Capítulo Único
Caminhar pelas calçadas do Brooklyn já não tinha mais o mesmo encanto de outrora. O vento fazia os galhos das árvores balançarem e as folhas caírem sobre a calçada, as cores dos graffitis nos muros estavam tão vivas como se tivessem acabado de serem pintados e o pôr do sol manchava o céu com vergões alaranjados tão marcantes no entardecer da cidade. Mesmo com aquela paisagem maravilhosa, tudo se transformava em um apagado tom de cinza sem a mão firme e segura de nas de naquele cenário tão nostálgico para os dois. Sentia uma falta absurda do homem que virou seu mundo de pernas para o ar e era inevitável lembrar-se de cada detalhe de sua vida junto a ele e como foram felizes a maior parte do tempo. Exatos oito meses haviam se passado desde o fatídico dia de dezembro em que perdera mais do que gostaria e lá estava a arquiteta que ganhara o título de bem sucedida pela revista Casa Vogue, caminhando, talvez para afastar o nervosismo, até o Five Leaves. Em todo o caminho, ponderou sobre a situação atual, sobre seu status em relação à área profissional e o desastre que se tornou sua vida pessoal. Dois grandes contrastes. Ao menos o destino, se é que existia destino, estava lhe dando o que parecia ser uma oportunidade. Uma que esperava agarrar com todas as forças para que, mais uma vez, não arruinasse tudo.
Poucos toques e a voz grossa com pitada de rouquidão, que sempre a fazia se sentir tão bem e de um jeito tão mágico, a atendera. Era a primeira vez que pegara o telefone para contatá-lo.
– ? – a surpresa era evidente.
Depois de um longo dia de trabalho onde todas as músicas e, incrivelmente, todas as pessoas usaram expressões, gestos e mencionaram coisas que a fizeram se lembrar do ex-namorado, ceder fora a única opção. Não sabia como conseguira se segurar por tanto tempo, mas não tinha mais como conter-se. Totalmente envergonhada e receosa, encontrava-se deitada em sua cama em Vermonte, prestes a ter uma síncope. Apertou o celular contra sua orelha e encarou a realidade. Não tinha mais quinze anos, por mais que muitas vezes parecesse.
– Pensei que você tinha excluído meu número de sua agenda. – arqueou a sobrancelha e sorriu presunçosa.
, com seu orgulho aflorado, não queria demonstrar que esteve esperando por uma ligação em todos aqueles meses e nem que o número da ex-namorada ainda estava na lista de favoritos. Seria demais para ele, depois de tudo, estar disponível e acessível tão facilmente. Decidiu que uma pequena mentira não faria mal algum.
- Na verdade, eu excluí... Mas memória fotográfica é uma merda. – podia jurar que, do outro lado da linha, entortou os lábios. Ela segurou para não sorrir ao imaginá-lo tentando disfarçar a careta, mesmo a resposta não tendo lhe agradado por completo.
- Na sua profissão, isso é bem importante... – soltou a primeira coisa que veio em sua cabeça e se odiou internamente por não conseguir nada melhor.
- Verdade. E o que mais temia aconteceu. O assunto fora cortado e ficaram em silêncio por alguns segundos. Respostas secas, falta de assunto, estranhamento. O orgulho dos dois estava claramente vencendo e o muro, cada vez mais alto e reforçado.
Em toda a sua vida, havia ouvido sobre o grande problema que era para um relacionamento quando acabava o respeito. Ela não sabia dizer se aquele era o caso, mas podia afirmar com certeza que tanto quanto ela tinham grandes parcelas de culpa nos quesitos ‘falar coisas sem pensar’ e ‘se magoar’. O comportamento errôneo dos dois era tão prejudicial que, mesmo depois de oito meses sem se falar, todas as reservas ainda estavam latejando em seus peitos.
- Então... Como tem passado? – se ouviu perguntando.
- Muito ocupado. – limitou-se a dizer. Não queria dar muitas informações, como: ‘Estou trabalhando demais para tentar compensar essa dor que não vai embora’.
- Oh... – certo, pensou . Ok, ela podia aguentar um pouco de indiferença.
- Por que a pergunta? – procurou saber.
- Só... só perguntando.
Em seu apartamento, parado na cozinha e recostado ao balcão, massageou as têmporas. Meses esperando uma ligação e quando acontecia, ele só queria machucar a mulher que ainda amava. Respirou fundo e fechou os olhos. Uma hora ou outra, precisariam passar por aquilo, precisariam ter uma conversa amigável e, na verdade, ele ainda esperava respostas, explicações plausíveis e até um fechamento para tudo que tinham iniciado.
- Você me ligou para quê, exatamente? – sua intenção não era ser grosseiro, mas estava louco para saber.
ajeitou-se entre os lençóis, encolhendo as pernas e se transformando em uma pequena bola. Juntou coragem para fazer o convite, que era o seu plano inicial quando pegou o telefone, e arriscou.
- Será que você não teria algumas horas para me encontrar? Não sei se você sabe, mas eu moro em Vermonte agora e vou à New York semana que vem, então podemos ir ao Five Leaves, talvez. Apenas para uma conversa... – seu tom de voz mudou ao arriscar todas as fichas para convencê-lo. A oitava menor que usou e o jeito manhoso que, em outras épocas, sempre convenciam de tudo o que queria, era testada. Não sabia se ainda funcionaria, mas não custava tentar. Quando nenhuma resposta veio, continuou. – Não que eu mereça essa consideração de sua parte, porque eu sei que depois de tudo eu não mereço, mas realmente acredito que uma conversa faria bem para nós.
apertou seus lábios até que formassem uma linha e aguardou impaciente. Estava com medo de falar mais alguma coisa de modo impulsivo na tentativa de convencê-lo e soar como uma desesperada. Não que não estivesse, mas ele não precisaria saber sobre aquilo. Mesmo deitada em sua cama, não conseguia parar de batucar os dedos em cima de sua perna, como se aquele ato repetitivo fosse extravasar a ansiedade que estava sentindo. Os pequenos segundos que se passaram enquanto não lhe respondeu, pareceu ter se arrastado por horas.
franziu a testa. Sempre que estava considerando os prós e contras de alguma ação, seu rosto lhe entregava com os vincos que se formavam ali. Era verdade que nos últimos meses andara totalmente ocupado e não houvera chances de nem ao menos pensar, quanto mais tentar correr atrás de . O trabalho fora uma fuga automática.
- Você está pronta para isso? – perguntou receoso. Não queria concordar de primeira. Não queria também ser feito de bobo quando em minutos se refizesse e mudasse de ideia. Algo que sempre acontecia.
- Qual é... Eu liguei, eu fiz o convite. Quer ouvir um por favor? – as palavras atrevidas escorregaram de sua boca.
Hostilidade, defensiva ou agressividade? Três adjetivos para tentar definir o comportamento da mulher que sempre cercava o próprio coração com muralhas. , por mais corajosa que parecesse, era um poço de insegurança e medo, devido a diversos tombos e tropeços.
- Vejo que esses oito meses não fizeram diferença para você, – devolveu.
- Com certeza fizeram, . – baixou o tom de voz antes de acrescentar. – Eu... eu estou em ruínas. – admitiu.
O homem pensou por um tempo. Na realidade, eram dois.
- Ok... Tente de novo. – pediu, apreensivo.
mordeu o lábio inferior e respirou fundo, na intenção de se acalmar. Era a sua chance, última chance, talvez.
- Primeiro, me desculpe, ok? Posso prometer que evoluí em muitas coisas, mas às vezes escorrego. Não pense que não aprendi nada com o que aconteceu... – a arquiteta se desarmou, mas não conseguiu prosseguir com as explicações. – E segundo, por favor... Nós podemos conversar? – assumiu novamente o tom manhoso ao pronunciar o pedido educado.
fechou os olhos e sorriu, relaxando seus ombros antes tensos. Agradeceu por não poder vê-lo, pois sabia que se ela tivesse o menor vislumbre de que estava abaixando a guarda, isso a deixaria completamente convencida.
- Podemos, . – respondeu educado. – Quarta, às 18h.
Finalmente e seu corpo puderam relaxar. A sensação que tinha era de que um fardo de quase cem quilos estava sendo tirado de suas costas. Estava petrificada. O fato de ainda haver um único encontro que fosse a deixava extremamente feliz, já que suas atitudes nunca foram explicadas e a mera hipótese de lhe odiar a fazia surtar. Ele havia aceitado o encontro. Ele a havia chamado por seu apelido. Havia lhe chamado de .
A arquiteta, que havia chegado ao restaurante vinte minutos adiantada, sorriu ao avistar a figura alta e musculosa de adentrar o recinto que conheciam como a palma de suas mãos. Ele estava usando roupas escuras que caíam perfeitamente bem em seu corpo, marcando os lugares certos e lhe dando austeridade. A visão era nostálgica e fresca ao mesmo tempo. demorou a perceber que ele já estava a poucos passos e que precisava se levantar do sofá da pequena sala de espera para recebê-lo. Fazia tanto tempo que não encarava aquele angular rosto sorridente e seus olhos sinceros e que, ao reconhecer aquele brilho tão encantador, não sabia como agir. Como era possível ver o ex-namorado por quem ainda nutria fortes sentimentos e não se sentir insegura ou extremamente ansiosa? Talvez essa fosse uma fórmula ainda não inventada no mundo.
Tudo estava acontecendo em câmera lenta para . Os passos de , o seu gingado enquanto andava graciosamente nos seus inseparáveis par de saltos, o seu sorriso e até a mão pousando em seu ombro para o cumprimento. Já para a mulher, os segundos pareciam atropelar e acelerar mais do que o possível. Ela queria pensar em suas ações e agir de forma perfeita, delicada e marcante, mas só conseguiu entrar no modo automático. Sorrisos, um beijo na bochecha e um pequeno abraço desconfortável fora o que se seguiu e, então, sem muita troca de palavras adentraram o salão, ocupando a mesa indicada por uma simpática moça vestindo uniformes.
- Você está linda. – sorriu de canto, acanhado.
- Obrigada. – corou levemente e colocou seu guardanapo no colo. – Não importa quanto tempo passe, você sempre vai gostar de me ver arrumada, não é mesmo? – referiu-se aos elogios que o homem sempre fazia quando ainda estavam juntos.
a olhou como se estivesse avaliando algo e seus olhos brilhantes foram ficando opacos. A postura do homem mudou totalmente e, em segundos, aquele não era mais o homem que conhecia bem.
- Foi-se o tempo. – deu de ombros.
Ele recostou-se à cadeira e a olhou com ressentimento; as ires acusatórias. Não havia como culpá-lo. abaixou os olhos, envergonhada, e leu algumas coisas no cardápio, decidindo o que iria pedir para ajudá-la a digerir todas as arestas que seriam aparadas antes de tentar algum assunto que pudesse se tornar produtivo.
- Como sua mãe está? Pensei em visitá-la quando eu voltar para a Inglaterra. – lhe deu um olhar por cima do cardápio. Antes do que viesse a seguir, realmente queria saber sobre Samantha.
- Você vai voltar para a Inglaterra? – admirou-se.
