Capítulo Único
When I met you, I really didn't like you
Até aquele ponto da minha vida, não havia conhecido uma pessoa que eu realmente sentisse que não gostava apenas por ela respirar. Se eu não gostava delas, era por algum motivo sério e absoluto, uma vez que eu era conhecida por todos naquela agência de publicidade como good vibes por realmente não levar nada para o lado pessoal – nem o que deveria. Para mim, tudo eram flores, sorrisos e unicórnios… Até entrar no recinto.
Não, ele não era um espancador de cachorrinhos, uma daquelas pessoas que enchem a boca para falar que odeiam crianças, ou um daqueles que leitores de Bukowski que leram um livro uma vez há onze anos e se sentem dois mil pés acima de qualquer outro ser humano, muito menos um ávido odiador de brocólis. Ele nem ao menos havia aberto sua boca, e eu já havia decidido que não gostava dele.
Seus designes eram um trabalho divino, isso eu não poderia criticar, nem se fosse a pior pessoa do mundo. Entretanto, eu buscava qualquer brecha para me agarrar ao meu ódio. conversava com nossos colegas de trabalho, sorrindo, e eu me corroía por dentro. Olha lá aquele ridículo sorrindo só para mostrar que não tem nenhum dente torto. Ele passava correndo por nós, claramente apressado para um compromisso, e eu frisava dentro da minha cabeça: “grosso, passou sem nem acenar para a gente”.
tinha virado um trem fora de controle com aquele sentimento infundado. Gostava tão pouco do pobre rapaz, que achava que, se ele pegasse fogo em minha frente e eu tivesse uma jarra de água, eu beberia toda água até me afogar.
Mas então a vida dá uma daquelas viradas de 180º, só porque ela não tem pena de esfregar na sua cara como você está errado quando ela tem a oportunidade. E, bem, eu deveria ter esperado por isso.
Now that I know you, I begin to understands things
— Sally, você não pode me deixar na mão agora, sério. De todas as horas que você podia ter me ferrado, essa é a pior de todas. — me peguei gemendo para meu próprio carro após perceber que ele não queria ligar por nada nesse mundo. — Por favor. — implorei mais uma vez, quase batendo com a própria cabeça no volante, tamanha minha frustação.
Aquela havia sido uma semana saída direto dos meus piores pesadelos, com minha pia quebrando e eu tendo que lavar minha louça dentro da banheira. Meu jeans favorito rasgando onde as coxas raspavam uma na outra e eu sendo a última a saber. E eu, que nunca fazia hora extra, me peguei empolgada com um projeto na agência, o que com certeza enfureceu Sally, meu carro, que, para me punir, escolheu quebrar justamente meia noite, no meio do estacionamento vazio e com um leve toque arrepiante do complexo que trabalhávamos. E a cereja no topo do meu bolo de miséria era meu celular sem bateria. Quem fica sem bateria em pleno século vinte e um?
O cenário de filme de terror estava no ponto com as luzes piscando e um ponto de água pingando entre as vigas de concreto. Tudo que podia pensar era que era justamente naquele tipo de cena que o personagem burrinho e inocente morria sem ter a chance de se defender.
— Sally, pisque duas vezes se alguém cortou algum cabo seu para me assassinar no meio da noite. — sussurrei para o painel no meu melhor tom desconfiado.
A luz acima de mim piscou uma vez, e então eu cheguei o mais próximo de um ataque fulminante do coração quando meu vidro foi esmurrado do nada. O grito que soltei foi tão agudo e longo que foi uma surpresa não ter estilhaçado nenhuma das janelas. Eu nem ao menos tive coragem de olhar para ver quem era, apenas tentei fazer Sally pegar mais uma vez, no alto do meu desespero.
— Eu tenho uma arma! — gritei para a janela com os olhos semicerrados, o medo de ver um machado me corroendo por dentro.
— ? — o maníaco perguntou suavemente, e eu instantaneamente reconheci sua voz.
Eu sabia!
Sabia que Deus não me deixaria ter uma antipatia infundada por alguém. Durante todo aquele tempo, eu havia tido a absoluta e concreta premonição de que meu assassinato seria resolvido como uma partida de Detetive: , na biblioteca, com o candelabro.
— Por favor, não me mate. — me dei por vencida e implorei por minha vida antes que ele começasse a me desossar como um frango. — Eu tenho um cachorrinho me esperando em casa.
