Capítulo Único
Não temos tempo para se arrepender
Hold on
Aguente firme
Seis meses atrás.
nunca acreditou em sexto sentido, e talvez tenha sido por esse motivo que tudo deu errado naquela noite.
Quando enviou uma mensagem e propôs um plano para escaparem, bem no fundo da sua mente algo lhe incomodava. Ambos eram primogênitos da máfia italiana e pertenciam às famílias rivais, foram criados para se odiarem e até mesmo assassinarem um ao outro caso tivessem chance.
D’Angelo, “a protetora da humanidade” ou “protetora dos D’Angelo”, como o seu pai gostava de se referir com orgulho, traiu a sua família e toda a tradição de ódio hereditário. Ainda se recordava do momento em que sua mãe chorou copiosamente e foi amparada pelo marido, que parecia prestes a explodir de raiva, quando descobriram que ela estava apaixonada pelo filho dos inimigos da família.
Eles eram os primeiros a se apaixonarem.
E a esperança de trazer paz.
Foi um desejo muito bobo e apaixonado, em que a cegueira da paixão foi capaz de camuflar todos os outros detalhes.
Pela primeira vez, a protetora estava disposta a abandonar a sua fortaleza e viver por si mesma. Desconhecia os perigos do mundo lá fora, a parte externa da bolha em que cresceu. Queria conhecer o mundo sem a máfia, sem o peso de defender a sua família e comandar os negócios, além de a todo custo ter que derrubar o inimigo.
E enxergou em essa oportunidade.
Bianco, “o governante da casa” ou “príncipe do lar”, encontrava-se na mesma posição, e talvez por essas semelhanças compartilhadas que encontraram o amor um no outro. Brincavam sobre o amor se multiplicar em mil, cada vez que uma centelha de ódio fosse acesa entre ambas as famílias.
Trocaram mensagens por alguns minutos, combinando cada detalhe do plano. Deveriam se encontrar nas docas do porto às três da manhã. Ela detestava esse horário, mas aceitou. Apagou as mensagens que haviam trocado e fechou os olhos, soltando um suspiro ao se lembrar das palavras do amado.
— Aguente firme. — sussurrou para si mesma e soltou um som de susto ao ouvir sua porta abrir com violência. Sua expressão tornou-se fria enquanto tentava esconder os seus sentimentos, afinal poderiam atrapalhá-la no momento errado. Deixou o aparelho celular na cama e disfarçou estar concentrada em limpar suas pistolas prateadas.
— Como pôde, sua estúpida? — gritou em pé na porta do quarto, o rosto vermelho exalando o mais verdadeiro ódio. — A mamãe e o papai estão espumando, queriam te deserdar. — ela ordenou algo no corredor e bateu a porta atrás de si, parou em frente à irmã mais velha.
soltou o ar dos pulmões e revirou os olhos, a melhor máscara de indiferença para esconder tudo que pretendia. Sabia que aquela noite não seria fácil e teria muitos obstáculos para enfrentar.
Não pare seus desejos, mantenha-se
Hold on
Aguente firme
— Como pôde, ? — perguntou num tom raivoso enquanto cruzava os braços e encarava a mulher. — Sempre admirei e desejei ser como você! E você nos traiu dessa forma! — Sua voz tornou-se decepcionada.
A mais velha colocou as pistolas ao seu lado no colchão e encarou a caçula. Revirou os olhos e deixou o corpo cair nos travesseiros.
Não podia esquecer de si mesma e tudo que desejava, precisava aguentar firme.
— Eu não traí ninguém, .
A jovem riu, debochada, enquanto caminhava até a janela mais próxima e encarava o céu escuro lá fora. Riu mais um pouco e virou em direção à irmã, encostando as costas na vidraça.
— Não é traição? — perguntou, incrédula. Abriu um sorriso debochado e colocou o dedo indicador no queixo, forçando uma expressão pensativa. — Hum, deixa eu consultar o meu humilde vocabulário…
— Você pode parar com o drama? — perguntou enquanto levantava apenas a parte superior do corpo, equilibrando-se nos cotovelos para que pudesse encarar a irmã e que a mesma identificasse a seriedade de sua expressão.
— Cilada…
— Pare.
— Emboscada...
— Cale a boca, ! — ordenou, aumentando e evidenciando sua impaciência no tom de voz.