- Mais ou menos. É algo temporário. – fez uma pausa e prosseguiu ao ver os olhos curiosos de . – Fui convidada para ser palestrante em uma feira de Arquitetura que vai passar por várias Universidades e depois ministrarei um curso de três meses na Universidade de Londres. – comentou como se fosse a coisa mais comum do mundo.
- Que legal, . – felicitou sinceramente e apoiou os cotovelos na mesa, orgulhoso da mulher. O local descontraído permitia tal informalidade. – Se tem uma coisa que eu nunca duvidei de você, era sobre a sua capacidade na área profissional. Você é muito talentosa. – completou, sorrindo.
Por um momento, sentiu que haveria uma vírgula na fala de . Ela mesma poderia complementar o que poderia vir: “Se tem uma coisa que eu nunca duvidei de você, era sobre a sua capacidade na área profissional, porém na emocional, sentimental e/ou amorosa...”. Ok, era a mais pura verdade, mas conhecendo-o como o conhecia, sabia que mesmo que ele pensasse exatamente aquilo, não falaria para ela. Ao menos que quisesse lhe atingir, claro. Apesar de que, como para bom entendedor meia palavra basta e o objetivo havia sido alcançado.
- Obrigada. – se limitou a dizer.
- É só a verdade. – piscou com um sorriso de canto nos lábios. Seus olhares se cruzaram por segundos a fio antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. – E quando viaja?
- Em dois meses. Enquanto eu estiver por Londres, posso passar um tempo com Samantha. Sua mãe ainda gosta de mim, certo? – resgatou o assunto e sorriu sem jeito com medo da resposta que poderia vir.
- Ela está passando um tempo comigo agora... Em m-meu apartamento. – ignorando a pergunta, respondeu e se engasgou ao pronunciar o pronome possessivo. O apartamento que ainda morava sempre fora dos dois e mesmo quando o deixou, era a primeira vez que ele se referia ao lugar como apenas dele. Estar lá sozinho sempre causara estranhamento, porém nunca esteve pronto emocionalmente para deixar o lugar.
Samantha em New York? Sua ex futura sogra sempre fora totalmente contrária a morar nos Estados Unidos da América. Inclusive, quando falavam dos planos que tinham para o casamento, ela sempre dizia que seria bom o casal considerar fielmente ter uma casa na Europa.
- Ela está bem? Aconteceu alguma coisa? – preocupou-se.
- Ela sofreu um acidente. Uma queda no banheiro, mas não foi exatamente grave. – Explicou com calma. – Poderia ter sido pior se ela não estivesse tendo um caso com o vizinho, porque ele poderia não ter se sentido traído quando ouviu o barulho. – mudou seu olhar para um com um quê de divertimento.
Samantha era uma mulher conservada e cheia de vida. Naturalmente, estava saindo com outra pessoa depois de ter perdido seu marido cedo demais e ter ficado sozinha com seu único filho, que seguiu carreira de Diretor de Arte em outro país. Apesar de não ver nada muito anormal em um caso com o vizinho, pois, pelo o que recordava, o homem também era viúvo e os filhos já haviam seguido suas vidas, ela sorriu com o ciúmes do homem.
- Oh , por favor! – revirou os olhos. – Sua mãe merece alguém que cuide dela. – apontou.
- Eu sei, eu sei. Mas o cara está capengando mais do que ela. – defendeu-se, tentando fugir do julgamento que continuaria caso ele discordasse. Sim, ele tinha ciúmes e ela achava completamente normal. Em todo o caso, agora estava cuidando da mãe e ela não precisaria de nenhum vizinho.
- Capengando? Sua mãe? – juntou as sobrancelhas, confusa. – Tem certeza de que está tudo bem? Você não precisa me esconder isso, sabe? Samantha é minha família também e eu posso ajudar com o que você precisar... – sentiu-se aliviado por confirmar a consideração que a ex-namorada ainda tinha por sua mãe, mas não havia necessidade para nenhum alarde. E outra, nos últimos oito meses ela não havia se preocupado com Samantha.
- Está tudo bem sim. Eu achei que seu irmão havia te contado... – fez uma pausa e prosseguiu ao ver o semblante pensativo de . – Ela desmaiou por conta de queda de pressão e bateu a cabeça quando caiu. Teve uma concussão, ficou um pouco confusa, mas agora está tudo sob controle. – explicou.
sentiu-se culpada. A verdade é que seu irmão havia ligado diversas vezes há algumas semanas, mas desde a briga séria que tiveram por causa de no natal passado, ela evitara contatos e por isso nem ouviu as mensagens de voz por pura birra. Amaldiçoou o seu orgulho mentalmente.
- Eu não tenho falado com o já fazem bons meses. – confessou, com os olhos baixos.
Desde que chegaram ao restaurante, haviam pedido apenas bebidas. um suco de limão e uma cerveja preta. Os dois copos encontravam-se vazios em cima da mesa e nenhum dos dois tinha pretensão de fazer outro pedido até que conseguissem conversar o máximo possível antes de se estranharem novamente. Por mais que o assunto fosse delicado, estavam conseguindo se comunicar de forma leve e como antigamente.
- Por quê? Ele não me contou sobre isso... – juntou as sobrancelhas, confuso.
- Acho que você pode imaginar o motivo. – deu um sorriso amarelo e desviou o olhar. umedeceu os lábios e a olhou com certa urgência. – A última coisa que ele me disse foi que ele não queria ter que escolher um lado, mas que eu havia facilitado as coisas para ele.
Finalmente haviam chegado perto do principal assunto a ser tratado. Um que demandaria paciência e compreensão. Era a hora exata para serem sinceros.
Às nove horas da manhã de uma quarta-feira ensolarada, a primavera boreal que abençoava o território norte americano e deixava as cores das lindas flores e vasta vegetação do Central Park mais viva, alegrava os ânimos de . A arquiteta adorava aquele lugar tão clichê e movimentado de New York e conseguia adorar ainda mais quando estava acompanhada de seu atual namorado. Desde o reencontro no Caribe, uma enorme coincidência, ambos se permitiram resgatar um sentimento que fora obrigatoriamente adormecido quando adolescentes e as coisas começaram a ficar cada vez mais sérias. Os planos de morar juntos continuava em andamento e já até haviam visitado alguns lofts no Brooklyn naquela semana, porém nenhum que os fizesse escolher sem receios. Claro que preferia morar em Soho ou Manhattan e bateu o pé por um bom tempo, mas cedeu a preferência do homem com o acordo firmado entre eles de que ela ficaria responsável por toda a decoração. Ao menos continuaria perto e tudo o que mais gostava em sua cidade. Naquela manhã, muitas pessoas haviam tido a mesma ideia que o casal e aproveitaram para lanchar nos gramados verdes e macios ‘ou para brincar com seus filhos e alimentar os patos. O clima familiar havia envolvido os dois. passou o braço pela cintura de , pressionando a lateral de seus corpos e caminhando abraçados enquanto conversavam.
Mesmo que a profissão de o fizesse viajar a maior parte de tempo devido às gravações e locações de seriados ou filmes que se envolvia, e mesmo que ficasse a maior parte do tempo em seu escritório dando vida a estética das casas dos condomínios ou as reformas de centros comerciais, o tempo que tinham livres eram totalmente dedicados a eles e ao que gostavam de fazer. Incrivelmente, se davam bem em ceder em certas ocasiões para satisfazer o outro, como o homem estava fazendo naquele dia... Aproveitando um passeio matinal ao invés de dormir até mais tarde em seu tão precioso dia de folga.
- O está realmente começando a aceitar a ideia de que estamos juntos... – comentou , animada. – Apesar de que minha mãe tem feito um ótimo trabalho defendendo o futuro genro, sabe?
- Sua mãe sempre me quis como genro.
O casal parou no topo da ponte preferida de , onde tinham a melhor vista do parque e onde todos podiam sentir o romantismo mesmo de longe. O lago em baixo de si, os patos, o vento que fazia as filhas das árvores balançarem, tudo era perfeito. virou o corpo da arquiteta de frente para o dele e encostou seus corpos. Com uma das mãos, colocou uma mecha dos cabelos macios da mulher atrás da orelha e um sorriso se formou em ambos os lábios.
- Ela não conta porque sempre foi sua puxa saco, . – revirou os olhos e balançou a cabeça negativamente.
avaliou a mulher por alguns segundos e sorriu abertamente, mostrando sua fileira de dentes levemente amarelados devido a tanto café que gostava de ingerir.
- Todo mundo sabe que é pra valer... – encostou o nariz comprido no pequeno e delicado de . – Eles sabem que a gente se ama, . – completou.
Um suspiro e um arrepio, e antes mesmo que pudesse se derreter, selou seus lábios demorando-se para separá-los. O homem sempre fora muito tranquilo em relação aos seus sentimentos e demonstrações de afeto, não era do tipo meloso e nem romântico demais e isso tornava os momentos carinhosos muito mais significativos. Como aquele. Principalmente quando ele acabara de dizer que a amava.
- Hm... – mordiscou o lábio inferior. – Eu não sei... Será que eu amo? – brincou e passou os braços em volta do pescoço de , mantendo-se próximos. Encostou seus lábios novamente, e seguiu com pequenos beijos, fazendo-o sorrir.
- Mesmo que você negue, o seu corpo diz que sim. – sussurrou.
Um beijo carinhoso se seguiu entre os dois. As mãos de tocaram a cintura de com propriedade, deslizando as mãos até as costas da mulher, acompanhando com apenas uma delas a linha que se formava bem ao centro da coluna, subindo de seu quadril até o pescoço por cima da blusa fina que vestia. O som dos pássaros cantando e o barulho da água no pequeno lago abaixo da ponte era a trilha sonora perfeita para o momento dos dois. Depois de alguns selinhos no final, encostaram suas testas uma a outra e ficaram se olhando por alguns segundos, antes de voltarem a caminhar de mãos dadas.
- Temos vinte minutos para chegar no loft. – comentou ao checar as horas.
- Você vai ser menos exigente dessa vez? – perguntou , apertando a mão da mulher. Sua voz com um quê de súplica.
- Vou tentar... – ela riu.
- Mas tente bastante, ok? Esse é o último que temos para ver... – comentou.
- Nós podíamos tentar um apartamento em algum daqueles prédios ali. – apontou na direção do Upper East Side. revirou os olhos.
- Já decidimos sobre isso.
- Eu sei, eu sei... – rendeu-se e encostou seu ombro no dele, apertando um pouco suas mãos unidas.
