Capítulo Único
suspirou ao entrar no ônibus lotado de adolescentes. Infelizmente, seus companheiros de escola não eram dos mais comportados. Escolheu um lugar na terceira fileira de poltronas cinzas e se sentou, colocando a mão no bolso do casaco verde que usava para aumentar a música em seus fones brancos. Fechou os olhos, encostando a cabeça no encosto do banco. Era a primeira vez em anos que iria ao Museu de Ciência Nacional e estava empolgado, só lamentava que era um passeio escolar. O movimento no ônibus chamou sua atenção e abriu os olhos, surpreendendo-se ao encontrar em pé no corredor.
Ele se ajeitou no banco ao vê-la, mesmo sabendo que não seria notado. Ela parecia incerta, mordendo o lábio inferior ao procurar um lugar para se sentar. Seus olhos cor de chocolate se fixaram no rosto do rapaz por alguns segundos e ele prendeu a respiração, sentindo seu coração acelerar, porém rápido demais ela desviou o olhar. deu alguns passos a frente e então tomou o lugar na mesma fileira de , do outro lado do corredor. Ele soltou o ar que segurava lentamente. Não pode evitar admirá-la por mais alguns segundos. A garota abriu um sorriso tímido na sua direção e ele se encolheu, fitando as costas do banco à sua frente.
Seus dedos coçaram para registrar aquele pequeno momento de interação e brincou impacientemente com o elástico que mantinha seu pequeno caderno de couro marrom fechado, fingindo olhar pela janela. Ainda haviam alguns estudantes do lado de fora. Ele tinha alguns minutos antes do ônibus começar a se movimentar e ficar impossível de escrever qualquer coisa. passou a língua pelo lábio inferior, pegando a caneta preta presa na capa do caderno e o abriu, apoiando-o desajeitadamente em sua perna esquerda e se curvando sobre ele.
Sua mão se moveu sobre a folha, a tinta escura marcando o papel com suas palavras apressadas. Não tinha ideia de quantas vezes por dia aquilo acontecia. As palavras e frases simplesmente surgiam em sua mente, principalmente quando pensava em . Às vezes conseguia escrever alguns textos de que se orgulhava, mas não era como se tivesse coragem de mostrar para alguém seus pensamentos mais íntimos. Suspirou ao finalizar as pequenas frases, no exato segundo em que o motorista dava partida no ônibus.
releu o que havia escrito algumas vezes. Algo o estava incomodando, mas não sabia identificar exatamente o quê. Precisaria rever mais tarde, com outro olhar. Fechou o caderno novamente, prendendo a caneta na capa surrada e passando o elástico quando sentiu o olhar curioso sobre ele. Ergueu a cabeça e pôde sentir seu rosto esquentar ao perceber que o observava. Instintivamente, tirou o pequeno caderno de sua visão, escondendo-o sob o grande casaco que vestia. Desviou o olhar e fingiu checar algo em seu celular, abrindo e fechando aplicativos por algum tempo até constatar que ela havia perdido o interesse em sua existência novamente. Suspirou aliviado e encostou a cabeça no banco, pensando em como sua vida havia chegado aquele ponto.
Havia se mudado para Seoul há cinco anos, por conta do novo emprego de seu pai. Desde o primeiro dia na escola nova, que era pelo menos três vezes maior que a antiga, havia chamado sua atenção. Na época, ela ainda não usava maquiagem e ele podia ver as sardas em seu rosto, principalmente na região do nariz. O cabelo era pelo menos vinte centímetros maior do que agora e usava uma faixa de pano rosa claro como tiara, com um pequeno nó na parte de cima. Ela havia sido gentil e lhe oferecido um pedaço de seu sanduíche ao perceber que ele não tinha nada para comer. não era de falar muito, mas aproveitou a companhia pelo curto período de tempo que teve. Mesmo estando às margens de qualquer círculo social da escola, sabia que algumas das outras meninas começaram a criticar por suas sardas e ele teve vontade de dizê-la o quanto eram bonitas. Mas não tinha coragem. Ele era apenas o menino do interior que ninguém tinha interesse em ouvir.
Depois disso, nunca mais viu as sardas que lhe lembravam as constelações que adorava estudar. Isso era outro fator para sua falta de amizades. As outras pessoas não entendiam toda a magnitude e beleza do universo e sempre o olhavam estranho quando ele tentava falar sobre o assunto. Era mais fácil ficar sozinho com seus livros, aprendendo tudo que podia sobre qualquer coisa.
Cerca de trinta minutos depois, chegaram ao museu. Os professores deram alguns recados por alguns minutos e então os alunos começaram a sair. Apesar de sua empolgação, foi o último a descer. Agradeceu o motorista e se juntou ao grupo de alunos do lado de fora. Uma das professoras estava com uma lista em mãos, anunciando os parceiros do relatório que deveria ser feito durante o passeio. suspirou, imaginando que teria que fazer todo o trabalho de alguém, simplesmente por que era mais fácil do que tentar lidar com essas pessoas.
— . — a mulher com os óculos de lentes grossas chamou, olhando em volta. Ele ergueu o braço e ela assentiu, voltando a olhar a lista. — E .
não precisou procurá-la, pois sabia exatamente onde se encontrava. A garota se aproximou para pegar a folha que deveria ser preenchida antes de caminhar até onde ele estava. Apertou o caderno de couro em suas mãos, desejando poder parar no tempo e escrever até se sentir melhor. Seu coração estava acelerado e ele não tinha a mínima ideia de como passaria por um dia inteiro ao lado de , formando frases e dando sentido à elas. Parecia impossível. Ele mordeu a bochecha internamente, tentando não demonstrar sua ansiedade. Ela sorriu ao parar ao seu lado antes de prender uma mecha de seu cabelo curto e escuro atrás da orelha.