A jovem arregalou os olhos, a boca levemente aberta. O seu belo rosto tornou-se magoado e desviou os olhos castanhos do rosto da irmã. Soltou um suspiro que deixou a postura caída e seguiu em direção à porta, sem olhar para trás. E a mais velha observou-a se afastar em silêncio.
A caçula parou abruptamente e segurou a maçaneta, prestes a deixar o quarto. Soltou o ar dos pulmões e negou-se a virar para encarar a mais velha, afinal, não queria revelar as lágrimas que estavam prestes a escorrer por seu rosto.
— Você vai morrer, irmã. — doeu na alma revelar o que realmente rondava sua mente ao descobrir o que a mais velha estava aprontando, mas não se perdoaria por omitir. Abandonou o quarto sem olhar para trás e pela última vez. Caso tivesse o feito, teria visto a expressão assombrada da irmã.
— É o que veremos, .
Porque um quarto vazio pode ser barulhento
There's too many tears to drown them out
Há tantas lágrimas para afogá-las
So hold on, hold on, hold on, hold on
Então segure firme, segure firme, segure firme, segure firme
O que ela mais desejava? Questionou-se enquanto o seu olhar estava perdido no céu escuro. Passou a vida inteira ocupando aquele quarto, atravessou a infância e adolescência dentro daquelas paredes. Chorou e sorriu, preocupou-se e comemorou. Estava mais uma vez em uma dessas situações. A vida que conhecia e foi criada para liderar estava prestes a desmoronar ou não, tudo dependia de sua escolha. Assim como as lágrimas, as palavras de seu pai ainda escorregavam por sua mente. Era palpável a dor mesclada com o desprezo, e isso machucou-a muito, mil vezes mais do que a explosão de . Ele ordenou que arrumasse suas coisas, pois ao amanhecer seria enviada para a residência das vinícolas. Ela chorou, dominada pela angústia e pelo peso de carregar o segredo de sua partida, o que pareceu agradar o homem. Quando deixou-a sozinha, reuniu os pertences mais importantes e aproximou-se da janela para admirar aquela vista noturna. Se pudesse comparar a sua vida, seria como uma gaiola, e ela era apenas um pássaro desejando bater as asas e voar. As lágrimas que molhavam o seu rosto eram como o seu canto pela liberdade.
Deixou o corpo cair no tapete felpudo e abraçou os joelhos, derramou mais lágrimas enquanto era consumida pelo barulho do silêncio de seu quarto.
Ela precisava se manter firme.
Quando você ama alguém
And they break your heart
E esse alguém te machuca
A mulher respirou fundo e encolheu-se na escuridão atrás de um container. Sacou suas pistolas prateadas e fechou os olhos, os ouvidos atentos a qualquer barulho diferente da máquina que colocava os containers em um navio ou as ondas que batiam na murada do porto. Estava muito tensa, ao ponto de estar suando frio e não perceber. As mãos geladas estavam escorregadias pelo suor, assim como as costas por baixo do casaco de capuz preto. Olhou o relógio em seu pulso e esforçou-se para manter-se em silêncio.
estava dez minutos atrasado.
O que ela faria, caso ele não aparecesse? Partiria ou voltaria para sua família?
Essa era uma resposta que ainda não tinha, e o medo de encontrá-la...
Don't give up on love
Não desista do amor
Have faith, restart
Tenha fé, recomece
Just hold on, hold on, hold on, hold on
Apenas aguente firme, aguente firme, aguente firme, aguente firme
Quando o sol estava prestes a nascer, havia tomado uma decisão: partiria e deixaria tudo para trás.
não apareceu e não deu qualquer sinal de vida. Tentou ligar, mas ele não atendia. Temeu por ele, mil possibilidades cruzavam sua mente durante o tempo de espera, mas perderam a batalha quando o cansaço e a dor de um coração partido foram maiores.
Doía muito, e o gosto de decepção estava impregnado em seu paladar. Havia dado um passo que mudou toda a sua vida, só não conseguia definir se estava arrependida. Queria acreditar que ele foi apenas uma desculpa para que escapasse de sua gaiola e voasse livre pelo céu azul.
Preferiu acreditar que, para recomeçar, deveria ser do zero.
Zero resquícios do seu passado.
Zero .
Zero máfia.
Zero família.
Ela aguentaria firme por si mesma.
Guardou suas pistolas e seguiu, os passos firmes e a cabeça erguida em direção ao alaranjado que coloria o céu.