Estava se sentindo como uma adolescente com o primeiro amor, o que, na verdade, não deixava de ser. sabia que estava mais entregue do que realmente deveria estar, mas não havia nada com o que se envergonhar. puxava isso nela. Demonstrava confiança, demonstrava amor com cada preocupação e gesto – mesmo que não fosse muito de verbalizar os sentimentos – e demonstrava ser tudo o que ela sonhou para si um dia. Ele preenchia até a lista que havia feito aos quinze anos, antes de se interessar por ele, onde idealizava o homem perfeito. Entre os principais itens que ainda se lembrava, estavam: gostar de cachorros, tratar bem os idosos, gostar de crianças, ter tatuagens e estilo próprio, ser inteligente e se interessar por política. Aquela era uma lista aonde mais ninguém chegou perto de corresponder às expectativas, nem na época da faculdade, onde todos bancavam os pseudos intelectuais.
adentrou sua BMW seguido por e poucos minutos depois de dirigir pelas vias livres da cidade, parou em uma travessa totalmente residencial, de frente para um prédio de poucos andares todo de tijolo e com escada de emergência para o lado de fora. Assim que bateu o olho, não gostou da falta de estacionamento e de como os dois lados da rua estavam lotados por carros, o que deixava a passagem mais estreita, mas preferiu não comentar antes de terminar de ver todos os detalhes. Dizem que não é bom julgar um livro pela capa e era o que faria. Além do mais, se continuasse com as exigências que tivera em todas as outras visitas não encontrariam um lugar confortável para morar. Mudando de tática, ao invés de olhar só para os contras, decidiu olhar para os prós e criar soluções para o que a incomodava, como a fachada. Ela tinha certeza de que se a porta de entrada fosse pintada de branco ou de amarela, o prédio mudaria totalmente o aspecto.
De mãos dadas, os dois subiram as escadas antigas e de pedras até o terceiro andar. Estavam ansiosos. O hall e o caminho até o loft era tomado por um cheiro amadeirado misturado com tabaco que fazia o nariz de coçar irritantemente. Usando sua tática de criar soluções, imaginou que com o tempo poderia se acostumar. As portas dos lofts eram vermelhas e a do número 302 tinha uma placa preta com números vintages para identificá-lo. Primeiro ponto positivo, pensou .
- Você pegou a chave? – Perguntou .
virou a maçaneta de metal e empurrou a porta. Bert havia dito que deixaria a porta aberta para o casal e que não os acompanharia na apresentação do loft para que pudessem ter um pouco de privacidade. Ter amigos no ramo imobiliário era algo realmente vantajoso, principalmente quando tinha a pequena intenção de estrear todos os lofts que visitavam.
Imediatamente apaixonou-se pelo lugar. As paredes eram todas pintadas de branco gelo e os detalhes nas bordas das portas e janelas em preto. O pé direito alto e as altas janelas toda de vidro tornava o espaço mais amplo e moderno. Sem contar os três pilares de tijolo no meio do maior cômodo, que fazia se coçar de ansiedade para decorar já que sempre gostara de coisas rústicas, mas ao mesmo tempo moderna como aquele loft. Ao fundo podia ver a cozinha, com grandes bancadas de granito escuro. Tudo estava correspondendo suas expectativas. abriu os braços sorridente e rodou olhando toda a sua volta em câmera lenta. Estava registrando cada canto em sua mente e já até poderia visualizar os móveis e onde possivelmente ficaria cada coisa. Por fim, ao seguir a escada de madeira escura e olhar para cima, encontrou o mezanino, um pequeno andar suspenso onde provavelmente seria o quarto.
observava a namorada acompanhando cada sorriso, cada arregalar de olhos e cada vincada na testa delicada. era uma mulher totalmente transparente. Só de observá-la por alguns instantes e já era possível saber o que estava sentindo devido a suas caretas e expressões. - Finalmente... – comentou aliviado.
- Eu ainda não disse nada. – se defendeu e subiu as escadas animada.
O piso do mezanino era laminado, lembrava madeira e com certeza era algo que precisaria ser mudado. Porém estava admirada com o espaço, pois de baixo imaginava ser bem menor do que realmente era. A grade de proteção na beirada do mezanino era composta por três cilindros grossos de ferro na horizontal e cinco mais finos na vertical, ambos pintados de preto e chegando até a cintura de . Dali era possível ver todo o loft, menos o banheiro e a cozinha.
debruçou na grade e olhou para mordendo o lábio inferior.
- O que acha? – o homem quis saber, mesmo estando estampado em a resposta.
- Acho que encontramos o nosso lar. – respondeu sorridente enquanto descia as escadas novamente.
balançou a cabeça negativamente baixando os olhos e a olhando em seguida com um sorriso de canto nos lábios. Um charme que sempre fazia quando queria alguma coisa repleta de segundas intenções. Quando estavam de frente para o outro novamente, a grande mão do homem segurou o queixo delicado da arquiteta, fixando seu olhar irresistível no dela. As ires faiscando fizeram o corpo de aquecer.
- Como você pode dizer isso antes de estrearmos a pia da cozinha? – encostou a ponta de seu nariz no de , passando a acariciar a cintura da arquiteta com a ponta dos dedos por baixo da blusa. Ele adorava provocá-la, adorava sentir a pele macia e cheirosa de sua namorada arrepiando com seus sussurros e toques. Era como se ele pudesse ser tudo o que ela precisava que ele fosse e gostava disso.
- Hm. – fechou os olhos e respirou levemente antes de sorrir. – Então me leve até a pia da cozinha – sussurrou .
A mão direita da mulher se fechou em meio aos fios de cabelo de e sem que tivesse como se controlar, pressionou seus corpos.
flexionou os joelhos e desceu as mãos para as coxas de , dando impulso com seu corpo e a pegando no colo. As pernas da arquiteta abraçaram a cintura do namorado e, segurando-a bem, um beijo conhecido e apaixonado começou enquanto ele a guiava para onde queria. Logo seus toques doces transformando-se em feroz e suas línguas estavam mais aceleradas enquanto se perdiam um no outro. Assim que o homem depositou o corpo da namorada no balcão de mármore da cozinha, os toques quentes e certos os faziam ofegar, e com no meio de suas pernas, começou a puxar a camiseta do homem afim de tirá-la. Não demorou muito para que se encontrassem nus e completamente entregues.
Deitados em um pedaço de pano branco encontrado no loft, e ainda se encontravam nus e abraçados, estreitados como gostavam de ficar. passava os dedos entre os fios do cabelo da namorada com ela deitada em seu peitoral.
- Definitivamente esse é o nosso lugar. – quebrou o silêncio e ergueu um pouco a cabeça para olhar nos olhos de .
- É... está aprovado. – sorriu brincalhão.
Os dedos de passaram a acariciar a barriga definida de , entregue em pensamentos. Morar junto era um passo enorme, sabiam disso. Principalmente para que sempre sonhara em se apaixonar perdidamente, casar, ter filhos e envelhecer ao lado de quem amava. Claro que muitas decepções a fizeram perder as esperanças e desistir do lado amoroso de sua vida, mas reencontrar e sentir tudo o que estava sentindo a deixava preparada para dizer sim quando o pedido viesse.
- Sabe... – a arquiteta começou a dizer. – Às vezes eu fico pensando sobre o meu pai não estar aqui e não poder ter aquela conversa de homem para homem com você e nem me fazer milhões de recomendações. Quer dizer, eu não sou mais criança, já estou beirando os trinta, mas sei lá. – entortou a boca em uma careta.
- Ele conversou comigo antes de morrer, .
- O quê? Como assim? Como você nunca me contou sobre isso? – sentou-se com as sobrancelhas unidas, olhando confusa para o namorado. Ele se apoiou nos cotovelos e colocou uma mecha de cabelo liso da mulher atrás de sua orelha.
- Nós não estávamos nos falando muito naquela época, . Eu já tinha vindo morar nos Estados Unidos e estava namorando com a Katerina e todas as vezes que eu ia para a Inglaterra, você se recusava a me ver. – lembrava-se perfeitamente daquilo. Foram os piores meses saber que sua paixão adolescente e proibida estava longe e tinha seguido em frente. Sem contar que a Katerina era a modelo perfeita que qualquer um se jogaria da ponte e ela não se sentia nem um pouco pronta e compatível para competir. – Foi em novembro. Eu estava na Inglaterra e seu pai já estava internado. Eu me ofereci de ir com seu irmão para visita-lo e conversamos rapidamente. – contou. Novembro, um mês antes de Paul falecer.
- O que ele te disse? – seus olhos e ouvidos estavam extremamente atentos e assumira uma postura pensativa.
- O médico pediu para falar a sós com seu irmão e seu pai aproveitou para perguntar se eu gostava de você. Ele me pediu para cuidar de você, . E repetiu milhões de vezes as coisas que eu não deveria fazer nunca, como tentar mandar em você ou comer morangos na sua frente. – os dois sorriram.
procurou não dar muitas informações sobre a conversa. Mesmo depois de seis anos, sabia que ainda era muito difícil para lidar com a perda do pai e com certeza ela não reagiria bem ao saber que Paul se despediu dele naquele dia e dissera que sabia que não iria sobreviver à cirurgia.
- É, eu nunca gostei de morangos. – balançou a cabeça negativamente como se a mera lembrança da fruta a fizesse ter maus súbitos.
- Nem do cheiro. – o namorado completou.
- O cheiro é enjoativo. – pontuou.
- É a fruta mais gostosa do mundo, . Como você pode não gostar?
- Me deixa! – deu um tapinha no braço do namorado e voltou a deitar a cabeça em seu peitoral, abraçando o torso definido e nu de que já havia se deitado novamente.
Por alguns minutos, ficaram em silêncio ouvindo apenas suas respirações e aleatórias buzinadas soando distante dali. fechou os olhos e se lembrou de seu pai. Lembrou-se do quanto ele e sempre conversavam muito, de como o namorado tinha paciência para ouvir as horas de descrição de Paul sobre o motor dos carros da Fórmula 1 e de como ele aprovaria o namoro e seria o primeiro a apoiar um possível casamento. Paul se orgulharia totalmente da filha naquele momento.
- Eu amo você, . – sussurrou de olhos fechados, satisfeita e relaxada com o cafuné que o homem fazia.
A areia quase branca e fina da praia do Caribe e as águas cristalinas tornavam a paisagem inesquecível para as duas amigas hospedadas no Coconut Court Beach Hotel. As férias planejadas meticulosamente depois de dois anos trabalhando muito sem nenhuma pausa para descansar, estava sendo uma benção divina para , principalmente depois de conseguir fechar um contrato milionário para assinar junto com engenheiros conceituados o planejamento de um condomínio de luxo.
virou-se na espreguiçadeira e tirou o enorme chapéu, que lhe protegia do sol, de sua cabeça, sentindo-o atingir seu rosto. Se não fossem os óculos escuros, talvez ficasse cega com tamanha claridade e ou tamanha beleza da paisagem natural. Sorriu ao ver que, pela primeira vez, sua pele não estava ficando avermelhada com o calor e sim, graças ao bronzeador que Bird indicou, a coloração dourada lhe deixara satisfeita; o único incômodo é que não gostava das marquinhas que o biquíni deixava. À beira da piscina do maravilhoso hotel, sentou com as pernas cruzadas para passar mais uma camada de bronzeador em seus membros inferiores.
- Aonde você vai? – perguntou a sua melhor amiga, Bird, que também tomava sol na espreguiçadeira ao seu lado, mas que havia se levantado.
- Piscina, baby. – piscou e aproximou-se do retangular espaço, mergulhando na água fresca.