O rapaz não pode evitar de observar como suas mãos eram pequenas e delicadas, imaginando qual seria a sensação de tocá-las.
Pensou, logo fazendo uma anotação mental de anotar aquilo no caderno quando tivesse a chance. Não era um pensamento genial, mas como se tratava de , era especial. Longos minutos se passaram até que a professora anunciasse todas as duplas e que deveriam estar de volta ao ônibus as quatro da tarde. Os outros alunos conversavam animadamente com seus parceiros, mas e continuavam em silêncio. Quando todos começaram a se afastar, ela se virou e o olhou, inclinando a cabeça com um sorriso divertido nos lábios. Ele franziu o cenho ao vê-la indicar a orelha e só então se deu conta de que estava com seus fones de ouvido. Mais por hábito do que qualquer coisa, já que não ouvia música nenhuma. Estava tão acostumado com a companhia de seus próprios pensamentos e a trilha sonora de sua vida, que às vezes se esquecia de que outras pessoas poderiam falar com ele também.
— Sinto muito. — ele sorriu, se desculpando ao tirar os fones que ficaram pendurados na gola da camisa que usava.
— Não tem problemas. — sorriu abertamente e ele quase sentiu necessidade de fechar os olhos para lidar com toda a luz que ela irradiava.
Por mais clichê que fosse, gostava de compará-la com o Sol. estava no centro de tudo. Pelo menos, da galáxia dele. Ela era a presidente da classe desde sempre. Lidando graciosamente com todos os problemas que apareciam. Estava à frente de todos os eventos estudantis e era até mesmo considerada a líder de seu seleto grupo de amigos. não era manipuladora ou louca por poder. Sua personalidade dócil simplesmente fazia com que todos ficassem a sua volta, era natural. Era a sua gravidade em ação.
O grande grupo de adolescentes inquietos se organizou em uma fila para entrar no museu, por ordens da professora. Alguns conversavam com seus amigos, mas e sua parceira permaneciam em silêncio. Ao chegarem ao hall principal, alguns funcionários do museu os aguardavam e se dividiram em grupos menores para algumas explicações sobre o lugar. Ao final, foram dispensados para explorar o lugar por conta própria e fazer o relatório.
Assim que estavam sozinhos, a garota leu o papel com as instruções por alguns segundos, tentando bolar a melhor estratégia para terem sucesso.
— Precisamos escolher uma das áreas para ser o nosso foco. Sugestões?
Ele deu de ombros.
— ? — Era estranho ouvi-la falando seu nome daquela maneira, como se fossem grandes amigos. — Eu sei que tem algo a dizer.
Ele trocou o peso para a outra perna, brincando com uma pequena pedra solta no chão por alguns segundos. Mordeu o lábio inferior ao perceber que o olhava, aguardando uma resposta.
— Eu gosto do planetário. — admitiu timidamente.
— O planetário será, então. — determinou, olhando o pequeno mapa anexado as folhas que seriam o relatório. Não precisava muito para saber que ela estava tentando deixá-lo confortável. — Isso não faz o menor sentido. — ela murmurou, inclinando a cabeça e espremendo os olhos ao tentar compreender o mapa.
teve vontade de rir de sua expressão, mas não o fez. era a pessoa mais transparente da escola. Não precisava conhecê-la muito para saber o que estava pensando, já que demonstrava tudo por suas expressões e linguagem corporal. Ou talvez ele só passasse tempo demais observando-a. A garota arqueou uma sobrancelha, como se perguntasse se algo estava errado.
— Eu já vim aqui algumas vezes. O planetário é por ali. — indicou e ela assentiu, esperando que ele assumisse a liderança.
Lentamente, começou seu caminho até lá, garantindo que o acompanhava de perto. Era possível ver as cores do uniforme da escola por todo lado, mas tinha certeza que nenhum de seus colegas escolheria o mesmo lugar que eles.
— Quantas vezes já esteve aqui?
Ele deu de ombros.
— Três ou quatro? Eu não sei. — murmurou com falsa indiferença.
— No seu tempo livre? — assentiu. — Uau. Tudo que faço no meu tempo livre é assistir dramas e dormir.
O rapaz riu baixo.
— Você tem algum tempo livre? Sempre está na escola resolvendo algo. — comentou.
O silêncio dos segundos seguintes o levou a pensar que ela havia ficado com vergonha, talvez por achar que não prestava atenção nela. Mas ele se perguntava se isso era possível. O que poderia acontecer na vida de alguém para não notar o quanto se empenhava em suas tarefas de representante? Essa era outra vantagem - ou, quem sabe, desvantagem - de não conversar com muitas pessoas. tinha tempo de observar o mundo a sua volta e, principalmente, as pessoas. Ele sabia, por exemplo, de mais dois ou três casais que se formariam na escola naquele ano apenas por observar as relações dos alunos durante os intervalos. Era engraçado pensar o quanto era possível aprender apenas observando. também sabia que, pelo menos, dois garotos da sala davam em cima de com frequência e por mais que ela tentasse afastá-los, eles não compreendiam a mensagem.
— Eu tento não passar muito tempo na escola, mas sempre aparece algum problema para resolver e eu não sei dizer não às pessoas.
Ele assentiu, pois já sabia o que acontecia. era gentil demais para aquelas pessoas. Para aquele mundo. Não demorou para que eles chegassem ao planetário, que estava vazio, pois, como previu, todo seus colegas de escola estavam na área de tecnologia avançada, que era mais fácil e divertida. Não para ele. Cumprimentou a funcionária que estava na entrada e seu coração se aqueceu ao ouvir fazendo o mesmo. O planetário era escuro e a temperatura era controlada, o que contrastava com o dia quente e claro do lado de fora, mas se sentia mais aquecido lá dentro.