— , sou eu, . Você está bem? — ele arriscou tentar olhar para dentro, colocando a mão sobre as sobrancelhas e se aproximando do vidro, dando de cara com minha melhor expressão apavorada. — , você está me assustando. Quer que eu chame a segurança? Você está pálida.
Nenhum machado, foice, arma. Ou candelabro. Tudo que ele carregava era uma mochila, que mal cabia seu notebook, e a carteira pendurada no ombro. Eu só estava, mais uma vez, sendo uma doida varrida e reagindo demais a tudo.
Abaixei o vidro e sorri amarelo para ele, que me observava, assustado.
— Você está bem? — atirou de pronto, procurando algo em mim assim que o vidro desceu.
— Estou, desculpe a cena. — mordi o lábio, envergonhada, e dei ombros. — Meu carro se recusa a ligar, e eu assisti filmes de terror demais.
O maldito teve a indecência de dar uma risadinha antes de se oferecer para me ajudar. Pediu para ver o motor e largou sua mochila comigo. Perdemos bons vinte minutos rodando a chave e ouvindo o som esganiçado saindo do motor. Sally estava em suas últimas.
— É, parece que vamos ter que chamar um guincho e levar para a mecânica. Você tem o número da seguradora? — perguntou, limpando suas mãos na calça jeans.
— Meu celular está sem bateria. — soltei, apologética — Filme de terror, lembra? — sussurrei como uma piada.
riu e pegou a mochila, passando por seu braço novamente, e eu senti que o detestava um pouco menos.
— Tranca tudo aí e eu te deixo em casa, sem problemas.
— Você nem sabe se eu moro no lado contrário a sua casa. — arremedei, apertando os olhos, desconfiada para ele.
— Na verdade, eu sei que você mora aqui por perto. Eve disse uma vez.
Fofoqueira, resmunguei mentalmente.
— Se não for muito incômodo… — arrisquei, não muito disposta a ficar dando sopa no set de Halloween.
piscou e indicou o outro lado com a cabeça como sendo o lugar que seu carro estava. Juntei minhas pastas e bolsa rapidamente e tranquei Sally, para então segui-lo pela garagem.
O estúpido carro de ligou na primeira tentativa, o rádio tocando uma playlist dos anos oitenta. Passei meu endereço e tentei não focar no homem cantando A-ha ao meu lado. Era óbvio que ele amaria aquelas músicas ridículas cheias de sons de teclado irritantes, pois eu as odiava com o fogo de mil sóis.
Quando paramos em um cruzamento, meu estômago traidor fez o som mais macabro da noite, avisando para quem quiser ouvir que não havia nada ali desde as dez da manhã. Sorri sem graça para o homem, que espremeu os olhos castanhos no sorriso mais ridiculamente fofo que eu já havia visto.
— Se isso foi um convite para jantarmos, devo dizer que aceito sem maiores problemas. — disse, dando ombros. — Aliás, tem um Burger King na próxima esquina. O que você acha?
Quando dei por mim, estava sentada em uma mesinha do Burger King, devorando um combo e me entupindo de milk-shake enquanto gargalhava com as palhaçadas que o homem à minha frente fazia. Peguei-me apreciando aquilo mais do que deveria, talvez fosse o cansaço, mas , de repente, não parecia mais como o pior dos homens.
— Então, essa foi a pior semana do ano ou o quê? — perguntou, aleatório, enfiando uma batatinha na boca.
— Está tão na cara assim?
— Bem, você está aqui rindo comigo, o cara que você mais detesta, como se não fosse algo tão ruim. Quero dizer, se eu fui a coisa menos pior da sua semana, isso quer dizer que sua semana foi péssima. — havia se curvado em minha direção, sussurrando como se contasse um segredo e piscando confidente quando acabou.
— Você tem razão — concordei em um suspiro —, foi uma semana miserável.
— Eu sabia! — ele disse, rindo — Você realmente me detesta.
— O quê?! Não! — tentei negar mesmo com minha voz esganiçada, me entregando — Da onde você tirou isso?
— Por que você não gosta de mim, ? — perguntou com um sorriso frouxo de quem sabia mais do que dizia. — Só diga o motivo, eu mereço saber.