Depois de mais uma camada de bronzeador, chamou o garçom do bar da área externa do hotel e pediu um drink que em poucos minutos chegou. Sexy and the Beach podia ser clichê, mas era uma das bebidas que mais gostava. Novamente, deitou-se, apoiando o tronco em seus cotovelos e curtindo o maravilhoso sol.
- ? – a mulher levantou os óculos escuros Gucci e seus olhos castanhos claros focaram a silhueta musculosa a sua frente.
A primeira imagem não passava de um vulto preto, mas ao se acostumar com a claridade, sorriu, reconhecendo o homem. Aquele era , melhor amigo de seu irmão desde a infância e um amigo com quem tinha tido um contato maior, devido as saídas juntos quando eram adolescentes e até o interesse que fora desperto e logo reprimido devido a proteção familiar.
Fazia aproximadamente quatro anos desde a última vez em que ambos se viram e mesmo que ela não tivesse mudado muito, com certeza estava muito melhor do que antes. O cabelo ruivo sedoso e melhor cuidado, a pele impecável, sem contar a sobrancelha mais arqueada e destacada e seu corpo com quilos a menos. também havia mudado. A pele bronzeada continuava lhe deixando mais iluminado e com uma aparência saudável e sensual, os olhos verdes tornaram-se mais brilhantes e o cabelo havia crescido e agora era penteado de uma maneira diferente. Não pode deixar de reparar nos quilos a mais, revertidos em músculo, que fizeram tão bem a ele.
- Hey ... – se levantou da espreguiçadeira e piscou seus alongados cílios antes de dar um beijo demorado na bochecha dele. – O que faz por aqui? – sorriu, colocando mechas do cabelo esvoaçante atrás da orelha.
- Eu estou trabalhando em um seriado e alguns episódios serão gravados por aqui, mas vim um pouco antes para descansar um pouco. – contou. – E você? Caramba... Como você está diferente! – a olhou de cima a baixo, mas procurou não parecer muito rude ou vulgar, parando em seus olhos novamente.
- Hm, esse diferente é um diferente bom ou ruim? – sorriu de canto e abaixou um pouco os olhos. Típico charme feminino.
- É um diferente bom, muito bom. – piscou de um jeito irresistível e sorriu de canto em seguida.
- Então obrigada, eu acho... – apoiou o peso de seu corpo em uma das pernas e dobrou levemente o joelho da outra, enrolando uma parte do cabelo em seu dedo.
- Você está sozinha por aqui? – ele quis saber.
- Não. Estamos eu e uma amiga que você não conhece. – disse olhando para a piscina e percebendo o olhar malicioso de Bird para cima dela.
- Soube que agora você também está morando em solo americano. E aí, está gostando? – puxou assunto.
- Eu gosto. Tenho um bom emprego, o clima é bem melhor que o da Inglaterra, fiz bons amigos e tenho um apartamento legal. Mas, seria mentira se eu dissesse que não sinto falta de casa, do sotaque, da minha família e do Goofy.
- Você deixou o Goofy? Não acredito! – balançou a cabeça negativamente. Goofy era o vira lata que tinha adotado e era completamente apaixonada. O cachorro dormia com ela e era melhor cuidado do que qualquer um naquela casa. Era sempre o primeiro a comer, só tomava água mineral e comia ração de cordeiro. Ele era um privilegiado.
- Eu trabalho bastante, não teria como cuidar dele. Mas toda noite eu o vejo pelo Skype e toda noite meus olhos enchem de lágrimas. – prensou seus lábios os transformando em uma linha. Se continuasse falando sobre o pequeno Goofy tinha certeza que soluçaria ali mesmo de saudade das lambidas e do carinho do bichinho.
- Sei bem como é. – os dois sorriram.
aproveitou o silêncio temporário que se formou e pegou sua bebida na mesinha ao lado da esteira. Sugou o líquido doce pelo canudo e então sentiu como se algo em seu cérebro houvesse sido ligado.
- Sabe, – começou , pousando sua mão no braço do homem, carinhosamente. – faz tempo que não nos vemos... Que tal a gente se encontrar mais tarde para colocarmos o papo em dia e tomarmos uns drinks? – convidou. olhou para a mão delicada da garota acariciando sua pele e a olhou novamente, com certo interesse.
- Como nos velhos tempos? – perguntou descontraído.
- Sim, como nos velhos tempos. – a fileira de dentes brancos apareceu no largo sorriso que deu e por um instante, a cruel realidade pareceu lhe atingir. – Quer dizer... A não ser que esteja acompanhado... Mas, bem... se estiver e quiser levá-la, ficarei feliz em conhecer finalmente a sua namorada. – acrescentou um pouco sem jeito, sentindo as bochechas quentes.
Era engraçado para vê-la ruborizar desconcertada com a mínima menção de ele estar com alguém e ficava feliz por poder responder que não estava. Uma das coisas que não tinha mudado desde a última vez que se viram era o seu histórico com mulheres. não namorava, nunca. Exceto Katerina, uma modelo que o ajudou para não se sentir tão sozinho quando se mudou para um país completamente diferente. Parecia um pouco difícil de acreditar que nunca tivesse amado ninguém o suficiente para ter um relacionamento que durasse por mais de seis meses, mas era exatamente assim. Ele podia se apegar as loiras lindas que conhecia e saía, mas nunca se sentia pronto para assumir um relacionamento. Não era um homem que gostava de compromissos, não gostava de ser cobrado e tinha problemas quanto a imaginar o futuro, pois queria viver o presente e apreciar cada momento de sua vida da melhor forma possível, sem ter que se preocupar com as consequências.
- Não, . Seremos só eu e você. – colocou sua mão em cima da de em seu braço e a acariciou com o dedão. Os olhares que se cruzaram estavam carregados de sentimentos. Era inegável o fato de que só de se esbarrarem por cinco minutos, estavam sendo invadidos pelas histórias do passado.
- Ótimo. Às sete? – colocou os óculos escuros novamente, assumindo uma postura segura e despreocupada. Totalmente o oposto de seu interior que começava a borbulhar com milhares de questões que sempre a preocupava.
- Sim. No bar, às sete. – confirmou e levou a mão até a nuca da mulher, dando-lhe um beijo demorado na bochecha rosada de . Antes de sair, acrescentou próximo ao seu ouvido, em uma oitava menor: – Te vejo mais tarde.
A garota se sentia tão estarrecida, que continuou parada ali absorvendo aquele reencontro. Quatro anos sem vê-lo e podia dizer com todas as letras que sentira as mesmas sensações, principalmente, a mesma ansiedade e frio na barriga que sempre sentiu desde que saíram a pela primeira vez juntos. Nunca iria se esquecer daqueles dias. E o fato de sempre comentar que perguntava dela toda vez que se falavam, indicara que ele também não se esquecera.
sentou-se na espreguiçadeira com um sorriso iluminado no rosto. Terminou de sugar o líquido alcoólico que ainda restara ali.
- Hey, quem era aquele bonitão? – os pensamentos de foram interrompidos pela voz altiva de Bird. – Se não for algum tipo de pretendente para a maior solteirona do mudo, ficaria feliz se me apresentasse, viu? – brincou, sentando-se ao lado da amiga, avaliando suas reações.
- É um velho amigo...
- E...? – as sobrancelhas de Bird se ergueram ao pedir mais explicações.
- E vamos nos encontrar mais tarde.
Os olhos de Bird faiscaram de tanta alegria e não poderia ser diferente. Qualquer um que conhecia há mais de dois anos e sabia que nesse período ela havia saído apenas com Godric, um homem muito charmoso e sem decência alguma, sabia que passara da hora da amiga ter alguma experiência amorosa e afetiva. Claro que não era como se ela fosse virgem ou algo assim; apenas tinha deixado de lado seu sonho de casar e ter filhos para se dedicar a outras coisas, como a sua profissão.
Mais tarde, naquele dia, fechou a porta de seu quarto faltando dois minutos para as sete horas da noite e apertou o botão do elevador. Estava ansiosa e animada para passar um tempo com e o fato de não sair com pessoas do sexo oposto frequentemente lhe deixara pilhada. Minutos antes, experimentara quase todas as peças que levara em sua mala de viagem de trinta e dois quilos e só conseguira se decidir pelo vestido frente única na altura dos joelhos e a sandália birk na última hora.
Quando desceu do elevador na cobertura do hotel, pôde avistar sentado em uma banqueta de madeira no pequeno quiosque que era o bar. Ele estava com um copo de algum líquido transparente em mãos e sugava-o por um canudo colorido. reparou na camisa aberta e a bermuda; um look descontraído e que mostrava o torso que parecia tão atraente.
- Hey... – saldou e os dois sorriram.
- Vodka? – ele ofereceu e deixou o copo de lado, para lhe beijar no rosto como fizera pela manhã. Os olhos brilhantes pararam em por alguns segundos e ele pareceu se lembrar de algo. – Na verdade, acho que seria melhor uma tequila. – Acrescentou e indicou a banqueta ao seu lado. Esperou se sentar antes de fazer o mesmo.
- Não sou mais a garota da tequila, . – virada de frente para o homem, colocou sua bolsinha em cima do balcão e encolheu os ombros.
- Não? – arqueou a sobrancelha. – Não posso acreditar em uma coisa dessas. – comentou, dando um longo gole em sua vodka.
- A idade me atingiu... Não consigo mais tomar seis doses e sair ilesa como antes. – comentou entortando os lábios em uma careta.
- Idade? Fala sério... Está com 24 agora, não é?
- 26. – corrigiu-o.
Como em um piscar de olhos, horas havia se passado sem que nenhum dos dois percebesse. Eram tantos anos para serem colocados em dia e tantas coisas para contar que talvez o restante da noite e a madrugada não chegasse a ser suficiente. Comentaram desde as peripécias de , irmão de , até suas atuais profissões e os frutos que estavam colhendo devido a tanto esforço no novo país que moravam: Estados Unidos da América. e sempre foram fortes para bebida, mas depois de alguns drinks, a mulher podia sentir sua vergonha esvaindo por seus poros, mostrando traços de embriaguez.
- Vamos parando por aqui, mocinha. – pegou o novo copo colocado no balcão e afastou-o da mulher.
- Ei... desde quando você ficou careta? – perguntou ofendida e tentou resgatar sua bebida se debruçando por cima de , quase caindo de seu banco.
- Desde quando eu tive a ideia de passear com você pela praia e preciso que esteja sóbria para conversarmos. Mas... – logo começou a completar quando viu que iria protestar e segurou os ombros dela, a equilibrando no lugar. Ela sorriu. – Depois podemos beber mais um pouco antes que eu tenha que cuidar de você.
- Cuidar de mim? – perguntou, encolhendo os ombros de uma forma manhosa, bem próxima a . Tão próxima que podia sentir o seu hálito alcoólico e sua respiração soprar o seu rosto.
- É... Como antes. Pegar água para você, te manter hidratada, deixar você dormir no meu ombro e te fazer um chá. – sorriu novamente.
- Nunca café. – torceu o lábio em uma careta.