O teto simulava o céu durante a noite, com destaques as principais constelações. O rapaz precisou de um minuto para absorver toda aquela beleza. Sem esforço, conseguiu encontrar cinco de suas constelações favoritas e isso quase o fez sorrir. No começo, não conseguia compreender como alguns pontos ligados deveriam formar aquelas imagens complexas, mas agora as conseguia ver com perfeição. trocou o peso do corpo para a outra perna e o movimento chamou sua atenção, trazendo-o de volta para a realidade.
— Você gosta muito disso, hm? — questionou com um tom divertido, olhando-o.
Ele assentiu, tímido. Começaram a andar pelo lugar, analisando tudo para responder ao relatório. Não demorou para a garota começar com as perguntas, que respondeu com insegurança no começo, mas foi ganhando confiança ao ver o interesse nos olhos de , que o ouvia com atenção. Ela não se lembrava da última vez que o havia visto falar tanto. Ou melhor, não se lembrava da última vez, antes daquela manhã, que o havia ouvido falar. Sua voz era grossa, porém doce. Agradável. Mas estava surpresa com a paixão ao falar sobre o assunto. Mal imaginava que grande parte daquele sentimento estava, na verdade, relacionado a ela.
Depois, o a levou para assistir a pequena apresentação que acontecia a cada hora. Ele pôde sentir seu rosto esquentar quando o braço da garota encostou no seu, agradecendo mentalmente por estar escuro. O mesmo havia acontecido mais cedo, quando ela se apoiou no seu braço esquerdo e ficou na ponta dos pés para praticamente sussurrar uma pergunta em seu ouvido, tentando não atrapalhar a explicação de um dos guias para um grupo de crianças. Além do ato inesperado, o perfume floral que ela usava o estonteou por alguns segundos. A ponto de nem conseguir se lembrar da pergunta que havia sido feita, então ele encolheu os ombros e disse que não sabia. Para sua surpresa, parecia extremamente confortável a sua volta, o que não fazia sentido nenhum.
— Algum motivo para gostar tanto de astronomia? — a pergunta que queria fazer desde o começo da manhã escapou dos lábios de antes que ela percebesse. Suas bochechas coraram e ela completou: — Não precisa me dizer, se não quiser.
Ele mordeu o lábio inferior, fitando os próprios pés enquanto tentava descobrir a resposta para uma pergunta tão pessoal. Na verdade, ele já sabia a resposta, mas procurava as melhores palavras para que não soasse bobo. O olhar atento de não tornava as coisas mais fáceis. apertou o caderno de couro ainda em suas mãos, relutante.
— Eu… Não me sinto sozinho. — admitiu.
— Isso é bonito. — ela sorriu. — Acho que te entendo.
O coração de pulou uma batida ao ouvir aquelas palavras. Aproveitou que ela se distraiu com o celular no minuto seguinte e abriu o caderno em suas mãos, anotando rapidamente algumas ideias que havia tido até aquele momento e repetia em sua mente a todo segundo para que não esquecesse. Segurava o diário firmemente com a mão esquerda, apoiando-o em sua barriga enquanto escrevia rapidamente, a caligrafia ainda pior do que o normal. Como sempre, estava encolhido por cima do pequeno objeto, tentando proteger seus pensamentos dos olhares curiosos do mundo. Quando terminou, percebeu que estava em silêncio, brincando nervosamente com suas mãos e esperando que ele acabasse.
— Sinto muito. — ele sorriu fraco. — Eu só precisava anotar algumas coisas.
— O que tanto escreve nesse caderno? — ela indagou casualmente, tentando esconder sua gigante curiosidade. — Parece importante.
— Uhh… — tentou ganhar algum tempo, pensando em alguma mentira. — Estou resolvendo equações.
— Equações? — franziu o cenho. — Você passa o dia resolvendo equações?
— Sim, claro. É… divertido.
Ela deu de ombros, decidindo não discutir o assunto. sorriu com a pequena vitória. Com o passar do tempo, descobriu que a melhor forma de afastar alguém de seus assuntos privados, é fingir ser algo que todos odeiam. observou o espaço a sua volta com cuidado e coçou o olho distraidamente, um pouco incomodada com a escuridão do lugar. sorriu ao ver as pequenas sardas no rosto da menina ao que ela esfregou, inconscientemente, a manga cumprida branca no rosto. arregalou os olhos ao ver a mancha deixada pela maquiagem e cobriu o rosto com as mãos.
— Eu preciso ir ao banheiro. — murmurou com a voz abafada.
Ela se virou e estava prestes a dar o primeiro passo quando o rapaz a segurou pelo braço delicadamente. arqueou a sobrancelha e ele mordeu o lábio, percebendo, tarde demais, que não deveria ter feito aquilo. Soltou o braço da garota e balançou a cabeça, incentivando-a a seguir em frente. Ele havia se fechado novamente. Se tornado o planeta distante que não tinha relevância alguma para o Sol. Exceto que, talvez, ele tivesse. Nunca saberia se não tentasse algo, certo?
— Eu gosto das suas constelações. — murmurou assim que ela deu outro passo para se afastar.
— O quê? — parecia confusa, com toda a razão. Aquela frase não fazia sentido para ninguém além dele.
coçou a nuca, tentando organizar seus pensamentos.
— Suas constelações. — repetiu e deu um passo à frente. Com cuidado, tirou as mãos da menina de seu rosto, sorrindo em um pedido silencioso por confiança. Mesmo não entendendo nada, permitiu. As constelações dela continuavam perfeitas, assim como se lembrava. O sorriso dele aumentou com a descoberta. Ele encostou o indicador com cuidado sobre a pele dela, sentindo seu sangue ferver com o contato. Seu rosto provavelmente estava vermelho, mas aquilo não era importante naquele momento. Naquele talvez-relacionamento, era o Sol. — Eu consigo vê-las em seu rosto. — murmurou e então deslizou o dedo pela pele clara. — Cassiopeia. — sorriu de lado. — Cão menor. — indicou outro conjunto de sardas. — Delfim. Até mesmo o cinturão de Órion. — concluiu. — Não gosto que tenha que escondê-las. O mundo é idiota por criticar um detalhe tão encantador.