Respirei fundo antes de dar uma mordida enorme em meu sanduiche, somente para manter minha boca fechada por mais alguns segundos. Os olhos curiosos de esquadrinhando cada milímetro da minha provável cara de quem estava inventando alguma desculpa. Engoli ruidosamente e estiquei minha mão para o copo de milk-shake. Entretanto, ele foi mais rápido ao puxá-lo para seu lado e me dar um sorrisinho ridículo.
— Eu conheço a técnica, vai me enrolar até terminar e então pedir licença para ir ao banheiro rapidinho e aí fugir pela janela. — disse em uma falsa acusação.
— Uau, você teve uns encontros muito estranhos, não é mesmo?
— Então isso é um encontro? — seu rosto se iluminou com a brincadeira, e ele puxou um gole barulhento do meu milk-shake — Eu devia ter pelo menos penteado o cabelo. — deu ombros.
Gargalhei perante sua reação. Ele era a droga de um brincalhão que fazia tudo ficar leve. De repente, eu me senti como se eu fosse a pessoa que batia em cachorrinhos e odiava brócolis que todos odiavam. Eu era uma pessoa ruim por odiar um cara tão legal.
— Deveria. — concordei, puxando o copo para mim novamente e limpado o canudo com o dedo — Mas isso não é um encontro, você é meu motorista do Uber.
— E você vai me pagar com o segredinho. Desembucha. — colocou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos para apoiar o queixo sobre eles, me dando seu melhor olhar de detetive, não me deixando escapar.
Grunhi entre uma risada e abaixei meus olhos para os papéis amassados e manchados de molho do sanduíche.
— Eu não sei por que não gosto de você.
— Esse é o melhor motivo que eu já escutei. — disse, impressionado. — Mas podemos elaborar mais, que tal? Tem mais alguma coisa.
— Não tem, eu realmente não sei por que não gosto de você. É só uma sensação estranha. Essa sua cara de quem não vai dar oi quando a gente passa por você. Ou o jeito como você sempre ajuda os outros sem ser chamado. Ou como você fala demais.
— Motivos legítimos! — teatralmente levantou suas mãos para o céu e gargalhou — Obrigado por sua sinceridade, agora podemos trabalhar nisso. Estava ficando estranho você rosnando para mim nos corredores como se eu tivesse roubado seu osso enquanto você dormia.
— Essas suas analogias ridículas também… Detestável.
— Vamos, vou te deixar em casa. — disse, juntando seu casaco do banco e se pondo de pé para vesti-lo — Finalmente posso dormir em paz sabendo o que fiz para . Basicamente, tudo que eu fiz foi nascer.
— Basicamente! — concordei, puxando minha bolsa para segui-lo, e ele educadamente colocou a mão no meio das minhas costas enquanto caminhávamos até o estacionamento.
O carro estacionou suavemente em frente à minha casa depois de uma corrida de menos de cinco minutos, dessa vez com o rádio desligado. O percurso todo me prestei a observar disfarçadamente o perfil de enquanto ele dirigia, concentrada demais em me lembrar de como ele fazia as pessoas rirem tão fácil e deixava tão ridiculamente difícil detestá-lo.
— Está entregue. — ele disse animadamente enquanto eu juntava minhas coisas do chão do carro.
Agradeci e lhe dei uma piscadinha, mas algo não me deixou sair antes de dizer alguma coisa.
— Eu estava errada.
— O quê?
— Sobre você. Eu estava errada… Você é um cara muito… — respirei fundo, tentando encontrar a palavra certa para defini-lo — Decente.
riu e sacudiu a cabeça, achando graça do meu elogio.
— Decente. Certo. Vejo você na segunda, então.
— Não é como se eu pudesse escapar também.
— Ah, não, eu quis dizer na hora do almoço. Vejo você na segunda para almoçarmos.
Talvez ele tivesse algum problema com comunicação, porém achei adorável ter alguém com quem almoçar. Dei ombros ao concordar, não querendo fazer muito caso daquilo, e então saí para entrar em minha casa.
Jogando minha pasta sobre o sofá e pendurando minha bolsa e casaco no cabideiro, me dei conta de que ele realmente era muito decente.
No matter how I try to hide, just see straight from my disguise
You know how to fix me, you are my therapy
‘vc pode me encontrar no mug hugger em trinta minutos?’
Enviei a mensagem e joguei o celular no banco do carona, encostando a cabeça no encosto do carro e olhando o teto do carro sem vontade alguma. Era meio da tarde de uma quinta-feira, mas eu só queria que o tempo parasse para que eu pudesse me desfazer. O celular vibrou, avisando que uma nova mensagem havia chegado.