- Nunca café. – ele confirmou. Lembrava-se perfeitamente da aversão de até pelo cheiro do pó escuro.
deixou algumas notas em cima do balcão do bar, mais do que suficiente para pagar as bebidas que tomaram e saíram do hotel em direção a iluminada praia. À noite, a vista parecia muito mais intensa, imensa e cheia de mistérios. A areia fina e clara ainda estava aquecida por volta das onze horas da noite devido ao sol que fizera por todo aquele dia. e seguravam seus respectivos sapatos enquanto andavam ladeando as águas cristalinas do maravilhoso mar do Caribe. Suas pegadas sendo deixadas pelo caminho era a confirmação para de que tudo aquilo era real.
- Me desculpe... – simplesmente disse.
- Pelo que, exatamente? – juntou as sobrancelhas, confusa.
As ondas maiores que se quebravam aumentavam a maré, e a água batia em seus pés massageando-os enquanto caminhavam. O cheiro de praia, a brisa... aquele era um cenário perfeito.
- Por ter ouvido o seu irmão. Por ter sumido esses anos. Por não ter ido na sua formatura. – enumerou.
- Tudo bem, . Nós éramos jovens e depois muita coisa aconteceu. – o olhou de relance e voltou a olhar para os seus pés mal iluminados pela fraca luz que vinha do resort.
Pensativa, lembrou-se perfeitamente do dia em que brigou com ela. O irmão mais velho e possessivo dizia que ela agia como uma qualquer quando estava perto de e que se oferecia para ele pelo simples fato de beberem juntos, dançarem juntos e se divertirem como cúmplices. Uma opinião completamente machista e ciumenta que a fez se sentir humilhada e que atrapalhou toda uma relação que poderia ter iniciado muitos anos antes. Imaginou o que falaria se soubesse que eles haviam se encontrado por um acaso em uma viagem e estavam caminhando pela praia se contendo para não fazerem o que estavam com vontade. Sim, as olhadas que lançava para os seus lábios denunciava que ele queria o mesmo que ela. Perguntou-se se o irmão pediria a para que não a beijasse.
a avaliou a testa vincada da mulher ao seu lado e soube imediatamente que algo estava perturbando sua cabeça. Pronto para distraí-la de qualquer problema, interrompeu o único som que ouviam, o barulho das ondas se quebrando.
- Então... Você ainda canta? – perguntou levantando as sobrancelhas repetidas vezes.
- Você nunca vai se esquecer disso, não é? – sorriu.
A primeira vez que saíram junto com e os outros amigos da turma, foi em um karaokê na cidade em que moravam, na Inglaterra. tinha apenas dezesseis anos e já bebia como alguém de vinte, principalmente, por sempre estar rodeada de pessoas mais velhas e tão pouco ajuizadas como ela. Naquela época, sentia-se mais livre, mais feliz e menos insegura e prova disso era a música da Celine Dion que cantou na frente de todos, mesmo não sabendo cantar. Aquele ato quase matou todos com um estouro de tímpano coletivo.
- Não, foi o maior desastre. – os dois riram. Realmente tinha sido.
- Ei, não comece... – ela cerrou levemente os olhos de uma forma ameaçadora. – Eu posso começar a cantar aqui e agora... – parou de caminhar e abriu um pouco os braços, rodando um pouco no lugar em que estava, sentindo a brisa lhe atingir. Ela começou a cantarolar um ritmo, sem pronunciar nenhuma palavra exatamente.
- Não, por favor, não faça isso. – ele também parou e a olhou, umedecendo os lábios com a ponta da língua. Sua voz tinha um tom de súplica.
As mãos de seguraram a cintura de , parando-a de frente a ele. Tanto ela quanto ele deixaram os sapatos caírem na areia e se perderam no profundo olhar do encontro das ires verdes e castanhas.
- Sabe? Acho que não foi por acaso que nos encontramos aqui no Caribe. – fora quem quebrou o silêncio.
- Também estou começando a achar isso. – respondeu , sorrindo encantador. - Não pode ser só coincidência. – encostou mais seus corpos e envolveu seus braços em volta do pescoço do homem.
- E não é... é uma nova chance para que eu faça o que tenho vontade de fazer a muitos anos, desde o dia do Karaokê. A voz de saiu como um sussurro. Um sussurro envolvente e arrepiante, algo que fez ter a certeza que só aquele momento importava e nada mais. A atração que sentiam sempre que se viam era impossível de ser medida e mesmo com fazendo toda e qualquer chance ir por água abaixo por várias oportunidades, estavam ali... Mais velhos, livres e atraídos novamente. Irmão nenhum atrapalharia aquilo. Não mais. Não naquele momento em que já eram adultos e estavam seguindo suas vidas, não naquele momento em que se encontraram em uma viagem de férias ambos estando solteiros. - E o que você tem vontade de fazer? – perguntou, sussurrando no ouvido de , mesmo já sabendo a resposta.
Arrepiado, passou a mão pelo cabelo da mulher, levando uma mecha atrás de sua orelha e acariciando o seu rosto com a ponta dos dedos antes de segurar a nuca delicada e encostar seus lábios. No começo, a delicadeza e então, a paixão, a vontade e o desejo. Ambos sabiam que depois de tudo o que passaram e depois daquele momento maravilhoso ali na praia, não havia mais volta. Quando a água morna tocou suas canelas, sorriu entre o beijo e se pressionou mais ao homem. Era ótimo estar naqueles braços pela primeira vez, melhor do que sempre sonhou.
Sexta-feira à tarde e finalmente a arquiteta estava pronta para abandonar o escritório depois de finalizar os projetos pendentes para aquela última semana antes da pequena viagem com para West Yorkshire. A última semana havia sido totalmente contraditória para , pois nos últimos dias sua sensibilidade estava aflorada e as alterações de humor eram desastrosas, sem contar nos outros sintomas que lhe atingiram em cheio; porém, estava extremamente feliz. No geral, animava-se com cada enjoo e cada mal-estar que sentia, além de sua menstruação estar atrasada. Para confirmar suas desconfianças, comprou um teste de farmácia e se trancou no banheiro do loft na manhã anterior e quando os três pausinhos rosas apareceram na pequena régua de plástico, os olhos de encheram-se de lágrimas e seu coração se aqueceu. Não sabia descrever a sensação. Talvez um misto de emoção, ansiedade e... preocupação também. Imediatamente foi tomada por uma vontade de pular, de gritar, de correr. Queria fazer uma lista com os possíveis nomes, comprar roupinhas e já fazer um projeto para o quarto do bebê. Até pensou em sua preferência em relação ao sexo, o que não era tão importante assim, já que seu sonho era ser mãe, de menino ou de menina, não importava. Só queria ser mãe.
A viagem à Inglaterra seria o momento perfeito para contar ao namorado e a mãe dele sobre as novidades. Não que passar uns dias em sua terra natal tivesse sido planejado pela gravidez, já que nem sabia ainda, mas vinha totalmente a calhar.
- , você está bem? – perguntou depois que o avião pousou em solo inglês.
- Estou, love. Avião mexe comigo, você sabe. – disfarçou e forçou um sorriso amarelo. O frio lhe atingiu e reforçou seu agasalho fino com um sobretudo que tirou da mala de mão, abraçando o próprio corpo.
estranhara o fato de sua namorada não ter se sentido bem durante e depois do voo. Ele já havia reparado que ela estava pálida, com olheiras profundas mesmo estando maquiada e que seus lábios roxeados por conta do batom forte estavam trêmulos. A arquiteta sempre viajou muito, principalmente a trabalho, e nunca reclamara de indisposição no avião ou nervosismo, até porque já estava acostumada e não se incomodava mais com o desconforto da decolagem e da aterrissagem. Depois de pegarem as malas na esteira, assim que conseguiu, comprou uma garrafa de água e a tomou, porém fora o ar fresco do lado de fora do aeroporto que a fizera se sentir melhor disposta. Sem enjoo, sem suar frio, com as bochechas coradas e mais sorridente.
Estava ansiosa para ver Samantha e conversar um pouco com a mulher cheia de energia que sempre lhe ensinava tanto. E queria conseguir passar pelo menos um dia na casa branca de persianas azuis para matar a saudade de sua mãe e de seu irmão. Ao contrário da mãe de que não gostava de avião e nem de sair do próprio país, e a Sra. Violet sempre que podiam, iam visita-la e só assim ela conseguia aguentar a ausência familiar.
- Pronta? – pegou a mala da mão de e arrastou as duas pelo pátio até a parte externa do aeroporto, um lugar onde os veículos podiam parar brevemente para buscar e deixar pessoas.
- Eu já conheço sua mãe, e ela sempre gostou muito de mim. – Sorriu. – Aliás, se dependesse apenas das nossas mães, nós já estaríamos casados e com uns cinco filhos correndo pela casa. – sorriu e passou os braços pela cintura do namorado, o abraçando.
- Cinco? – ergueu a sobrancelha. Ele deixou as malas encostadas em um canto e depositou suas mãos nos braços de , alisando do ombro até o cotovelo da mulher por cima do casaco grosso.
- Talvez três... – diminuiu a conta e piscou para o namorado.
A dura verdade era que amava crianças, mas as crianças dos outros. Ele não tinha certeza se queria ter filhos, pois assim como pensava em relação a levar Goofy para os EUA, pensava sobre ter a responsabilidade dos próprios filhos. Para a profissão que tinha e as constantes viagens, não era viável que tivessem uma criança que dependesse totalmente deles e que não recebesse atenção e cuidado necessário.
- Talvez... – deu de ombros e apertou as mãos nos braços da arquiteta e forçou um sorriso, sem mostrar os dentes. O fato de não ter os mesmos planos que para o futuro em relação a uma família era um dos principais motivos que os fazia brigar, então o homem, na maioria das vezes, procurava não falar muito sobre o assunto para parecer um pouco neutro. Até porque, deixar magoada era praticamente esperar uma bomba relógio explodir. gostava de sua liberdade, gostava de não ter que se preocupar com a alimentação certa, com a bagunça da casa, com choros e necessidades fisiológicas e com as brincadeiras, tendo que tirar energia de onde não tinha quando estivesse cansado. Era um ótimo tio, como os pequenos o chamavam, quando os sobrinhos de Bird se juntavam a eles em passeio nos parques ou em visitas nos jantares que faziam juntos, mas era esporádico e não uma obrigação.
Minutos depois, um carro grande e prata parou ao meio fio, de frente para eles. Uma mulher com os cabelos sedosos pintados de loiro e com um sorriso de orelha a orelha desceu do veículo animada e correu para os dois. Como era de se esperar, e Samantha se abraçaram fortemente e demoraram para se soltar e, em seguida, a mulher partiu para aquela que sempre chamou de filha postiça. Se abraçaram forte enquanto ouvia elogios, como: “você está ótima, cada dia mais bonita”. Sabia que não era demagogia, mas sempre ficava sem graça.
guardou a bagagem no porta-malas do carro esportivo, finalmente prontos para ir. sentou-se no banco traseiro e durante todo o percurso em que ouvia a conversa de mãe e filho de fundo, permaneceu com os olhos vidrados do lado de fora na janela, pensando e buscando maneiras de contar para eles e para sua própria família que estava grávida. Tudo tinha acontecido muito rápido e ela havia acabado de confirmar, mas já queria gritar para o mundo, mesmo que as reações não fossem as melhores. surtaria, ainda mais se desconfiasse como as coisas realmente tinham acontecido. Sua mãe iria ficar feliz, mas talvez implicasse com o fato de que eles não eram casados legalmente e ela era do tipo que acreditava fielmente na castidade e no casamento. Com certeza seu chefe também não iria gostar de saber, já que ela estava levando a empresa praticamente nas costas e a fazendo crescer estrondosamente, sem contar em seus próprios planos para abrir seu próprio escritório com engenheiros muito melhor conceituados. Pensou em Bird. Elas haviam tido uma conversa séria sobre bebês e sobre fazer o que fosse preciso para ser mãe. A amiga era a única que muito provavelmente iria desconfiar de algo e com certeza iria surtar.