O rosto da garota assumiu um tom vermelho que nunca havia visto e só então se deu conta de que talvez tivesse passado dos limites. Ele recolheu o braço e ocupou suas mãos brincando com o elástico de seu diário.
— Eu já volto. — ela murmurou antes de se afastar.
Ótimo. Agora era o garoto estranho que via estrelas nas pessoas. Era tudo que precisava para completar o pacote. Mordeu o lábio inferior, trocando o peso para uma perna e outra, completamente inquieto. Talvez ele pudesse sair dali. Voltar para o ônibus e fingir que nada tinha acontecido. Podia implorar para que os pais o trocassem de escola ao chegar em casa. Não era como se alguém fosse sentir sua falta mesmo. Na pior das hipóteses, o garoto invisível receberia alguns olhares estranhos por algumas semanas, até que alguém fizesse algo pior e ele fosse substituído.
Estava prestes a fazer seu caminho para fora do prédio quando viu voltar. Ela sorria como nunca e aquilo o fez ter certeza de que era o Sol. Era uma pena que ele tivesse estragado tudo. Seu coração se apertou com o pensamento e precisou se concentrar para não derrubar uma lágrima. Assim que ela deu mais alguns passos, ele pôde perceber que seu rosto estava completamente limpo de maquiagem. Seus olhos estavam ligeiramente menores e podia enxergar todas as estrelas em suas bochechas. sorriu inconscientemente. Suas palavras estranhas tiveram algum efeito, afinal.
— Oi. — ela murmurou timidamente, fitando os próprios pés.
— Você está linda. — declarou, imediatamente se xingando pela escolha de palavras.
— Quer dizer, você é linda. Eu, hmm-
— Obrigada, . — ela sorriu, ficando na ponta dos pés para beijar a bochecha do rapaz.
Ele podia sentir cada reação causada por aquele pequeno ato e, por um segundo, achou que fosse explodir. De felicidade ou, talvez, vergonha. Ficar tão próximo do Sol tinha consequências. Mas ele não se importava, desde que estivesse perto dela. Agora, ele era Mércurio. Sorriu com o pensamento.
— Pode me contar mais sobre as constelações?
Assentiu e os dois encontraram um lugar quase escondido no canto. Se sentaram no chão e perdeu a noção do tempo ao explicar-lhe a beleza das constelações enquanto preenchia distraidamente o relatório para entregar no fim do dia. O celular da garota apitou, tirando-os de seu pequeno refúgio e avisando que estava na hora de voltarem ao mundo real. Ele não tinha ideia de como seria sua incomum relação dali para frente, mas torcia para que tudo mudasse. Teve confirmação disso quando ela o parou na porta do planetário, pedindo para tirarem uma foto juntos. odiava esse tipo de coisa, mas não conseguiria dizer não para o Sol. Concordou e tentou não parecer um completo idiota do lado dela.
Enquanto caminhavam até o ônibus, a mão de tocou a sua algumas vezes e ele achou que talvez fosse por coincidência. Até que ela enroscou o dedo mínimo no seu, timidamente. Ele arregalou os olhos e a olhou. A garota tinha um sorriso envergonhado e silenciosamente perguntou se estava tudo bem. Ele assentiu, sorrindo. Seu coração batia mais forte do que nunca e teve certeza que poderia escapar a qualquer segundo.
Todos os outros estudantes já estavam no ônibus e os professores responsáveis os esperavam do lado de fora. entregou o relatório a um deles e ajudou a subir no ônibus. Ela escolheu se sentar do lado esquerdo do corredor e o convidou para ocupar o lugar ao seu lado. Assim que estava acomodado, o rapaz colocou um de seus fones de ouvido e ofereceu o outro a ela, que aceitou. Não demorou muito para descobrirem que tinham um gosto musical similar.
— Qual sua constelação favorita mesmo? — ela questionou, olhando-o.
Ele pensou por alguns segundos e então tocou um conjunto de sardas no rosto dela pela segunda vez no dia.
— Cassiopeia. — sorriu.
assentiu, tirando um pequeno espelho de maquiagem da bolsa bege que carregava e então um lápis de olho. observou intrigado conforme ela desenhava algo em sua bochecha, sorrindo satisfeita ao ver o resultado.
— O que acha?
Ele riu baixo ao ver como ela havia desenhado estrelas por cima de suas sardas e as havia conectado, formando a constelação favorita do rapaz.
— Maravilhosa.
— Pronto! — anunciou, abrindo um grande sorriso, orgulhosa de sua criação.
Entregou o espelho de moldura rosa claro para e ele sorriu ao ver a versão da constelação de Pégasus desenhada em seu rosto.
— Essa é a sua favorita? — perguntou divertido, devolvendo o objeto.
— Por enquanto. — ela deu de ombros, guardando o lápis preto e o pequeno espelho na bolsa. — Talvez eu mude. Preciso de mais algumas aulas para aprender todas e me decidir. O que me diz de terça e quinta, durante a tarde?
sorriu abertamente, concordando. Isso significava mais tempo juntos e ele jamais recusaria a companhia de . Ela se ajeitou no banco novamente e bocejou em seguida, balançando a cabeça para tentar se livrar do sono.
— Cansada?
assentiu, ligeiramente envergonhada.
— Foi um dia cheio.
— Pode se encostar em mim, se quiser dormir um pouco. — ofereceu envergonhado.