‘tô lá em quinze.’
Sorri aliviada para a tela. Guardei o aparelho no bolso do meu casaco e saí de Sally, pronta para entrar. Já estava estacionada ali cerca de quarenta minutos, a cabeça embaralhada demais para poder pensar em qualquer coisa. Eu precisava de um café e algo coberto de chocolate com confeitos coloridos.
Já estava sentada na mesa de dois lugares servida de café preto sem açúcar e um prato com cerca de sete bolinhos diferentes e alguns biscoitos amanteigados quando entrou todo encasacado dentro do café, parecendo um pequeno muffin coberto com uma toca vermelha.
— Começou a festa sem mim? — brincou, sentando na cadeira à minha frente e tirando uma camada de casaco. — Está tudo bem, ? — perguntou, desconfiado, olhando para o pequeno banquete à minha frente.
— Tudo ótimo. Perfeito. Maravilhoso, na verdade.
— Certeza?
— Claro que tenho certeza, por que você está perguntando? — muito provável que o tom agudo e tentando parecer descolado me entregou. Ou talvez o chocolate carimbado em meu queixo. Ou o leve tremelicar involuntário em meu olho esquerdo.
apertou os olhos e inclinou levemente a cabeça, gesto que eu já tinha aprendido que ele fazia quando estava pensando em algo. Logo ele apontou o balcão da cafeteria e avisou em voz alta:
— Eu vou lá buscar um café e deixar você pensar se quer ou não me contar o que está pegando, porque eu sei que está pegando alguma coisa ou você não me chamaria nesse horário para um café.
O homem deu as costas antes que eu pudesse responder.
Soltei um suspiro, deixando meus ombros caírem como uma completa derrotada. Depois do Burger King, quase um ano e meio atrás, havia se tornado algo como meu melhor amigo. Tinha orgulho em dizer que ele tinha um dom em enxergar através das pessoas e às vezes sabia o que eu estava pensando sem fazer qualquer esforço extra para isso. Então, não tinha por que eu tentar esconder o que estava acontecendo dele. Logo ele saberia de qualquer maneira.
Ele mal sentou com sua caneca fumegante quando eu atirei:
— Eu estou grávida.
Choque piscou por seus olhos, fazendo-o parar no meio de sua ação. A boca de se abriu, mas nenhum som saiu de lá.
— O quê… … Como… Por quê? — balbuciou, confuso entre sentar ou largar seu café lá e sair correndo. — Quem?!
— Senta. E respira. — alertei quando cabeças começaram a virar para nos encarar. me obedeceu e sentou à minha frente, os olhos assombrados em mim. — Não me olha assim, por favor.
— , como isso foi acontecer? Você é tão cuidadosa. — perguntou, preocupado.
— Eu não sei. Não sei. — lágrimas inundaram meus olhos, e eu me peguei cobrindo o rosto com as mãos, envergonhada por tudo aquilo. Foi o tempo de meu amigo arrastar a cadeira e me puxar para seus braços para eu rompesse. Deixei tudo sair de mim em choro, o peito dolorido de tanto guardar as coisas. — Me desculpe. — sussurrei, afogada, e ele apenas afagou minhas costas em resposta.
— Não quero que se desculpe por nada. Doug é o pai, não?
Apenas acenei que sim com a cabeça ainda colada em seu peito, pesada demais para que pudesse levantá-la.
Doug Bishop era o cara com quem eu estava saindo há meses e, apesar dele ser o tipo de cara lindo que conseguia te tirar de dentro das roupas sem muito esforço, eu não conseguia ver onde nós nos encaixávamos em qualquer lugar além da cama.
respirou fundo e me apertou ainda mais contra ele.
— Ele foi um babaca quando você contou, não foi?
Mantive-me em silêncio, incapaz de poder reproduzir a quantidade de coisas que havia escutado mais cedo naquela tarde. Entretanto, minha falta de resposta deixou o homem inquieto. Ele me tirou do encaixe confortável e analisou meu semblante, entortando a boca em desgosto.
— O que ele disse?
— Deixa isso para lá.
— Eu não vou deixar para lá, . Olha como você está. — ele tentava conter a raiva, mas eu ainda podia ver suas narinas se alargando como se ele quisesse cuspir fogo — Por favor, .
