compreender. Depois, soltou uma risada que parecia ter vindo da base de sua garganta. Algo dolorido, sarcástico e raivoso ao mesmo tempo.
— Isso só pode ser algum tipo de brincadeira de mau gosto. Você não pode estar falando sério.
sentiu seus olhos se tornando gradativamente mais úmidos, usando toda a força possível para segurar as lágrimas.
— Nunca falei tão sério. Pensei que você me apoiaria.
— Te apoiar? , você por acaso perdeu a cabeça? Essa é a decisão mais estúpida do universo inteiro.
Cada palavra proferida por seus lábios era como uma adaga em seu peito. A dor era tanta, que tinha se misturado ao ódio. Estava anestesiada pela própria raiva.
— Não é uma decisão estúpida se será motivo de felicidade.
— Felicidade de quem? Você tem noção da merda que está fazendo?
— Tenho, . Tenho completa noção da merda que fiz ao te colocar dentro da minha casa e dentro da droga da minha vida. Não acredito que você conseguiu mesmo acreditar nisso.
riu mais uma vez, levando as mãos ao cabelo em um gesto de completo desespero. O olhar que tomava seu rosto nunca tinha se parecido com aquele. Nunca tinha demonstrado toda aquela escuridão.
— Que tipo de brincadeira de mau gosto é essa?
— Não é brincadeira alguma. Você é um interesseiro, oportunista. Esse tempo todo, o que você queria era colocar as suas mãos sujas no dinheiro da minha família. Tudo o que eu estou fazendo, agora, é tirar essa pedra irritante do meu sapato.
— Você se lembra do que sua família disse? Para você ser grata por finalmente ter alguém? Isso não me parece gratidão.
— Que bom! Sinal de que você ainda sabe reconhecer algo no meio de toda a sua falsidade. Eu quero que você saia da minha casa agora e nunca mais dirija uma palavra sequer a mim - ordenou.
— Você vai se arrepender - ameaçou.
— Não vou. Nem por um mísero instante sequer.
— Nunca vai encontrar alguém como eu.
— É essa a intenção.
O homem caminhou até a porta a passos duros, com a mulher em seu encalço. Com ele já do lado de fora, fechou a porta duramente, antes que ele pudesse fazer sua última reclamação.
Provavelmente, seria sobre como ele não precisava dela. Afinal, tinha ainda outro alvo e ela precisava chegar até a segunda - Ou era ela a segunda? - antes que ele desse sua cartada final.