A garota pareceu relutante no começo, mas aceitou, abraçando o braço de e apoiando a cabeça em seu ombro. Fechou os olhos e não demorou para que estivesse cochilando. O rapaz sorriu, admirando-a. Sentia como se estivesse flutuando e talvez até imaginando coisas, porém a quente e confortável presença do Sol lhe provava que tudo era verdade. A gravidade havia vencido, como era de se esperar.
Ele se ajeitou no banco ao vê-la, mesmo sabendo que não seria notado. Ela parecia incerta, mordendo o lábio inferior ao procurar um lugar para se sentar. Seus olhos cor de chocolate se fixaram no rosto do rapaz por alguns segundos e ele prendeu a respiração, sentindo seu coração acelerar, porém rápido demais ela desviou o olhar. deu alguns passos a frente e então tomou o lugar na mesma fileira de , do outro lado do corredor. Ele soltou o ar que segurava lentamente. Não pode evitar admirá-la por mais alguns segundos. A garota abriu um sorriso tímido na sua direção e ele se encolheu, fitando as costas do banco à sua frente.
Seus dedos coçaram para registrar aquele pequeno momento de interação e brincou impacientemente com o elástico que mantinha seu pequeno caderno de couro marrom fechado, fingindo olhar pela janela. Ainda haviam alguns estudantes do lado de fora. Ele tinha alguns minutos antes do ônibus começar a se movimentar e ficar impossível de escrever qualquer coisa. passou a língua pelo lábio inferior, pegando a caneta preta presa na capa do caderno e o abriu, apoiando-o desajeitadamente em sua perna esquerda e se curvando sobre ele.
Sua mão se moveu sobre a folha, a tinta escura marcando o papel com suas palavras apressadas. Não tinha ideia de quantas vezes por dia aquilo acontecia. As palavras e frases simplesmente surgiam em sua mente, principalmente quando pensava em . Às vezes conseguia escrever alguns textos de que se orgulhava, mas não era como se tivesse coragem de mostrar para alguém seus pensamentos mais íntimos. Suspirou ao finalizar as pequenas frases, no exato segundo em que o motorista dava partida no ônibus.
releu o que havia escrito algumas vezes. Algo o estava incomodando, mas não sabia identificar exatamente o quê. Precisaria rever mais tarde, com outro olhar. Fechou o caderno novamente, prendendo a caneta na capa surrada e passando o elástico quando sentiu o olhar curioso sobre ele. Ergueu a cabeça e pôde sentir seu rosto esquentar ao perceber que o observava. Instintivamente, tirou o pequeno caderno de sua visão, escondendo-o sob o grande casaco que vestia. Desviou o olhar e fingiu checar algo em seu celular, abrindo e fechando aplicativos por algum tempo até constatar que ela havia perdido o interesse em sua existência novamente. Suspirou aliviado e encostou a cabeça no banco, pensando em como sua vida havia chegado aquele ponto.
Havia se mudado para Seoul há cinco anos, por conta do novo emprego de seu pai. Desde o primeiro dia na escola nova, que era pelo menos três vezes maior que a antiga, havia chamado sua atenção. Na época, ela ainda não usava maquiagem e ele podia ver as sardas em seu rosto, principalmente na região do nariz. O cabelo era pelo menos vinte centímetros maior do que agora e usava uma faixa de pano rosa claro como tiara, com um pequeno nó na parte de cima. Ela havia sido gentil e lhe oferecido um pedaço de seu sanduíche ao perceber que ele não tinha nada para comer. não era de falar muito, mas aproveitou a companhia pelo curto período de tempo que teve. Mesmo estando às margens de qualquer círculo social da escola, sabia que algumas das outras meninas começaram a criticar por suas sardas e ele teve vontade de dizê-la o quanto eram bonitas. Mas não tinha coragem. Ele era apenas o menino do interior que ninguém tinha interesse em ouvir.
Depois disso, nunca mais viu as sardas que lhe lembravam as constelações que adorava estudar. Isso era outro fator para sua falta de amizades. As outras pessoas não entendiam toda a magnitude e beleza do universo e sempre o olhavam estranho quando ele tentava falar sobre o assunto. Era mais fácil ficar sozinho com seus livros, aprendendo tudo que podia sobre qualquer coisa.
Cerca de trinta minutos depois, chegaram ao museu. Os professores deram alguns recados por alguns minutos e então os alunos começaram a sair. Apesar de sua empolgação, foi o último a descer. Agradeceu o motorista e se juntou ao grupo de alunos do lado de fora. Uma das professoras estava com uma lista em mãos, anunciando os parceiros do relatório que deveria ser feito durante o passeio. suspirou, imaginando que teria que fazer todo o trabalho de alguém, simplesmente por que era mais fácil do que tentar lidar com essas pessoas.
— . — a mulher com os óculos de lentes grossas chamou, olhando em volta. Ele ergueu o braço e ela assentiu, voltando a olhar a lista. — E .
não precisou procurá-la, pois sabia exatamente onde se encontrava. A garota se aproximou para pegar a folha que deveria ser preenchida antes de caminhar até onde ele estava. Apertou o caderno de couro em suas mãos, desejando poder parar no tempo e escrever até se sentir melhor. Seu coração estava acelerado e ele não tinha a mínima ideia de como passaria por um dia inteiro ao lado de , formando frases e dando sentido à elas. Parecia impossível. Ele mordeu a bochecha internamente, tentando não demonstrar sua ansiedade. Ela sorriu ao parar ao seu lado antes de prender uma mecha de seu cabelo curto e escuro atrás da orelha.
O rapaz não pode evitar de observar como suas mãos eram pequenas e delicadas, imaginando qual seria a sensação de tocá-las.