Engoli um soluço e larguei de seu braço para alcançar um dos bolinhos dispostos no prato. Se fosse para sofrer, que fosse anestesiada por chocolate.
— Ele veio com aquele papo de ”mas você tem certeza que é meu?”, apesar dele saber que eu só saía com ele. E então ele foi bem direto, dizendo que está em uma fase da vida dele em que não pode ter filhos e que eu também deveria prezar mais pela minha carreira, porque não tenho uma família, e ele não quer um relacionamento. Ele… — parei para engolir o bolinho que estava esfarelado em minha boca — Ele disse que eu não deveria ter tentado esse tipo de golpe com ele porque ele não é esse tipo de cara.
— Desses tipos de cara que não têm amor pela vida? É, ele realmente não é.
— Por favor, não fica bravo. Eu estou tentando não ficar completamente irada e ir atear fogo no apartamento dele, mas ele disse algumas coisas certas.
, literalmente, pulou da cadeira e me olhou, abismado.
— Ele não disse nada certo, . Esse cara é um lixo, e eu não vou deixá-lo te tratar assim. — ele tornou a ficar próximo e se ajoelhou entre os meus pés. Pegou minhas mãos entre as suas e sussurrou — Vai dar tudo certo, eu não vou abandonar vocês. Depois que eu sair da cadeia, nada vai faltar para você e para o bebê.
Estapeei seu braço, rindo e chorando por suas piadas ridículas. Curvei-me em sua direção, beijando o topo de sua cabeça e encostando minha bochecha lá.
— , eu amo tanto você. Por favor, não me odeie...
— Eu nunca te odiaria, . — cortou-me.
— Eu não quero ficar com a criança.
Silêncio reinou entre nós enquanto nos mantivemos naquela posição estranha. Por cinco minutos, tudo que pensei era que, além do meu sozinha regular, o qual eu já estava acostumada, eu seria sozinha sem . Mas eu não podia sentir culpa por verbalizar minhas vontades, pois, no fundo, eu sabia que seria uma mãe horrível. Eu perderia minha carreira e não tinha ninguém por perto para me auxiliar. Seria um pesadelo não só para mim, mas para uma criança inocente, que merecia muito mais do que eu jamais poderia lhe oferecer. Eu não tinha ninguém, e ali, naquele momento, senti que estava perdendo a única constante que eu tinha em minha vida.
Até ele falar.
— Eu estou com você no que você precisar. Nos bons e nos maus momentos, . Se essa é a sua decisão, eu estou contigo. Apesar de ainda pensar que daríamos um jeito, eu sempre vou estar contigo.
— Eu amo tanto você. — murmurei entre as lágrimas emocionadas que escorriam de meus olhos. Escorreguei da cadeira para parar entre suas pernas no chão e o abracei pelos ombros. Ficamos ali até a barista vir preocupada perguntar se estava tudo bem.
Não estava, mas, enquanto ele estivesse ali, eu estaria bem.
You know how to fix me, you are my therapy
Eu sentia seus dedos correndo por entre os fios do meu cabelo enquanto o resto de mim ainda estava anestesiado.
Já fazia dias desde que nós havíamos ido a uma clínica. O procedimento já estava feito. E algo dentro de mim se sentia quebrado, vazio e frio. Como se tudo que eu pudesse pensar fossem variantes em que tudo terminava bem.
Mesmo eu sabendo que só na ficção ficaria.
havia ficado ao meu lado o tempo todo, me abraçando e sussurrando pequenas notas de coisas positivas, tentando evitar que eu caísse em algum buraco enquanto eu mesma tentava pulá-los.
Eu só queria entender como as pessoas podiam acreditar que um aborto era algo tão simples, fácil, indolor. Minha cabeça pesava uma tonelada com todos os cenários de prós e contras, meu coração doía pensando que talvez eu tivesse feito a escolha errada, quando eu sabia que não tinha. Eu me sentia tão egoísta que doía fisicamente.
— Nós precisamos conversar. — disse, de súbito, escorregando sua mão por meu braço e me apertando de leve.
— Sobre? — perguntei preguiçosamente, tentando evitar o assunto e fingindo que estava tão interessada na reprise de Friends que passava.
— Sobre você e o procedimento, . Você precisa colocar isso para fora, eu estou vendo o quanto você está mal.