O movimento do carro nas curvas abertas e o cheiro forte de vegetação da estrada lhe deu enjoo e tontura, mas não comentou nada até chegarem no endereço conhecido. Aguentou firme, de olhos fechados e com a cabeça deitada no banco. Porém, depois de passarem pela larga porta da casa número trinta e quatro, não pode mais se conter.
- , será que eu poderia descansar um pouco? – pediu para o namorado.
- Claro que sim, . – foi Samantha quem respondeu. – O quarto de está arrumado para vocês e eu ainda tenho que terminar o nosso almoço. Estou fazendo Lancashire Hotpot, espero que ainda seja o seu prato preferido. – Samantha sorriu e terminou de amarrar o avental em seu corpo.
- É sim. – sorriu sinceramente. Mentalmente, ela agradecia por não ser algo como Kedgeree, um prato indiano que havia ficado muito popular na Inglaterra e que a fazia enjoar só de pensar, devido ao tanto de curry que o prato levava.
Com apenas sua bolsa e a mala de mão, seguiu pelos corredores até chegar ao cômodo mais limpo e arrumado da casa. Naquele momento ficara claro o quanto Samantha sentia falta de ali, pois com certeza não havia arrumado aquele quarto apenas para aquela visita, apenas naquele dia; ela deveria fazer isso sempre, como forma de matar a saudade. deixou suas coisas em uma poltrona apontada por e lhe deu um selinho agradecendo silenciosamente por levá-la até ali e se deitou na cama de casal depois de tirar as botas de saltos médios.
- Você quer companhia? – perguntou enquanto estendia a coberta por cima do corpo da namorada.
- Acho que sua mãe vai querer sua ajuda na cozinha. Faz tempo que você não passa um tempo com ela, . – fora compreensiva.
- É, nós sempre cozinhávamos juntos. – sorriu. – Mas eu sei que você não está se sentindo bem. Precisa de alguma coisa? – sentou-se na ponta da cama e a olhou preocupado.
- Eu só estou um pouco indisposta e... morrendo de fome. – disse depois de um ronco alto vindo de seu estômago.
- Está com suas barrinhas? – perguntou e ela apenas assentiu com um aceno de cabeça.
soltou o ar pesadamente por ela não ter falado nada daquilo antes. Levantou-se da cama e foi até a poltrona onde estava as coisas de , abriu a bolsa da mulher e pegou uma das três barrinhas de cereais que ela sempre carregava para casos de emergência e voltou até a arquiteta, lhe estendendo a mão com o pequeno alimento.
- Vou pegar um suco e já te trago... – abriu a embalagem e assentiu novamente.
Duas horas depois, a mesa da sala de jantar já estava a postos com diversos pratos ingleses dos quais e sentiam falta. Bubble and Squeack com carne de entrada, a famosa salada Britannic Coleslaw, Lancashire Hotpot de prato principal e nem precisava dizer o quão estava ansiosa pela sobremesa. Estava torcendo para que fosse Lemon Meringue Pie ou Treacle Tart. Os três ocuparam seus lugares e depois de Samantha permitir, começaram a se servir.
- Se eu estivesse sozinha, ia comer só um lanche como de costume. Mas lembrei que nos Estados Unidos é ao contrário. Vocês almoçam comida e jantam lanche.
- Essa regra não se encaixa muito para gente, mãe. – sorriu de canto. – Eu e comemos o tempo inteiro. – contou.
- Vocês não ficam comendo aqueles hambúrgueres gordurosos pela rua, não é? – perguntou com um olhar preocupado e e sorriram cúmplices.
- Nada que uma caminhada matinal não resolva, Sammy. – respondeu.
Samantha pegou uma caixinha de suco e serviu os três copos e em seguida, colocou mais bolinho de batata, legumes e carne no prato do casal. Comida para ela era sagrada.
- E como estão as coisas? me mandou as fotos do loft e eu achei lindo, porém pequeno. Não vou ter um quarto quando for para lá?
deixou que respondesse, pois era verdade. Quando escolheram o loft como o novo lar dos dois, não pensaram em quarto de visita, quarto de bebê e nem nenhum cômodo a mais que fosse necessário eventualmente. Apenas um mezanino que era o quarto dos dois, a extensa sala, o banheiro, a cozinha e a área de serviço eram suficientes para o casal, mas com a chegada do bebê e a estadia de algum dos familiares, não seria muito confortável continuarem ali.
- Nosso sofá é espaçoso.
- Ah, que bonito, . Você teria coragem de deixar sua mãe dormir no sofá? – brincou, fingindo estar ofendida. - É... por que não? – respondeu brincando.
A conversa era tranquila enquanto comiam e saboreavam as delícias preparadas pelas mãos de fada de Samantha. Incrivelmente, não sentiu mais nenhum enjoo e nem mal-estar, mas estava um pouco receosa com a pós refeição devido a quantidade que estava comendo. Era como se nunca tivesse visto comida em sua vida e se não fosse delicada disfarçando a sua gulodice, os dois teriam percebido e achado que ela não comia há dias. Mas o fator ‘saudade das comidas típicas de seu país’ também estavam contando naquele momento.
Depois de terminarem, levantou-se e ajudou a mulher a levar os pratos sujos e as travessas quase vazias de comida para a cozinha. Os pratos de sobremesa e as colheres já estavam em cima do balcão e a arquiteta levou para a mesa sendo seguida por Samantha com uma travessa de vidro enorme nas mãos.
- Eu ia fazer Trifle, o preferido de , mas ele pediu várias vezes para que eu não fizesse nada com morangos e evitasse usar frutas vermelhas, então fui para o plano B. – comentou.
Quando olhou a torta de limão cheia de merengue, linda e cheirosa, sua boca imediatamente encheu de água. Estava satisfeita, mas com certeza precisaria de um pedaço daquele doce maravilhoso. Claro que tinha que admitir que a receita inglesa não chegava aos pés da torta de limão brasileira que experimentara algumas vezes, mas era igualmente uma delícia.
- Eu estava com tanta vontade dessa torta... – sorriu.
- Faz alguns dias que ela não para de falar nisso, mãe. Ela anda até sonhando com torta de limão... – segurou a mão de .
- Verdade. Acho que eu estava com desejo. – sorriu.
- Desejo? – Samantha perguntou erguendo uma das sobrancelhas. – Isso significa que você está gráv...?
- Não, mãe. – a interrompeu e o olhou com certa urgência. Samantha a olhou de canto de olho.
- Eu sei que eu sempre te disse que não queria ser avó antes dos cinquenta anos, filho, mas eu ficaria muito feliz com um netinho agora. Tem certeza que não está grávida? – perguntou amorosa.
e Samantha a olharam esperando por uma resposta negativa. Foi só com a menção de sua mãe sobre uma possível gravidez que fez o homem ligar alguns pontos. Enjoo, tontura, mal-estar, comendo bastante, cansada, bipolar. Era exatamente aquilo que acontecia com as mulheres quando engravidavam. Ele não era experiente no assunto, até porque não tinha irmãs e nem mulheres muito próximas a ele para conviver, mas era exatamente o que acontecia nos filmes e nos seriados.
- Na verdade... – abriu um sorriso. – Sim, eu não sabia como contar, mas eu estou grávida. – disse olhando para o namorado.
- Que novidade maravilhosa! – Samantha exclamou.
- O quê? – perguntou, sério.
- Eu estou esperando um filho seu, . – repetiu . O olhar de continuara duro, sério e assustador.
Não era daquela maneira que ela tinha imaginado contar durante o caminho no carro. Algumas coisas haviam passado por sua cabeça naquela estrada, coisas como comprar um sapatinho embrulhar e entregar um pé para e outro para Samantha. Fazer outro teste de farmácia e lhes dar como presente ou deixa-la estrategicamente à mostra no lixo para encontrarem, entre outras ideias. Falar na lata sempre era mais difícil, mas seria difícil de qualquer maneira.
estivera sentada no estofado encostado à janela do mezanino, olhando por horas o céu limpo e estrelado que abrigava a lua cheia com a aparência mais melancólica que já havia visto. Aquele era um de seus lugares preferidos do loft, lugar onde podia pensar, organizar sua mente, se inspirar e rascunhar alguns projetos quando estava com ânimo para trabalhar. No caso daquela noite, no entanto, havia muita coisa em jogo que estava lhe preocupando. Ainda que nos últimos três dias tivesse ponderado muito sobre os recentes acontecimentos de sua vida, não havia uma maneira positiva de encarar os atuais problemas, pois já haviam virado uma bola de neve.
Por volta das quatro horas da manhã, a arquiteta, com os olhos cheios de lágrimas, arrastou-se para a cama de casal, onde dormia sozinho e atravessado, ocupando quase todo o espaço. Em outros momentos sorriria com a folga do namorado, mas desde o dia anterior, um pouco antes do namorado voltar de mais uma viagem, ela não conseguia mais ver graça em nada.
- ... – falou baixinho, encostando-se ao namorado e tentando empurrá-lo. – Deixe-me deitar.
O homem de sono pesado resmungou e mexeu-se de forma a lhe dar espaço e, sem abrir os olhos, abraçou o corpo de depois que esta ocupou o lado direito da cama, aconchegando-se a ela. Era reconfortante que ele estivesse resgatando o carinho que sempre tiveram um com o outro depois do clima horrível que se instaurou nos últimos meses com a notícia da gravidez, mas aquele afeto, naquele momento, também era extremamente doloroso. Quando a grande e aquecida mão de seu amado repousou sobre sua barriga, acariciando-a, sentiu que o mundo iria desabar sobre sua cabeça. Não poderia mais aguentar calada e fingir que estava tudo bem mais uma vez. Ele tinha acabado de chegar e não sabia nem metade do que tinha acontecido. não queria estragar a volta do namorado, principalmente quando ele lhe trouxera rosas e pedira desculpas por todo o tempo em que fora orgulhoso e teimoso e a tratara mal. Porém, ela estava triste e destruída, e sabia que não seria capaz de passar por tudo aquilo. As lágrimas imediatamente começaram a escorrer de seus olhos e os lábios trêmulos soltavam soluços incontroláveis. A mão gelada de pousou em cima da de e a apertou com ressentimento.
- ... – terminara de despertar com o choro da namorada. Sua voz estava sonolenta e seus olhos mal podiam se manter abertos. – Isso são os hormônios? – sorriu e apoiou o cotovelo na cama para olhá-la.