Pensou, logo fazendo uma anotação mental de anotar aquilo no caderno quando tivesse a chance. Não era um pensamento genial, mas como se tratava de , era especial. Longos minutos se passaram até que a professora anunciasse todas as duplas e que deveriam estar de volta ao ônibus as quatro da tarde. Os outros alunos conversavam animadamente com seus parceiros, mas e continuavam em silêncio. Quando todos começaram a se afastar, ela se virou e o olhou, inclinando a cabeça com um sorriso divertido nos lábios. Ele franziu o cenho ao vê-la indicar a orelha e só então se deu conta de que estava com seus fones de ouvido. Mais por hábito do que qualquer coisa, já que não ouvia música nenhuma. Estava tão acostumado com a companhia de seus próprios pensamentos e a trilha sonora de sua vida, que às vezes se esquecia de que outras pessoas poderiam falar com ele também.
— Sinto muito. — ele sorriu, se desculpando ao tirar os fones que ficaram pendurados na gola da camisa que usava.
— Não tem problemas. — sorriu abertamente e ele quase sentiu necessidade de fechar os olhos para lidar com toda a luz que ela irradiava.
Por mais clichê que fosse, gostava de compará-la com o Sol. estava no centro de tudo. Pelo menos, da galáxia dele. Ela era a presidente da classe desde sempre. Lidando graciosamente com todos os problemas que apareciam. Estava à frente de todos os eventos estudantis e era até mesmo considerada a líder de seu seleto grupo de amigos. não era manipuladora ou louca por poder. Sua personalidade dócil simplesmente fazia com que todos ficassem a sua volta, era natural. Era a sua gravidade em ação.
O grande grupo de adolescentes inquietos se organizou em uma fila para entrar no museu, por ordens da professora. Alguns conversavam com seus amigos, mas e sua parceira permaneciam em silêncio. Ao chegarem ao hall principal, alguns funcionários do museu os aguardavam e se dividiram em grupos menores para algumas explicações sobre o lugar. Ao final, foram dispensados para explorar o lugar por conta própria e fazer o relatório.
Assim que estavam sozinhos, a garota leu o papel com as instruções por alguns segundos, tentando bolar a melhor estratégia para terem sucesso.
— Precisamos escolher uma das áreas para ser o nosso foco. Sugestões?
Ele deu de ombros.
— ? — Era estranho ouvi-la falando seu nome daquela maneira, como se fossem grandes amigos. — Eu sei que tem algo a dizer.
Ele trocou o peso para a outra perna, brincando com uma pequena pedra solta no chão por alguns segundos. Mordeu o lábio inferior ao perceber que o olhava, aguardando uma resposta.
— Eu gosto do planetário. — admitiu timidamente.
— O planetário será, então. — determinou, olhando o pequeno mapa anexado as folhas que seriam o relatório. Não precisava muito para saber que ela estava tentando deixá-lo confortável. — Isso não faz o menor sentido. — ela murmurou, inclinando a cabeça e espremendo os olhos ao tentar compreender o mapa.
teve vontade de rir de sua expressão, mas não o fez. era a pessoa mais transparente da escola. Não precisava conhecê-la muito para saber o que estava pensando, já que demonstrava tudo por suas expressões e linguagem corporal. Ou talvez ele só passasse tempo demais observando-a. A garota arqueou uma sobrancelha, como se perguntasse se algo estava errado.
— Eu já vim aqui algumas vezes. O planetário é por ali. — indicou e ela assentiu, esperando que ele assumisse a liderança.
Lentamente, começou seu caminho até lá, garantindo que o acompanhava de perto. Era possível ver as cores do uniforme da escola por todo lado, mas tinha certeza que nenhum de seus colegas escolheria o mesmo lugar que eles.
— Quantas vezes já esteve aqui?
Ele deu de ombros.
— Três ou quatro? Eu não sei. — murmurou com falsa indiferença.
— No seu tempo livre? — assentiu. — Uau. Tudo que faço no meu tempo livre é assistir dramas e dormir.
O rapaz riu baixo.
— Você tem algum tempo livre? Sempre está na escola resolvendo algo. — comentou.
O silêncio dos segundos seguintes o levou a pensar que ela havia ficado com vergonha, talvez por achar que não prestava atenção nela. Mas ele se perguntava se isso era possível. O que poderia acontecer na vida de alguém para não notar o quanto se empenhava em suas tarefas de representante? Essa era outra vantagem - ou, quem sabe, desvantagem - de não conversar com muitas pessoas. tinha tempo de observar o mundo a sua volta e, principalmente, as pessoas. Ele sabia, por exemplo, de mais dois ou três casais que se formariam na escola naquele ano apenas por observar as relações dos alunos durante os intervalos. Era engraçado pensar o quanto era possível aprender apenas observando. também sabia que, pelo menos, dois garotos da sala davam em cima de com frequência e por mais que ela tentasse afastá-los, eles não compreendiam a mensagem.
— Eu tento não passar muito tempo na escola, mas sempre aparece algum problema para resolver e eu não sei dizer não às pessoas.
Ele assentiu, pois já sabia o que acontecia. era gentil demais para aquelas pessoas. Para aquele mundo. Não demorou para que eles chegassem ao planetário, que estava vazio, pois, como previu, todo seus colegas de escola estavam na área de tecnologia avançada, que era mais fácil e divertida. Não para ele. Cumprimentou a funcionária que estava na entrada e seu coração se aqueceu ao ouvir fazendo o mesmo. O planetário era escuro e a temperatura era controlada, o que contrastava com o dia quente e claro do lado de fora, mas se sentia mais aquecido lá dentro.
O teto simulava o céu durante a noite, com destaques as principais constelações. O rapaz precisou de um minuto para absorver toda aquela beleza. Sem esforço, conseguiu encontrar cinco de suas constelações favoritas e isso quase o fez sorrir. No começo, não conseguia compreender como alguns pontos ligados deveriam formar aquelas imagens complexas, mas agora as conseguia ver com perfeição. trocou o peso do corpo para a outra perna e o movimento chamou sua atenção, trazendo-o de volta para a realidade.