Sentei-me na cama, as mãos sobre o ventre, os olhos focando na ponta dos meus próprios pés. Por onde começar?
— E se eu fiz a coisa errada, ? E se eu fosse ser uma boa mãe, conseguisse me virar sozinha, e se eu me esforçasse mais? E se eu não fosse tão egoísta?
— Você não foi egoísta, . Não que um aborto seja a coisa mais altruísta do mundo, mas você fez o correto, seguiu seu coração. Um dia você vai ser uma mãe maravilhosa, eu sei que vai. Mas, nesse momento, o que você poderia oferecer para uma criança? — ele secou as lágrimas, que escorriam por minha bochecha, antes de voltar a falar. — Você trabalha quase doze horas por dia, rala muito para se manter nesse apartamento. Você não fala com a sua mãe há nove anos, … Como você iria trabalhar, cuidar de um filho sozinha e educá-lo? Se o Doug ao menos se comprometesse…
— Não, eu nunca ficaria com ele por causa de uma criança. Eu vi o que isso fez com meus pais. É só que eu fico pensando em tantas coisas e sei que esse é o pior momento da minha vida, mas…
— Vai passar, . Tudo tem sua hora, seu lugar. Eu sei que agora está sendo um momento horrível, mas vai melhorar. Andei pesquisando e tem um grupo de apoio no centro. Acho que seria bom se você conversasse com pessoas que já passaram por isso, te faria bem.
Meu biquinho de choro tremeu, e eu não consegui mais me manter tão plena. Agarrei-o pelos ombros e chorei mais um pouco. Eu o amava tanto. Tudo que sempre quis foi alguém que cuidasse de mim com zelo quando eu não podia mais aguentar o peso das coisas, ter alguém ao meu lado que se importasse comigo o suficiente para me aguentar mesmo em meus piores momentos.
nunca escutou o quanto eu agradecia por ele não ter medo de enfiar o nariz onde não era chamado e ser insistente ao ponto de perguntar a uma pessoa por que ela o detestava… Aquele era o ponto da minha vida onde eu já não podia mais viver sem meu melhor amigo.
— Eu amo como você é como um curativo para mim. — murmurei contra seu ombro.
— Sempre achei que eu fosse o tipo de cara que seria um antibiótico ou um analgésico potente. Sabe, daquele que derruba um cavalo. — fez graça.
— Não. Band-aid. Cem por cento.
— Então band-aid eu sou. — ele riu, afrouxando o abraço — Você riu, então estou assumindo que esteja melhor?
— Vou estar…
There something 'bout you that's like the sun
(Seis anos depois)
Estávamos elegantemente atrasados, tudo graças ao pneu furado de Sally. Sempre Sally! Apesar de velho, o carro era minha paixão e estava sempre ali para me lembrar no mostrador da quilometragem o quanto eu já havia avançado na vida e, apesar de suas eventuais travadas, foi graças a ela, muitas vezes, que coisas absurdamente boas aconteceram em minha vida.
Alex, meu marido, soltou um suspiro aliviado quando percebeu que a missa ainda estava no começo e que ninguém havia levado seus bebês até o padre. Em uma das últimas fileiras, minha cunhada Veronica, irmã de Alex, acenou animada para nós. Ao seu lado, Adam, seu filho, brincava silenciosamente com seu bonequinho de ação.
— Hoje é o batizado, não o casamento de America, . Não precisava dar uma atrasadinha. — Veronica fez piada quando sentei ao lado dela com minha filha no colo. Ri quando America se lançou para o colo da tia e agarrou-se com seu longo colar de pérolas.
— Filha, não! — segurei suas mãozinhas com delicadeza e afastei do colar. Veronica achou graça no ataque e beijou as bochechas da pequena. — Sally resolveu dar seu show antes de sairmos. Aliás, onde está seu maridinho e o meu Gustav? — perguntei depois de notar a ausência do homem.
— Estão lá fora dando um tempo. O gorduchinho acordou terrível hoje, você tem que vê-lo querendo conversar como se já fosse grande. Eu não me aguento, quero apertá-lo a toda hora. Meu filho é tão lindo. — os olhos de Veronica brilhavam, e eu sabia muito bem o motivo.
Depois de anos achando que eu seria uma péssima mãe ou companheira para alguém, ou até mesmo fosse merecedora disso, Alex me encontrou. Ou eu o encontrei. Certo, o mais correto era afirmar que Sally encontrou a traseira do carro dele com muita vontade, igual um cachorro cumprimentando o outro.