A arquiteta conseguiu com esforço evitar que os soluços virassem um escândalo igual ao uma criança faminta e mimada. Respirou fundo e, mais calma, afastou a mão de para se levantou. Passou os dedos em baixo de suas pálpebras, limpando os olhos e fungando um pouco. Não sabia como respondê-lo – e talvez não quisesse – por medo de acabar soltando tudo o que estava entalado em sua garganta. Mas, obviamente, não estava bem.
- Está tudo bem? – perguntou preocupado, acompanhando cada movimento com o olhar mais atento.
Nenhuma resposta. calçou novamente os chinelos e ficou parada de costas para , desejando que ele não tivesse acordado. Ao menos não naquele momento.
- ... fale comigo. – pediu, sentando-se melhor na cama. olhou para trás e lhe lançou um olhar magoado, e não se dignou a responder. – O que está acontecendo? Você quer conversar? – ele tentou ser compreensivo, assim como ela pediu que ele fosse na última vez em que conversaram sobre o que seria do futuro.
já tinha se acostumado com a ideia de que seria pai cedo e percebera que toda a sua revolta com a gravidez era puro medo. Medo de não poder ser um bom pai, já que não teve um presente para aprender e se espelhar. Por outro lado, ele poderia fazer diferente, poderia ser o que ele não teve e sempre quis ter; e com esse pensamento, sua cabeça havia mudado. Ele havia até comentado com sobre se mudarem para Los Angeles, em uma casa maior e com mais quartos, assim ele ficaria próximo dos estúdios onde trabalhava e evitaria viagens longas e frequentes e poderia continuar trabalhando na mesma empresa, apenas se transferindo para outro escritório. Ele passara até a ver roupinhas quando estava em algum centro comercial.
- Não. – respondeu e foi descendo as escadas.
- O que está acontecendo? – Observou a mulher se afastar dele e balançou a cabeça negativamente já sabendo que alguma coisa não estava bem. Levantou-se, amarrando novamente a calça de moletom na cintura que estava frouxa e olhando de cima, pela grade do mezanino, para na sala sentada no sofá. – Já brigamos demais nesses dois meses e nos acertamos, certo? Por que você está chateada comigo?
- Não estou chateada com você. – respondeu para dentro. Se a madrugada não estivesse tão silenciosa quanto aquela, com certeza ele não teria escutado.
- Então fale comigo! – pediu e respirou fundo antes de descer as escadas e ocupar o lugar ao lado de . – Converse comigo. – repetiu.
- Eu... eu... – tentou, mas o choro e os soluços voltaram. Não sabia como dizer aquilo sem que acabasse transferindo a culpa, ou que acabasse estragando tudo.
- , eu não sei se posso aguentar muito mais. Passamos dois meses horríveis. Eu me acertei com você, fui viajar e quando volto você está assim. O que está acontecendo? – perguntou mais uma vez, com certo tom de súplica em sua voz.
- Ah, ... – tropeçava nas palavras. segurou as mãos delicadas da namorada que estavam unidas e pousadas no próprio colo. Queria que ela soubesse que mesmo depois das mentiras, mesmo depois da quebra de confiança, estava ao lado dela e aquilo deveria significar alguma coisa.
- Por que está chorando?
- Está tudo errado, . Tudo errado com a gente. Tudo errado comigo. – respondeu sentindo as lágrimas escorrerem com maior intensidade.
- Errado por quê?
- Porque sim. – disse sem paciência, olhando para as mãos unidas.
- Pra mim não está nada errado. Esteve, mas não está mais. Estamos juntos, vamos ter um bebê, temos empregos maravilhosos, uma casa legal... – falou calmamente e ela continuou de cabeça baixa, sem coragem de ao menos olhá-lo nos olhos. Ela não teve nenhuma reação com as palavras apaziguadoras do namorado. – O que você já está guardando para você de novo? Isso pode não fazer bem para o bebê.
Assim que pronunciou aquela palavra, levantou a cabeça e o encarou. Claro que ele não tinha como saber que era exatamente aquele o problema. Que tudo estava daquele jeito por causa do bebê, o bebê que tanto queria e que tanto sonhou.
- Você nunca quis esse bebê... – disse ressentida.
- , já te pedi desculpas por isso. Eu não estava enxergando claramente, estava só pensando no trabalho e querendo evitar as responsabilidades. Estava com medo. – explicou paciente.
- Mas nunca quis. – acusou.
- , eu quero. Nós vamos ter esse bebê e vamos amar essa criança...
Depois que e saíram da casa de Samantha depois dos dias juntos, a mulher ligava todos os dias para o filho, para ajudá-lo a perceber que um filho era uma benção e não um fardo. Em uma das ligações, ela o ajudou a entender como funciona as mulheres com os hormônios loucos. A mãe pedira para que ele sempre tivesse paciência, que conversasse e que tentasse de tudo antes de brigar. E era exatamente o que ele estava fazendo.
- Não vamos, . E sabe por quê? – sua voz era desafiadora. – Não existe bebê. – voltou a abaixar a cabeça.
- Como não? Você me trouxe um ultrassom semana passada e foi isso que me fez voltar atrás, que me fez ver diferente. – disse confuso.
Quando havia lhe mostrado o exame 3D e ele vira aquela foto e o formato do nariz alongado muito parecido com o seu, era como se tudo fizesse sentido. Ele já amara aquela criança e o queria assim como ela o queria. Queria brincar, correr, ensinar o que pudesse, ajudar com a escola... Queria poder cuidar.
A arquiteta não se pronunciou e nervoso, o namorado levantou-se do sofá andando de um lado para o outro na frente dela, com os pensamentos a mil.
- , o que você fez? – perguntou com as narinas infladas. – Você não está me enganando de novo, não é?
Para alguém que ainda estava com todos os hormônios descompensados, aquela última pergunta fora o suficiente para a conversa ser levada a outro nível. De magoada e vítima, passou a assumir uma postura totalmente defensiva.
- Como assim o que eu fiz? Você que não queria esse bebê e eu que fiz alguma coisa? Você acha que eu teria coragem de uma coisa dessas, ? De provocar algo? – explodiu.
- Não sei, . Você engravidou pelas minhas coisas. Eu não sei o que esperar. – rebateu.
- Uau. – levantou do sofá e aproximou-se do namorado com dedo em riste. – Eu achei que tínhamos nos acertado e que você tinha me perdoado, .
- Eu te perdoei e você sabe disso. Mas bastou eu ir viajar a trabalho para ser recebido assim... com você toda estranha e dizendo que não tem bebê. Você não mentiu para mim, mentiu?
- Claro que não. Quem você pensa que eu sou? – o rosto de estava vermelho e a sensação que ela sentia é que ia pegar fogo. Os dois ficaram em silêncio até que com seus pensamentos borbulhantes voltou a falar.
- Eu não sei mais o que pensar. Você sempre soube que eu não queria ter filhos, que não estava preparado... E o que você fez? Parou de tomar a maldita pílula sem que eu soubesse e... Surpresa! Bebê a caminho. Agora você vem me dizer que não tem bebê? O que você quer que eu pense, ? – explodiu. Àquela hora todos os vizinhos já deviam estar a par da discussão, a par do que ela havia feito.
Sim, ela merecia qualquer julgamento que viesse, porque realmente havia feito algo de caso pensado. Desde que foram morar juntos naquele loft, comentava sobre querer ter filhos, sobre ter a própria família e fugia do assunto dizendo que eram novos, que não podiam se prender dessa forma com a profissão que tinham e que não era o sonho de sua vida ser pai. Com o passar dos tempos e com uma amiga louca como a Bird, passou a considerar os conselhos da amiga para uma produção independente. Bird, na verdade, comentara sobre adoção ou ajuda em instituições de caridade para crianças, assim ela podia ter um contato com os pequenos e acalmar o forte desejo que sentia. Porém, os pensamentos da arquiteta foram muito mais longe.
Um belo dia pela manhã, exatamente no horário em que tomava sua pílula anticoncepcional, segurou o círculo rosa, que era o comprimido, entre o dedão e o dedo indicador e uma ideia lhe ocorreu. Se ela se esquecesse propositalmente de tomar o remédio, poderia engravidar e dizer que simplesmente aconteceu e assim realizaria seu sonho e convenceria aos poucos o namorado de que estavam prontos para mais aquele passo. Ideia totalmente doida, mas que funcionaria. Tinha riscos, mas estava decidida a corrê-los, então exatamente o que fez. A princípio pulava alguns dias na cartela e depois, apenas não o ingeria mais e então, ficara grávida. Ninguém sabia como havia acontecido, mas todos que ela amava e se importava ficaram sabendo da gravidez. Bird e Samantha foram as que mais se animaram com a notícia, porém, como era de ser esperar, não lidou bem com a situação. A primeira semana foi de choque para ele; não sabia o que dizer e nem o que fazer, estava apenas apavorado e fingindo que estava tudo bem. Na segunda semana, as coisas complicaram, pois o homem se deu conta que alguma coisa não estava certa e questionou sobre como ela havia engravidado se ela tomava remédio todo o tempo em que estavam juntos e nada havia acontecido. Por um tempo, usou argumentos como antibióticos que cortam o efeito do anticoncepcional, do remédio não ser cem por cento eficaz e etc. Nenhuma desculpa convenceu e então ela optou pela verdade. E então, mais ou menos na terceira semana, o relacionamento virou guerra. não conseguia olhar para , pois estava se sentindo traído, enganado e feito de bobo, e quando ela tentava contornar a situação e conversar, quando tentava lhe tocar, ele se afastava e jogava na cara dela coisas que nenhuma pessoa gostaria de ouvir, mas que no caso, era justo. A verdade doía, era o que todos falavam e estava doendo demais em . Por um tempo, parecia que não havia uma maneira para resolver as coisas, mas a arquiteta mantinha as esperanças de que tudo acabaria bem e com os três felizes pelo simples fato do homem não sair do loft, não virar a noite fora de casa e nem ir dormir no sofá. A última semana, no entanto, fora a mais maravilhosa. , ainda tentando acalmar os ânimos do namorado, mostrou-lhe o ultrassom que havia feito. Foi naquele instante em que os olhos do homem focaram a foto do bebezinho e se encheram de lágrimas que ela teve a certeza de que seria o melhor pai do mundo assim como sempre achou que seria.
- Não precisa pensar nada, . Aliás, nem precisa se preocupar, ok? Você não vai mais ser pai. – disse, dando-se por derrotada. Nem ao menos gritou, estava sem forças e se sentindo exatamente assim, derrotada. Saindo de uma guerra brutal, e de longos dias, sem nada.
- Do que você está falando? – a olhou inquisitivo.
- Eu perdi, ok? Eu perdi... – explodiu em lágrimas.