— Você gosta muito disso, hm? — questionou com um tom divertido, olhando-o.
Ele assentiu, tímido. Começaram a andar pelo lugar, analisando tudo para responder ao relatório. Não demorou para a garota começar com as perguntas, que respondeu com insegurança no começo, mas foi ganhando confiança ao ver o interesse nos olhos de , que o ouvia com atenção. Ela não se lembrava da última vez que o havia visto falar tanto. Ou melhor, não se lembrava da última vez, antes daquela manhã, que o havia ouvido falar. Sua voz era grossa, porém doce. Agradável. Mas estava surpresa com a paixão ao falar sobre o assunto. Mal imaginava que grande parte daquele sentimento estava, na verdade, relacionado a ela.
Depois, o a levou para assistir a pequena apresentação que acontecia a cada hora. Ele pôde sentir seu rosto esquentar quando o braço da garota encostou no seu, agradecendo mentalmente por estar escuro. O mesmo havia acontecido mais cedo, quando ela se apoiou no seu braço esquerdo e ficou na ponta dos pés para praticamente sussurrar uma pergunta em seu ouvido, tentando não atrapalhar a explicação de um dos guias para um grupo de crianças. Além do ato inesperado, o perfume floral que ela usava o estonteou por alguns segundos. A ponto de nem conseguir se lembrar da pergunta que havia sido feita, então ele encolheu os ombros e disse que não sabia. Para sua surpresa, parecia extremamente confortável a sua volta, o que não fazia sentido nenhum.
— Algum motivo para gostar tanto de astronomia? — a pergunta que queria fazer desde o começo da manhã escapou dos lábios de antes que ela percebesse. Suas bochechas coraram e ela completou: — Não precisa me dizer, se não quiser.
Ele mordeu o lábio inferior, fitando os próprios pés enquanto tentava descobrir a resposta para uma pergunta tão pessoal. Na verdade, ele já sabia a resposta, mas procurava as melhores palavras para que não soasse bobo. O olhar atento de não tornava as coisas mais fáceis. apertou o caderno de couro ainda em suas mãos, relutante.
— Eu… Não me sinto sozinho. — admitiu.
— Isso é bonito. — ela sorriu. — Acho que te entendo.
O coração de pulou uma batida ao ouvir aquelas palavras. Aproveitou que ela se distraiu com o celular no minuto seguinte e abriu o caderno em suas mãos, anotando rapidamente algumas ideias que havia tido até aquele momento e repetia em sua mente a todo segundo para que não esquecesse. Segurava o diário firmemente com a mão esquerda, apoiando-o em sua barriga enquanto escrevia rapidamente, a caligrafia ainda pior do que o normal. Como sempre, estava encolhido por cima do pequeno objeto, tentando proteger seus pensamentos dos olhares curiosos do mundo. Quando terminou, percebeu que estava em silêncio, brincando nervosamente com suas mãos e esperando que ele acabasse.
— Sinto muito. — ele sorriu fraco. — Eu só precisava anotar algumas coisas.
— O que tanto escreve nesse caderno? — ela indagou casualmente, tentando esconder sua gigante curiosidade. — Parece importante.
— Uhh… — tentou ganhar algum tempo, pensando em alguma mentira. — Estou resolvendo equações.
— Equações? — franziu o cenho. — Você passa o dia resolvendo equações?
— Sim, claro. É… divertido.
Ela deu de ombros, decidindo não discutir o assunto. sorriu com a pequena vitória. Com o passar do tempo, descobriu que a melhor forma de afastar alguém de seus assuntos privados, é fingir ser algo que todos odeiam. observou o espaço a sua volta com cuidado e coçou o olho distraidamente, um pouco incomodada com a escuridão do lugar. sorriu ao ver as pequenas sardas no rosto da menina ao que ela esfregou, inconscientemente, a manga cumprida branca no rosto. arregalou os olhos ao ver a mancha deixada pela maquiagem e cobriu o rosto com as mãos.
— Eu preciso ir ao banheiro. — murmurou com a voz abafada.
Ela se virou e estava prestes a dar o primeiro passo quando o rapaz a segurou pelo braço delicadamente. arqueou a sobrancelha e ele mordeu o lábio, percebendo, tarde demais, que não deveria ter feito aquilo. Soltou o braço da garota e balançou a cabeça, incentivando-a a seguir em frente. Ele havia se fechado novamente. Se tornado o planeta distante que não tinha relevância alguma para o Sol. Exceto que, talvez, ele tivesse. Nunca saberia se não tentasse algo, certo?
— Eu gosto das suas constelações. — murmurou assim que ela deu outro passo para se afastar.
— O quê? — parecia confusa, com toda a razão. Aquela frase não fazia sentido para ninguém além dele.
coçou a nuca, tentando organizar seus pensamentos.
— Suas constelações. — repetiu e deu um passo à frente. Com cuidado, tirou as mãos da menina de seu rosto, sorrindo em um pedido silencioso por confiança. Mesmo não entendendo nada, permitiu. As constelações dela continuavam perfeitas, assim como se lembrava. O sorriso dele aumentou com a descoberta. Ele encostou o indicador com cuidado sobre a pele dela, sentindo seu sangue ferver com o contato. Seu rosto provavelmente estava vermelho, mas aquilo não era importante naquele momento. Naquele talvez-relacionamento, era o Sol. — Eu consigo vê-las em seu rosto. — murmurou e então deslizou o dedo pela pele clara. — Cassiopeia. — sorriu de lado. — Cão menor. — indicou outro conjunto de sardas. — Delfim. Até mesmo o cinturão de Órion. — concluiu. — Não gosto que tenha que escondê-las. O mundo é idiota por criticar um detalhe tão encantador.