Ele percebeu meu pavor no segundo que saí do carro. Minhas pernas chacoalhavam de um jeito que eu tive a plena certeza de que iria colapsar ali mesmo sem qualquer esforço. O homem me deu uma garrafa d’água e o telefone para ligarmos para o seguro. Trocamos nossos números logo em seguida. Três dias depois de ele ter se negado a aceitar que eu pagasse a franquia, me ligou avisando que eu poderia pagar um café para nós dois ficarmos quites.
O homem era bom, isso eu tinha que admitir. Foi um café que se estendeu até o jantar e, quando eu fui pegar meu táxi, percebi que não queria ir. Como uma adolescente, mandei uma mensagem de bom dia no dia seguinte e então tínhamos um jantar. Na noite seguinte, outro. E, então, quatro anos depois estaríamos casados e com uma filha.
E eu sabia muito bem o motivo dos olhos de Vero brilharem quando falavam do filho mais novo, pois era como se toda sua vida estivesse ali. Todas as coisas boas, e até mesmo as ruins, pareciam pequenas demais quando eu olhava nos olhos castanhos de America, e ela sorria toda babada com sua papinha de frutas. Era um encanto que não tinha qualquer legenda que pudesse explicar, e eu nem precisava que explicasse. Qualquer pequeno progresso parecia uma aprovação no vestibular ou uma proposta de emprego, mas mil vezes melhor. Até mesmo quando meu dia estava péssimo, se eu ouvisse um ‘buh’ da minha gordinha, era como se estivesse no paraíso.
— Eu vou lá chamá-los então, quero apertar meu gorduchinho antes de subirmos.
Alex e Vero concordaram, e então entreguei minha pequena bagunceira para o pai antes de sair pela porta lateral discretamente.
Não andei muito até ver Gus e seu pai sentados num banco embaixo da árvore, conversando entre resmungos inteligíveis. Dei risada, pois parecia uma conversa muito importante para o pequeno, que tinha um biquinho formado.
— Eu não sei sobre o que estão falando, mas eu fico do lado do Gus. — comentei, séria, chegando mais perto e sentando no lugar livre.
sorriu largo, desviando os olhos do filho por um segundo.
— Finalmente sua dinda chegou, filho, estava achando que teria que colocar você naquela água para distrair o padre até ela chegar. — soltou, engraçadinho, e o pequeno em seu colo resmungou algo e riu em seguida. Não me contive de cutucá-lo de brincadeira e então beijar sua bochecha gorda.
— Ora, seu traidorzinho, você tem que me defender! — brinquei, colocando meu dedo sobre seu nariz. Gus esticou os bracinhos em minha direção e apertou as mãozinhas, pedindo para pegá-lo. — Agora você me quer, safadinho.
— Vai com a dinda que o pai está sem o braço já, filhão. — disse, risonho, entregando o bebê em meus braços.
Gus logo se enroscou em meu cabelo, enfiou a mão na boca e ficou resmungando conosco. Olhei para o gramado verde que se estendia por toda a propriedade até o longe, parecendo tão lindo no final da tarde.
havia virado uma parte essencial da minha vida, me acompanhando em todos meus momentos e sendo meu porto seguro quando eu precisava. Quando ele se casou com Vero, dois anos depois do meu casamento com Alex, meu marido adorava tirar sarro do fato dele agora ser legalmente irmão de e eu não. Não que eu me importasse. Ver que os dois amores da minha vida também se abraçavam como irmãos me encantava, ainda mais por finalmente ter encontrado uma namorada que não me odiava pelo simples fato de eu ser sua melhor amiga. Nós éramos família.
— Eu nunca imaginei que minha vida seria assim. — declarei, de repente — Que eu teria tanto amor ao redor. Que seria mãe. Eu, mãe, ! Dá para acreditar?!
— Eu sempre soube que você seria uma mãe maravilhosa, inclusive até te disse. — o homem sorriu, me empurrando com o ombro de brincadeira — Sempre soube que você seria feliz quando se permitisse ser. Você brilha, . E vêm coisas melhores ainda, pode esperar.
Assim como Gus, fiz um biquinho, emocionada.
— Eu amo tanto você, sério. Minha vida seria horrível sem você.