A primeira reação do homem foi paralisar no lugar em que estava, pasmo. Porém, depois do que pareceu horas e que, na verdade, não havia se prolongado mais do que alguns segundos, o homem pousou suas mãos nos ombros de e a empurrou até o sofá, a fazendo se sentar ali. Ajoelhou a sua frente e respirou fundo. Obviamente que ficara chateado, ele não era sem coração, mas precisava manter a calma. Ele já amava aquele bebê, um bebê que não estava mais ali. Suas mãos seguraram o rosto de delicadamente e seus dedões passaram a secar as lágrimas que escorriam pela bochecha vermelha da arquiteta.
- Está tudo bem, . Está tudo bem. – ele repetia.
- Não, não está. – disse entre os soluços. – Isso é uma merda!
acariciou o rosto da mulher a manteve olhando para ele, mesmo sabendo que ela queria evitar encará-lo.
- Esse não é o fim. Nós podemos tentar de novo mais para frente. – procurou lhe dar alguma esperança.
- Mais para frente, né? Eu sabia, ! – revoltou-se. – Para você está tudo bem, não é? Você nem queria essa criança em primeiro lugar. – seu olhar era amedrontador, prestes a explodir. segurou as mãos de e as tirou de seu rosto. – Você acha que é fácil? Eu estou com um bebê morto dentro de mim. Eu estou acabada e você fala que está tudo bem?
- Não é justo, . Você sabe que eu mudei de ideia, você sabe que foi difícil para mim também. – soltou seu corpo no chão, apoiando os braços nos joelhos. – Você mentiu para mim e mesmo assim eu estou aqui. – disse baixo.
- Mudou de ideia tarde demais. E nem vem dizer que você não pensou nisso, que não torceu para que eu perdesse, que não comentou com o Stefan que estava considerando conversar comigo sobre aborto. Sabe? O que você queria aconteceu, . Eu perdi esse bebê por culpa sua. – as palavras escorregaram de sua boca.
- Bird e o namoradinho falam demais. Eu não sabia o que fazer, . – se defendeu.
- Sabe, seria melhor se você tivesse me falado sobre aborto porque eu teria terminado com você muito antes. – Levantou-se e, decidida, voltou para o mezanino, para o seu quarto. massageou as têmporas e sentou-se no sofá.
- Acho que eu tinha o direito de não querer ser pai ainda, , mas isso não significa que eu seja o culpado por você perder o bebê. Você está sendo injusta, está se esquecendo de como você fez para engravidar e está se esquecendo que eu disse que não tenho problemas em tentar ter outro bebê com você. – disse simplesmente, sem gritar, sem chorar. Apenas deixou que as palavras saíssem, chateado.
- Já falei para não se preocupar. Você não vai mais ser pai agora e nunca mais vai poder ter filhos comigo. – disse, parada no topo da escada.
- Do que você está falando? – ele a olhou com as sobrancelhas vincadas.
sorriu forçado e abriu a porta do extenso guarda-roupa. Pegou sua mala da Louis Vuitton que sempre usava para viajar e jogou algumas coisas de primeira necessidade dentro dela. A arquiteta tinha uma coleção de sapatos e muitas roupas, coisas que não caberiam nas duas malas que tinha na casa, mas que tentou guardar o máximo possível. Aquela seria a última vez que ia vê-la e não se importava que para isso tivesse que comprar as bolsas, os sapatos e algumas peças de roupa novamente.
Quando subiu as escadas e a viu arrumando as coisas, entendeu o que estava acontecendo, mas perguntou novamente:
- Do que você estava falando, ?
- Que acabou, . É disso que estava falando.
Passavam das oito horas da noite quando , após pedir uma sobremesa com sorvete para adoçar a boca e lhe dar a falsa sensação de nervos se acalmando que o excesso de açúcar poderia causar, se deu conta de que, por mais que estivesse conversando mais do que ela mesma previra, amigavelmente e analisando tudo o que aconteceu no passado e que foi prejudicial para o relacionamento de ambos, eles não haviam chegado a lugar algum. Além do mais, ela não tinha conseguido que compartilhasse muitas coisas sobre a sua vida no período em que estavam afastados. Não sabia se ele havia conhecido outra pessoa e se interessado por ela, se já estava de fato namorando outra pessoa ou se ainda a amava. Apenas sabia que o seu trabalho estava ocupando mais tempo do que deveria e que, tirando a preocupação com a saúde de sua mãe ele esteve bem.
O lado altruísta de alegrava-se por saber que aparentemente não se deixara abater com o término e com o fato de terem perdido um bebê. Não era de seu feitio se deprimir por qualquer coisa, muito menos por relações amorosas, já que ela fora a primeira namorada por quem o homem fora fiel, por quem se dedicou boa parte dos seus dias, embora nem de longe conseguisse ser perfeito.
Ela no entanto, por mais que quisesse esconder, contou-lhe sobre como foram seus meses sem ele. Contou sobre a mudança para Vermonte por não conseguir passar pelos lugares que eles iam se deprimir, contou sobre depois de ter saído do apartamento ter se internado para fazer uma curetagem e contou como foram longos dias solitários para voltar a se erguer sabendo que não foi possível gerar uma criança saudável por nove meses e cuidá-lo. não queria dizer muitas coisas sobre isso, mas acabou por saindo com a resposta que talvez a maioria dos homens daria, algo como: ‘Você é nova, é saudável e vai ser uma mãe maravilhosa algum dia. Não desista ainda’. Não, a arquiteta não iria desistir, ela já tinha desistido e colocado em sua cabeça que a maternidade, no fim das contas, não era para ela.
- Eu preciso ir agora... – disse depois de olhar o relógio pela terceira vez.
O homem levantou-se e puxou sua carteira do bolso traseiro da calça skinny preta. adiantou-se e deixou uma nota de cinquenta dólares em cima da mesa, mais do que daria o suco, a cerveja e a sobremesa que pedira e também se levantou, ajeitando a bolsa em seu ombro. Queria pedir para que ficassem mais tempo e quem sabe, amolecer seus corações endurecidos, mas seu lado racional lhe lembrava de que as coisas não precisavam ser apressadas. Haveria tempo para tudo se resolver se fosse realmente o seu desejo, pois ele deixara claro que não tinha problemas nenhum em estar ali com ela; ele só estava esperando que se ela ainda quisesse contato com ele, que demonstrasse e tentasse arduamente corrigir as coisas.
agradecia mentalmente pelos compromissos que o ex-namorado tivera, pois a demorava de oito meses para tentar um primeiro contato poderia tê-lo empurrado para os braços de outra menos orgulhosa, menos egoísta, menos problemática e mais atenciosa.
- Obrigada por ter se encontrado comigo, . – ainda em tempo, deixou que as palavras saíssem livremente.
- Não precisa me agradecer por isso. – respondeu educadamente.
- Preciso. Você não tinha obrigação nenhuma de estar aqui comigo hoje, ainda mais com tanto trabalho que tem tido e com a Samantha em sua casa.
- Não foi sacrifício nenhum. – manteve o ar educado e ambos saíram do restaurante.
Enquanto seguia o ex-namorado até a rua tranquila do Brooklyn, era inevitável não pensar nos momentos bons que já haviam tido e no quanto demorou a se dar conta de que era feliz, de que tinha muito mais do que poderia imaginar.
Na calçada, parecia perdida. Não sabia se voltava caminhando para sua casa, se pegava metrô sem um rumo certo ou se esperava que percebesse que ela não estava bem e a pegasse no colo e a carregasse, não só no sentido literal. Eles haviam sido tão formais um com o outro durante aquela hora que estiveram juntos, haviam estado tão distantes e tão diferentes. Por um momento, sentiu saudade de quando se conheceram, quando a relação que tinham era apenas ‘amigo do irmão’ e ‘irmã do amigo’. Tudo era mais fácil naquele passado inocente.
- Então é isso... – disse.
- Está esfriando, é melhor você ir logo para casa. – aconselhou, referindo-se ao vestido cavado e a falta de casaco da mulher.
- Vou esquentar na caminhada. – entortou o lábio.
- Caminhada? – estranhou. nunca foi de grandes esforços, era mais do tipo que evitava fadiga.
- Descobri que andar me acalma e meu hotel não é tão longe.
- Ah sim. – o homem, com as mãos em seus bolsos dianteiros, desviou o olhar ao chão e, se aquele ato não fosse tão infantil, apostaria que ele estaria prestes a chutar as pedrinhas da calçada.
Não. Ele não oferecera carona, nem companhia e nem demonstrara nenhum interesse sobre qual nervosismo ela queria acalmar. Simplesmente, depois de acenos de cabeça de despedida, cada um seguiu uma rota, mas algo ainda precisava ser dito.
- ? – parou, virou para trás e o chamou. O homem fez o mesmo, esperando o que ela ainda tinha para falar. diminuiu a distância entre eles e colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, piscando os alongados cílios tomando coragem para lhe dizer o que estava preso em sua garganta. A conexão entre os olhos castanhos e os transformaram-se em uma espécie de ímã.
- Sua guarda esteve alta a noite toda e eu sei o porquê. A última vez que você me viu ainda está queimada no fundo de sua mente. Você me deu rosas e eu as deixei lá para morrerem. Então essa sou eu engolindo o meu orgulho, em pé, na sua frente, dizendo que eu sinto muito por aquela noite. Acontece que liberdade não é nada além de sentir a sua falta. Eu estive desejando ter percebido o que eu tinha quando você era meu e eu volto para dezembro, dou meia volta e mudo minha própria mente. Eu sinto falta da sua pele bronzeada, do seu doce sorriso tão bom para mim e tão certo. Talvez isso seja apenas um pensamento bobo, provavelmente um sonho estúpido, mas se nos amássemos novamente, eu juro que te amaria certo. Eu voltaria no tempo e mudaria tudo, mas não posso. Então se a sua porta estiver trancada, eu entendo.
Aquelas palavras atingiram em cheio. Ele estava surpreso, estava admirado com a humildade de para abrir o coração com palavras tão sinceras e vulneráveis, mas não estava pronto para fazer o mesmo. Pensativo, o homem travou o maxilar e envolveu uma de suas mãos no rosto da arquiteta e decidiu por fazer a única coisa que estava com vontade de fazer. Aproximou o seu rosto do dela e encostou-lhe o lábio. Foram poucos os segundos em que compartilharam o doce e leve toque, mas o suficiente para gerar imensas dúvidas. Despedida? Reconciliação? Impulso? Saudade? pressionou um pouco mais seus lábios nos dela e se afastou. Voltou a caminhar para o seu carro sem ao menos falar uma única palavra. Desativou o alarme e adentrou na BMW.
Obviamente que ele ainda gostava de , ele gostou dela a vida toda, mas não estava pronto para todo o drama que era quando estávamos juntos. Pelo retrovisor, o homem pode ver quando ainda tocando os próprios lábios virou-se e caminhou pela calçada deserta e então, uma lágrima escorreu de seu olho direito.
Fim
Nota da autora: Esse não é um motivo para me orgulhar, mas essa fiction é praticamente autobriográfica. Sério, teve um momento em que fiquei tão fissurada por ter um filho que tinha altos planos hahaha. Bem, minhas fics sempre envolvem drama, então esse é só mais um hehe :B Espero que gostem e comentem para que eu fique feliz *-*
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Qualquer erro nessa fanfic ou reclamações, somente no e-mail.
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