O rosto da garota assumiu um tom vermelho que nunca havia visto e só então se deu conta de que talvez tivesse passado dos limites. Ele recolheu o braço e ocupou suas mãos brincando com o elástico de seu diário.
— Eu já volto. — ela murmurou antes de se afastar.
Ótimo. Agora era o garoto estranho que via estrelas nas pessoas. Era tudo que precisava para completar o pacote. Mordeu o lábio inferior, trocando o peso para uma perna e outra, completamente inquieto. Talvez ele pudesse sair dali. Voltar para o ônibus e fingir que nada tinha acontecido. Podia implorar para que os pais o trocassem de escola ao chegar em casa. Não era como se alguém fosse sentir sua falta mesmo. Na pior das hipóteses, o garoto invisível receberia alguns olhares estranhos por algumas semanas, até que alguém fizesse algo pior e ele fosse substituído.
Estava prestes a fazer seu caminho para fora do prédio quando viu voltar. Ela sorria como nunca e aquilo o fez ter certeza de que era o Sol. Era uma pena que ele tivesse estragado tudo. Seu coração se apertou com o pensamento e precisou se concentrar para não derrubar uma lágrima. Assim que ela deu mais alguns passos, ele pôde perceber que seu rosto estava completamente limpo de maquiagem. Seus olhos estavam ligeiramente menores e podia enxergar todas as estrelas em suas bochechas. sorriu inconscientemente. Suas palavras estranhas tiveram algum efeito, afinal.
— Oi. — ela murmurou timidamente, fitando os próprios pés.
— Você está linda. — declarou, imediatamente se xingando pela escolha de palavras.
— Quer dizer, você é linda. Eu, hmm-
— Obrigada, . — ela sorriu, ficando na ponta dos pés para beijar a bochecha do rapaz.
Ele podia sentir cada reação causada por aquele pequeno ato e, por um segundo, achou que fosse explodir. De felicidade ou, talvez, vergonha. Ficar tão próximo do Sol tinha consequências. Mas ele não se importava, desde que estivesse perto dela. Agora, ele era Mércurio. Sorriu com o pensamento.
— Pode me contar mais sobre as constelações?
Assentiu e os dois encontraram um lugar quase escondido no canto. Se sentaram no chão e perdeu a noção do tempo ao explicar-lhe a beleza das constelações enquanto preenchia distraidamente o relatório para entregar no fim do dia. O celular da garota apitou, tirando-os de seu pequeno refúgio e avisando que estava na hora de voltarem ao mundo real. Ele não tinha ideia de como seria sua incomum relação dali para frente, mas torcia para que tudo mudasse. Teve confirmação disso quando ela o parou na porta do planetário, pedindo para tirarem uma foto juntos. odiava esse tipo de coisa, mas não conseguiria dizer não para o Sol. Concordou e tentou não parecer um completo idiota do lado dela.
Enquanto caminhavam até o ônibus, a mão de tocou a sua algumas vezes e ele achou que talvez fosse por coincidência. Até que ela enroscou o dedo mínimo no seu, timidamente. Ele arregalou os olhos e a olhou. A garota tinha um sorriso envergonhado e silenciosamente perguntou se estava tudo bem. Ele assentiu, sorrindo. Seu coração batia mais forte do que nunca e teve certeza que poderia escapar a qualquer segundo.
Todos os outros estudantes já estavam no ônibus e os professores responsáveis os esperavam do lado de fora. entregou o relatório a um deles e ajudou a subir no ônibus. Ela escolheu se sentar do lado esquerdo do corredor e o convidou para ocupar o lugar ao seu lado. Assim que estava acomodado, o rapaz colocou um de seus fones de ouvido e ofereceu o outro a ela, que aceitou. Não demorou muito para descobrirem que tinham um gosto musical similar.
— Qual sua constelação favorita mesmo? — ela questionou, olhando-o.
Ele pensou por alguns segundos e então tocou um conjunto de sardas no rosto dela pela segunda vez no dia.
— Cassiopeia. — sorriu.
assentiu, tirando um pequeno espelho de maquiagem da bolsa bege que carregava e então um lápis de olho. observou intrigado conforme ela desenhava algo em sua bochecha, sorrindo satisfeita ao ver o resultado.
— O que acha?
Ele riu baixo ao ver como ela havia desenhado estrelas por cima de suas sardas e as havia conectado, formando a constelação favorita do rapaz.
— Maravilhosa.
— Pronto! — anunciou, abrindo um grande sorriso, orgulhosa de sua criação.
Entregou o espelho de moldura rosa claro para e ele sorriu ao ver a versão da constelação de Pégasus desenhada em seu rosto.
— Essa é a sua favorita? — perguntou divertido, devolvendo o objeto.
— Por enquanto. — ela deu de ombros, guardando o lápis preto e o pequeno espelho na bolsa. — Talvez eu mude. Preciso de mais algumas aulas para aprender todas e me decidir. O que me diz de terça e quinta, durante a tarde?
sorriu abertamente, concordando. Isso significava mais tempo juntos e ele jamais recusaria a companhia de . Ela se ajeitou no banco novamente e bocejou em seguida, balançando a cabeça para tentar se livrar do sono.
— Cansada?
assentiu, ligeiramente envergonhada.
— Foi um dia cheio.
— Pode se encostar em mim, se quiser dormir um pouco. — ofereceu envergonhado.
A garota pareceu relutante no começo, mas aceitou, abraçando o braço de e apoiando a cabeça em seu ombro. Fechou os olhos e não demorou para que estivesse cochilando. O rapaz sorriu, admirando-a. Sentia como se estivesse flutuando e talvez até imaginando coisas, porém a quente e confortável presença do Sol lhe provava que tudo era verdade. A gravidade havia vencido, como era de se esperar.
FIM!
Nota da autora: Sem nota.
Nota da beta:
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