+++++



e Natasha convidam você para a celebração de seu amor” diziam as palavras de maior tamanho, logo no topo do convite de cor creme que repousava tranquilamente sobre sua penteadeira.
estava em pé em frente ao espelho, observando o vestido Versace preto caindo perfeitamente sobre suas curvas. Não tinha um detalhe em pedraria ou sequer uma fonte do dourado que ela tanto amava. Não. Era completamente preto. Preparado para a morte. Ou para matar. Ao menos figurativamente.
Ser o “plus one” de implicava seguir o seu carro até o local da cerimônia, de forma que chegassem juntos à segurança. A mulher passou o caminho todo em completo silêncio, utilizando seu tempo para lutar contra o caos interno que tomava conta de sua mente. O simples esforço de respirar fundo e se controlar parecia demais para quem carregava um envelope cheio de evidências - ou, simplesmente, fotos - de um relacionamento do qual ela se enojava profundamente. Repetia para si mesma que o que tinha que fazer era difícil e altamente propenso a dar errado, mas, depois daquela noite, estaria livre para seguir o próprio caminho com a consciência limpa.
— Eu vou procurar a noiva - a mulher anunciou. — Ela deve estar se preparando em algum quarto próximo.
franziu as sobrancelhas, estranhando aquela mudança repentina de planos.
— Achei que você fosse interromper a cerimônia. Pensei que quisesse ver os olhos de quando você destruísse o golpe dele na frente de todos.
meneou a cabeça levemente.
— Isso não é sobre ele. É sobre ela, entende? Eu só quero impedir que ela sofra. O que ele vai sentir não me interessa. Não vou humilhá-la publicamente só para sentir algum tipo de prazer sádico e vingativo.
assentiu e desejou-lhe boa sorte, seguindo para procurar um assento junto de sua família. Apesar de demonstrar toda a naturalidade do mundo, estava nervoso e, de certa forma, ansioso para ver o primo perfeito ser desmascarado pelo menos uma vez.
se equilibrou da melhor forma que conseguiu sobre os saltos, tentando tomar cuidado redobrado para não enfiá-los em um buraco imperceptível no meio do gramado. Deu graças a Deus quando o caminho passou a ser coberto por pisos e seguiu rapidamente corredor adentro, caminhando para a parte interna do casarão alugado.
Várias pessoas perambulavam por ali. Em sua maioria, eram os funcionários do bufê ou mulheres da família da noiva, esperando que ela se aprontasse para, enfim, caminhar até o altar. se aprontou e caminhou até aquela que parecia ter mais idade. Por algum motivo, pessoas mais velhas costumavam acreditar em sua simpatia com mais facilidade.
— Olá! A senhora sabe em que cômodo a Natasha está se arrumando? Nós estudamos juntas na faculdade e eu acabei trazendo algumas fotos e cartas para lembrá-la dos velhos tempos, sabe? Para desejar sorte antes dessa nova fase da vida dela.
A senhora sorriu de forma carinhosa, assentindo.
— Tenho certeza de que ela vai adorar a visita de uma amiga. Pobrezinha! Está tão nervosa! Acredita que ela praticamente pediu que a mãe desse algum motivo para ela não se casar?
“Se ela precisa de um motivo, eu tenho um gigantesco.” pensou, mantendo o sorriso estampado na face.
— Ela está logo ali, meu bem. Primeira porta à esquerda. É só entrar.
caminhou até lá rapidamente, respirando fundo ao sentir o gélido contato da maçaneta com seus dedos. Virou-a da forma mais calma que conseguiu, tentando não assustar a noiva e, talvez, não assustar a si própria.
— Mãe, é sério… - a outra mulher começou a dizer, mas interrompeu-se ao se levantar e dar de cara com uma completa desconhecida que fechava a porta atrás de si. — Quem é você?
— Natasha, nós precisamos conversar.
— Quem é você? - Tornou a perguntar, soando cada vez mais impaciente. — Quem foi que deixou você entrar?
— Meu nome é . Acho que foi a sua avó. Ela disse que você andou pedindo um motivo para não se dirigir até o altar. Acho que eu tenho um.
Natasha estreitou os olhos, tentando entender o que estava acontecendo. Nada daquilo fazia qualquer tipo de sentido em sua cabeça.
é um cara bonito, não? Um daqueles que te tira o chão. O problema é que não é só isso que ele quer tomar de você.
— Que conversa de doido é essa?
— Tenho certeza de que ele já te largou às pressas, alegando ter uma reunião mesmo que fosse o horário mais estranho do universo. Ou que se atrasou para compromissos que vocês tinham marcado com antecedência. E sabe por que eu sei disso? Porque ele fez o mesmo comigo. E arrisco a dizer que, quando ele me deixava, era para correr ao seu encontro.
— Você está mentindo. Ele não está me traindo.
— Ele traiu a nós duas. E tudo por causa do dinheiro de nossas famílias. Ele é apenas um interesseiro tentando se aproveitar de mulheres que têm o poder que ele jamais seria capaz de alcançar por conta própria. E eu sei que essa história toda pode ser bem difícil de acreditar no começo. Por isso eu trouxe esse envelope. - Estendeu-o a outra mulher, que o pegou rapidamente. — Tem fotos e impressões de e-mails e mensagens trocadas com as datas e os horários.
Natasha revirou as fotos e documentos, sentindo seu estômago embrulhar a cada nova imagem que seu cérebro absorvia. Expirou o ar com força, sentindo-se uma idiota, mas uma idiota leve.
— Você tem razão. Esse é um bom motivo.
suspirou aliviada.
— Me perdoe por mostrar essas coisas. Sei como pode ser doloroso, mas eu precisava te convencer a não cair no jogo dele.
— Você fez a coisa certa. Mas, se quer saber, você já tinha me convencido ao invadir meu casamento em um Versace preto só para contar essa história louca. Não é como se eu valorizasse mais a palavra de um homem só porque ele divide a cama comigo em algumas noites.
A noiva se levantou e começou a se livrar do véu e das presilhas que seguravam seu cabelo. Puxou as barras do vestido e caminhou até a porta com o queixo erguido e uma determinação que não tinha como não impressionar alguém.
— Aonde você vai? - perguntou.
— Embora - respondeu como se fosse óbvio. — Mas, primeiro, nós duas vamos avisar o .
cogitou interferir ou negar, mas não teve tempo para isso. Natasha já estava desfilando como uma rainha, chamando a atenção de todos os olhares curiosos, embasbacados por sua beleza e atraídos pelo estranho motivo que a levava até ali daquela forma.
Natasha agarrou a mão de antes de caminhar ao seu lado até o início do tapete vermelho. Todos os olhares dos convidados estavam vidrados na noiva e na mulher de vestido preto ao seu lado. Os olhos de se arregalaram tanto que fizeram pensar na possibilidade de eles explodirem.
— Família, amigos e pessoas que foram convidadas contra a minha vontade - Natasha anunciou. — Gostaria de avisar que esse casamento está cancelado porque o noivo confundiu sua possível esposa com um cartão de crédito sem limites. Ah, é! E ele me traiu também. Sendo assim, estou fora. Espero que aproveitem o bufê e a banda. Desejo a todos uma noite incrível.
Envolvida pelos gritos e questionamentos dos convidados, Natasha se virou rindo, caminhando lado a lado à sua nova amiga. Antes de deixar por completo o local da cerimônia, virou-se para encarar e sua feição de descrença.
Ainda entre risadas, as duas sopraram a ele um último beijo.




FIM



Nota da autora: Mais um ficstape para a coleção. Para mais informações sobre minhas histórias, entrem no grupo





Outras Fanfics:
01. Middle of the Night
02. Stitches
03. I Did Something Bad
03. Take A Chance On Me
03. Without You
04. Someone New
04. Warning
05. You In Me
06. Consequences
06. If I Could Fly
06. Love Maze
08. No Goodbyes
10. Is it Me
10. Simple Song
11. Robot
11. Under Pressure
12. Be Alright
12. Wild Hearts Can't Be Broken
13. Kiss The Girl 13. Part of Me
13. See Me Now
15. Overboard
A Million Dreams
4th of the July
Dark Moon
Not Over
Side by Side


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