— Eu não estou indo a lugar nenhum, você está? — ele brincou — Por favor, se estiver, devolva meu filho.
— Você é ridículo, estávamos tendo um momento tão fraternal. — brinquei, jogando a cabeça para trás no mesmo momento em que Gus grudou em meus cabelos, me obrigando a olhá-lo. — Gorducho, não seja como seu pai.
O bebê apenas gargalhou como um pequeno anjo e grudou sua boca babada em minha bochecha. Nenhum de nós aguentou em silêncio, a onda de gargalhada explodiu pela expressão de carinho de Gustav.
— Muito amor, muito amor! — ri, sentindo lágrimas se formarem em meus olhos. Puxei o bebê com cuidado para longe do meu rosto. — A tia te ama também, gorducho.
— Ei, vocês, venham logo, que o padre já está chamando. — Alex gritou a poucos metros de nós com America em seu colo. Gus ficou agitado ao ver a pequena esticando seus bracinhos em direção à prima.
pegou o filho e passou o braço por meus ombros enquanto caminhávamos. Beijou minha cabeça antes de me entregar para meu marido. Minha filha fez seus típicos sons de bebê para o tio.
— Olha só como o meu solzinho está crescido.
— Eu e Vero somos seu sol, bocózão. — lhe mostrei a língua, fazendo piada.
— Vocês duas estão lentamente perdendo espaço no meu coração, não é mesmo, Alex? — meu irmão piscou para Alex, que concordou prontamente.
— A regra é clara: na fila do coração, primeiro vem America, com Adam e o Gus, um em cima da cabeça do outro para ficarem em primeiro lugar. Se sobrar espaço, aí tem você e a Veronica.
— Vocês são dois ridículos. — rolei os olhos com a brincadeira e então agarrei Alex, lhe dando um selinho antes de puxá-lo para o caminho da igreja.
veio ao nosso lado com um sorriso orgulhoso no rosto.
— Não cabe na minha cabeça que ontem esse pinguinho de gente estava acenando atrás do vidro da maternidade para a gente e hoje a gente está caminhando-a até o altar. — soltou, emocionado.
— Você sabe que hoje é só o batizado dela, né?
— Eu sei, eu sei. Mas estou levando como treino para quando ela for casar, porque é óbvio que ela vai pedir para o Tio levá-la.
— Ah, cala a boca, . — Alex riu — Já basta eu dividir minha irmã e minha esposa com você, deixa minha filha em paz. — ele apertou nossa filha contra o peito e sussurrou alto o suficiente para que nós escutássemos — Não deixa seu tio enfeitiçar você não, princesinha. O papai que é seu super-herói, seu tio tem chulé.
Aquela família significava tudo para mim, não podia não sorrir junto a eles.
Meu coração quase saiu pela boca de tanta emoção ao ver Veronica e segurando America no batismo. Alex apertou forte minha mão, dando um beijo em minha cabeça. Eu estava completa ali, vendo claramente todos os pedaços bons da minha vida se juntando. A única coisa que pude pensar antes de dormir naquela noite foi o quanto eu devia a Sally, por sempre trazer as pessoas certas para mim.
Fim
Nota da autora: Antes de mais nada eu queria dizer que amizade é a coisa mais importante na vida. Nossos amigos são a família que a gente escolhe, então não deixe de dizer pros seus amiguinhos que amam eles (vamos deixar claro aqui que amor não é só romântico, não fica bolado de dizer que ama as pessoas não ô rainha elsa lerigou). Eu tenho pouquíssimos amigos e quase todos eles são como irmãos para mim (e para alguns eu sou uma mãe), então essa história eu dedico a todos os meus bebês que estão do meu lado incondicionalmente, mesmo a distância, por todo esse tempo. Eu amo vocês!
Não vou pedir desculpas pra quem achou que os principais ficariam juntos, sorry not sorry!!! Amizade entre homem e mulher existe sim e não precisa um dos dois ser homossexual para acontecer. #militei
No mais espero que tenham gostado da história, se gostou não esquece de comentar e dividir com as amigas, se não gostou já sabe o esquema, compartilha com as amigas também porque amigas que odeiam fics juntas permanecem juntas.
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Não vou pedir desculpas pra quem achou que os principais ficariam juntos, sorry not sorry!!! Amizade entre homem e mulher existe sim e não precisa um dos dois ser homossexual para acontecer. #militei
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